Fundamentos morais da Política

24/03/2022 às 19:22
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RESUMO: Mesmo que exista uma suposta justificação convincente em termos filosóficos, de resolução dos problemas da sociedade, apoiando-se em um fundamento moral em detrimento de outro, os fins não serão atingidos, visto que os indivíduos possuem visões metafisicas distintas. De especial importância conhecê-las, a fim de que melhores decisões sejam tomadas.

ABSTRACT: Even if there is a supposedly convincing justification in philosophical terms, for solving society's problems, relying on a moral foundation to the detriment of another, the ends will not be achieved, since individuals have different metaphysical views. It is especially important to know them, so that better decisions can be made.

PALAVRAS-CHAVE: TEORIA DO ESTADO, IDEOLOGIA, CIENCIA POLÍTICA

KEYWORDS: THEORY OF THE STATE, IDEOLOGY, POLITICAL SCIENCE

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Desenvolvimento do pensamento crítico e o paradoxo do desconforto 3. Utilitarismo e o consequencialismo 4. Marxismo e a divisão de classes entre proletariado e capitalistas 5. Do contrato social e a ideia de consenso 6. Anti-iluminismo e o conservadorismo 7. Democracia 8. Conclusão.

  1. Introdução

Ian Shapiro, professor de ciências políticas na Yale University, diz que temos que olhar debates políticos sobre desigualdade, ações afirmativas, por duas perspectivas: interna e externa.

A interna diz respeito a análise sobre o discurso, se é verdadeiro. É um argumento válido? É plausível? No final do dia, ainda devo acreditar nesse discurso? A questão principal será: eu devo acreditar nesses argumentos?

A externa é quanto à ideologia. Temos que olhar como esses argumentos operam no mundo. Quais as práticas validam ou invalidam o discurso? O que faz um governo legitimo? Quando devemos desobedecer ao Governo? Quando não devemos desobedecê-lo?

Shapiro vai dizer que não há uma resposta cientifica sobre discriminação racial, nós, por conta própria, devemos ter um padrão moral e nesse momento, também teremos um padrão político. Não há espaço para neutralidade, sempre será uma escolha moral e consequentemente, política.

No meu artigo sobre Carl Schmitt, o conceito do político, é exatamente o que Schmitt conclui, que somos seres políticos e não conseguimos ser neutros, nem que tentássemos porque em um dado momento seremos confrontados e teremos que escolher quem é o nosso amigo e quem é o nosso inimigo.

Pelos ensinamentos de José Guilherme Giacomuzzi, o direito é constituído por fontes formais ou dogmáticas, e materiais.

As fontes formais são as leis, jurisprudências, doutrinas, costumes. Dividem-se em vinculantes, constituindo-se das leis, jurisprudência e não-vinculantes, sendo as doutrinas, costumes.

Por sua vez, as fontes materiais são a política, economia, sociologia e filosofia.

As fontes implicam o entendimento do direito, sendo indispensável ao jurista o conhecimento de ideologias filosóficas, haja vista permearem decisões jurídicas e políticas.

  1. Desenvolvimento do pensamento crítico e o paradoxo do desconforto

Shapiro desperta o pensamento crítico acerca do que vemos na política, os vieses que levam a pensar que Marx seria radical, a fim de validar um discurso político que atacam suas ideias que no fundo, não são tão radicais como as de Edmund Burke, por exemplo, o fundador do conservadorismo moderno.

Burke foi crítico da revolução francesa e entendia que a sabedoria residia em grande medida, na experiência, tradição e história. Nas suas reflexões, que tiveram origem na troca de correspondências com um jovem francês, Richard Price, um aficionado por políticos radicais, e grande fã de políticos radicais ingleses, que queria saber sua opinião sobre os desdobramentos do que estava acontecendo na França, Burke diz:

A França, pela perfídia de seus líderes, desonrou totalmente o tom do conselho leniente nos gabinetes dos príncipes, e os desarmou de seus tópicos mais poderosos. Ela santificou as máximas sombrias e suspeitas da desconfiança tirânica e ensinou os reis a temer as plausibilidades ilusórias dos políticos morais. Os soberanos considerarão aqueles que os aconselham a depositar uma confiança ilimitada em seu povo como subversores de seus tronos, como traidores que visam sua destruição, levando sua boa índole fácil, sob pretextos ilusórios, a admitir combinações de homens ousados e infiéis em uma participação de seu poder. Isso por si só (se não houvesse mais nada) é uma calamidade irreparável para você e para a humanidade[1].

Para Burke, deus nos deu nossa natureza e com isso a lei natural. Em sua visão, as leis e os direitos sagrados, que derivam das leis, são mal interpretados pela mente moderna. Burke defendia que as instituições religiosas seriam importantes para estabilidade moral e bem do estado.

Shapiro vai nos apresentar o paradoxo do desconforto. O que nos deixa desconfortável ou confortável em determinada situação, de acordo com nossos julgamentos morais?

Hannah Arendt escreveu sua obra Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal, quando cobria o julgamento de Otto Adolf Eichmann, em Jerusalém, no ano de 1961.

Apontado como um monstruoso carrasco nazista, responsável pelo planejamento e operacionalização da chamada "solução final", a figura de Eichmann se apresenta, diante de Arendt como um funcionário pronto a obedecer a qualquer voz imperativa, incapaz de refletir sobre seus atos ou de fugir aos clichês burocráticos. É nesse ponto que Arendt se depara com a confluência entre a capacidade destrutiva e a burocratização da vida pública[2].

Em trecho do livro, sobre as ordens que Eichmann obedecia, consideradas legitimas no regime nazista, Arendt vai expor:

Resta, no entanto, um problema fundamental, que estava implicitamente presente em todos esses julgamentos do pós-guerra e que deve ser mencionado aqui porque toca em uma das questões morais de todos os tempos, a saber, sobre a natureza e a função do julgamento humano. O que exigimos nesses julgamentos, onde os réus cometeram crimes legais, é que os seres humanos sejam capazes de distinguir o certo do errado, mesmo quando tudo o que eles têm para guiá-los é seu próprio julgamento, que, além disso, está completamente em desacordo com o que eles devem considerar como a opinião unânime de todos os que os cercam. [...] Uma vez que toda a sociedade respeitável tinha, de uma forma ou de outra, sucumbido a Hitler, as máximas morais que determinam o comportamento social e os mandamentos religiosos - "Não matarás!" - que guia a consciência praticamente desapareceu. Aqueles poucos que ainda eram capazes de distinguir o certo do errado seguiram apenas seus próprios julgamentos, e o fizeram livremente; não havia regras a serem observadas, sob as quais os casos particulares com os quais eles foram confrontados podem ser classificados. Eles tinham que decidir cada instância à medida que surgia, porque não existiam regras para o inédito[3].

