INTRÓITO
Para que possamos compreender, com a clareza necessária, o julgamento do auto de infração de trânsito, devemos ter em mente uma premissa importante: o que se julga é o auto de infração e a própria infração, e não apenas um ou o outro.
Não podemos, por isso, olvidar, inicialmente, que o auto de infração de trânsito é um ato jurídico praticado pela Administração Pública, no uso do seu poder de polícia, exclusivamente, através da autoridade de trânsito ou do seu agente, este devidamente constituído, que tem por finalidade registrar o cometimento de uma infração de trânsito, da qual deverá ser devidamente notificado o infrator, para que se possa dar início ao processo administrativo de trânsito, a fim de lhe serem imputadas as sanções cabíveis se realmente aplicáveis.
A infração, mesmo sendo julgada com o AIT, com ele não se confunde, pois a infração é ato jurídico ilícito, que pode ser conceituada como sendo uma conduta, comissiva ou omissiva, praticada por qualquer pessoa, física ou jurídica, condutor, transportador, embarcador ou proprietário de veículo, ou pedestre, prevista, no Código de Trânsito Brasileiro, na legislação complementar e nas resoluções do CONTRAN como infração.
Portanto, já nos é palpável que, se no julgamento do AIT temos dois atos jurídicos distintos para analisar, teremos de observar as particularidades de cada um deles, desde o fim até o começo. Se o auto de infração é um ato jurídico, invariavelmente, seguindo a teoria pontesiana, conterá elementos de existência, validade e eficácia.
Iremos, neste trabalho, apenas apontar esses elementos, sem, contudo, enfrentá-los a fundo, pois os enfrentaremos noutro artigo.
O que nos basta saber sobre os elementos do AIT é o seguinte: todo ato jurídico para existir exige, no mínimo, quatro condições que são: vontade; sujeito; forma e objeto, desta forma, para existir um auto de infração de trânsito, importa que haja uma declaração de vontade [01] emanada pela autoridade ou pelo agente da autoridade de trânsito, na forma escrita, por causa da flagrância de conduta passível de tipificação como infração de trânsito.
Entretanto, isso não é suficiente para que seja constituída a relação jurídica entre a Administração e o Administrado. Para que esse auto de infração, existente, possa ser válido, impõe-se que a vontade seja emanada pela autoridade ou pelo agente da autoridade de trânsito competente, que a forma escrita seja a prescrita em lei e que a conduta passível de tipificação seja uma infração realmente. Esclareçamos, por oportuno, que a forma prescrita para o AIT é aquela prevista no art. 280, do CTB, que assim está posto:
Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I - tipificação da infração;
II - local, data e hora do cometimento da infração;
III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;
IV - o prontuário do condutor, sempre que possível;
V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;
VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
Por fim, não bastará ser existente e válido o auto de infração; deverá, ainda, ser eficaz, isto é, deverá, dentro do prazo máximo de trinta dias, contados da data do cometimento da infração, ser notificado o infrator para que apresente a defesa prévia. Conforme preceitua o inciso II, do parágrafo único, do art. 281, do CTB.
1 – AUTORIDADE COMPETENTE PARA O JULGAMENTO DO AIT
Para fixarmos a competência de uma autoridade para julgar o auto de infração de trânsito devemos, primeiramente, debruçar a atenção para a prescrição contida no art. 281, do CTB, abaixo transcrito:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Notemos que o supracitado dispositivo, de forma hialina, fixa a pessoa competente para o julgamento do auto de infração de trânsito, qual seja, a autoridade de trânsito.
Todavia, ao contrário do que ocorre com a lavratura do auto de infração de trânsito, que é limitada pela circunscrição, a fixação da competência para o julgamento se dará pelo critério funcional (hierárquico), que estabelecerá como competente para julgar o AIT, aquela autoridade de trânsito que lavrou o auto ou a autoridade de trânsito a que é subordinado o agente da autoridade de trânsito.
Assim, temos por competente para o julgamento do AIT a autoridade de trânsito, somente ela. Logo, não é competente para o julgamento de um auto de infração de trânsito, lavrado por um agente da autoridade de trânsito da circunscrição do município de Maceió, a Autoridade de Trânsito do Município de Marechal Deodoro.
