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A imunidade parlamentar utilizada como ofensa ao Estado Democrático de Direito brasileiro

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O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E AS DIFICULDADES ENCONTRADAS DIANTE DA APLICAÇÃO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR.

Maquiavel (1532) em sua obra mais conhecida, O príncipe expõe a figura do Estado como sinônimo de sociedade, que se origina através da integração social do homem e sua capacidade em liderar e aceitar o poder. O poder de legislar, é a maior expressão da vontade do povo, e assim a máxima representação da sociedade frente ao Estado, mais ainda quando inserimos na figura do Estado Democrático de Direito.

Conforme dispõe Lenza, as prerrogativas atribuídas por Lei, reforçam a democracia, uma vez que os parlamentares podem livremente expressar suas opiniões, palavras e votos, bem como estar garantidos contra prisões arbitrárias, ou mesmo rivalidades políticas (LENZA, 2022, p. 638).

Contudo, partindo do pressuposto que apesar das tentativas constantes, o sistema político brasileiro não atinge seu objetivo de ser perfeito, muito embora caminhe para este objetivo, ainda encontramos dentro da doutrina e dos portais de notícias indicações que essas prerrogativas de função são utilizadas como instrumento para impunidade.

PRERROGATIVAS COMO INSTRUMENTO DA IMPUNIDADE

Tal qual exposto anteriormente, vemos que a Imunidade Parlamentar é uma proteção jurídica criada e validade para proteger o direito de exercer opiniões e condutas no exercício do mandado legislativo, outrora, já foi reconhecidamente utilizada como forma de isentar da punição da lei (civil ou penal) pelos atos praticados. Vê-se a seguir as causas excludentes de antijuricidade e tipicidade da conduta e onde se aplica.

Excludentes de antijuricidade e tipicidade da conduta

Em situações especificas, já listadas no tópico 2, a Imunidade se apresenta como causa excludente de crime (JESUS, 2015), ou seja, não havendo crime, consequentemente não haverá inquérito, processo ou quaisquer maneiras de responsabilização pelos atos cometidos, seja política ou disciplinar. A exclusão de antijuricidade é prevista no artigo 23 do Código Penal Brasileiro, que dispõe não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (BRASIL, 1940)

Aleixo (2020) retrata que, os excludentes de tipicidade concedidos são apenas uma mera garantia de função, haja vista que não se confundem os institutos legislativo e jurídico, e que o legislador erra quando relata como exclusão do crime pois, houve crime, a denominação correta seria a exclusão da criminalidade através de uma circunstância descriminante especial, em razão da função.

Ressalta-se que, para tanto, deve ser notória a presença do nexo de causalidade entre a conduta e o fato atípico. (MOURA, 2019) pois A inviolabilidade exclui o crime nos casos admitidos; o fato típico deixa de constituir crime, porque a norma constitucional afasta, para a hipótese, a incidência da norma penal. Não sendo exclusa a ilicitude do crime, mas apenas a incidência da punibilidade. (ALEIXO, 2020)

Diferentemente, porém, é a hipótese da exclusão da tipicidade da conduta, em que resta inviabilizada, qualquer apuração sob pena de constrangimento ilegal impugnável por habeas corpus (FERNANDES, 2017, p. 983)

Suspensão do processo durante o exercício do mandato

A temática, foi pauta de discussão no Supremo Tribunal Federal, que assim decidiu:

DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CASSAÇÃO DE MANDATO DE DEPUTADO FEDERAL. QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR. ALEGADAS NULIDADES. [...] 2. A suspensão do exercício do mandato do impetrante, por decisão desta Corte em sede cautelar penal, não gera direito à suspensão do processo de cassação do mandato: ninguém pode se beneficiar da própria conduta reprovável. Inexistência de violação à ampla defesa ou de direito subjetivo a dilações indevidas. [...] (BRASIL, 2017)

V. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 34.327, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, publicado em 01 ago. 2017:

Contudo, afirma, Barcellos (2021) que mesmo os princípios trazidos pela Câmara legislativa, não podem apresentar demandas que violem as garantias da ampla defesa e do processo legal, ainda que se trazidas ao processo de maneira sancionatória. Dessa maneira, entende-se que sendo o STF inclinado a suspensão do mandato, não pode por sua vez, a Câmara Legislativa se opor as Decisões do Tribunal Superior.

