Lei n. 14.331, 4/5/2022: novas regras para as perícias judiciais e a petição inicial em ações previdenciárias

08/05/2022 às 22:35
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Lei n. 14.331, 4/5/2022: novas regras para as perícias judiciais e a petição inicial em ações previdenciárias

PAULO AFONSO BRUM VAZ - Doutor em Direito, Mestre em Poder Judiciário, Pós-Doutorado em Direitos Humanos e Democracia, Desembargador Federal do TRF4, Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social ABDSS, Professor das Escolas Superiores da Magistratura da 4ª Região.

Neste breve texto, que não tem a pretensão de ser um artigo, muito menos comentário, examino, com a nota da precariedade, muito ainda no calor da publicação, a nova Lei n. 14.331, de 4 de maio de 2022, que dispõe sobre o pagamento de honorários periciais e sobre os requisitos da petição inicial em litígios e em medidas cautelares relativos a benefícios assistenciais e previdenciários por incapacidade; e revoga dispositivo da Lei nº 8.620, de 5 de janeiro de 1993. Autêntico Jaboti, trata a referida lei da reinstituição do mínimo divisor achatado para o cálculo do valor das aposentadorias.

Dilema da ausência de orçamento para antecipação dos honorários periciais resolvido. Foi, finalmente, depois de meses de aflição e relativa paralisação da realização de perícias judiciais nos processos previdenciários, por falta de orçamento para tal, resolvido o problema, inclusive retroativamente. Isso é digno de aplausos. Nesse lapso temporal em que desapareceu a previsão orçamentária pelo vencimento da lei respectiva, houve intensa interposição de Agravos de Instrumento em razão de decisões que atribuíam aos autores das ações a responsabilidade pelo adiantamento dos honorários periciais. Embora a jurisprudência tenha dito que não era possível haver a atribuição aos beneficiários da AJG, não se sabia o que dizer para resolver o problema, já que não existiam os recursos orçamentários, um limbo jurídico-prático intransponível.

Na Justiça Federal e na competência previdenciária delegada à Justiça Estadual, as despesas de antecipação dos honorários periciais ficarão por conta do Poder Executivo Federal, por delegação do órgão central do Sistema de Administração Federal ao Conselho da Justiça Federal, que descentralizará o pagamento aos Tribunais Regionais Federais. Estes farão o pagamento aos peritos, depois de realizada a perícia, independentemente do resultado ou duração da ação.

Quem antecipa os honorários periciais? Na nova dicção do § 5º do art. 1º da Lei n. 13.879-19, a partir de 2022, será ônus do réu (INSS) antecipar os honorários periciais nas ações que discutam concessão de benefícios assistenciais à pessoa com deficiência e por incapacidade.

A mim parece que a previsão de que aqueles que têm condições devem antecipar o pagamento da perícia (§ 6º) não alcança os beneficiários da Assistência Judiciária Gratuita, presumidamente hipossuficientes financeiros. Não há necessidade de serem intimados para tal fim. Em face da presunção, incumbe ao INSS suscitar e comprovar que o autor da ação reúne condições financeiras para antecipar o valor da perícia. Na Justiça Federal da 4ª Região, o critério jurisprudencial utilizado para se aferir o direito à AJG é o valor do teto do RGPS. Até o valor do teto, a presunção é absoluta; os rendimentos além do teto obrigam o requerente a comprovar despesas extras que comprometam a sua subsistência se tiver que pagar as custas e despesas processuais (TRF4, IRDR n. 25).

Não poderia ser diferente, e assim dispõe o CPC, que a parte vencida deve responder pelos ônus da sucumbência, inclusas as despesas de antecipação dos honorários advocatícios. Até aí nenhuma novidade.