Essa necessária vinculação, feita pelo art. 281, do CTB, não é casuística, ao revés, parte de uma premissa razoável de que o agente hierarquicamente superior tem o poder de rever o ato administrativo praticado pelo seu funcionário de hierarquia inferior. Afinal, é a autoridade de trânsito que delega poderes seus a seus agentes, logo, não seria desarrazoado que essa autoridade, antes de pronunciamento definitivo sobre a imputação ou não da infração, revisse o ato praticado pelo seu agente.
Notemos que a autoridade de trânsito só pode rever o ato praticado pelo seu agente e não de qualquer agente. Evidentemente que existem casos em que a própria autoridade de trânsito é quem lavra o auto de infração, então, já que compete à autoridade hierarquicamente superior rever os atos dos seus subordinados, quem é competente para julgar esse auto de infração? A Junta Administrativa de Recursos de Infração ou a própria Autoridade de Trânsito? Para melhor respondermos a essa indagação, já que conhecemos o preceito do art. 281, do CTB, necessária se faz a transcrição do art. 285, do CTB, que assim prescreve:
Art. 285. O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual remetê-lo-á à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias.
Destarte, a resposta para aquelas indagações só pode ser uma, a competente para julgar o auto de infração de trânsito, ainda que lavrado por ela mesma, será a Autoridade de Trânsito que efetivamente lavrou o auto.
O que poderíamos, ainda sobre o tema, redargüir é quem deve julgar um AIT, lavrado por um agente da autoridade de trânsito incompetente porque a infração não se concretizou dentro da sua circunscrição de atuação? Será a autoridade da circunscrição em que se concretizou a infração ou a autoridade a que é subordinado o agente? Entendemos, pela regra geral anunciada acima, que a competência para julgar esse auto de infração será da autoridade de trânsito a que se subordina o agente.
Agora, se a infração ocorre dentro da mesma circunscrição, e a competência para lavrar o auto de infração for concorrente do Município e do Estado, a exemplo da infração de código nº 519-3, da Resolução nº 66, do CONTRAN, quem o julgará? Partamos, assim, do mesmo princípio geral, será competente para julgar o auto de infração aquela autoridade de trânsito a que seja subordinado o agente autuador, se o agente pertencia ao quadro municipal, será competente a autoridade de trânsito municipal, se o agente é da autoridade estadual, será a estadual.
Com isso concluímos que será sempre competente para julgar o auto de infração de trânsito a autoridade competente para lavrá-lo, tendo sido lavrado o auto por agente seu ou por si mesma. Anotemos, por fim, que se a pessoa que exerce a função de autoridade de trânsito for impedida, competirá ao seu sucessor hierárquico o julgamento do AIT.
2 – DEFESA PRÉVIA OU IMPUGNAÇÃO
Admitimos que a defesa prévia é imprescindível, ou seja, não foi revogada pelo novo Código de Trânsito Brasileiro, estando plenamente em vigor a resolução que a regulamenta. A sua apresentação pelo autuado gera efeitos importantes. E esses efeitos, que aqui estudaremos, decorrem de três situações concretas diversas, que são: a) interposição tempestiva da defesa prévia; b) ausência de interposição; e c) interposição intempestiva. Assim, passaremos a analisados agora.
A primeira situação a ser examinada decorre da apresentação tempestiva da defesa prévia. Sabemos que o prazo para interposição da defesa prévia é de trinta dias contados da data em que o suposto infrator tomou ciência da autuação. E ele poderá impugnar todas as matérias atinentes ao auto de infração, desde a existência do AIT até a existência da infração.
Pois bem, com a interposição dentro do prazo, nasce para o autor da defesa prévia o direito de ter todos os seus pedidos e fundamentos examinados e julgados pela autoridade de trânsito que julgar o AIT. Por exemplo, se o suposto infrator alega a inexistência do auto de infração de trânsito porque o agente autuador não era agente da autoridade de trânsito, esse argumento não poderá ser relevado pela autoridade julgadora, sob pena de infringência direita ao princípio da ampla defesa, porque a não apreciação da matéria implicará em sérios danos à defesa do suposto infrator.