Arendt desperta o pensamento crítico no momento em que expõe que Eichmann obedecia às ordens que até então eram legitimas e em seu julgamento, deveria responder perante um Tribunal que não existia enquanto ele obedecia a essas ordens. Tribunal este que considera essas leis que eram então legítimas, ilegítimas, mas só recentemente, no pós-guerra.

E então o julgamento moral individual sobre o certo e errado deve se sobrepor a qualquer ordem emanada de qualquer autoridade suprema.

O livro de Arendt levantou críticas por sua abordagem, tendo em vista que Eichmann tentou passar outra visão em seu julgamento, um tanto manipulativa, de que ele apenas cumpria ordens, como qualquer funcionário faria, quando na realidade, como antissemita, ele estava feliz por seguir aquelas ordens.

  1. Utilitarismo e o consequencialismo

O utilitarismo é uma doutrina do iluminismo. O iluminismo pode ser dividido em duas fases: a primeira parte do pressuposto de que a ciência deve tornar o conhecimento mais assertivo. A segunda parte do pressuposto de que a ciência deve gerar mais conhecimento. A ideia é de que podemos estar errados, mas também podemos estar certos e devemos fazer nosso melhor, tendo em vista que o conhecimento sempre será corrigível.

Jeremy Bentham foi o inventor do utilitarismo, fincado na primeira fase do iluminismo. Bentham tinha a convicção de que a única forma de fazer com que as pessoas paguem seus impostos era as ameaçando de prendê-las, caso não os pague, tendo em vista que os fins justificariam os meios.

Esse era seu parecer para lidar com uma falha do mercado, o problema do carona. Em economia, o problema do carona surge quando uma distribuição ineficiente de bens ou serviços leva alguns indivíduos a consumir mais do que sua parte justa do recurso compartilhado, ou pagar menos do que sua parte justa dos custos.

Para Bentham, os dois senhores soberanos da humanidade seriam a dor e o prazer. Bentham foi o primeiro a dizer que direitos naturais, lei natural é um absurdo perigoso.

A natureza colocou a humanidade sob o governo de dois senhores soberanos, dor e prazer. Cabe apenas a eles apontar o que devemos fazer, bem como determinar o que devemos fazer. Por um lado, o padrão de certo e errado, por outro, a cadeia de causas e efeitos, estão presos ao seu trono. Eles nos governam em tudo o que fazemos, em tudo o que dizemos, em tudo o que pensamos: todo esforço que pudermos fazer para nos livrar de nossa sujeição servirá apenas para demonstrá-la e confirmá-la. Em palavras, um homem pode fingir abjurar seu império: mas na realidade ele permanecerá sujeito a ele o tempo todo. O princípio da utilidade reconhece essa sujeição e a assume como fundamento desse sistema, cujo objetivo é erguer o tecido da felicidade pelas mãos da razão e da lei. Os sistemas que tentam questioná-lo lidam com sons em vez de sentido, com capricho em vez de razão, com escuridão em vez de luz [...] Por utilidade entende-se a propriedade em qualquer objeto, pelo qual tende a produzir benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade (tudo isso no presente caso dá no mesmo), ou (o que dá no mesmo) a impedir a ocorrência de dano, dor, mal ou infelicidade à parte cujo interesse é considerado: se essa parte for a comunidade em geral, então a felicidade da comunidade; se um indivíduo em particular, então a felicidade desse indivíduo.[4]

A doutrina do utilitarismo é consequencialista. Para Bentham, nós avaliamos ações com base em suas consequências por promover prazer e evitar a dor. Há cinco circunstâncias que determinariam o valor da dor e prazer: intensidade, duração, certeza/incerteza, proximidade/distância.

Bentham criou o panóptico, visto que era obcecado com o conceito de uma maior utilidade conquistada com menos gastos. O valor do dinheiro é atualmente (em 1801) apenas metade do que era há quarenta anos: em quarenta anos será apenas metade do que é atualmente[5].

A ideia central do utilitarismo é maximizar a felicidade em grande proporção. Essa doutrina influencia a política anglo-americana desde o século XVIII.

A declaração de independência americana evidencia o utilitarismo:

Quando no curso dos acontecimentos humanos, torna-se necessário para um povo que seja dissolvido os bandos políticos que os conectaram uns com os outros, assumido entre os poderes da terra, a separação e a posição de igual a que as Leis da Natureza e do Deus da Natureza lhes conferem, um respeito decente às opiniões da humanidade exige que eles declarem as causas que os impelem à separação. Consideramos essas verdades auto evidentes, que todos os homens são criados iguais, são dotados por seu Criador com certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade[6].

Bentham vai apresentar a concepção de igualdade prática, a qual requer uma robusta defesa, de direitos individuais, por razões consequencialistas:

Por igualdade prática, entenda, qualquer abordagem de igualdade absoluta pode ser feita, quando a provisão tão eficaz que pode ser feita, o foi feita para esses três outros fins particulares de necessidade superior. No que diz respeito à segurança, entenda igualmente que, entre os adversários, contra cujos maléficos desígnios e empreendimentos a segurança exige, não apenas os inimigos estrangeiros e os malfeitores internos comumente chamados, mas também aqueles membros da comunidade, cujo poder lhes oferece tais facilidades para produzir, impunemente, e em maior escala, esses males, que punem os que não tem poder ou possuem pouco poder. Quanto à igualdade absoluta, não seria menos claramente inconsistente com igualdade prática e com subsistência, abundância e segurança. Suponhamos, qual efeito haveria caso um governo de qualquer tipo quisesse implementar isso que, ao invés de todos terem uma parte igual na soma dos objetos de desejo geral e em particular nos meios de subsistência e na questão da abundância, ninguém teria participação nela, em absoluto. Antes que qualquer divisão pudesse ser feita, o todo seria destruído: e, destruído, junto com ele, aqueles por quem, bem como aqueles para quem, a divisão havia sido ordenada[7].

A igualdade prática de Bentham não é ancorada em moral e sim em consequências. Não se respeita direitos individuais por causa de moral e sim porque se não o fizer, consequências existirão.

A doutrina utilitarista é usada para justificar a não taxação dos ricos nos Estados Unidos, haja vista que quanto mais você os taxar, menos irão produzir, gerar empregos.

