Resumo: O presente trabalho acadêmico abordará uma reflexão acerca das novas disposições sobre os crimes virtuais, analisando a Lei 14.231 e a Lei 14.155, ambas sancionadas no ano de 2021, e que promoveram alterações no Código Penal Brasileiro e no Código de Processo Penal Brasileiro, com sensíveis mudanças na tipificação e tratamento de crimes cometidos no ambiente virtual ou por meio dele. Ademais, buscou-se contextualizar o histórico, conceituações e desenvolvimento legislativo sobre as dispositivos legais que tratam dos chamados crimes cibernéticos, com ênfase na descrição das alterações trazidas pelas novas leis a partir de um estudo bibliográfico e doutrinário, com o objetivo de discorrer acerca das mudanças.
Palavras-chave: Crimes Cibernéticos. Lei 14.231/2021. Lei 14.155/2021. Cibercrime. Crimes Virtuais.
Introdução
Recentemente, a revista The Economist trouxe em sua matéria de capa o título Bandidos de Banda Larga, com uma extensa reportagem que abordou a ocorrência de crimes cibernéticos que tiveram como vítimas grandes empresas globais, causando impactos até na economia mundial.
Esse contexto, que à primeira vista nos parece distante, chama-nos atenção para um problema que evolui à medida que a Internet se desenvolve e se integra em nossa rotina: os crimes virtuais.
De acordo com um estudo publicado pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, os crimes cometidos por meio da internet cresceram mais da metade nos últimos anos, chegando ao número de 156.692 denúncias anônimas no ano de 2020. (Garrett, 2021)
Tais números cresceram principalmente a partir do início da Pandemia da Covid-19, que forçou a adoção do home office pelas empresas, as aulas na modalidade de ensino a distância e as horas adicionais que cada pessoa passou no computador ou celular. Assim, aumentou a quantidade de pessoas conectadas e vulneráveis aos delitos.
Diante desse cenário de insegurança virtual, a legislação penal brasileira recebeu duas novas leis que alteraram alguns pontos importantes que visam dar alcance da lei penal e processual penal ao ambiente virtual.
A Lei 14.155 de 2021, sancionada em 28 de maio de 2021, modificou e incluiu alguns dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal, promovendo alterações referentes aos crimes de invasão de dispositivos informáticos, furto mediante fraude eletrônica, estelionato mediante fraude eletrônica, dentre outras questões relevantes.
E a Lei 14.132 de 2021, sancionada em 31 de março de 2021, inseriu no Código Penal o art. 147-A, denominado crime de perseguição. A criação desse tipo penal busca tutelar a liberdade individual, contra os delitos cometidos no ambiente da internet, com a finalidade de constranger a vítima por meio da invasão da privacidade.
Dessa maneira, o presente trabalho terá como finalidade discorrer acerca das novas leis supracitadas, com enfoque na contextualização dos crimes cibernéticos, a partir de uma linha de análise conceitual, com relação à definições doutrinárias e acadêmicas; histórica, com a descrição do desenvolvimento da Internet e seus desdobramentos na sociedade contemporânea e, por fim, evolutiva, apresentando o progresso da legislação brasileira que trata sobre os crimes virtuais, desde as primeiras previsões no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990, até o exame acerca das novidades legislativas de 2021, que são as Leis 14.155 e 14.132.
Dos Crimes Cometidos de Forma Virtual ou pela Internet
Panorama Histórico e Conceitual
O direito e a tecnologia não existem em um vácuo, separados e independentes entre si. Partindo dessa afirmativa feita por Monte (2020), iniciamos o nosso estudo acerca dos crimes praticados no ambiente virtual ou por meio dele, haja vista que cada vez mais a realidade material se confunde com a realidade virtual.
A partir desse ponto, é necessário contextualizarmos o meio pelo qual debruçaremos o objeto do presente estudo: a Internet.
Conceito e Breve História da Internet
Justiniano (2016), ensina que o nome Internet vem de Internetworking que significa ligação entre redes. Embora geralmente pensada como rede, a Internet na verdade é o conjunto de todas as redes que usam protocolos de conexão, podendo ser conceituada como o conjunto de meios físicos (linhas digitais, computadores, roteadores etc.), programas, e protocolos de conexão usados para o transporte da informação.
Curioso notar que, conforme a mesma autora, a Internet passou a ser explorada de maneira mais intensa somente depois de cerca de trinta anos de sua criação, datada por volta da década de 1960, foi se popularizar no início da década de 1990, com um uso ainda limitado para compartilhamento de informações básicas, de cunho acadêmico, científico e militar.
Essa limitação aconteceu principalmente por conta do objetivo inicial que havia por trás da criação da internet. Sua origem remonta ao final da década de 1950, quando os Estados Unidos e a União Soviética protagonizavam a Guerra Fria, um embate em termos ideológicos, econômicos, políticos, militares e, é claro, tecnológicos.
Devido ao conflito, os Estados Unidos estavam interessados em encontrar uma maneira de proteger suas informações e comunicações no caso de um ataque nuclear soviético. As inovações que tentaram resolver esse problema levaram ao que conhecemos hoje como Internet. (CONTENT, 2020)
A partir desse acontecimento histórico, iniciou-se uma verdadeira corrida tecnológica com o intuito de criar ferramentas que aprimorassem os meios de informação e comunicação. Desde então, nos anos que se seguiram à Guerra Fria, a Internet passou a ganhar forma a partir do lançamento de satélites como o DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, em português), de estudos e teorias que tratavam da comunicação em rede, além dos primeiros experimentos de troca de informações.
Em 1962, Paul Baran, apresentou um sistema de comunicações que, por meio de computadores conectados a uma rede descentralizada, era imune a ataques externos, já que, se um ou mais fossem destruídos, os outros poderiam continuar funcionando. O objetivo havia sido cumprido! Se essa tecnologia fosse desenvolvida em larga escala, as informações dos EUA estariam protegidas, pois poderiam ser consultadas em qualquer computador. (CONTENT, 2020)
Posteriormente, já na segunda metade da década de 1960, iniciaram os primeiros experimentos de sucesso com troca de informações entre computadores, além da criação das primeiras redes. Isso possibilitou uma das maiores inovações da época, responsável por mudar a forma de se corresponder, em 1972, Ray Tomlinson criou o software[1] básico de e-mail (correio eletrônico), que se tornou o aplicativo mais importante da década e mudou a natureza da comunicação e colaboração entre as pessoas. (CONTENT, 2020)
A criação do e-mail possibilitou o compartilhamento da tecnologia com a sociedade civil, pois, até então as redes criadas serviam essencialmente para proteção dos dados e comunicação militar. Por esse motivo, em 1974, mais de 50 universidades americanas estavam conectadas à ARPANET, primeira rede criada. (CONTENT, 2020)
Após demais evoluções da tecnologia, em 1985, a Internet já estava consolidada como a principal rede de comunicação com alcance global. Sendo criado no final da década o WWW (World Wide Web), sistema que permite a distribuição de documentos de interconectados e acessíveis por meio de um navegador web[2].
Com isso, as redes que eram restritas ao meio militar, científico e acadêmico, passaram a ser acessível à toda sociedade, principalmente com a possibilidade de se fazer comércio pelo meio virtual.