Portanto, temos, pela tempestiva apresentação da defesa prévia, a necessária vinculação da decisão da autoridade julgadora, sob pena de nulidade da decisão de imposição de penalidade. Salientemos que só não será necessário o enfrentamento de todas as razões da defesa prévia se, com a procedência de uma delas, as demais restarem prejudicadas, mas, mesmo nessa hipótese, tal circunstância deve ser expressamente referida no julgamento.
A segunda hipótese diz respeito à ausência de defesa prévia. Sabemos que o imprescindível não é a sua materialização, mas sim que seja dado, ao infrator, a oportunidade de exercer o seu direito de apresentar a defesa prévia. Por se tratar de uma faculdade, naturalmente poderá haver situações em que, mesmo após a devida notificação de autuação, o infrator não apresente a defesa prévia.
Todavia, a ausência da defesa não eximirá a autoridade julgadora de analisar a consistência, a regularidade e a autuação dentro do prazo de trinta dias contados da data da infração. Sobre a consistência e a regularidade, melhor enfrentaremos a questão quando estivermos estudando a inconsistência e a irregularidade. Entretanto, é sensível que a autoridade julgadora se limitará apenas àquelas matérias referentes aos elementos do auto de infração de trânsito, não podendo, obviamente, ingressar no âmago da infração em si. Por exemplo, ainda que não haja a defesa prévia, a autoridade de trânsito deverá apreciar a existência, a validade e a eficácia do auto de infração, sendo-lhe vedado impor a penalidade se o agente da autoridade de trânsito era incompetente, se a notificação de autuação se deu trinta dias após à infração, etc.
Por fim, sobre a interposição de defesa prévia fora do prazo, esta terá o mesmo efeito da ausência de apresentação da defesa prévia, devendo-se anotar aqui tudo que foi dito sobre aquela.
3 – DA EXISTÊNCIA OU INEXISTÊNCIA DO AIT
Sabemos que para existir um auto de infração de trânsito necessário se faz que seus elementos principais se concretizem. Sabemos que esses elementos são três, lavratura por Autoridade de Trânsito ou por Agente seu, conduta possivelmente infratora e a forma escrita.
Portanto, antes de qualquer análise qualificativa do auto de infração de trânsito a Autoridade de Trânsito que o estiver julgando deverá, primeiramente, analisar se os citados elementos de existência do auto de infração de trânsito estão presentes.
Assim, o primeiro passo é examinar se o auto de infração foi lavrado por uma Autoridade de Trânsito ou um Agente seu. Salientamos que a análise feita não será se temos um AIT lavrado por Autoridade de Trânsito ou Agente da Autoridade de Trânsito competente, não! Investigamos só se a lavratura foi feita por um desses agentes. Se não foi, julgamos, de pronto inexistente o auto de infração, não aplicando nenhuma sanção ao infrator. Se foi, passamos ao segundo elemento.
Analisaremos, superada a primeira etapa, se a conduta descrita no AIT é uma conduta possivelmente infratora. Ou seja, se existe, dentro da legislação pertinente, a previsão daquela conduta como uma infração, por exemplo, avançar o sinal luminoso vermelho. Se não temos uma conduta passível de sanção, julgamos o auto de infração inexistente, não aplicando nenhuma sanção ao suposto infrator. Se há, passamos para a análise do último elemento de existência.
A forma consiste no revestimento externo dos fatos, no caso do auto de infração de trânsito, ele só poderá ter a forma escrita. Portanto, se o auto de infração não estiver na forma escrita, prontamente, a autoridade de trânsito, julgadora, deverá declará-lo inexistente, igualmente não aplicando nenhuma sanção ao suposto infrator. Agora, se estiver revestido de forma escrita, a autoridade de trânsito, competente para o julgamento, deverá avançar, passando a analisar os elementos qualificativos do auto de infração: (in)consistência, (ir)regularidade ou emissão da notificação da autuação fora do prazo de trinta dias.