Requisitos para a inicial da ação previdenciária sobre benefício por incapacidade. Embora os requisitos instituídos não inovem em relação ao que o CPC já exigia: fatos e fundamentos jurídicos do pedido, ao explicitar ou detalhar no caso específico do processo previdenciário quais seriam esses fatos e fundamentos, o legislador resolveu um problema crônico da justiça previdenciária, a incerteza quanto ao teor e os limites do conflito. Assim, será necessário explicitar na inicial: a) com clareza, a doença e as limitações que causa no segurado; b) a atividade que o segurado se reputa incapaz; c) as inconsistências do laudo pericial administrativo que não reconheceu a incapacidade.

Também é salutar, não representando inovação ao que já exigia o CPC, mas mera explicitação, como já disse, a exigência de a inicial vir instruída com: (a) prova do indeferimento ou de sua não prorrogação, (b) comprovante da ocorrência do acidente de qualquer natureza ou do acidente do trabalho, sempre que houver um acidente apontado como causa da incapacidade, e c) documentação médica de que dispuser relativa à doença alegada como a causa da incapacidade discutida na via administrativa.

Atenção para as dificuldades na obtenção das informações. Embora admita que as novas exigências para a inicial e sua instrução facilitem a delimitação do conflito e o trabalho do Poder Judiciário, permitindo uma análise mais aderente à realidade específica do segurado, devo advertir sobre as tremendas dificuldades práticas de acesso dos segurados e seus advogados na obtenção dessas informações contidas nos laudos, face às deficiências e inconsistências do sistema MEU INSS e de outros meios eletrônicos. Nesses casos, caberá aos juízes adotar cautela no exame das iniciais. Temperamento e parcimônia serão indispensáveis, e não se pode deixar de conceder e elastecer os prazos, se justificadamente necessário, para o cumprimento das exigências legais.

Coisa julgada e litispendência. Especialmente, quanto à exigência de declaração sobre existência de ação idêntica anteriormente ajuizada, esclarecendo os motivos porque entende o autor que não ocorre a litispendência e a coisa julgada, considero positiva a inovação. Litispendência e coisa julgada são pressupostos negativos de constituição válida do processo, que o juiz pode conhecer de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição. Verificar se há a chamada tríplice identidade (partes, pedido e causa de pedir) já no pórtico da ação evita nulidades que venham a ser reconhecidas mais adiante, às vezes anos depois, com prejuízo da Justiça e das partes. Tenho dito que é dever do advogado diligente, quando tem conhecimento, informar ao juízo sobre a repetição da ação e os motivos que afastam a litispendência e a coisa julgada. Trata-se de uma demonstração de boa-fé (inibe sanções por litigância de má-fé) e de cooperação com a Justiça e à parte contrária.

Ademais, a fundamentação antecipada sobre a ausência de tríplice identidade ou mesmo o manejo de teses sobre a relativização da coisa julgada, pode prevenir um indeferimento da inicial e a extinção sumária do processo sem exame de mérito, hipóteses que têm encadeado intensa recorribilidade nas Turmas e Tribunais de segundo grau da jurisdição previdenciária.

Novas regras sobre as perícias judiciais. Sobre as perícias judiciais, é razoável a nova disciplina que impõe ao perito o dever de contextualização e confronto das suas conclusões com a perícia administrativa. Perdeu-se, todavia, a oportunidade de impor, expressamente, peritos judiciais o dever de analisar as circunstâncias do periciando, como se tem feito na jurisdição previdenciária, pondo fim às perícias insuladas e infindáveis discussões que levam à imprestabilidade e à anulação de inúmeros laudos. Pena que para a perícia administrativa também não se fez recomendações. É aí que mora o problema e o perigo! Como as perícias administrativas estão sendo valorizadas e passam a ser um paradigma para a perícia judicial, precisam de maior rigorismo na sua elaboração. Continuando como hoje são feitas, muitas vezes a modo precário, não podem mesmo ser consideradas.