Em 1997, foi criado o Google, que popularizou ainda mais a Internet, contando com mais de um bilhão de páginas indexadas e oferecendo fácil acesso às informações graças aos seus algoritmos[3].
Por fim, a partir dos anos 2000 surgiram as Redes Sociais, que permitiram que as pessoas se comunicassem em tempo real, atraindo uma quantidade massiva de usuários e transformando o modo de se comunicar.
Assim, com a disseminação do uso de redes sociais e de diversas outras formas de comunicação via internet o contato tornou-se muito ágil e de grande difusão, pois a maioria dos indivíduos se utiliza de tais mecanismos para estabelecer conversas com outros indivíduos. Os aplicativos utilizados para a transmissão de mensagens como Whatsapp, Messenger, Telegram e tantos outros passaram a oferecer recursos que vão além da simples troca de texto, contando com a transmissão de arquivos em vários formatos, como imagens e vídeos, de modo a parecerem mais atrativos para seus usuários. (MONTES, 2020)
O Cibercrime
Para Medeiros e Ugalde (2020), a então denominada Era da Informação elevou a internet ao patamar de meio de comunicação mais popular e efetivo de todos os tempos, tendo em vista sua influência massiva nas relações sociais, econômicas e políticas. Contudo, proporcionalmente aos avanços e benefícios, a Internet aliada à uma comunicação cada vez mais veloz, como no mundo real, tornou-se espaço também para o cometimento de delitos, surgindo os crimes cibernéticos.
Reforçando essa linha pensamento, os mesmos autores continuam:
A internet é uma rede de computadores, ligadas por redes menores, portanto comunica-se entre si, assim através de um endereço IP, onde variadas informações são trocadas, é quando surge o problema, existe uma quantidade enorme de informações pessoais disponíveis na rede, ficando à mercê de milhares de pessoas que possuem acesso à internet, e quando não é disponibilizada pelo próprio usuário, são procuradas por outros usuários que busquem na rede o cometimento de crimes, os denominado Crimes Cibernéticos. (MEDEIROS e UGALDE, 2020)
Atualmente, ainda não há uma definição exata acerca dos crimes cometidos no âmbito virtual, pois são diversas as nomenclaturas e definições, principalmente por conta da gama de ilícitos possíveis de serem cometidos na Internet ou por meio dela.
No entanto, para delimitar um conceito que colabore com o desenvolvimento de nosso estudo, podemos considerar que a conduta com animus lesivo, praticada pelo usuário da Internet com a intenção de praticar crimes, passou a ser denominada, por parte da doutrina, como Crime Cibernético, definido por Rossini (2004), como:
conduta típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade e a confidencialidade.
E a realidade brasileira favorece tal comportamento criminoso, pois é um verdadeiro mundo digital, tamanha proporção que tomou, como constata um relatório de 2017 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, que colocou o Brasil em quarto lugar no ranking quando o assunto é quantidade de usuários conectados à Internet. Ou seja, há uma fartura de vítimas vulneráveis aos criminosos.
Tal realidade provocou o Estado brasileiro a legislar sobre os crimes cibernéticos, conforme iremos tratar adiante, principalmente, porque as questões relacionadas aos crimes cibernéticos passaram a integrar a seara do direito penal no momento em que se teve a impressão de que o que era feito no ambiente da rede não poderia ser alcançado pelo direito em razão da dificuldade em localizar responsáveis pelos danos causados. (MONTES, 2020)
Com relação aos delitos, estes não se limitam a crimes patrimoniais apenas, como costumava acontecer, como estelionatos e fraudes, mas nos últimos anos, com o surgimento e expansão das redes sociais, grande parte das condutas criminosas ofendem o íntimo da vítima, gerando não apenas meros infortúnios no ambiente virtual, mas também transtornos e danos graves.
Nessa linha, o papel do legislador ao prever leis que tratem especificamente sobre tais acontecimentos no âmbito do ambiente virtual se torna essencial para tutelar as garantias fundamentais previstas, conforme o texto constitucional:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
Portanto, os avanços legislativos não apenas buscam regulamentar o ambiente virtual, mas são ferramentas essenciais para a manutenção de um sentimento mínimo de segurança jurídica, principalmente no que se trata à dignidade do indivíduo e todas as demais garantidas constitucionais.
Classificação dos Crimes Cibernéticos
A doutrina penalista tem desenvolvido uma classificação para os crimes cometidos em ambientes virtuais. Neste ponto é oportuno desde já ressaltar que existem práticas delituosas que se exaurem no próprio espaço virtual, como também aqueles crimes que utilizam da internet apenas como um meio, instrumento do ilícito.
Para tanto, existem duas divisões acerca da classificação. A primeira divisão que classifica como crimes puros, crimes mistos e crimes comuns. E uma segunda divisão que estabelecem em crimes próprios e crimes impróprios.
Crimes Puros, Crimes Mistos e Crimes Comuns
A primeira divisão prevê como Crimes Puros a prática delituosa que possui o objetivo de atingir o sistema de um computador, seja a parte física ou de dados, geralmente praticado por hackers. Nas palavras de Montes (2020), tem como finalidade a invasão do dispositivo informático, uma violação da integridade física ou lógica do computador e seus sistemas
Com relação aos Crimes Mistos, o alvo não é o computador, mas os bens da vítima, ou seja, a internet é utilizada como meio para realizar o crime, como, por exemplo, transferências ilícitas de bens e/ou valores. Os dispositivos telemáticos são necessários como meio para que seja viável a prática criminosa, pois sem eles, não haveria conduta.
Por último, os Crimes Comuns são aqueles que utilizam a internet para realizar o crime, onde os aparelhos e a rede são usados apenas como instrumento para a realização de um delito já tipificado pelo Código Penal, sendo assim reconhecidos pela lei, como o caso da pornografia infantil que já é abordado no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 1990.
Crimes Próprios e Crimes Impróprios
A segunda divisão compreende a seguinte classificação:
Crimes Próprios: aqueles praticados exclusivamente por meio de computadores, aqueles que têm o sistema computacional como fim da conduta ilícito-típica. Estes, exigem legislação especial, pois se configuram como novos tipos penais. E no caso do Brasil, no que remete a leis que regulam, tipificam e esclarecem quais são esses crimes e determine suas penas, notamos uma extrema carência. (JUSTINIANO, 2016)
Como exemplo a autora discorre:
Outrora, para tratar, por exemplo, da invasão de um computador, não havia legislação, visto que o nosso Código Penal é de 1940, quando os computadores ainda não existiam. Portanto, não poderiam ser considerados como bens jurídicos demandantes de proteção jurídica. A Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012, veio suprir essa lacuna e previu o crime de invasão de dispositivo informático, quando inseriu o Artigo 154-A, no Código Penal.
Crimes Impróprios: que atingem o bem comum sendo o meio virtual apenas uma das formas de execução do crime, podendo ser praticado por outros meios. De acordo com Justiniano (2016), são aqueles que utilizam o sistema informático como meio para a prática de condutas ilícito-típicas já existentes, que já estão previstos na legislação penal tradicional brasileira. A alteração que ocorre é apenas instrumental, não havendo, portanto, a necessidade de legislação específica.