4 – DA INCONSISTÊNCIA E DA IRREGULARIDADE
Prescreve o inciso I, do parágrafo único, do Art. 281, do CTB, que:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I – se considerado inconsistente ou irregular;
II – omissis" (grifamos)
Em decorrência dessa previsão normativa, temos que a autoridade de trânsito dentro da sua competência poderá julgar o AIT inconsistente ou irregular. Entretanto, quando um AIT é inconsistente e quando ele é irregular? É o que vamos passar a investigar agora, pois já conhecemos os requisitos de validade do auto de infração de trânsito e tanto a (in)consistência como a (ir)regularidade são conseqüências do plano da validade no mundo jurídico.
4. 1 – (IN)CONSISTÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
Iremos, ao tratar deste tema, analisar quando o auto de infração de trânsito é consistente, para entender quando ele será inconsistente.
Assim, consistente, no Dicionário Aurélio: Novo Dicionário da Língua Portuguesa [02] é:
[Do lat. consistente.] Adj. 2.g. 1. Que é formado, constituído, que consta, consiste: ‘Melhore, muito melhor era a venda, c o n s i s t e n t e numa casa de moradias e um alpendre para abrigar a carga das mulas.’ (Eduardo Freieiro, se cifra, se reduz: conhecimento consistentes em ensinamentos mal administrados. 3. Duro, sólido. 4. Espesso, grosso: uma sopa consistente. ~V. estimados – e equações –s.
Todavia, a conceituação lexical do vocábulo consistente não é suficiente à definição precisa do sentido técnico que necessitamos, portanto, neste ponto, seguindo as importantes lições do professor Tércio Sampaio Ferraz Jr., precisamos estipular um novo significado para o vocábulo consistente, sendo, antes, imperiosa a transcrição dos citados ensinamentos:
Circunscrevendo-nos à linguagem falada, base de todas as demais formas de comunicação humana, pode-se dizer que o convencionalismo se põe, então, a investigar os usos lingüísticos. Se a definição de uma palavra se reporta a um uso comum, tradicional e constante, falamos de uma definição lexical. Essa definição será verdadeira se corresponde à aquele uso. Por exemplo, se definimos "mesa" como um objeto redondo que serve para sentar-se, a definição é falsa. A palavra não se usa assim em português. Definições lexicais admitem, pois, os valores verdadeiro/falso. Nem sempre, porém, uma palavra se presta à definição desse tipo. Ou porque o uso comum é muito impreciso, ou porque imprestável, por exemplo, para uma investigação mais técnica. Nesses casos, podemos definir de forma estipulativa, isto é, propormos um uso novo para o vocábulo, fixando-lhe arbitrariamente o conceito. É o caso da palavra lei que, admitimos muitos usos (lei física, lei social, leis da natureza, a Lei de Deus), exige uma estipulação (por exemplo, enunciado prescritivo geral, emanado pelo Parlamento, conforme os ditames constitucionais). Devendo-se lembrar que, obviamente, o que é uso novo hoje pode tornar-se amanhã uso comum. Quando essa estipulação, em vez de inovar totalmente (por exemplo, "ego", "superego", na psicanálise), escolhe um dos usos comuns, aperfeiçoando-o (norma como prescrição de um comportamento, dotado de sanção), então falamos em redefinição (Lantella, 1979:33). As estipulações e as redefinições não podem ser julgadas pelo critério da verdade, mas por sua funcionalidade, o que depende, obviamente, dos objetivos de quem define. Assim, uma redefinição ou estipulação do que se entenda por "justiça" será funcional ou não, conforme o objetivo do definidor seja atendido. Ela poderá ser clara e precisa, mas não funcional, se o objetivo, por exemplo, é persuadir um eleitorado heterogêneo a votar certas medidas (quando, então, o uso deveria ser difuso e obscuro, para cooptar o máximo de apoio). Uma posição convencionalista exige ademais que se considerem os diferentes ângulos de uma análise lingüística. Quando definimos o conceito de direito é, pois, importante saber se estamos preocupados em saber se se trata de um substantivo ou de um adjetivo, ou