John Stuart Mill, considerado um utilitarista neoclássico, não partilhava a concepção de sociedade baseada em contrato e trouxe o princípio do dano, o juízo de não prejudicar o outro, quando se vive em uma sociedade:

Embora a sociedade não seja fundada em um contrato, e embora a finalidade não seja respondida inventando um contrato para dele deduzir obrigações sociais, todo aquele que recebe a proteção da sociedade deve uma retribuição pelo benefício, e o fato de viver em sociedade torna indispensável que cada um seja obrigado a observar uma certa linha de conduta em relação ao resto. Essa conduta consiste, em primeiro lugar, em não ferir os interesses uns dos outros; ou melhor, certos interesses que, por expressa disposição legal ou por entendimento tácito, devem ser considerados direitos; e em segundo lugar, em cada pessoa arcar com sua parte (a ser fixado em algum princípio equitativo) dos trabalhos e sacrifícios incorridos para defender a sociedade ou seus membros de injúrias e molestações. Essas condições são justificadas pela sociedade em impor, a todo custo, àqueles que se esforçam para não as cumprir. Nem isso é tudo o que a sociedade pode fazer. Os atos de um indivíduo podem ser prejudiciais a outros, ou despender a devida consideração por seu bem-estar, sem chegar ao ponto de violar qualquer um de seus direitos constituídos. O ofensor pode então ser justamente punido por sua opinião, embora não pela lei. Assim que qualquer parte da conduta de uma pessoa afete prejudicialmente os interesses de outras, a sociedade tem jurisdição sobre ela, e a questão de saber se o bem-estar geral será ou não promovido ao interferir nele, torna-se aberto à discussão[8].

Mill entende que o utilitarismo deve ser voltado a um senso de progressão, que é observado, indiretamente, pelo princípio do dano, de não prejudicar o outro.

As máximas são, em primeiro lugar, que o indivíduo não é responsável perante a sociedade por suas ações, na medida em que estas não dizem respeito aos interesses de outra pessoa além dele mesmo. Aconselhamento, instrução, persuasão e evitação por parte de outras pessoas, se considerado necessário por elas para seu próprio bem, são as únicas medidas pelas quais a sociedade pode expressar justificadamente seu desagrado ou desaprovação de sua conduta. Em segundo lugar, que pelas ações que prejudiquem os interesses de outrem, o indivíduo é responsável, podendo ser sujeito a punição social ou legal, se a sociedade entender que uma ou outra é necessária para sua proteção[9].

Mill vai ser favorável à intervenção no governo em três hipóteses. A primeira é quando a coisa a ser feita, será mais bem realizada por indivíduos do que pelo governo. Para Mill, seria útil com relação às ingerências comuns do legislador ou oficiais do governo nas indústrias. A segunda é quando os indivíduos talvez possam não fazer tão bem quanto o governo, mas é uma forma de exercitar seu julgamento, dar-lhes um conhecimento familiar de assuntos com os quais são deixados de lidar; aqui entra a figura do tribunal do júri, em casos não políticos. A terceira razão para restringir a atuação do governo é o grande mal de aumentar desnecessariamente seu poder, visto que cada nova função a ser exercida pelo governo causaria pânico, tendo em vista que poderia ser utilizada pelas partes mais ambiciosas de um governo ou de um partido político para aumentar seu poder. Esse é um dos motivos que Mill defende que somente indivíduos extremamente qualificados participem do governo, através de concursos públicos, tendo em vista que dessa maneira, sua única ambição seria seu progresso pessoal através de progressão na carreira. (MILL, 1859, 100/102)

  1. Marxismo e a divisão de classes entre proletariado e capitalistas

A doutrina que vai contra o utilitarismo é a de Karl Marx, do século XIX, baseada na limitação ou eliminação da exploração. Marx vai trazer a concepção do materialismo, a noção de bens materiais dirigir nossas vidas. Para Marx só existem duas classes: capitalistas e proletários. Os capitalistas são os donos do capital e os proletários a classe trabalhadora; se você precisa trabalhar para sobreviver, você faz parte do proletariado.

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A liberdade assim como a igualdade são importantes para Marx, surgindo daí a divisão do trabalho, a ideia de que todos devem ser livres, de maneira que não posso ser livre enquanto não tiver uma sociedade livre.

Para ele, a divisão do trabalho leva ao dinamismo que leva à alienação. Assim como Adam Smith e David Ricardo, Marx trabalhava a questão do sistema capitalista. Para Marx, classe é no que você acredita. Se você é alinhado com os interesses da classe trabalhadora, você pertence a ela:

As classes médias - o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês - combatem a burguesia para garantia a própria existência como classes médias e impedir o próprio declínio. Portanto, não são revolucionárias, mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, pois tentam virar a roda da história para trás. Quando são revolucionárias, é porque estão na iminência de passar para o proletariado; não defendem então seus interesses atuais, mas futuros; abandonam seu próprio ponto de vista para se colocar no do proletariado[10].

Dentro dessa crença, surge a identidade política, toda luta de classes é, contudo, uma luta política[11]. Os capitalistas para Marx são os burgueses que tem muito capital, empregam muitos trabalhadores, não fazendo parte dessa dimensão o pequeno comerciante, industrial, que trabalharia para sua própria subsistência.

Com o desenvolvimento da burguesia; isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos trabalhadores modernos, que só sobrevivem se encontram trabalho, e só encontram trabalho se este incrementa o capital. Esses trabalhadores, que são forçados a se vender diariamente, constituem uma mercadoria como outra qualquer, por isso exposta a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as turbulências do mercado[12].

Para Marx todos somos mercadoria, trabalhamos por subsistência. Sempre haverá uma reserva de proletariado; se não quisermos trabalhar por tal valor, outra pessoa irá. Essa competição fará que com que tenhamos que trabalhar cada vez mais para nos mantermos empregados e assim, perdemos nossa liberdade de fazer outras coisas além de trabalhar. A concorrência fará com que os salários se tornem instáveis, e a substituição do trabalho por máquinas torna a existência do proletariado insegura. O sistema capitalista é sujeito a crises.

Marx entende que todas as pessoas devem ser recompensadas pelo valor do que produzem e não vistas como mercadorias. Marx não entende o socialismo como um sistema igualitário, visto que por sua concepção, no socialismo, um homem é superior ao outro fisicamente ou mentalmente, produzindo mais trabalho no mesmo tempo ou podendo trabalhar por mais tempo. Para ele, socialismo não produz igualdade, de modo que todos possam ser livres de maneira igualitária.