Um furto, por exemplo, pode ser praticado de forma pessoal ou de forma cibernética, mas será tratado da mesma forma pelo Código Penal, no Artigo 155. Outro exemplo é o crime de pedofilia, ou estelionato, que é a utilização do sistema informático como meio, como veículo para a prática de um delito que já se encontra devidamente definido e previsto na legislação penal vigente. Os infratores cometem delitos já previstos na legislação nacional, porém valendo-se da Internet como um meio. Nestes casos, portanto, não há o que se falar em novos tipos penais, já que as condutas ou bens que porventura forem violados já estão tutelados pelo Código Penal e por leis específicas. (JUSTINIANO, 2016)
Evolução Legislativa dos Crimes Cibernéticos
Os primeiros crimes relacionados à informática foram praticados na década de 1960, nos Estados Unidos. Na época, começaram a aparecer na imprensa e na literatura científica norte-americana os primeiros casos de uso de computadores para cometer delitos como sabotagens e espionagem. (BARROS e NUNES, 2006)
A partir de 1980, as ações criminosas intensificaram-se, envolvendo principalmente manipulação de dados bancários, pirataria de programas de computador, abusos nas telecomunicações e pornografia infantil.
Desde então, com a popularização e rápido desenvolvimento da tecnologia, a Internet cresceu e possibilitou uma diversidade de utilizações tanto para o benefício da sociedade, quanto para o malefício quando utilizado de maneira criminosa, com especial atenção a partir da segunda metade dos anos 2000, crescendo ainda mais nos últimos anos.
Em uma matéria publicada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (2019), o autor considera que a legislação não seguiu a mesma evolução, o mundo das leis não acompanhou no mesmo ritmo esse crescimento vertiginoso da internet e dos crimes virtuais. Em se tratando de Brasil, ainda que a Internet já fosse utilizada de maneira comercial a partir da década de 1990, somente em 2008 uma lei alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, para penalizar a pornografia infantil virtual. Leis específicas de combate a crimes virtuais, alterando o Código Penal, só entraram em vigor em 2012.
A Lei 11.829 de 2008, alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, introduzindo artigos, como o art. 241-A, para aprimorar o combate à pornografia infantil e criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet. Passou a prever pena de reclusão de 3 a 6 anos para quem incorrer no delito se:
oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.
No ano seguinte, em 2009 foi sancionada a Lei 12.015, de 2009 que também alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, com o art. 244-B, instituindo pena de reclusão de 1 a 4 para quem se relacionar com menores de 18 anos em salas de bate-papo da Internet.
A legislação brasileira somente passou a prever as condutas ilícitas praticadas no meio digital a partir da Lei 12.737 de 2012, popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann.
Pioneira, a lei foi criada após a referida atriz ter sido vítima de ataques cibernéticos e, em decorrência, teve fotos íntimas disponibilizadas na rede sem o seu consentimento. Com isso, a lei alterou o Código Penal Brasileiro, introduzindo os crimes informáticos, in verbis: Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos e dá outras providências.
Uma das inovações foi a criação do art. 154-A, que tipificou a conduta de invadir dispositivo eletrônico a fim de obter, adulterar ou destruir dados de informações sem a autorização do titular o dispositivo. A pena prevista foi de detenção de 2 meses a 1 anos, aplicada aos agentes que incorrerem no delito descrito, popularmente chamados de hackers.
No mesmo ano de 2012, também foi criada a Lei 12.735, conhecida como Lei Azeredo, que de acordo com Ferreira et al (2019), alterou o inciso II do parágrafo 3º do artigo 20 da lei nº 7.716/89, conhecida como Lei do Crime Racial, para permitir que uma solicitação de retirada de conteúdo discriminatório não somente de rádio, TV ou internet, mas de qualquer meio possível, fosse feita pelo juiz, de ofício. Além disso, determinou a criação de delegacias especializadas em crimes praticados por meio da Internet, in verbis:
Art. 4º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de regulamento, setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado.
De grande relevância, em 2014, por meio da Lei n. 12.965, foi sancionado o Marco Civil da Internet, com o objetivo de regulamentar e nortear os princípios, garantias e deveres resguardados aos usuários da Internet, a serem observados pelos entes federativos, provedores de Internet, empresas e demais envolvidos no ambiente virtual.
A lei teve o propósito de garantir que todos possuam uma condição digna em termos de experiência tecnológica, desenvolvendo sua personalidade e exercitando a sua cidadania em meios digitais. (POLITIZE, 2021)
Destaque para os princípios da liberdade de expressão, neutralidade de rede e a privacidade, que regem a lei que teve iniciativa do próprio Poder Executivo à época.
O princípio da liberdade de expressão é a reafirmação do mesmo já previsto pela Constituição Federal de 1988, em seu inciso IX do artigo 5º que, considerando o ambiente virtual, apesar de se referir à liberdade de pensamento e ideias nas redes, também possui seus limites. Assim, como consta no texto constitucional, veda-se o anonimato. Isto significa dizer que esse direto não é absoluto e cabe a responsabilização cível ou criminal daquele que excede os limites na hora de se expressar. (POLITIZE, 2021)
A neutralidade da rede, prevista no art. 9º do Marco Civil da Internet, estabelece que:
Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
Ou seja, os provedores de Internet, que são os responsáveis pelo tráfego da rede, não podem interferir na navegação, bloqueando ou dificultando o acesso a qualquer conteúdo.
O princípio da privacidade, garantia fundamental da Constituição Federal, tem a função de garantir proteção aos dados dos usuários, prevendo a exigência do consentimento do usuário para que seus dados sejam utilizados, além da possibilidade de reparação de danos materiais ou morais decorrentes de violação da intimidade, ao sigilo ou vida privada.
Outro grande passo legislativo foi mais recente, com a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei 13.709 de 2018. A LGPD, tem como objetivo promover um cenário de proteção jurídica dos direitos fundamentais da liberdade e da privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, para proteger os dados pessoais de cada cidadão.
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. (Lei 13.709 de 2018)
A lei regulamentou toda a sistemática de tratamento dos dados com informações sobre os usuários, normatizando as formas de processamento e compartilhamento tanto por meios físicos ou digitais.
A LGPD tem papel importante nessa linha do tempo de evolução legislativa. A todo tempo as informações fornecidas pelos usuários são utilizadas para melhorar a navegação e experiência digital. Dessa maneira, os provedores, sites e demais empresas que recebem esses dados possuem total acesso a vida privada de cada indivíduo, por isso a importância dos instrumentos legais eficazes.
Lei 14.132 de 2021
Crime de Perseguição (Stalking)
A Lei 14.132 de 2021, trouxe uma das principais alterações da legislação penal dos últimos anos com a criação do crime de perseguição, também conhecido como stalking, palavra de origem inglesa que define a conduta de importunação, caracterizado pela insistência, impertinência e habitualidade, desenvolvido por qualquer meio de contato, vigilância, perseguição ou assédio (BRITTO e FONTAINHA, 2021).