de um advérbio, tendo em vista seu relacionamento formal (gramatical) numa proposição. Ou se estamos preocupados em saber aquilo que queremos comunicar com seu uso, ou seja, se queremos saber se direito se refere a um conjunto de normas ou a uma faculdade ou a uma forma de controle social. Ou ainda se nos preocupa a repercussão desse uso para aqueles que se valem da expressão quando, por exemplo, alguém proclama: "o direito é uma realidade imperecível!". No primeiro caso, a análise é sintática, isto é, estamos preocupados em definir o uso do termo tendo em vista a relação formal dele com outros vocábulos (por exemplo, direito é uma palavra que qualifica (adjetivo) um substantivo, digamos o comportamento humano, ou direito modifica um modo de agir – agir direito: advérbio). No segundo caso, a análise é semântica, isto é queremos definir o uso do termo tendo em vista a relação entre ele e o objeto que comunica (por exemplo: direito designa um comportamento interativos ao qual se prescreve uma norma). No terceiro, definimos o uso do termo tendo em vista a relação do termo por quem e para quem o usa e, nesse caso, a análise é pragmática (por exemplo: a palavra direito serve para provocar atitudes de respeito e temor). [03]
Assim, inicialmente, devemos saber sob que ângulo estamos estudando a consistência. Sabemos que a qualidade de ser consistente é do auto de infração de trânsito, logo, estamos diante da análise lingüística dum adjetivo. Agora, precisamos delimitar, dentro da semântica, o que queremos comunicar com essa estipulação. A nossa preocupação, neste caso, é com a qualificação jurídica que o advérbio consistente atribui ao auto de infração, isto é, ser consistente o AIT significa que as informações nele contidas são verdadeiras, desprovidas de qualquer dúvida. E, por fim, pragmaticamente, qual o efeito desse uso novo, ou seja, dentro da análise prática qual a repercussão dessa nova proposta, se ela é funcional ou não.
Portanto, temos, dentro da prescrição normativa, um adjetivo que qualifica um sujeito, onde o conceito usual desse adjetivo se mostra insuficiente para retratar, semanticamente, a essência dessa qualificação, que tendo em vista o uso prático, implica numa inadmissível confusão.
Logo, ser consistente o AIT implica, necessariamente, em ser, o auto de infração, existente [04], pela concreção dos elementos nucleares do suporte fático e que as informações nele contidas sejam absolutamente verdadeiras.
Destarte, podemos afirmar que um auto de infração de trânsito será consistente, sempre que as informações nele narradas, desde a competência da autoridade ou agente da autoridade de trânsito até a infração, forem absolutamente verdadeiras.
Por exemplo, um cidadão estaciona o seu veículo em um local proibido, o agente da autoridade de trânsito competente, descreve no auto de infração aquela conduta e a tipifica. Todos os elementos do auto de infração que estão presentes são verdadeiros, logo, o auto de infração será consistente, porém, mesmo sendo consistente ele poderá ser irregular, porque, nesta, o que se exige é a presença do elemento e naquela é necessária a verdade da informação trazida pelo elemento presente.
Estipulamos o que venha a ser consistente um auto de infração de trânsito, agora, de posse desse conhecimento, podemos, com segurança, passarmos a definir a inconsistência. Portanto, se temos, para consistência, a verdade, obviamente que, para inconsistência, teremos a inverdade, isto é, qualquer dúvida que exista sobre o elemento presente é suficiente, se não for possível o seu afastamento, a gerar a inconsistência do AIT.
Por exemplo, um auto de infração de trânsito, cuja infração aconteceu na circunscrição do município de Maceió, lavrado por uma agente da autoridade de trânsito do município de Rio Largo, ainda que relate uma infração efetiva, será inconsistente, pois a informação sobre a competência do agente da autoridade de trânsito é falsa, porque ele não é competente para lavrar este AIT.
