Direitos da Personalidade: uma análise sistêmica entre os impactos do direito de imagem e os agentes públicos

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10/06/2022 às 23:37
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3. DO DIREITO DE IMAGEM DE AGENTES PÚBLICOS

3.1 CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO

Primeiramente há de se conceituar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 39, aboliu a definição de funcionário público, o qual se relaciona àqueles que exerciam funções diretamente na administração pública direta, passando a denominá-los como servidores públicos, o qual abrange funções que envolvem tanto a administração pública direta e indireta, como as autarquias e fundações públicas.

Porém, em consonância com o art. 37 da Lei Maior, o conceito de agente público vai muito mais além do que os que exercem cargos e funções em entidades públicas. Celso Mello bem descreve esse conceito ao esclarecer que agente público se relaciona a todos aqueles que de forma genérica e indistinta servem a administração pública, como que instrumentos da sua vontade, mesmo que de forma ocasional ou episódica. (Celso Mello, 2015, p. 254).

No mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles descreve que agentes públicos são todos aqueles que, de forma definitiva ou mesmo transitória, desempenha alguma função estatal, mesmo sem cargo. Afirma ainda que, independente da forma como a função é desempenhada, a prerrogativa é do uso do poder estatal em benefício da sociedade. (MEIRELLES, 2015, p. 85)

Dessa forma, por mais transitória que seja a função, se desempenhada na administração pública direta ou indireta, mesmo sem cargo estabelecido, define aquele que presta tal serviço como sendo um agente público podendo, inclusive, conforme arts. 9, 10 e 11 da lei 8.429/1992, ser responsabilizado pelos danos causados ao erário. (BRASIL, 1992)

3.2 DIREITO DE IMAGEM DO AGENTE PÚBLICO COMO REPRESENTANTE DO ESTADO

O ápice da temática proposta se dá pelo entendimento doutrinário e jurisprudencial de que os agentes públicos, no exercício de suas funções ou em justificativa ao seu desempenho, utilizam da efetivação dada pelo poder estatal a esses civis como seus representantes e, portanto, devem agir sob as mesmas prerrogativas estabelecidas ao poder público, sejam referentes às leis ou princípios designados a esse poder.

O estado, por mais que seja uma entidade real, necessita da atuação de pessoas para externalizar a sua vontade, atuando como seu representante em busca do interesse público e pacificação social. Sendo assim, ao designar pessoas físicas para fazer valer essa sua vontade, lhes concede poderes representativos mas que devem se ater aos mesmos conceitos concedidos a esse poder estatal.

Nesse entendimento, Celso Antonio Bandeira de Mello esclarece:

Então, para que tais atribuições se concretizem e ingressem no mundo natural é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de agentes. O querer e o agir destes sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nesta qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir dos órgãos componentes do Estado; logo, do próprio Estado. Em suma, a vontade e a ação do Estado (manifestada por seus órgãos, repita-se) são constituídas na e pela vontade e ação dos agentes; ou seja: Estado e órgãos que o compõem se exprimem através dos agentes, na medida em que ditas pessoas físicas atuam nesta posição de veículos de expressão do Estado. (MELLO, 2002, p. 122)

Nota-se que, a atuação do agente público ocorre pela livre liberação do Estado, pertencendo tal cargo ou função a esse poder e não ao agente que o executa e, portanto, devendo obedecer a legalidade e prerrogativas estabelecidas ao exercício da administração pública. Entre tais prerrogativas se encontram o princípio da legalidade e os princípios da moralidade, publicidade, eficiência, transparência e controle social, esclarecidos anteriormente.

Sendo assim, o agente público ao desempenhar suas funções, não poderá se valer das prerrogativas do direito de uso de sua imagem como as definidas aos cidadãos privados, dentro do limite legal estabelecido.

Dúvidas quanto a permissão e utilização de imagens de agentes públicos são comum nos meios sociais, aja vista que o conceito popular do uso de imagem pode se confundir com o conceito textualizado. Valber Medeiros, funcionário público da área da saúde, exteriorizou essa dúvida em um site popular que trata de assuntos jurídicos, ao indagar:

Funcionário público, (área de saúde) em serviço, tem direito a não aparecer em filmagens e fotografias de reportagem? Durante a filmagem pedi para não aparecer, mas os jornalistas me falaram que não tenho esse direito por ser servidor público. Obs.: Não há nada que possa denegrir minha imagem na reportagem, eu apenas não gosto de aparecer em filmagens e fotografias.

O evento aconteceu em um ambiente aberto, (campanha de saúde do governo), então, quando eu percebi que estavam filmando, já tinham gravado e tirado algumas fotos. Então, se eu saísse do ambiente não adiantaria muita coisa. Quando pedi para não me incluir nas gravações e descartar o que já tinha sido gravado, ele se recusou com o argumento citado anteriormente. (VALBER MEDEIROS, 2015)

A própria jurisprudência se posicionou sobre restrições ao reconhecimento de dano à imagem de agentes públicos, no exercício de sua função, quando as imagens possuem caráter jornalístico ou mesmo de controle social, dentro das limitações legais.