O texto legal, trouxe em sua redação a seguinte previsão:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Cunha (2021), versa que o tipo penal surgiu com a justificativa de suprir uma lacuna e de tornar proporcional a pena para uma conduta que, embora muitas vezes tratada como algo de menor importância, pode ter efeitos especialmente psicológicos muito prejudiciais na vida de quem a sofre.
Tais efeitos podem ser percebidos ao analisarmos as espécies do stalking que, na classificação de Aras (2021), pode ser afetivo, quando há vínculo de afetividade entre vítima e agente; funcional, quando ocorre nas relações trabalhistas, de comércio ou ensino; e idólatra, vinculada à admiração obsessiva de fãs, endereçada a artistas, a líderes políticos e religiosos ou a outras personalidades públicas. As condutas podem ser tanto remotas quanto presenciais.
Neste ponto, cabe ressaltar que a há uma sensível relação do crime de perseguição com a Lei Maria da Penha, lei n. 11.340 de 2006.
Na lei especial, diversas condutas são descritas em relação à violência psicológica e ameaças. Em seu artigo 7º, a Lei Maria da Penha, de acordo com Cunha (2021), apresenta-se uma definição acerca da violência psicológica que nas palavras do autor:
Há essa forma de violência em qualquer conduta que provoque dano emocional e diminuição da autoestima, que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da vítima ou que vise a degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Apesar de o tipo penal ser classificado como crime comum no polo passivo, o stalking decorre de uma atenção à violência praticada contra as mulheres, conforme vimos na Lei Maria da Penha. Ademais, Aras (2021), apresenta em seu artigo que desde a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, de 1994), internalizada pelo Decreto 1.973/1996, sobretudo o seu art. 4º, que assegura os direitos à integridade física e mental e à segurança pessoal, e o seu art. 7º, que exige que os Estados Partes adotem medidas jurídicas para impedir que um agressor venha a praticar as condutas descritas pelo dispositivo penal previsto na Lei Maria da Penha, e agora também tipificado no Código Penal Brasileiro.
Portanto, há um movimento de combate à violência psicológica e perseguição praticado contra o público feminino, que foi internalizado e ampliado pelo legislador nacional.
Anteriormente, a conduta de perseguição se enquadrava no art. 65 da Lei de Contravenções Penais, Decreto-lei 3.688 de 1941, que previa a prisão simples de 15 dias a dois meses. A Lei 14.132 de 2021 revogou tal dispositivo.
Contudo, há uma delicada discussão doutrinária que reflete se a partir do novo tipo penal ocorreu o abolitio criminis, termo em latim que pode ser conceituado como a extinção do crime devido à publicação de lei que revoga o delito anteriormente previsto no ordenamento jurídico, previsto no art. 107, III do Código Penal.
A discussão se explica a partir da seguinte análise: o tipo penal do art. 65 da LCP (Lei de Contravenções Penais), era muito mais abrangente que o novo art. 147-A do CP, é possível cogitar duas hipóteses com consequências distintas no caso de agente condenado pela contravenção penal de perturbação da tranquilidade. (COSTA; FONTES e HOFFMANN, 2021)
Posteriormente, os autores ilustram as hipóteses explicando que:
a) se a conduta do agente se ajustar ao novo crime de perseguição, por ter praticado condutas reiteradas e ameaçadoras em desfavor da vítima, não há que se falar em abolitio criminis, mas em aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, de sorte que os efeitos da sentença condenatória pela prática da contravenção penal permanecem.
b) se a conduta do agente não se amoldar ao novo tipo penal de stalking, pois a perseguição se deu uma única vez, é inegável a ocorrência da abolitio criminis, acarretando a extinção da punibilidade do agente, cessando a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (COSTA; FONTES e HOFFMANN, 2021)
Portanto, são interpretações que podem fazer uma grande diferença na aplicação da lei penal no caso concreto, processualmente, são teses acusatórias e defensivas que poderão ser levantadas diante desse tipo penal.
Classificação Doutrinária
O crime é comum, tanto em relação ao sujeito ativo, quanto ao sujeito passivo. De conduta dolosa. Crime material, haja vista que somente se consumará quando evidenciado que a perseguição produziu os resultados previstos. De forma livre. Exige-se a habitualidade. Comissivo. Monossubjetivo, pois, pode ser praticado por um só agente. Plurissubsistente, já que o delito somente se comete por vários atos, a partir da reiteração. Transeunte ou não transeunte, ou seja, se deixa vestígios ou não. (GRECO, 2021) (BARROS, 2021)
Seguindo a análise de Greco (2021), o bem juridicamente protegido é a liberdade pessoal, abrangendo a natureza física e psíquica da vítima. Com relação ao sujeito passivo, embora qualquer pessoa possa figurar nesse polo, as mulheres são, geralmente, as vítimas mais comuns, sendo o stalking tratado como uma das formas de violência contra a mulher em outros países.
Trata-se de crime habitual, uma vez que se consuma a partir de uma reiteração dos atos de perseguição que, por qualquer meio, venha a ameaçar a integridade física ou psicológica da vítima, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Sendo a tentativa inadmissível nos casos de crimes habituais. (GRECO, 2021) (CUNHA, 2021)
Ainda se tratando da habitualidade, há uma discussão em relação a definição da frequência de atos necessária para configurar a ação reiterada de maneira habitual. Para Bianchini e Ávila (2021), seriam necessários ao menos três episódios com alguma conexão de proximidade ou frequência que permita sua leitura como um ato continuado de perseguição.
A conduta é dolosa e comissiva, para Greco (2021), o núcleo perseguir nos induz a concluir que o comportamento deve ser praticado comissivamente, não havendo, outrossim, previsão para a conduta omissiva.
Por fim, demais condutas já previstas na legislação penal brasileira também poderão modular seus efeitos e se enquadrarem no cyberstalking, como apontam Bianchini e Ávila (2021), o crime de injúria, bastante comum nas redes sociais, se cometida de modo reiterado pode configurar o crime de perseguição, bem como demais crimes contra a honra ou de ameaça, já que o novo tipo penal comporta não apenas a ameaça à integridade física, mas também psicológica.
Análise do Tipo Penal
Conforme podemos perceber, o art. 147-A, caput, do Código Penal, estabelece como punição a pena de reclusão de seis meses a dois anos. Sendo assim, passível dos benefícios da transação penal e suspensão condicional do processo, como prevê a Lei dos Juizados Especiais, n. 9.099/95, em seu artigo 77.
Entretanto, Cunha (2021), explica que admitida a transação penal, fica inviabilizado o acordo de não persecução penal, nos exatos termos do art. 28-A, § 2º, inc. I, do CPP, de outro modo, caso incidente a causa de aumento do § 1º, os benefícios somente serão aplicados se o crime não for praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, ou consista em perseguição com ameaça direta à integridade da vítima.
Os demais parágrafos do tipo penal tratam das causas de aumento e da ação penal, conforme veremos a seguir.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I contra criança, adolescente ou idoso;
II contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação.
O §1º estabelece proteção maior a um público considerado mais vulnerável. No tocante às crianças e adolescentes, consideram-se àqueles definidos pelo art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, considera-se criança a pessoa com até doze anos incompletos, e adolescente quem tem entre doze e dezoito anos de idade. E com relação ao idoso, aquele com idade igual ou superior a sessenta anos, de acordo com o Estatuto do Idoso, art. 1º da Lei 10.741/03.