Mas um homem é superior a outro física ou mentalmente e fornece mais trabalho ao mesmo tempo, ou pode trabalhar por mais tempo; e o trabalho, para servir de medida, deve ser definido por sua duração ou intensidade, caso contrário deixa de ser um padrão de medida. Este direito igual é um direito desigual para o trabalho desigual. Não reconhece diferenças de classe, porque todos são apenas trabalhadores como todos os outros; mas reconhece tacitamente a dotação individual desigual e, portanto, a capacidade produtiva, como um privilégio natural[13].

No socialismo as pessoas são recompensadas de acordo com suas habilidades para realizar determinado trabalho. No comunismo, a necessidade é a base da distribuição ou redistribuição. Todos deveriam trabalhar de acordo com sua habilidade, mas as necessidades de todos devem ser conhecidas. As necessidades de Marx seriam relativamente rudimentares, de maneira que itens luxuosos não entrariam em necessidades.

Pela concepção de Marx, cada um seria recompensado de acordo com suas necessidades e capacidades:

Em uma fase superior da sociedade comunista, depois que a subordinação escravizadora do indivíduo à divisão do trabalho, e com isso também a antítese entre trabalho mental e físico, desapareceu; depois que o trabalho se tornou não apenas um meio de vida, mas a principal necessidade da vida; depois que as forças produtivas também aumentaram com o desenvolvimento global do indivíduo, e todas as fontes da riqueza cooperativa fluírem mais abundantemente - só então o estreito horizonte do direito burguês poderá ser atravessado em sua totalidade e a sociedade se inscrever suas bandeiras: cada um de acordo com sua capacidade, cada um de acordo com suas necessidades![14]

O comunismo se choca com o capitalismo porque a tarefa do capitalismo é tornar possível a superabundância, já para o comunismo, essa abundância seria uma opção. Para Marx, o capitalismo faz com que as pessoas acreditem que sempre precisam de mais para serem felizes, necessitam consumir e se esse consumo não existisse, as pessoas se concentrariam nas necessidades realmente importantes.

Marx define necessidades em termos de essencial para sobrevivência. Mas o que é essencial para a sobrevivência de um, pode não ser para outro. Sempre haverá escassez e não há como escapar de escolhas distributivas.

Shapiro vai trazer o exemplo de pesquisa para cura de câncer de mama. Cada dólar investido na pesquisa de câncer de mama deixa de ser investido na pesquisa de outro tipo de câncer. Não importa quão rica uma sociedade seja, ela terá que fazer escolhas distributivas, mesmo em um sistema superabundante.

Marx tem uma visão estreita do capitalista que apenas exploraria o trabalhador, conquanto o trabalho também trouxesse para o trabalhador experiência, liderança e possibilidades que poderia utilizar se decidisse ter sua própria empresa. Consoante entendimento de John Roemer, cientista político, igualmente professor de Yale:

Acho que a exploração concebida como troca desigual de trabalho deve ser substituída pela exploração concebida como consequências distributivas de uma desigualdade injusta na distribuição de bens e recursos produtivos. Precisamente quando a distribuição de ativos é injusta torna-se a questão central para a qual a filosofia política marxista deve direcionar sua atenção[15].

No comunismo proposto por Marx, no que diz respeito às capacidades de cada um, como medir? Quem as mediria? Como lidar se o indivíduo que medisse não gostasse do que estava sendo medido, atribuindo a este último uma capacidade menor do que de fato teria? As pessoas são diferentes, possuem objetivos distintos. Os países são abertos à iniciativa privada, ao mercado externo, gerando empregos e desenvolvimento, como e por qual motivo impedir isso com o exercício de um estado comunista? Não se mostra viável, ao contrário, utópico.

A China tentou aplicar as teorias de Marx, e muitos ainda acreditam que o país mais populoso do mundo, fortemente industrializado e capitalista, seria, na realidade, comunista, o que não é verdade. Marx não reconheceria a China como um país comunista.

O marxismo enfatiza a importância do acesso igual aos meios de produção. Considera com suspeita qualquer grande desigualdade no acesso aos meios de produção, enquanto seu contraste na ciência social tende a justificar tal desigualdade com base em taxas diferenciais de preferência de tempo, habilidade ou mesmo sorte (ROEMER, 1985, p.62).

O pensamento de Marx é constantemente utilizado por ideologias que enfatizam concepções de justiça, de como o mundo deveria funcionar, e manuseio da força, do poder, conquanto não seja necessário ser marxista tampouco comunista para defender ideais de justiça, igualdade, melhores condições de trabalho.

  1. Do contrato social e a ideia de consenso

O contrato social é focado em consenso, acordo. Essa concepção de contrato social começa no século XVII, com Thomas Hobbes e John Locke, mais tarde sendo desenvolvida por Jean Jacques Rousseau, Immanuel Kant e exercido por teoristas modernos, como Robert Nozick e John Rawls.

O juízo central é a noção de consenso. Se você assenta que um governo é legitimo, é porque se baseia na concepção de que esse consenso é conferido aos que exercem o poder político.

O discernimento sobre contrato social, legitimidade e consenso se destaca no magistério de John Locke, no Primeiro Tratado de Governo:

Devemos saber como o primeiro governante, de quem qualquer um reivindica, obteve sua autoridade, em que base alguém tem império, qual é seu título, antes que possamos saber quem tem o direito de sucedê-lo: se o acordo e consentimento dos homens deu primeiro um cetro na mão de qualquer um, ou uma coroa em sua cabeça, isso também deve direcionar sua queda e condução; pois a mesma autoridade, que fez do primeiro um governante legitimo, deve fazer do segundo também, e assim dar o direito de sucessão. no caso de herança, ou primogenitura, não pode por si, ter nenhum direito, nenhuma pretensão, nada além daquele consentimento, que estabeleceu a forma de governo e a forma de sucessão[16].

John Locke foi um dos maiores teoristas sobre democracia, sendo um dos principais do iluminismo político, no século XVII. Locke era religioso e como todo religioso, entendia deus como onipotente, surgindo daí a tensão entre ciência e direitos individuais. O debate teológico vai se dar em saber se deus é onipotente ou se as leis da natureza são permanentes e imutáveis.

A liberdade natural do homem é estar livre de qualquer poder superior na terra, e não estar sob a vontade ou autoridade legislativa do homem, mas ter apenas a lei da natureza como seu governo. A liberdade do homem, na sociedade, não deve estar sob nenhum outro poder legislativo, senão aquele estabelecido, por consentimento, na comunidade; nem sob o domínio de qualquer vontade, ou restrição de qualquer lei, mas o que aquele legislativo decretará, de acordo com a confiança nele depositada.[17]

Para Locke, nós seriamos uma miniatura de deus. Essa concepção é igualitarista. No primeiro tratado de Governo, Locke vai rejeitar a ideia de que os reis e rainhas da Europa eram descendentes de Adão, porque para ele, deus deu o mundo para a humanidade, em comum.