É o que notamos no acórdão do Recurso Especial de nº 801.109/DF, do Ministro Relator Raul Araújo da Quarta Turma:

7. Em se tratando de pessoa ocupante de cargo público, de notória importância social, como o é o de magistrado, fica mais restrito o âmbito de reconhecimento do dano à imagem e sua extensão, mormente quando utilizada a fotografia para ilustrar matéria jornalística pertinente, sem invasão da vida privada do retratado. (grifo nosso)

8. Com base nessas considerações, conclui-se que a utilização de fotografia do magistrado adequadamente trajado, em seu ambiente de trabalho, dentro da Corte Estadual onde exerce a função judicante, serviu apenas para ilustrar a matéria jornalística, não constituindo, per se, violação ao direito de preservação de sua imagem ou de sua vida íntima e privada. Não há, portanto, causa para indenização por danos patrimoniais ou morais à imagem. (grifo nosso)

[...] sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. Nessas hipóteses, principalmente, a liberdade de expressão é prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa. (grifo nosso)

Outro exemplo relevante que traduz o contextualizado, é o de uma servidora pública que teve suas imagens divulgadas em redes sociais, por um cidadão privado, agindo contrário aos princípios da administração público.

Na ocasião, um cidadão filmou a servidora, durante o seu horário de trabalho, sentada, com as pernas levantadas e apoiadas em outra cadeira. A mesma ajuizou ação no juizado especial da comarca de Unaí/MG, pedindo reparação por danos a imagem, intimidade e privacidade.

O Juiz Fabrício Simão da Cunha Araújo entendeu que não existe violação aos direitos argüidos pela servidora pois a imagem foi captada em um ambiente público, durante o seu horário de trabalho e na repartição pública. Argumentou, ainda, que o cidadão pode e deve denunciar atos de improbidade administrativa, baseado na liberdade de expressão e no controle social dos atos estatais. (TJMG, 2013)

O fato dos agentes públicos possuírem as mesmas atribuições da administração pública faz com que seu direito de imagem possua anuâncias diferentes do privado. Inclusive ocorre que, caso seja filmado praticando algum ato contrário aos preceitos do estabelecido ao Estado, ele mesmo estará causando prejuízo a sua própria imagem e ao Estado, não havendo o que se falar em nexo causal pela divulgação, desde que o alegado na filmagem não seja direcionado a sua vida privada.

Destarte, é notório que os agentes públicos no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las, possuem direitos restritos quanto ao uso de suas imagens por estarem representando o Estado e, portanto, se enquadram nos preceitos da administração, incluindo, e não somente, os princípios da moralidade, publicidade, eficiência e transparência, além de serem seus atos passíveis de improbidade e controle social.

3.3 A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO AGENTE PÚBLICO

Conforme contextuado anteriormente, o Estado possui responsabilidade civil objetiva, devendo reparar o dano causado a terceiros, independente de culpa ou dolo.

O agente público, porém, possui responsabilidade civil subjetiva para com a administração pública. Isso significa que, caso um agente público cause algum dano a terceiros, pela ação ou omissão desse agente no exercício de suas funções, a administração deverá ressarcir tal dano, porém, poderá regressar contra aquele agente que causou dano ao erário e, nesse caso, essa responsabilidade será subjetiva, devendo comprovar o dano ou dolo da atitude do agente para com o prejuízo do Estado, conforme art. 37, § 6º, da CRFB/88.

A importância de se contextuar sobre essas diferenças se dá pela grande divulgação de situações em que há abuso ou desvio de poder do agente público e praticando atos de improbidade ao lidar com as pessoas.

A própria Lei de Abuso de Poder estabelece que o agente público que abuse do poder que lhe foi atribuído, com a finalidade de prejudicar outro ou se beneficiar ou beneficiar terceiros, comete crime de abuso de autoridade, podendo ser responsabilizado civil, penal e administrativamente. (BRASIL, 2019)

Dito isso, não é incomum situações em que o cidadão utiliza de filmagens em repartições públicas e operações policiais para comprovar esses abusos praticados e a falta de eficiência desses agentes.

José Carvalho bem descreve essa preocupação ao afirmar que a probidade deve ser o primeiro e o mais importante dever do agente público devendo, sua conduta, sempre ser embasada pela honestidade e pela moral ao lidar com a administração pública e seus administrados. (CARVALHO FILHO, 2010, p. 70)

Helly Lopes, em preocupação com os desvios de poder, conceitua:

O poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos e forma legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, violências, perseguições ou favoritismos governamentais. Qualquer ato de autoridade, para ser irrepreensível, deve conforma-se com a lei, com a moral da instituição e com o interesse público. Sem esses requisitos o ato administrativo expõe-se a nulidade. (MEIRELLES, 2002, p. 93)

É notório a divulgação de vídeos em que há abusos praticados por policiais militares, abusos esse que podem trazer relevante dano moral e material aos privados envolvidos, ou mesmo que seus atos sejam considerados nulos.