Advertência. O parágrafo primeiro do art. 129-A, ao exigir esforço de fundamentação apenas quando o perito judicial contraria as conclusões da perícia administrativa e nada referir sobre a perícia que a convalida, parece soar como um incentivo, um quase salvo-conduto para que os peritos apenas confirmem as perícias administrativas e suas, via de regra, respostas evasivas: sim, não, prejudicado etc. Uma maior valorização das perícias administrativas dependeria de incrementos de qualidade que permitissem mais confiabilidade, sobretudo no rigor técnico, na pesquisa mais aprofundada, na completude, na fundamentação e na imparcialidade, elementares que a prática judicial de longa data me permite dizer que nem sempre se pode encontrar. Merece muito cuidado a interpretação deste parágrafo, para que se preserve a isonomia e a paridade de armas. Parece evidente que para convalidar uma perícia administrativa não é suficiente a simples remissão ao seu conteúdo, nem fica dispensado o perito judicial de esgotar as possibilidades de diagnóstico e solicitar exames complementares. O confronto entre as perícias, seja para contraposição, seja para confirmação, supõe maior esforço de análise, pesquisa e fundamentação pelo perito judicial.

Pagamento de uma perícia apenas por processo. É preocupante uma possível leitura ainda mais restritiva da limitação ao pagamento de apenas uma perícia por processo, que já existia na lei alterada. É claro que a limitação é ao pagamento, não à realização de mais de uma perícia. Ocorre que se não for paga uma segunda perícia na forma preconizada na lei, teremos um problema no processo previdenciário, pois a grande maioria dos autores litiga sob o pálio da AJG. Quem pagará?

A realidade é sempre mais dinâmica do que o legislador imagina. Há um número imenso de situações em que se fazem necessárias duas e até mais de duas perícias. Por exemplo, se o perito descobre outras patologias incapacitantes fora do seu âmbito de especialização e conhecimento. Quando o segurado padecer de incapacidade decorrente de múltiplas patologias que demandem conhecimento especializado, estando entre estas uma doença psíquica, caso em que a jurisprudência não dispensa a especialização do médico perito. E assim por diante.

Explicitação da exceção e crítica. O texto se reporta, a título de exceção, à determinação das instâncias superiores. Alguém poderia dizer que o texto se refere ao STJ e ao STF. Instância superior não é o mesmo que tribunais superiores. Os tribunais superiores não tratam de matéria de fato. Apesar do emprego da palavra inadequada, leia-se instâncias recursais. Para as ações que tramitam na Justiça Federal e na Justiça Estadual por delegação previdenciária federal, Turmas Recursais e Tribunais Regionais Federais.

Mas e o próprio juízo de primeiro grau? Não poderá mandar repetir ou que se realize nova perícia paga (antecipada) pela sistemática da nova lei, ou seja, às expensas do Poder Público? É comezinho perceber que retirar a possibilidade de anulação ou designação de nova perícia de qualquer nível da jurisdição previdenciária é inconstitucional. Viola, em uma olhada rápida, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o contraditório e a ampla produção probatória, garantias constitucionais de qualquer litigante no processo judicial. Uma interpretação que não confunda texto e norma vai concluir que, nestes casos, se deve realizar a eventual segunda (ou mesmo terceira) perícia necessária à adequada e justa solução do conflito, na forma preconizada na lei para a primeira perícia.

Procedimento instituído para as ações que demandem perícia judicial. Se alguém duvidava da autonomia relativa do processo previdenciário, de seus institutos e princípios típicos, tudo agora fica mais evidente no plano da normatividade. O novo texto não é claro. Fala em citação do INSS quando presentes outras questões controvertidas, além da incapacidade ou deficiência que demande perícia: outros pontos controvertidos, como é o caso de eventual discussão acerca da condição de segurado etc. A contrario sensu, sendo a incapacidade a única questão controvertida, não haverá citação do INSS.

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Parece-me que a nova regra procedimental consagra a técnica já empregada, faz tempo, em algumas Varas da Justiça Federal, de antecipação da determinação da perícia à citação do INSS. Esta sistemática pode ser customizada conforme as peculiaridades da unidade jurisdicional e dos atores do processo previdenciário. O CPC atual permite maior maleabilidade no rito, de acordo com a conveniência das partes.