Pela teoria de Locke, não poderíamos criar um Estado que viola a lei natural. Não poderíamos criar um estado que permita que pessoas morram de fome, normalize escravidão, holocausto. Nós temos a capacidade de criar um Estado em que teríamos autoridade, mas não licença.

De acordo com Locke, Adolf Eichmann não só teria o direito de resistir face a autoridade de Hitler, mas uma obrigação moral de resistir, comandada pela lei natural. E isso porque nós não podemos fazer o que queremos porque temos liberdade de fazer, mas não licença para fazer. Dentro desses limites que a natureza nos impõe, devemos fazer escolhas morais. Você sempre vai ter o direito de resistir e às vezes, a obrigação de resistir. Se você está certo? Só deus poderá julgar.

Enquanto Locke menciona consentimento tácito, para Hobbes, o núcleo da sua noção de consenso é a razão, o que é racional para as pessoas concordarem, chegarem a um consenso. Para Hobbes, é melhor viver em um estado soberano absolutista do que em um estado da natureza.

Hobbes defende que existiriam dois limites do que o governo poderia fazer: o primeiro é que as pessoas não deveriam morrer pelo soberano e o segundo, se o Estado, o soberano, não puder mais te proteger, você não mais deve obediência a ele.

A ideia do contrato social é uma metáfora. Kant desenvolve uma teoria moderna de contrato social, de que pensamentos políticos sempre dependerão do empírico, nunca chegando ao nível de lei universal.

E isso porque bem-estar não tem nenhum princípio dominante, dependendo do aspecto material, psicológico da natureza humana, não alcançando, assim, a universalidade. Traz a ideia do hipotético imperativo e condicional imperativo.

A concepção de um princípio objetivo, na medida em que é obrigatório para uma vontade, é chamado um comando (da razão), e a fórmula do comando é chamado de imperativo. Todos os imperativos são expressos pela palavra dever, e assim indicam a relação de uma lei objetiva da razão com uma vontade, que por sua constituição subjetiva não é necessariamente determinada por ela (uma obrigação). Dizem que algo seria bom fazer ou deixar de fazer, mas o dizem a uma vontade que nem sempre faz uma coisa porque é concebida como boa fazê-la [...]. Assim, o imperativo hipotético apenas diz que a ação é boa para algum propósito, possível ou real. [...] O imperativo categórico que declara uma ação objetivamente necessária em si mesmo sem referência a qualquer propósito, ou seja, sem qualquer outro extremo, é válida como princípio apodítico (prático). [...] Pois é apenas a lei que envolve a concepção de uma necessidade incondicional e objetiva, que é, portanto, universalmente válida; e comandos são leis que devem ser obedecidas, isto é, devem ser seguidas, mesmo em oposição à inclinação. Conselhos, de fato, envolvem necessidade, mas uma que só pode valer sob uma condição subjetiva contingente, a saber, eles dependem de que este ou aquele homem considera isso ou aquilo como parte de sua felicidade; o imperativo categórico, ao contrário, não é limitado por nenhuma condição, e como sendo absolutamente, ainda que praticamente necessário, pode muito bem ser chamado de comando[18].

A visão contratualista de Kant é amparada pela concepção de que a liberdade do indivíduo é assegurada pelo direito. Sua teoria preocupa-se em regular e assegurar direitos por meio da união do povo, dentro de um regime jurídico. Na sua visão, o Estado deve regular e assegurar direitos.

John Rawls vai criticar o utilitarismo clássico, visto que para ele, são interessados na maximização da felicidade, esquecendo-se que as pessoas não são iguais.

Rawls traz o conceito de justiça como equidade. O pacto social é substituído por uma situação inicial que incorpora certas restrições de conduta baseada em razões destinadas a conduzir um acordo inicial sobre os princípios da justiça[19].

Ian Shapiro sugere que Rawls pode ser considerado mais radical do que Marx. E isso se deve ao fato de que Rawls traz o conceito de sorte moral. A diferença entre uma pessoa ser mais ou menos inteligente se deve aos seus genes, portanto, sorte. Se uma pessoa cresceu com pais dependentes químicos, essa é a sua sorte. Diferentes pessoas possuem diferentes capacidades para a produção.

Rawls parte da concepção que não podemos nos esquecer disso. Não podemos nos esquecer da sorte das pessoas, dos meios em que vivem e foram criadas.

Shapiro argumenta que a concepção de Marx é ancorada em trabalho, produção, os trabalhadores são privados do que produzem, o capitalismo prejudicaria os trabalhadores por sua forma de operar.

Rawls, ao contrário de Marx, não tem como ser refutado no que diz. As teorias de Marx já se mostraram incorretas, tais como a teoria do valor-trabalho, mais valia e de que a exploração dos trabalhadores seria a única fonte de lucro.

À luz da verdade, você pode não concordar ou gostar do que Rawls diz, mas tem que admitir que pessoas são diferentes, tem origens diferentes e isso vai impactá-las durante a vida.

A noção de bens primários aborda esse problema moral e prático. Baseia-se na ideia, que uma semelhança parcial das concepções de bom dos cidadãos é suficiente para a justiça política e social. Os cidadãos não afirmam a mesma concepção racional de bom, completo, em todos os seus fundamentos e especialmente nos seus fins. Basta que os cidadãos se vejam movidos pelos dois interesses de ordem superior da personalidade moral e que suas concepções particulares de bom, por mais distintas que sejam seus fins e lealdades finais, requeiram para seu avanço aproximadamente os mesmos bens primários, por exemplo, os mesmos direitos, liberdades e oportunidades, bem como certos meios para todos os fins, como renda e riqueza[20].

Rawls vai trazer a concepção de véu de ignorância, tendo em vista que os participes da sociedade não tem conhecimento de determinadas particularidades de cada um.

Em primeiro lugar, ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua classe posição ou status social; nem conhece sua fortuna na distribuição de recursos e habilidades naturais, sua inteligência e força, e assim por diante. Tampouco ninguém conhece sua concepção do bem, as particularidades de seu plano racional de vida, ou mesmo as características especiais de sua psicologia, como sua aversão ao risco ou propensão ao otimismo ou pessimismo. Mais do que isso, suponho que as partes não conhecem as circunstâncias particulares de sua própria sociedade[21]

Para Rawls, uma característica desejável de uma concepção de justiça é que ela deve expressar publicamente o respeito dos homens uns pelos outros, visto que assim, eles assegurariam um senso de seu próprio valor. (RAWLS, 1999, p.156). Rawls considera que:

Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais, compatível com um sistema similar de liberdade para todos, de maneira que as desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas de modo que sejam ambas:

(a) para o maior benefício dos menos favorecidos, de acordo com a princípio da economia justa, e

(b) anexados a cargos e posições abertas a todos em condições de igualdade de oportunidades justa [22].