Devido a esses abusos e, utilizando da prerrogativa do controle social, é comum o cidadão buscar meios para comprovar que suas atitudes ou de terceiros, são licitas.

Importante ainda textualizar que o agente público possui fé pública, legitimidade e seus atos devem ser considerados verossímeis. Portanto, sem qualquer meio de comprovação contrária ao que foi relatado e, caso sejam inverídicas as alegações do agente público, o prejuízo moral e material poderá ser irreparável.

Diante disso, e do que foi contextualizado, o agente público que age contrário a probidade e causar danos a terceiros, poderá ser responsabilizado por esse prejuízo ao erário e, contanto que esteja no exercício de suas funções, não poderá fazer juz ao direito de imagem, caso sua conduta seja divulgada.


4. CASOS PRÁTICOS DO ABUSO DE PODER

É comum identificar em redes sociais e sites jornalísticos, diversos casos práticos em que o agente público age com abuso de poder/autoridade, por impedir a sua filmagem, muitas vezes com ameaças psicológicas ou físicas, ou mesmo pelo desconhecimento do que a legislação estabelece quanto ao uso de imagens de agentes públicos.

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Importante ainda textualizar que o agente público possui fé pública, legitimidade e seus atos devem ser considerados verossímeis. Portanto, sem qualquer meio de comprovação contrária ao que foi relatado e, caso sejam inverídicas as alegações do agente público, o prejuízo moral e material poderá ser irreparável.

Recentemente, na cidade de Belo Horizonte/MG, um cabo da PMMG agrediu violentamente um motorista de aplicativo por um simples desentendimento no transito. O cabo se apresentou como policial militar e deu voz de prisão à vítima. Conforme divulgado na imprensa, o Boletim de Ocorrência possuía diversas contradições com o capturado pelas imagens. (PRIMEIRO IMPACTO, 2022)

Nesse caso específico, nota-se que o agressor se apresentou como policial militar, deu voz de prisão e apresentou alegações contrárias a realidade de fato. O fato de se apresentar como policial militar e exercer as atribuições de sua função se enquadra no contextualizado anteriormente sobre a definição de agente público quando a lei define responsabilidades do exercício de sua função ou em justificado a desempenhá-la, assumindo assim a sua representação estatal. Nesse caso, a prerrogativa do uso direito ao uso de imagem passaria ao caráter público, pois o policial assumiu a sua função e representatividade.

Outro caso que demonstra a total falta de conhecimento da lei ou a pretensão em se impedir a filmagem, ocorreu no Estado de SP, cidade desconhecida, onde um suposto repórter do SBT filma uma viatura e os policiais em atendimento. A policial militar coage o repórter a desligar a câmera e parar a filmagem sobre a alegação que não houve permissão e que sua imagem não poderia ser veiculada, inclusive com ameaças de ajuizamento de ação por danos morais. (MEDEIROS, 2019)

Esse caso específico retrata o principal objetivo dessa temática, por demonstrar a falta de conhecimento e/ou coação dos agentes públicos na divulgação de suas imagens.

O cidadão brasileiro, ressalvados os limites legais estabelecidos em lei, tem o direito fundamental de liberdade de expressão e de fiscalizar toda e qualquer atuação dos atos do poder público.


5. PL 6171/2016

Ao mesmo tempo em que essa temática possui grande relevância à proteção jurídica, de liberdade de expressão e controle dos atos do Estado, é notório o receio da sociedade em utilizar de meios eletrônicos para fiscalizar os atos do poder público, principalmente quando envolvem as forças de segurança, devido às coações e ao receio a sua própria integridade física em se fazer valer desses meios de prova.

Diante disso, o Deputado Federal Vinícius Carvalho (PRB/SP), editou o Projeto de Lei 6171/2016 que regulamenta a gravação de imagens em locais públicos e criminaliza a não permissão da gravação. (BRASIL, 2016)

Atento as necessidades de segurança do cidadão, o deputado finaliza sua justificativa:

Por este motivo, criminalizamos tal conduta no rol dos crimes contra a liberdade individual e a agravamos quando se tratar de funcionário do Estado. Não queremos mais ver imagens deploráveis de pessoas agressivas tomando dispositivos fotográficos arbitrariamente ou impedindo o legal e legítimo direito de qualquer pessoa registrar o que quiser ou para denunciar as mazelas de nossa sociedade.

Atualmente o projeto se encontra aguardando parecer do relator na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.

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Sobre o autor
André Luiz Maranho

Acadêmico de Direito no Centro Universitário UNA Contagem

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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