De qualquer sorte, as partes precisam ser intimadas para acompanhar a perícia, impugnar o nome do perito, indicar assistente técnico, formular quesitos e falar sobre o laudo pericial. A técnica da audiência integrada, usual na Justiça Federal e convalidada pelos TRFs, pode ajudar a resolver os problemas de aplicação do novo texto legal incompleto.

Ao que parece, foi criada, no processo previdenciário que necessite perícia para se detectar deficiência ou incapacidade laboral, uma hipótese de julgamento antecipado de improcedência para uma situação diversa daquelas previstas no CPC. O art. 332 do CPC prevê o julgamento liminar de improcedência quando houver matéria de direito ou de fato que dispense instrução probatória. Agora, será possível diante de perícia judicial antecipada que confirme a perícia administrativa que não reconhece a incapacidade, depois de intimado o autor. Ou seja, depois da instrução probatória.

Não há dúvida de que aqui se deve facultar a hipótese recursal prevista no art. 332 do CPC. Quer dizer, o autor, estando inconformado, poderá recorrer (apelar) da decisão, o juiz poderá se retratar, e se não o fizer, o recurso é encaminhado à segunda instância, depois de citado o INSS para oferecer contrarrazões, que valem com contestação, por isso devem oferecer defesa sobre todas as demais contidas ou decorrentes do pedido, e não só sobre o objeto da prova pericial.

Essa antecipação da perícia à citação deve ter reflexos na dispensa de condenação honorária em caso da improcedência antecipada, circunstância que vejo positiva no processo previdenciário, apesar de a maioria dos autores litigar sob o pálio da AJG, que permite a suspensão da cobrança da eventual verba honorária a que tenha sido condenada.

Nada muda em relação à possibilidade de o juiz não acolher o laudo do perito judicial que não reconhece a incapacidade laboral ou a deficiência confirmando a perícia administrativa. O laudo do perito judicial, como é cediço no plano normativo e jurisprudencial, continua não sendo absoluto para o juiz, compreensão que dispensa maiores considerações.

E na hipótese de a perícia judicial contrariar a perícia administrativa? Viu-se que a nova disciplina processual instituída permite o julgamento antecipado quando a perícia judicial confirmar a perícia administrativa. Se a intenção fosse realmente abreviar os processos desta espécie, e não apenas desestimular a judicialização, assegurando um sobrevalor às conclusões das perícias administrativas, na situação inversa também se deveria possibilitar o julgamento antecipado. Uma análise principiológica permitiria afirmar a necessidade de tratamento isonômico. Se o perito judicial fundamentadamente, na forma da redação do § 1º do art. 129-A, reconhece a incapacidade ou a deficiência, em perícia realizada sob o crivo do contraditório, porque não admitir o julgamento antecipado de procedência.

Fim do cálculo da contribuição única pelo teto do RGPS. Por fim, dentro do propósito deste breve e superficial comentário, analiso a redação no novo artigo 135-A da Lei de Benefícios. Transcrevo a nova redação:

Art. 135-A: Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses.

Conquanto este tema, com forte conotação atuarial, merecesse uma digressão mais profunda, porque o seu histórico é complexo, demandando remissão legal e mesmo à EC n. 103-19, vou simplificar para dizer que a possibilidade da consideração de uma única contribuição para o segurado que tenha readquirido a condição de segurado depois de tê-la perdido, para fins de concessão de aposentadorias, especialmente a por idade, deixa de existir. Chamada de farra da contribuição única pelo teto, por representar um privilégio proveniente de um descuido legislativo, parece não mais ser possível. Agora, voltamos a ter a média achatada para os segurados que tenham menos de 108 contribuições. Retorna o esquecido divisor mínimo, fixado em 60% dos salários de contribuição. É claro que as questões de direito intertemporal poderão ser discutidas.

São minhas primeiras considerações, ainda muito retificáveis e cheias de dúvidas. Espero que ajudem como fomento ao debate e início de interpretação.

Sobre o autor
Paulo Afonso Brum Vaz

Doutor em Direito Publico (Unisinos), Mestre em Poder Judiciario (FGV), Desembargador Federal do TRF4, Professor e escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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