Rawls vai dizer que as ações distributivas devem levar em consideração nosso senso de justiça, devemos nos perguntar se essa concepção se encaixaria em nosso arcabouço de ideias intuitivas de justiça e injustiça.

Assim, para compreender como é possível a unidade social dadas as condições históricas de uma sociedade democrática, partimos de nossa ideia intuitiva básica de cooperação social, ideia presente na cultura pública de uma sociedade democrática, e daí passamos a uma concepção pública de justiça. como a base da unidade social da maneira que esbocei[23].

Ocorre, todavia, que as pessoas divergem politicamente. Há concepções diferentes de justiça nas diferentes pessoas que fazem parte de uma sociedade. Nós não temos um consenso em questões metafisicas, que demandam um maior grau filosófico.

Rawls argumenta que a distribuição é moralmente arbitrária, logo, devemos trabalhar para que haja maiores benefícios para os menos favorecidos. Como fazer isso? Organizando nossa economia. A fração da redistribuição será uma questão para a política.

Robert Nozick também é contratualista, teorista dos direitos individuais. O pensamento de Nozick é libertário porque desperta o pensamento crítico acerca do Estado e suas amarras. E se nós nos libertássemos dele, como a sociedade seria? Por que não ter anarquia? Uma vez que a teoria anarquista, se sustentável, enfraquece todo o assunto da filosofia política, é apropriado começar a filosofia política com um exame de sua principal alternativa teórica[24].

O problema com o pensamento de Nozick ocorre com o monopólio da força, tendo em vista que se existem grupos que seguem suas próprias regras, grupos extremistas podem surgir e a violência se alastrar pelo Estado. Para ele, poder é um monopólio natural.

Por isso que a teoria de Nozick se apoia tanto em consenso, de que todos devem ter o consenso de praticar ou não determinada situação, o que também não deixa de ser uma utopia, haja vista o agir diferente das pessoas na sociedade.

Uma pessoa pode escolher fazer por si mesma, suponho, as coisas que ultrapassariam seus limites quando feitas sem o seu consentimento por outra pessoa (algumas dessas coisas podem ser impossíveis para ela mesma). essas coisas para ele (incluindo coisas impossíveis para ele fazer a si mesmo). O consentimento voluntário abre a fronteira para travessias. [...] Minha posição não paternalista sustenta que alguém pode escolher (ou permitir que outro) faça qualquer coisa por si mesmo, a menos que tenha adquirido a obrigação de algum terceiro de não o fazer ou permitir.[25]

O problema com as concepções de Nozick é que dá margem para a criação de cartéis, como ocorre no México, em que grupos se protegem a si próprios com suas seguranças paralelas. Sobre isso, Nozick diz que deve haver um estado mínimo que proteja os direitos de propriedade dos cidadãos.

Por ser libertário, Nozick entende a liberdade individual algo muito importante, de maneira que a cada momento que seu direito fundamental é violado, você deve ser compensado.

O princípio da compensação exige que as pessoas sejam compensadas por certas atividades de risco que lhes são proibidas. Você tem o direito de proibir as atividades de risco dessas pessoas ou não. Se você fizer isso, você não precisa compensar as pessoas por fazerem com elas o que você tem o direito de fazer; e se você não fizer, em vez de formular uma política de compensação das pessoas por sua proibição injusta, você deve simplesmente parar com isso.[26]

Ocorre, todavia, que você não pode compensar todos por cada medo potencial. Além do mais, as pessoas sentem medos diferentes. Uma determinada pessoa sente medo de ficar desempregada e outra, da violência. Ninguém seria compensado, afinal.

Em justiça distributiva, Nozick traz a concepção de padrões de perturbação de liberdade, dando como exemplo o jogador de basquete Wilt Chamberlain, cujo contrato previa que cada expectador pagaria $ 0,25 para vê-lo jogar. Desta forma, ganharia $ 250.000,00 a cada 1 milhão de expectadores o vendo jogar. Essa distribuição de renda não poderia ser considerada injusta, visto que cada pessoa pagou por conta própria para vê-lo, agiram de forma voluntária e decidiram por si próprias, tirarem parte de suas rendas e transferirem para outrem.

Nozick conclui que nenhum princípio de estado final de ideal distributivo de justiça pode ser continuamente realizado sem interferência contínua na vida das pessoas[27], visto que agem de várias formas diferentes. Para manter um padrão distributivo seria necessário uma interferência continua a fim de evitar que pessoas transfiram recursos da maneira que querem. Para ele, princípios padronizados de justiça distributiva necessitam de atividades redistributivas (NOZICK, 1974, p.168).

Redistribuição para Nozick é um ideal. As pessoas devem concordar ou não com essa redistribuição. Você não pode obrigar pessoas a aceitar o seu padrão de redistribuição.

  1. Anti-iluminismo e o conservadorismo

O teórico mais popular do anti-iluminismo é Edmund Burke. Era conservador. A ideia por trás do conservadorismo é tradição, direitos herdados e hostilidade à ciência. Burke além de ser hostil à ciência, era também hostil à ideia de que a sociedade era uma criação humana.

Burke entendia que você poderia substituir o Rei, mas não acabar com as instituições. Defendia a cautela, visto que governar exige além de prudência, experiência.

O efeito da liberdade para os indivíduos é que eles podem fazer o que quiserem; devemos ver o que lhes agradará fazer, antes de corrermos o risco de felicitações que podem em breve se transformar em reclamações. A prudência ditaria isso no caso de homens separados, isolados e privados, mas a liberdade, quando os homens agem em corpos, é poder[28].

Burke apoiou a Revolução Americana porque para ele, o governo britânico estava violando direitos dos ingleses na América. Para ele, a coroa era herdada, a nobreza, assim como a Câmara dos Comuns. As pessoas herdariam privilégios, direitos civis, políticos, e uma série de liberdades de seus ancestrais. Pelo seu pensamento, mulheres por exemplo, teriam poucos direitos, já que suas liberdades seriam limitadas por tradições.