Uma importante elucidação é dita por Greco (2021), com relação ao parágrafo primeiro. Para o doutrinador, a majorante somente será aplicada se o agente ativo souber da condição especial da vítima, ou seja, se é de fato uma criança ou um idoso, caso contrário seria erro de tipo.
Assim, por exemplo, se um agente pratica qualquer dos comportamentos previstos no art. 147-A do Código Penal, acreditando ter a vítima 18 anos completos quando, na verdade, ainda está prestes a completar essa idade, não poderá ser aplicada a causa especial de aumento de pena prevista no inciso I em análise. GRECO (2021)
No inciso II, há uma conexão com o art. 121, §2º-A do Código Penal, que prevê o Feminicídio, considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica ou familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Já no inciso III, a majorante prevê os casos em que houver concurso de agentes ou emprego de arma, considerado pela doutrina, vide Cunha (2021), como armas brancas ou de fogo. Nesse sentido, Greco (2021), complementa dizendo que o legislador não fez distinção sobre o tipo de armamento, com a possibilidade de ser:
própria (destinada ao ataque e à defesa, a exemplo do que ocorre com os punhais e armas de fogo) ou imprópria (como é o caso de objetos que, não sendo destinados ao ataque e à defesa, podem exercer essa função, tal como ocorre com cacos de vidro, pedaços de pau etc.), servirá para aplicar o aumento de pena. Assim, tanto faz se o agente se vale de uma arma de fogo ou de uma faca de cozinha para intimidar a vítima, deverá ser aplicada a causa de aumento de pena em estudo.
O parágrafo 2º, prevê a possibilidade de haver um concurso de crimes entre a perseguição e a violência, em qualquer modalidade prevista no art. 129 do Código Penal.
Na análise de Cunha (2021), embora o caput do art. 147-A não contenha nenhuma menção à violência, nada impede que o perseguidor lance mão desse meio para provocar uma intimidação mais intensa. Nesse caso, devem ser aplicadas também as penas relativas à violência. Portanto, sendo possível a existência de concurso de crimes que, nas palavras do mesmo autor, configuraria o concurso formal impróprio, previsto no art. 70, caput, do Código Penal, caso em que o agente, mediante uma só conduta, porém com desígnios autônomos, provoca dois ou mais resultados, cumulando-se as reprimendas.
Nesse ponto há uma divergência na interpretação da classificação do concurso de crimes. Para Greco (2021), no caso do §2º, haverá um concurso material e não formal, uma vez que o agente pode, reiteradamente ou não, usar de violência para efeitos de concretização do stalking, pois, como já afirmamos anteriormente, cuida-se de um crime habitual, que requer a prática retirada de comportamentos para que reste consumada a infração penal. O autor segue descrevendo o seguinte exemplo:
Assim, imagine-se a hipótese onde o agente, com o objetivo de abalar psicologicamente a vítima, passe a frequentar o lugar onde esta última costumava almoçar, mostrando-se ostensivamente. Numa dessas aparições, o agente com ela discute e a agride. Como se percebe, o crime de perseguição exigia uma cadeia de atos, sendo que em todos os anteriores à agressão o agente somente fazia questão de demonstrar a sua presença no local. Nesse caso, entendemos que será perfeitamente possível o raciocínio correspondente ao concurso material de crimes, vale dizer, o de perseguição e o de lesões corporais (leve, grave ou gravíssima).
Finalmente, quanto a ação penal, o §3º afirma que será pública condicionada a representação da vítima. Dessa maneira, estará sensível a um prazo decadencial, caso não haja a manifestação do ofendido. Cunha (2021), explica que a regra também se aplica nos casos incidentes da Lei Maria da Penha, pois, embora tenha majorado a pena do crime cometido segundo a definição do art. 5º daquela lei, não impôs nenhuma exceção à regra da ação penal no § 3º.
Portanto, realizada a notitia criminis, a investigação deverá prosseguir conforme o que leciona Aras (2021), em seu artigo:
A investigação criminal poderá ser conduzida pela Polícia Civil, em regra, por meio de inquérito policial; pela Polícia Federal, se presente a situação do art. 1º, VII, da Lei 10.446/2002 (misoginia por meio da Internet), ou mesmo a do inciso III (violação a direitos humanos internacionalmente reconhecidos); ou pelo Ministério Público, por meio de um procedimento investigatório criminal, na forma da Resolução 181/2017 do CNMP. Em qualquer caso, deve haver prévia provocação da vítima ou de ser representante legal.
Cyberstalking
O crime de perseguição é de ação livre, portanto, comporta qualquer meio para a sua prática, inclusive o ambiente virtual. Assim, o Cyberstalking nada mais é que a prática do crime de perseguição por meio do ambiente virtual.
Nesse sentido, de acordo com Luciana Gerbovic apud Greco (2021), ainda que o crime de perseguição ocorra por meio da Internet, seus efeitos ecoam no mundo físico e podem chegar a ser mais devastadores do que aqueles provocados pelo stalking, principalmente em razão da facilitação do anonimato neste meio e da rapidez na divulgação de dados e imagens.
Portanto, ligações telefônicas, mensagens via redes sociais, e-mails e demais ferramentas virtuais podem se tornar meio para o delito. Muitas vezes, as informações obtidas apenas em ambientes virtuais permitem que os atos do perseguidor tenham tanta eficácia quanto teriam se fossem presenciais. (CUNHA, 2021)
No artigo de Aras (2021), o autor versa sobre os desdobramentos do cyberstalking. Ele ensina que a prática pode assumir a figura de outros delitos, como o acesso indevido a sistema informático ou dispositivo digital utilizado pela vítima, denominado por ele como hacking, previsto no artigo 154-A do Código Penal.
No mesmo trabalho, há ainda a conduta do crime da falsa identidade, e também o doxxing, que segundo o mesmo autor, consiste na publicação de dados pessoais da vítima em sites ou redes sociais, com o objetivo de ridicularizar ou menosprezar a vítima ou com o fim de incitar assédio contra ela.
Outra possibilidade está no concurso com o delito previsto no art. 216-B do CP, parágrafo único, que trata do registro não autorizado de intimidade sexual por meio de montagem em fotografia, vídeo ou áudio com o fim de incluir a vítima na cena de nudez, ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (ARAS, 2021)
Por fim, o cyberstalking ainda pode figurar em concurso com a denominada pornografia de vingança, prevista no art. 218-C do Código Penal. Este delito ocorre quando alguém, sem o consentimento da vítima, oferece, troca, disponibiliza, transmite, vende ou expõe à venda, distribui, publica ou divulga, por meio da Internet, qualquer mídia audiovisual que contenha cena de sexo, nudez ou pornografia com o objetivo de praticar vingança. (ARAS, 2021)
Lei 14.155 de 2021
A Lei 14.155 de 2021, alterou o Código Penal Brasileiro, tornando mais graves os crimes de violação de dispositivo informático (art. 154-A), furto (art. 155), e estelionato (art. 171), cometidos de maneira virtual ou por meio do ambiente cibernético, e promoveu mudanças no Código de Processo Penal, com a definição da competência de algumas modalidades de estelionato (art. 70, §4º).