Sabemos que essa situação pode estar gerando no leitor um sentimento de que estaríamos disseminando a impunidade, porque a infração ocorreu, mas por falta de um elemento de validade, a Administração Pública não lhe poderá impor os rigores sancionatórios previstos na norma. Realmente, não se poderá impor qualquer sanção ao infrator, todavia isso não implica em rigor formal, ao revés, há uma questão muito mais relevante dentro desse fato. Se admitíssemos como possível tal situação, onde um agente de uma autoridade de trânsito de outro município pudesse lavrar auto de infração de trânsito fora da sua circunscrição, estaríamos, sem sombra de dúvida, por aceitar a quebra do pacto federativo, admitindo que um ente pudesse interferir na gestão do outro, o que é evidentemente vedado no nosso sistema jurídico. Portanto, não se trata de rigorismo formal, mas sim de respeito expresso aos princípios, normas e valores regentes do sistema jurídico vigente.
Ademais, o próprio Código de Trânsito Brasileiro prevê, no art. 260, que as multas serão impostas e arrecadadas pelo órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via em que se der a infração, conforme se depreende abaixo:
Art. 260. As multas serão impostas e arrecadadas pelo órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via onde haja ocorrido a infração, de acordo com a competência estabelecida neste Código.
Portanto, admitir tal hipótese seria suficiente para esbarrarmos na intransponível barreira da legalidade. Logo, é extreme de dúvida que a teoria que defendemos não é provida de exagerado rigor formal.
Acreditamos que já começa a se desenhar a principal diferença entre a inconsistência e a irregularidade, pois já viemos construindo, desde o início a base desses conceitos.
A polêmica surge no caso de tipificação errônea, ou seja, houve a prática de uma conduta "x" e essa conduta foi tipificada, pelo agente ou autoridade de trânsito, na norma que exigia, para a sua incidência, a conduta "y".
Entendemos que, nesse caso, haverá inconsistência do auto de infração de trânsito. Isto porque, no auto haverá a notícia de uma infração que não existiu, ou seja, é falsa a informação, pois, se a norma tipificadora não incidiu, não há a infração contida no auto de infração, portanto, inconsistente. E esse entendimento deflue tanto da necessidade da tipificação da infração, inciso I, do Art. 280, do CTB, como também, do art. 281, acima transcrito, até mesmo porque a tipificação também é objeto de prova.
Por isso, a inconsistência, é um vício que pode ser suscitado a qualquer tempo do processo administrativo de trânsito e fora dele também, pois o pagamento da multa, proveniente de AIT inconsistente, é indevido.
Finalmente, vale ressaltar que o fato de ser, o auto de infração de trânsito, (in)consistente, não implica, necessariamente, na sua (ir)regularidade, porque consistência e regularidade são conseqüências totalmente distintas.
4. 2 – DA (IR)REGULARIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
A irregularidade do auto de infração diz respeito à ausência dos requisitos de validade do AIT, que são os previstos no art. 280, do CTB. Ser irregular é não dispor das informações essenciais para que o infrator exerça, regularmente, seu direito de defesa. Noutras palavras, é suprimir os elementos prescritos pelos incisos I, II, III, IV [05], V e VI [06], do Art. 280, do CTB.
Notemos que não dispor da informação impede, logicamente, que se possa exercer um juízo adequado de valor sobre a veracidade ou inverdade da declaração presente no auto de infração de trânsito, porque o elemento simplesmente não existe.
A irregularidade do auto de infração em nada tem a ver com (in)consistência dele. Tal afirmação parecerá contraditória, se pensarmos que ambos são analisados no plano da validade, mas não na é. O AIT inconsistente possui um vício decorrente da concreção defeituosa dos elementos complementares, pois não retrata a verdade. Entretanto, um auto de infração irregular, que traga consigo a notícia do cometimento de uma infração de trânsito, não terá seu efeito produzido porque a concreção dos elementos complementares não foi completa, por não estarem presentes todos os elementos do suporte fático.
Anotemos que em ambos, inconsistência e irregularidade, teremos suportes fáticos deficientes, mas por causas diversas, naquele, pela falsidade da informação, e neste, pela ausência de um ou mais dos elementos complementares do suporte fático.