O poder de perpetuar nossa propriedade em nossas famílias é uma das circunstâncias mais valiosas e interessantes que lhe pertencem, e aquilo que mais tende à perpetuação da própria sociedade. Torna nossa fraqueza subserviente à nossa virtude, enxerta benevolência até sobre avareza. Os possuidores dos bens da família e da distinção que acompanha a posse hereditária (como mais lhe interessa), são as garantias naturais dessa transmissão. Conosco, a Câmara dos Pares é formada sobre este princípio. Compõe-se inteiramente de bens hereditários e de distinção hereditária, sendo, portanto, o terceiro da legislatura e, em última instância, o único juiz de todos os bens em todas as suas subdivisões. A Câmara dos Comuns também, embora não necessariamente, mas de fato, é sempre assim composta, em sua maior parte. Que esses grandes proprietários sejam o que quiserem - e eles têm a chance de estar entre os melhores - eles são, na pior das hipóteses, o lastro no navio da comunidade. Pois, embora a riqueza hereditária e a posição que a acompanha sejam muito idolatradas pelos bajuladores rastejantes e pelos cegos e abjetos admiradores do poder, eles são muito temerariamente desprezados nas especulações superficiais dos petulantes, presunçosos e míopes fanfarrões da filosofia. Alguma preeminência decente e regulamentada, alguma preferência (não apropriação exclusiva) dada ao nascimento não é antinatural, nem injusta, nem impolítico.[29].

Para Burke, você tem direito de ser controlado, ter suas liberdades cerceadas de forma indefinida. Você deve ter o direito de ter o seu direito limitado. Para ele, a sociedade é na verdade um contrato, mas primitivo, válido para os vivos, mortos e aos que não nasceram ainda; seria na realidade, uma parceria em que cada um tivesse seu lugar definido na sociedade, dele não podendo se mover:

Como os fins de tal parceria não pode ser obtidos em muitas gerações, torna-se uma parceria não apenas entre os vivos, mas entre os que estão vivos, os que estão mortos e os que estão para nascer. Cada contrato de cada estado particular é apenas uma cláusula no grande contrato primevo da sociedade eterna, ligando as naturezas inferiores com as superiores, conectando o visível e o mundo invisível, de acordo com um pacto fixo sancionado pelo juramento inviolável que mantém todas as naturezas físicas e morais, cada uma em seu lugar designado. Esta lei não está sujeita à vontade daqueles que por uma obrigação acima deles, e infinitamente superior, são obrigados a submeter sua vontade a essa lei[30].

Perceba que o pensamento de Marx, considerado radical, perto de Burke, chega a ser inofensivo. Quando você tira as fundações da sociedade, da maneira que Burke propõe, através de contratos primitivos e liberdades cerceadas, devendo ser aceitas e o indivíduo não podendo mudar sua condição na sociedade, o terror se instala, através de revoluções como a soviética.

Patrick Devlin também era conservador. Em 1957, Devlin argumentou sobre o que devia ser feito acerca da prostituição e homossexualismo. O The Wolfenden Report recomendou que em 1957 a Inglaterra legalizasse tanto a prostituição quanto o homossexualismo, o que para Lord Devlin era uma ultrage porque para ele, a moralidade dependia da moralidade cristã.

A moral e a religião estão intrinsicamente unidos - os padrões morais geralmente aceitos na civilização ocidental são aqueles pertencentes ao cristianismo. Fora da cristandade outros padrões são derivados de outras religiões. Nenhum desses códigos morais pode reivindicar qualquer validade, exceto em virtude da religião na qual se baseia[31].

Para Devlin, a sociedade cristã era a base da sociedade inglesa, de modo que a família cristã havia se tornado a base e estrutura da sociedade. Dessa forma, a lei deve evoluir de acordo com a cultura e moral da sociedade cristã.

O que faz uma sociedade de qualquer tipo é a comunidade de ideias, não apenas ideias políticas, mas também ideias sobre como seus membros devem se comportar e governar suas vidas; essas últimas ideias são sua moral. Toda sociedade tem uma estrutura moral e também política; ou melhor, já que isso poderia sugerir dois sistemas independentes, devo dizer que a estrutura de toda sociedade é feita de política e moral. [...] Consequentemente, a instituição cristã do matrimônio tornou-se a base da vida familiar e, portanto, parte da estrutura de nossa sociedade [...] O casamento faz parte da estrutura da nossa sociedade e é também a base de um código moral que condena a fornicação e o adultério. A instituição do casamento estaria gravemente ameaçada se fossem permitidos julgamentos individuais sobre a moralidade do adultério; nesses pontos deve haver uma moralidade pública. [...] Uma moralidade comum é parte da sujeição. A dependência faz parte do preço da sociedade; e a humanidade, que precisa da sociedade, deve pagar seu preço.[32]

Nem é preciso dizer que há um grande problema em seu ponto de vista. Prostitutas, homossexuais são minorias em uma sociedade, logo, seus direitos serão violados com arrimo em pensamentos como o de Lord Devlin, de moralidade pública amparada em família cristã.

E suas concepções dão vazão a violações de direitos de negros, povos indígenas, mulheres e comunidade LGBTQIA+.

Alasdair Chalmers MacIntyre é considerado um filósofo contemporâneo influente após Rawls. Para ele, os iluministas cometeram um grande erro ao se afastarem de Aristóteles, do pensamento aristotélico.

Daí os filósofos morais do século XVIII se engajarem no que foi um projeto inevitavelmente malsucedido; pois eles de fato tentaram encontrar uma base racional para suas crenças morais em uma compreensão particular da natureza humana, enquanto herdavam um conjunto de injunções morais, por um lado, e uma concepção da natureza humana, por outro, que havia sido expressamente projetada para ser discrepante. um com o outro. Essa discrepância não foi removida por suas crenças revisadas sobre a natureza humana. Eles herdaram fragmentos incoerentes de um esquema de pensamento e ação outrora coerente e, uma vez que não reconheciam sua própria situação histórica e cultural peculiar, não podiam reconhecer o caráter impossível e quixotesco de sua tarefa autodesignada[33].

Para MacIntyre, o pensamento aristotélico ao invés de ser abandonado, deveria ser adaptado aos propósitos contemporâneos. Para ele, vivemos em uma cultura emotivista, de modo que não há como definir um sistema único de valores porque cada um tem seus próprios valores.

MacIntyre parte do pressuposto que sentenças éticas apenas expressam nossas atitudes emocionais. O emotivismo, portanto, baseia-se na afirmação de que todas as tentativas, passadas ou presentes, de fornecer uma justificativa racional para uma moralidade objetiva, de fato falharam[34].