Na análise de Jorio e Boldt (2021), a referida Lei nasce em um contexto de grandes modificações da esfera pública a partir da reestruturação dos meios de comunicação e da existência de um novo processo, materializado por intermédio da proliferação das mídias sociais, potencializadas pelo avanço da tecnologia e da cultura digital.
Além disso, a Pandemia causada pela COVID-19, também foi um dos fatores propulsores para que fossem propostas as modificações nos tipos penais. Segundo Lai e Mourão (2021),
Neste cenário de transformação digital exponencial, o legislativo é chamado para atualizar o conjunto normativo, editando leis que sejam capazes de tutelar de forma eficiente condutas penalmente relevantes que migraram massivamente para o meio virtual, especialmente durante a pandemia da COVID-19, quando as pessoas passaram a trabalhar de casa e a utilizar serviços de internet com maior intensidade e frequência.
Portanto, há um desenvolvimento da legislação penal e processual penal, que foi impulsionada pelo período de pandemia, provocando um aumento da utilização e dependência da Internet e seus dispositivos, por conta das medidas de isolamento social para prevenir a transmissão do vírus.
Invasão de Dispositivo Informático
Esse tipo penal foi incluído no Código Penal Brasileiro pela Lei nº 12.737 de 2012, também conhecida como Lei Carolina Dieckmann, com a antiga redação que previa:
Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.
Com a nova disposição, o tipo penal recebeu o seguinte texto:
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Ao todo, foram quatro alterações promovidas pela Lei 14.155/2021, neste tipo penal.
Primeiramente, alterou-se o caput, com a supressão da exigência de que a violação se desse mediante violação indevida de mecanismo de segurança. Para Merlin (2021), ao retirar esse trecho do antigo texto legal, deu-se um melhor sentido à intepretação e aplicação do tipo penal, pois, na linha da alteração cultural promovida pela Lei Geral de Proteção de Dados, pouco importa se os dispositivos tinham ou não mecanismos de segurança. Será sempre indevida a invasão sem o consentimento do usuário que é proprietário dos dados.
Outra alteração também presente no caput, está na alteração do termo alheio para de uso alheio. Dessa maneira, de acordo com Lai e Mourão (2021):
ainda que o dispositivo seja de propriedade do autor do fato, mas emprestado para o colega de trabalho (ou namorada), aquele comete crime ao acessá-lo sem autorização do usuário, mesmo que não haja o emprego de técnicas para ultrapassar barreiras de proteção, como senhas, antivírus, firewall e estratégias de verificação em dois fatores.
Para completar, na antiga versão, o dispositivo previa a expressão titular do dispositivo, com a atualização, a conduta abarca o usuário do dispositivo. Com isso, houve uma mudança no sujeito passivo do crime, que não precisa ser exclusivamente o proprietário do aparelho, pois, a invasão pode acontecer em um dispositivo que esteja sendo usado por alguém que não é o seu dono, mas que teve a sua privacidade desrespeitada. (FONTENELE, 2021)
São mudanças sensíveis que, porém, possuem um grande efeito na tipificação de condutas que se enquadrem na previsão legal do delito. Sendo assim, a título de exemplo, é possível o reconhecimento do crime quando o agente atuar sobre um celular desbloqueado, ou, no exemplo dado por Fontenele (2021), também no caso de um funcionário que vasculhou as fotos e documentos de um pen drive do seu colega de trabalho que não tinha senha.
Neste sentido, o fato é que uma elementar típica objetiva que restringia as hipóteses de configuração do crime foi retirada, o que, por óbvio, acabará facilitando o reconhecimento da sua prática. Assim, ainda que o proprietário permita o acesso ao dispositivo ao agente, mas com restrições de utilização, se o último as violar, incorrerá no crime. É o que diz Jorio e Boldt (2021), que seguem com a seguinte ilustração:
Por exemplo, pode ser que o dono do telefone deixe o agente usar determinados aplicativos (como jogos e navegadores da internet), mas que esse último acesse conversas do Whatsapp ou do Telegram, ou ainda que leia e-mails de uma conta que fica permanentemente logada. A prova do crime, em tais situações, está umbilicalmente atrelada à demonstração, por parte da vítima, de que houve clara imposição de limites que foram dolosamente ultrapassados, o que nem sempre será fácil.
Das Penas
Houve um aumento na previsão das penas a serem aplicadas a quem incorrer neste crime. A partir da nova lei, serão equivalentes ao furto simples (art. 155 do Código Penal), estipulando a pena entre 1 a 4 anos de reclusão e multa, in verbis:
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Como consequência, ocorreu o deslocamento de competência para o processamento e julgamento desse tipo de crime, que anteriormente era considerado de menor potencial ofensivo, de responsabilidade do Juizado Especial, e atualmente será de competência do juízo comum.
Para Jorio e Boldt (2021), a majoração relativa à pena possui mais relevância no regime de cumprimento, que anteriormente era de detenção e passou a ser de reclusão. Ao passo que, ao estabelecer como pena a reclusão, dentre outros gravames, abre-se a possibilidade de que, mediante a devida fundamentação judicial, o regime inicial de cumprimento da pena seja o fechado, o que era impossível para a pena de detenção.
Ademais, processualmente, aquele que cometer o crime previsto no art. 154-A ainda poderá recorrer à suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei dos Juizados Especiais, pois a pena mínima é igual a um ano, conforme prevê o referido artigo. Outro instrumento processual cabível é o acordo de não persecução penal com a acusação, previsto pelo art. 28-A do Código de Processo Penal, que abrange os casos onde não há violência ou grave ameaça em crimes com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos.
Outra modificação presente no novo artigo está no §2º, que passou a prever que aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resulta prejuízo econômico, do agente que produz ou comercializa dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir esse tipo de invasão, disposto no art. 154-A, §1º do Código Penal.
Merlin (2021), ensina que na legislação anterior esse aumento era de 1/6 a 1/3. Portanto, houve uma maior atenção do legislador nos casos em que há um prejuízo financeiro à vítima do crime.
a ocorrência de prejuízo econômico faz com que a pena mínima seja de 1 ano e 4 meses, e pena máxima de 7 anos, 8 meses e 1 dia. Já não será possível realizar a suspensão condicional do processo. O aumento da pena possibilita outra grave consequência: a decretação da prisão preventiva, quando necessária, de acordo com art. 313, I, do Código de Processo Penal.
Uma crítica que nos chama atenção é a consideração dos autores Jorio e Boldt (2021), que consideram ser uma clara manifestação político-criminal da ingênua crença de que o constante recrudescimento das penas implicará, per se, uma medida preventiva eficaz.
Por fim, a qualificadora sofreu também uma reforma mais gravosa, conforme constatamos a nova redação do §3º, in verbis: obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido sofrerá a pena de 2 a 5 anos, anteriormente a pena era de 6 meses a 2 anos de reclusão.
