A ÚLTIMA VONTADE SOBRE A PRÓPRIA VIDA – O TESTAMENTO VITAL

07/07/2022 às 19:12
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O respeito à dignidade da pessoa humana é o elemento essencial de toda a civilização e a adoção de mecanismos ao seu implemento é o esforço primordial da sociedade, como meio de oferecer aos seus cidadãos, uma existência digna.

Contudo, a defesa deste princípio se dá para além da vida do indivíduo, reconhecendo a sua autonomia de vontade com relação as disposições sobre o seu fim, as quais deverão ser acatadas por todos.

Temos, neste sentido, o testamento vital, o qual se faz como instrumento de manifestação da vontade de um indivíduo quanto ao término de sua vida.

A pessoa humana deve ser soberana sobre a própria existência. Esta é a liberdade última! Com isso, a manifestação da vontade sobre o prolongamento de sua vida, através de métodos artificiais, tais como aparelhos ou medicamentos, enquanto este se encontre inconsciente, deve ser respeitada como um ato sagrado, independentemente de seu valor legal.

Cabe ao indivíduo decidir se deseja, ou não prolongar sua existência, através de métodos que não necessariamente lhe garantem uma cura clínica, mas que produzem, tão somente, uma permanência das funções vitais, mesmo que este se encontre inconsciente para a realidade do mundo.

Dessa forma, é lícito à pessoa, determinar, em vida, de forma expressa, o seu interesse, ou não, quanto à aplicação de terapias prolongadoras de sua existência, determinando, até mesmo, o desligamento de aparelhos ou a recusa a tratamentos médicos específicos, inclusive, sobre ser ressuscitado, ou não, caso seja vítima de uma parada cardíaca.

Por força do testamento vital, o médico se encontra vinculado à vontade do paciente, não podendo negar-lhe a validade ou resistir à sua execução.

Não devemos confundir as disposições havidas em um testamento vital com atos de suicídio assistido ou de eutanásia, posto que os elementos que os caracterizam não possuem concordância ou semelhança.

Ainda, não cabe exigir uma fundamentação ou justificativa para a vontade expressa no testamento vital. A vontade da pessoa é, como já dissemos, soberana sobre a própria vida e como esta deve terminar.

À parte destas considerações, é importante frisar que o Testamento Vital é o documento pelo qual uma pessoa, capaz à época de sua constituição, manifesta sua vontade quanto à execução, ou não de tratamentos médicos que possam prolongar a sua existência, na hipótese de se encontrar em avançado estágio de doença, de cunho terminal ou incurável, que a impossibilite de se manifestar, adequadamente.

Daí, tem-se que os elementos mínimos caracterizadores do Testamento Vital são: o agente capaz (à época de sua instituição), e a livre manifestação de vontade.

Um terceiro elemento, qual seja, a forma, embora não haja um ponto pacífico na doutrina quanto à esta, somos da opinião de que ela deva ser materializada através de ato solene, mediante a lavratura de escritura pública, dado o caráter eminentemente importante do direito à vida, o qual é o seu objeto.

Em sendo o ato praticado por escritura pública, perante Tabelião regularmente investido, a referida manifestação de vontade, per se, produzirá efeitos contra terceiros, devido ao caráter público do ato, emprestando-se lhe assim, um maior vigor e poder face a qualquer divergência de cunho familiar que possa advir quando do momento de uma possível interrupção de tratamento, como por exemplo, o desligamento de aparelhos de suporte à vida.

A solenidade da escritura pública vem resguardar, não somente a aferição da capacidade do agente, mas a sua livre vontade, uma vez que o Tabelião se certificará de que a manifestação então proferida, esteja livre de qualquer vício, emprestando ao ato, uma maior solidez e caráter de incontestabilidade, por terceiros.

Ainda, no quesito da vontade, poder-se-ia dizer que, um Testamento Vital elaborado por pessoa induzida a fazê-lo, quando já sabido de seu diagnóstico fatal, além de totalmente imprestável para a devida produção de efeitos, configuraria, em sentido amplo, por parte daquele que o induziu, na prática tipificada no Artigo 122, do Código Penal, o qual trata da indução ao suicídio.

Como finalidade, podemos considerar que o Testamento Vital, visa garantir ao seu instituidor, uma morte digna, livre de sofrimentos desnecessários, em respeito à sua pessoa humana.

Toda a discussão acerca do Testamento Vital, esbarra, nas alegações de seus críticos, sobre ser este uma forma de legitimação da eutanásia. Mas, seria isso, verdade? Seria ele o exercício ilícito sobre objeto nulo calcado no princípio da autonomia da vontade, como sustentam aqueles que o desaprovam?

O Testamento Vital, como meio válido de manifestação de vontade, possui, além de fundamentação doutrinária, amparo legal. O Artigo 15 do Código Civil, preceitua que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento ou a intervenção cirúrgica.

Desta forma, vemos que a Lei Civil ampara a pessoa humana, na sua integridade, quanto mais, a sua vida, em consonância com a Constituição Federal, a qual proíbe os meios degradantes no trato da pessoa humana, já tratados neste texto.

Faz-se mister destacar o exercício da manifestação legítima da vontade, no seio do Testamento Vital, como prática da morte digna, ou morte correta (ortotanásia), ao contrário da eutanásia (boa morte).

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Diferente do que acontece no testamento vital, a eutanásia, que etimologicamente significa a boa morte, dá-se quando profissionais de saúde, através de técnicas que permitam a morte antecipada do paciente de forma menos dolorosa, põe fim à vida, deste, através de condutas ativas.

A prática da eutanásia, é considerada pelo nosso ordenamento, como conduta típica, na forma do Artigo 122, caput, do Código Penal, sendo considerada criminosa a conduta que induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.

Dessa forma, como já dissemos, não há meios de se confundir a eutanásia com as disposições contidas no Testamento Vital, uma vez que, àquela pretende encerrar a vida do paciente de modo artificial, antes do momento previsto pelo corpo, ao passo que a expressão de vontade contida neste se limita, tão somente, à autorização de suspensão dos tratamentos médicos que lhe prolongam a existência em casos incuráveis e irreversíveis.

O Testamento Vital carece, ainda, de regulamentação quanto à sua forma, abrangência e efeitos, por força legal, encontrando-se em trâmite, no Congresso Nacional, o projeto de Lei do Senado nº 149/18, que trata do assunto.

O ordenamento carece de comportar as diretrizes normativas para o Testamento Vital, a fim de que se garanta, de forma incontestável, o pleno exercício da livre manifestação da vontade, calcado no mais nobre dos princípios constitucionais, que é a razão da existência do próprio Direito, qual seja a dignidade da pessoa humana.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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