Qual é a chave para o conteúdo social do emotivismo? É o fato de o emotivismo implicar na obliteração de qualquer distinção genuína entre relações sociais manipulativas e não-manipulativas. [...] As generalizações da sociologia e da psicologia da persuasão são o que precisarei para me guiar, não os padrões de uma racionalidade normativa. [...] Como seria então o mundo social, se visto com olhos emotivistas? E como seria o mundo social, se a verdade do emotivismo passasse a ser amplamente pressuposta? A forma geral da resposta a essas perguntas é agora clara, mas o detalhe social depende em parte da natureza de contextos sociais particulares; fará diferença em que meio e a serviço de quais interesses particulares e específicos a distinção entre relações sociais manipuladoras e não-manipulativas foi obliterada[35].

Vivemos em uma sociedade pluralista, uma sociedade que administra pessoas. Escolas administram crianças, políticos administram estados.

E dentro dessa administração, suas crenças são desenvolvidas e fortalecidas a partir de influências, de maneira que cada pessoa tem o seu próprio e correto ponto de vista e ninguém consegue persuadir ninguém porque há uma dissonância cognitiva na sociedade. MacIntyre vai dizer que cada um herda suas tradições, e o mundo só pode ser entendido através da história.

MacIntyre argumenta que os debates atuais na esfera pública não podem ser resolvidos porque perdemos as suposições e os fundamentos filosóficos que antes deram significado aos argumentos morais.

Para ele, vivemos em uma cultura emotivista que tem implicações niilistas. Por seu conceito de prática, o ser humano nasce em uma atividade coletiva, e deve descobrir o que o governa, o que o administra, quais regras deve seguir, o que deve fazer. MacIntyre é tradicionalista, de modo que essas tradições devem ser internalizadas pelas pessoas.

A ética aristotélica fala de virtudes. Essas virtudes seriam coragem, justiça, honestidade, e a ideia é produzir pessoas que produzem essas virtudes. Dessa maneira, nós nos subordinaríamos a essas virtudes herdadas e praticadas.

Os preceitos que prescrevem as várias virtudes e proibem os vícios que são suas contrapartes nos instruem como passar da potencialidade ao ato, como realizar nossa verdadeira natureza e alcançar nosso verdadeiro fim. Desafiá-los será frustrar-se, fracassar em alcançar aquele bem de felicidade racional que é peculiarmente nossa como espécie perseguir[36].

Para MacIntyre, você não deve concordar com as práticas da sociedade e sim tão somente aceitá-las porque você nasceu nela.

No entanto, também precisamos lembrar que, se o eu se separa decisivamente dos modos herdados de pensamento e prática no curso de uma história única e unificada, ele o faz de várias maneiras e com uma complexidade que seria incapacitante ignorar. Quando o eu distintivamente moderno foi inventado, sua invenção exigiu não apenas um ambiente social amplamente novo, mas definido por uma variedade de crenças e conceitos nem sempre coerentes. O que foi então inventado foi o indivíduo e para a questão do que essa invenção significou e sua parte na criação de nossa própria cultura emotivista devemos agora nos voltar[37].

MacIntyre argumenta que herdamos a percepção de ética da antiga tradição, da tradição aristotélica. Para ele, somos criaturas plásticas, moldáveis, de maneira que ética é algo educativo.

Para ele, a razão está ancorada no contexto de determinados modos de pensamento, que não irão mudar. Se você é católico, o catolicismo sempre terá suas virtudes para você e se você é budista, o budismo sempre terá suas virtudes e não adianta um budista criticar um catolicista e um catolicista tentar convencer o budista que o budismo é ruim. Sempre falaremos de um fim, mas um fim ligado à tradição.

Para MacIntyre a questão do aborto não possui aceitação por parte de grupos religiosos e não terá porque baseia-se em tradições religiosas, de maneira que não adianta você tentar convencer esses grupos sobre a necessidade de uma lei pró-aborto porque você não vai conseguir mudar suas concepções e tradições.

O problema com as concepções de MacIntyre é que ele nos mostra que temos um conflito com tradições, mas não nos apresenta uma forma de resolver esse impasse. Como lidar com a evolução da sociedade e permitir o aborto e o casamento gay dentro do catolicismo? MacIntyre acredita que tradições nutrem mudanças por meio de discordâncias e críticas internas.

  1. Democracia

Democracia é o governo exercido por pessoas e não por reis. Há pluralidade de partidos e políticos. A ideia por trás da democracia é que as pessoas façam escolhas dentro de um ambiente competitivo, com uma variedade de partidos e políticos.

Platão foi um grande crítico da democracia, visto que entendia que a democracia era a responsável pela morte de seu mentor, Sócrates. Para Sócrates, a democracia seria manipulável:

Todos esses doutores mercenários, que o povo denomina sofistas e considera seus rivais, não ensinam ideias distintas daquelas que a próprio povo professa nas suas assembleias, e é a isto que chamam sabedoria. Da mesma forma de alguém que, após ter observada os movimentos instintivos e os apetites de um animal grande e forte, por onde convém aproximar-se dele e tocá-lo; quando e por que motiva se irrita ou amansa, que gritos costuma soltar em cada ocasião e que tom de voz o amansa ou enfurece, depois de ter aprendido tudo isto por intermédio de uma longa experiência, criasse uma arte e, havendo-a sistematizado numa espécie de ciência, passasse a ensiná-la, embora não soubesse realmente o que, nesses hábitos e apetites, é belo ou feio, bom ou mau, justo ou injusto; conformando-se no emprego destes termos aos instintos do grande animal; chamando bom ao que o agrada e mal ao que o importuna, sem poder legitimar de outra forma estes qualificativos; denominando justa e belo o necessário, porque não viu e não é capaz de mostrar aos outros quanto a natureza do necessário difere, na realidade, da do bom. Um homem assim não te pareceria um estranho educador?[38]

Tocqueville, nobre aristocrata francês que foi estudar nos Estados Unidos em 1830 era crítico de alguns aspectos da democracia. Para ele, era preciso domesticar as ideologias que buscavam igualdade entre as pessoas.

Se o leitor examinar o que acontece na França de cinquenta em cinquenta anos, a partir do século XI, não deixará de perceber, ao final de cada um desses períodos, que uma dupla revolução se produziu no estado da sociedade. O nobre terá baixado na escala social, o plebeu ter-se-á elevado; um desce, outro sobe. Cada meio século os aproxima, logo vão se tocar. [...] O desenvolvimento gradual da igualdade das condições é um fato providencial. Possui suas principais características: é universal, é duradouro, escapa cada dia ao poder humano; todos os acontecimentos, bem como todos os homens, contribuem para ele. [39]

No livro A Democracia na América, publicado em dois volumes, um 1835 e outro em 1840, Tocqueville elogiava a democracia americana por ter domesticado essas ideologias igualitárias, não as aniquilado, ao contrário, convivendo com elas. Isso o surpreendia.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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