Quanto a classificação, o tipo penal pode ser considerado como formal, na modalidade da invasão prevista na primeira parte do caput, dispensando que ocorra um resultado fim, no entanto, na segunda parte, dirigida a quem instala vulnerabilidades (vírus[4], malwares[5], spywares[6], protocolos de controle remoto[7]), é uma conduta material. (JORIO e BOLDT, 2021)
Em suma, destacamos que há uma ampla tentativa do legislador em ampliar a segurança jurídica com relação às perdas econômicas que o tipo penal pode ocasionar à vítima que, conforme os dados recentes, têm causado prejuízos cada vez maiores.
Classificação Doutrinária
Seguindo a classificação de acordo com Cavalcante (2021), o bem jurídico tutelado pelo novo tipo penal é a privacidade, previsto constitucionalmente no art. 5º, inciso X da Constituição Federal, também abrange a intimidade e a vida privada.
O crime é comum, podendo ter como sujeito ativo qualquer pessoa. O sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa física ou jurídica.
Com relação aos elementos do tipo, o autor descreve da seguinte forma:
- Invadir: Ingressar, sem autorização, em determinado local. A invasão de que trata o artigo é virtual, ou seja, no sistema ou na memória do dispositivo informático.
- Dispositivo informático: dispositivo é o equipamento físico (hardware) que pode ser utilizado para rodar programas (softwares) ou ainda para ser conectado a outros equipamentos, fornecendo uma funcionalidade.
- Conectado ou não à rede de computadores: a forma mais comum de invasão acontece por meio da Internet. Contudo, a Lei admite a possibilidade de ocorrer o crime mesmo que o dispositivo não esteja conectado à rede de computadores, como no acesso de terceiro sem autorização.
Furto Qualificado pela Fraude Eletrônica
Com o agravamento da pandemia causada pelo novo coronavírus, foi perceptível um exponencial aumento de delitos causados por meio da internet, razão pela qual ensejou o PL 4.554/2020, que previa a modalidade qualificada dos crimes de furto e estelionato por meio da internet, com o consequente aumento de pena para referidos delitos. (BONONI, 2021)
A Lei 14.155 de 2021, incluiu uma nova forma de furto qualificado mediante fraude, com a adição do parágrafo 4º-B:
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. [...]
§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
Para tanto, entende-se dispositivo eletrônico ou informático qualquer aparelho com capacidade de armazenar e processar automaticamente informações/programas: computador, notebook, tablet, smartphone. Sendo prescindível o fato de tal dispositivo estar ligado ou não à Internet. Bem como, também não importa a forma utilizada para a prática delituosa. Qualquer manobra fraudulenta que, envolvendo dispositivo eletrônico ou informático, resulta em subtração atrai a qualificadora. (CUNHA, 2021)
Frisa-se, na análise de Cunha (2021), que nessa qualificadora a vítima é ludibriada para que haja o acesso ao seu dispositivo, sem sua percepção. Não se trata de induzir alguém em erro para que entregue voluntariamente o bem (fazendo uma transferência, por exemplo), caso em que ocorre estelionato.
Anteriormente, a conduta de invadir um dispositivo eletrônico e por meio de programas ou aplicativos acessar os dados bancários e subtrair quantias da conta da vítima, ficaria enquadrada na previsão do art. 155, §4º, inciso II do Código Penal, que prevê: pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: (...) II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; (...)". Seria, portanto, um caso típico de crime de furto mediante fraude. (FONTENELE, 2021)
Atualmente, com a inclusão da nova qualificadora, a mesma conduta já exemplificada ensejaria no delito de furto qualificado pela fraude eletrônica.
Na análise de Melin (2021), o autor chama atenção sobre a dispensa da existência de mecanismo de segurança, pois, a qualificadora produziu uma amplitude ao tipo penal, como maneira de prevenir sobre futuras evoluções, considerando que:
Caso surjam outros meios análogos ao dispositivo eletrônico ou informático, a conduta seguirá sendo punida criminalmente. Situações como essa sempre incitam possível discussão sobre a violação do princípio da legalidade penal, já que não está descrito quais seriam esses outros meios fraudulentos. Entretanto, a técnica legislativa não é nova. O homicídio qualificado, por exemplo, também prevê as expressões ou outro motivo torpe, ou outro meio insidioso ou cruel e ainda ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (art. 121, §2º, do Código Penal).
Diante disso, cumpre esclarecer que o acordo de não persecução penal não poderá ser proposto quando o agente incorrer nesta qualificadora, por conta da pena mínima de 4 (quatro), anos.
Além da qualificadora, passa a existir duas causas de aumento de pena ao dispositivo que possuem relação com o modus operandi e vulnerabilidade da vítima, respectivamente:
§ 4º-C. A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso:
I aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional;
II aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável. (Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021)
No caso do inciso I, a situação que agrava a pena reside na dificuldade imposta pelo agente aos órgãos fiscalizadores, de maneira que aumente as chances de se cometer o ilícito e sair ileso. Além disso, devido ao respeito às devidas questões de competência e soberania, manter os dados em localidades fora do território nacional geram um ônus ainda maior para o Estado.
Com relação ao inciso II, o legislador buscou uma proteção à população idosa que, em geral, possui uma menor instrução para manejar os dispositivos eletrônicos. No tocante aos vulneráveis, interpretamos que a intenção é de abranger as pessoas não alfabetizadas, deficientes físicos e também crianças e adolescentes, já que são um dos principais usuários das novas tecnologias.
Para fins de conceituação, a pessoa idosa seria aquela com idade superior a 60 anos, de acordo com o art. 1º do Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741 de 2003.
A aplicação do aumento da pena dependerá da gravidade do dano causado, portanto, quanto maior o prejuízo, maior deverá ser o aumento. (CUNHA, 2021)
Finalmente, a doutrina entende que para configurar a qualificadora e suas causas de aumento, é imprescindível que haja dolo em seu elemento subjetivo na conduta do agente. Pois, segundo o entendimento de Fontenele (2021), é preciso que o agente tenha consciência e vontade de estar usando um servidor mantido fora do território nacional ou então que tenha consciência e vontade de ser a vítima vulnerável ou idosa.
Estelionato Qualificado pela Fraude Eletrônica
O art. 171 do Código Penal, que tipifica o Estelionato, teve incluído uma forma qualificada pela Fraude Eletrônica, in verbis:
“Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. [...] § 2º-A. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”.
O texto incluído ao tipo penal demonstra um avanço e atualização da legislação perante à sociedade contemporânea, haja visto a utilização do termo “redes sociais”. No estudo de Melin (2021), o autor pondera: “por redes sociais devemos entender todas as plataformas eletrônicas de interação de pessoas e organizações. São elas, por exemplo, Facebook, Instagram, YouTube, WhatsApp, TikTok, LinkedIn, entre outros”.
O crime consiste no ato de obter vantagem ilícita “por meio de informações da vítima que ele obteve da própria ou de um terceiro que foram induzidos em erro”. Dessa maneira, a diferença “é que a atuação do agente foi por meio eletrônico, ou seja, a vítima ou o terceiro foram induzidos a erro”, pelos meios descritos no §2º-A do art. 171. (CAVALCANTE, 2021)
Para exemplificar, citamos a ilustração de Cunha (2021):
Pretendendo adquirir um televisor, um indivíduo faz uma pesquisa na internet e encontra a página de uma conhecida rede varejista na qual o produto está sendo anunciado por um preço muito abaixo das concorrentes. Insere seus dados pessoais e bancários sem saber que, na verdade, se trata de uma página clonada, que apenas copia os caracteres da famosa rede varejista, para induzir as pessoas em erro. Efetuado o pagamento, o dinheiro é creditado ao autor da fraude, que evidentemente não pretende entregar o produto anunciado. Nesse exemplo, ao contrário do anterior, a vítima tem participação direta, pois, induzida por um anúncio enganoso, fornece os dados para que o autor da fraude possa obter a vantagem. Trata-se, portanto, de estelionato.
Assim como nos artigos anteriores, a Lei 14.155/2021 dispõe também sobre as causas de aumento da pena da modalidade qualificada, sendo de 1/3 até 2/3, caso sejam utilizados servidores estrangeiros, sob a mesma ótica de que tal ato torna o crime mais complexo.
“§ 2º-B. A pena prevista no § 2º-A deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso, aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional”.
Neste ponto, Cavalcante (2021), observa: “percebam que, neste caso, houve uma novatio legis in mellius porque, antes, a pena deveria ser sempre dobrada. Agora, ela pode ser aumentada de 1/3 até o dobro”.
4.4 Estelionato contra Idoso ou Vulnerável
Por último, a Lei 14.155 de 2021 deu nova redação ao parágrafo 4º do artigo 171 do Código Penal, definindo o estelionato praticado contra idoso ou vulnerável como uma causa de aumento, in verbis:
“§ 4º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso”.
Portanto, a pena aumentará de um terço até o dobro quando o agente se aproveitar da fragilidade da vítima, seja pela idade ou pela condição que lhe deixar vulnerável.
No entanto, Gonçalves (2021), chama atenção a uma peculiaridade ao dizer que nos casos em que o agente não tem conhecimento de que a vítima é idosa, “a majorante não poderá incidir, como, por exemplo, em certos golpes perpetrados pela internet nos quais não há qualquer contato entre o autor do crime e a vítima”.
Em última observação, Cunha (2021), considera que “a majorante passou a ser mais branda, e pode retroagir para beneficiar condenados pela prática de estelionato contra idosos se as circunstâncias concretas não justificam a manutenção do aumento no máximo”.
Um ponto a ser analisado com as novas redações trazidas pela Lei 14.155/21, está na atenção ao termo “vulnerável”, bastante utilizado e assim já definido por alguns autores como sendo as crianças, idosos, pessoa com deficiência e analfabetos. Contudo, a doutrina e jurisprudência ainda debruçarão sobre este conceito, haja vista que os “analfabetos digitais”, assim conceituado como aquelas pessoas incapazes de utilizar as atividades básicas da Internet e dispositivos eletrônicos, possuem uma abrangência maior na sociedade, podendo ser incluído um adulto, plenamente capaz, mas que não sabe manejar ou não possui o domínio sobre as ferramentas em seu aparelho celular ou computador, por exemplo, sendo assim, uma vítima vulnerável ao ataque de agentes criminosos.
4.5 Competência Territorial do Estelionato
Com a Lei 14.155 de 2021, também houve uma definição acerca da competência para o processamento do crime de fraude eletrônica, incluindo o parágrafo 4º ao artigo 70 do Código de Processo Penal:
“§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção”.
Sendo assim, de acordo com a nova previsão, ainda que o agente esteja um determinado local e o servidor em lugar diverso, a competência se definirá pelo domicílio da vítima.
Porém, não raras as vezes, pela facilidade que o meio oferece, um mesmo agente consegue atingir diversas vítimas em localidades diferentes. O legislador então estabeleceu a prevenção como critério de definição da competência. Brasileiro (2020), ensina que:
prevenção ocorre quando, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com competência cumulativa, um deles tiver se antecedido aos demais na prática de algum ato de caráter decisório, mesmo antes de oferecida a denúncia ou queixa (CPP, art. 83)
Em outras palavras, Nucci (2020), define como “o conhecimento antecipado de determinada questão jurisdicional por um juiz, o que o torna competente para apreciar os processos conexos e continentes”, ou seja, a competência é daquele que primeiro tocar no processo instaurado.
Ademais, conforme Jorio e Boldt (2021), deverá ser observado o princípio da perpetuatio jurisdictionis (perpetuação da jurisdição), que está presente no art. 43 do Código de Processo Civil e que deve ser aplicado no processo penal com base no art. 3º do Código de Processo Penal. “Ou seja, iniciado o processo penal perante juízo específico, neste irá prosseguir até o julgamento. Uma vez recebida a denúncia pelo magistrado, as eventuais modificações legais são consideradas, em regra, irrelevantes para fins de determinação de competência”.
Considerações Finais
Os avanços tecnológicos, oriundos a partir da Internet, permitiram ao ser humano ampliar de maneira sem precedentes as formas de comunicação e interação com a sociedade e todos os seus elementos.
Assim, há uma necessidade de evolução legislativa, principalmente, a partir do momento em que a Internet deixou de ser apenas um modo de entretenimento e se tornou imprescindível para as necessidades básicas do dia a dia. Uma interrupção no fornecimento de Internet ocasiona um caos em qualquer instituição ou empresa atualmente.
Partindo deste ponto, como que num espelho da sociedade real, o mundo virtual tem a carência de uma segurança jurídica robusta. Os mais variados delitos são cometidos no ambiente informático ou eletrônico, e se aperfeiçoam cada vez mais.
Com as inovações trazidas pela Lei n. 14.132 de 2021 e pela Lei 14.155 de 2021, verificamos uma tentativa do legislador brasileiro de correr atrás do tempo e da tecnologia.
Ainda que não seja objeto de estudo deste trabalho, é imprescindível que não apenas sejam revisadas e elaboradas novas leis, mas que também as ferramentas que as colocam em prática sejam também aprimoradas.
Nesse sentido, a modernização das polícias especializadas e estruturação de todo o Judiciário também é uma necessidade para que realmente haja uma efetiva geração de segurança jurídica virtual, que em consequência se reflete no mundo real. Tal afirmação possui respaldo nos dados da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, que apontam que em 2020, foram registradas 156.692 denúncias, um número bastante superior ao apresentado no ano de 2019, quando 75.428 casos foram contabilizados. (Garrett, 2021)
Da mesma maneira, é imperioso que mais estudos, reflexões e críticas também sejam elaborados acerca da temática do mundo virtual. Pois, não apenas na esfera penal, como foi abordado neste trabalho, mas em todas as demais áreas do Direito, há uma carência na discussão sobre o que pode ser denominado como Direito Digital e suas implicâncias.
Finalmente, o presente trabalho buscou analisar e apresentar os crimes cibernéticos em seu contexto histórico, conceitual e evolutivo da legislação, com ênfase nas novas leis sancionadas no ano de 2021, que, de maneira direta ou indireta, tratam sobre o assunto.
Essa reflexão se torna essencial no processo de desenvolvimento de uma proteção social bem estruturada, com as condições para promover a segurança da privacidade e dignidade, constitucionalmente previstas, também no âmbito virtual. Pois, consideramos que somente a partir desse exame frequente é que será possível o aprimoramento das ferramentas legislativas e operacionais no combate ao crime, tanto no mundo real, quanto no virtual.