Nesse mesmo sentido, tem-se a Súmula 245-STF A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa. (BRASIL, 1963) que esclarece, que mesmo que o ato punível tenha sido feito em concurso as prerrogativas aplicadas ao Parlamentar não se estendem aos demais, porém tão somente ao portador da imunidade.

A suspensão do processo em sua maioria aplica-se aos casos de imunidade formal, esta que segundo Moura (2019, p. 101) se reflete em A possibilidade dos deputados e senadores não serem presos (ou não permanecerem presos), ou na sustação de ação penal contra deputado ou senador por crime praticado pelos mesmos após a diplomação.

Vale ressaltar que não será considerado para a situação jurídica em questão, que não será aplicada em nenhum delito supostamente aplicado antes da diplomação da candidatura, pois é a partir daí que se inicia o vínculo jurídico, este que foi formado na respectiva eleição.

IMUNIDADE PARLAMENTAR DEMOCRÁTICA

A democracia, definida como a expressão da vontade da maioria, onde os assuntos relativos à sociedade são decididos através do voto da maioria. (ROCHA e ROSSO, 2013) A Carta Magna Brasileira se inicia declarando que Todo poder emana do povo (BRASIL, 1988).

O poder do povo, nesse caso deve ser visto através dos institutos de representação: O parlamento, este que por sua vez, em tese, deve ser formado por cidadãos políticos que, possuam conhecimento para representar os interesses do Estado. Contudo, torna-se desafiador para o poder político democrático manifestar os interesses da comunidade que estão aquém da letra da Lei (ROCHA, ROSSO, 2013), por esse motivo, reflete o autor, se torna mais do que necessário proteger o Direito de expressão de tais representantes.

Conforme amplamente citado no presente estudo, a Imunidade Parlamentar não foi criada para ferir o Estado Democrático de Direito, pelo contrário, criada como uma ferramenta que torna possível o exercício de Legislação e Controle do Estado, sem as amarras da moralidade.

E em casos, onde após o Devido Processo Legal, tem-se constatada ofensa aos preceitos constitucionais, ou práticas criminosas, inicia-se o procedimento de perda do mandato, e dos direitos políticos pelo tempo de duração da pena. (BRASIL, 1988)

O JULGAMENTO DA IMUNIDADE PARLAMENTAR NA PRÁTICA CASO DANIEL SILVEIRA

(Figura: Notícia que informa a Condenação do Deputado Federal Daniel Silveira, STF (2022).)

A acusação foi pautada no artigo 18 da Lei 7.170/1983, pelo crime de incitação à abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com os agravantes de tentativa de coação no curso processual (STF, 2022).

Por condenação a Crime de ameaça ao Estado Democrático de Direito a pena imputada ao Parlamentar Daniel Silveira, que como consequência teria a suspensão dos direitos políticos e interrupção do mandato parlamentar assim como prevê a Constituição Federal. (STF, 2022)

Ação Penal Pública de nº 0036863-31.2021.1.00.0000, onde o Supremo Tribunal Federal processou e julgou tendo como réu o Deputado Federal Daniel Lúcio da Silveira, sendo deste ato O Ministro Alexandre de Moraes, o Relator. (BRASIL, 2022)

Além das punições de praxe dispostas pelo Código Penal e de Processo Penal, o réu da ação ficou proibido a prestar quaisquer manifestações aos veículos de mídia. (STF, 2022)

Em setembro de 2021, a defesa do Réu, pediu a aplicação da extinção da tipicidade com consequente exclusão da antijuricidade (já comentadas no capítulo 2), no que tange ao pedido, o Ministro Relator, supramencionado aponta pelo indeferimento, com a seguinte justificativa:

"Trata-se de manifestação da Defesa do Deputado Federal DANIEL SILVEIRA, por meio da qual requer seja declarada a extinção de tipicidade e a consequente extinção de punibilidade do parlamentar, denunciado pela prática das condutas descritas no art. 344. do Código Penal (por três vezes) e no art. 23, II (por uma vez) e IV (por duas vezes), o último combinado com o art. 18, ambos da Lei 7.170/83. Alega-se, em síntese, que, (a) na data 02 de setembro de 2021 (quinta-feira), foi publicada a Lei Federal nº 14.197, DE 1º DE SETEMBRO DE 2021, acabou por produzir a extinção de tipicidade nos crimes da lei de segurança nacional a qual o acusado foi denunciado. A norma penal que previa os crimes dos artigos 18 e 23 da lei de segurança nacional restou revogada integralmente. (); (b) diante disso, ocorrera o fenômeno conhecido pela doutrina como abolitio criminis, cujos efeitos retroagem para alcançar fato tipificado como crime, mas que deixam de ser, pois perdem o elemento tipicidade com sua revogação; e (c) não mais existindo a TIPICIDADE, não mais subsiste o crime, que, por ricochete, extingue outro elemento do crime: A PUNIBILIDADE. Assim, nos termos do Art. 107, III, CPB, requer seja declarada extinta a sua punibilidade, com o consequente arquivamento da sua ação penal, sendo declarada de IMEDIATO e seus efeitos cessados, uma vez que a máquina pública já foi movimentada indevidamente em um processo que sabidamente seria extinto, previamente avisado e noticiado, eis que igualmente não mais subsistem pressupostos válidos para que se continue a onerar o contribuinte. É o relatório. Decido. As alegações veiculadas neste requerimento se confundem com a própria matéria de mérito desta ação penal, a serem detidamente analisadas após as apresentações das alegações finais. Aguarde-se a juntada das alegações finais. Publique-se. Brasília, 14 de setembro de 2021." (BRASIL, 2021)

No entanto, apesar de o Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Relator e Presidente do Julgamento, em todas as suas atuações se pronunciou a favor da condenação do Parlamentar, contudo, a parte Ré insistiu pela procedência da extinção da ação pautada na extinção da punibilidade, aplicando-se os pressupostos da Imunidade prestigiada pela Constituição Federal.

Após o trâmite legal, e alegações finais, uma vez havendo a Condenação do Réu, não sendo mais permitidos nenhuma fonte Recursal, decidiu-se o STF pelo que se expõe,

[...] Após o trânsito em julgado, ficam ainda suspensos os direitos políticos do condenado, enquanto durarem os efeitos da condenação, nos termos do art. 15, inciso III, da Constituição Federal; bem como determinada a perda do mandato parlamentar, em relação ao réu Daniel Lúcio da Silveira, nos termos do art. 55, inciso VI e o § 2º, da Constituição Federal e artigo 92 do Código Penal. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Nunes Marques (Revisor), que julgava a ação improcedente, nos termos do art. 386, I, II e III, do Código de Processo Penal, e o Ministro André Mendonça, que julgava parcialmente procedente a ação, em menor extensão, nos termos de seu voto. Falaram: pelo autor, a Dra. Lindôra Maria Araújo, Vice-Procuradora-Geral da República; e, pelo réu, o Dr. Paulo César Rodrigues de Faria. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 20.4.2022. (BRASIL, 2022) (grifo nosso)

Conclui-se, portanto, que o julgamento em exposto, demonstra claramente a aplicação dos preceitos constitucionais, somados a julgados e entendimentos mais recentes dos Tribunais Superiores, onde os limites da Imunidade só protegem o membro do Parlamento, enquanto este também age com defesa e probidade dos preceitos constitucionais. Reiterando-se que todos os recortes expostos no presente artigo, foram analisados apenas sob a ótica do instituto da Imunidade Parlamentar, não sendo o foco da discussão os eventos posteriores ao Julgamento em questão.


METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica de natureza básica pura, pois preocupa-se principalmente em melhorar teorias cientificas já existente (GIL, 2018), a saber o instituto da Imunidade Parlamente, e a premissa de direta agressão ao Estado Democrático de Direito.

O local da pesquisa utilizada, são as bases de dados bibliográficas, tais como a biblioteca digital da Unileão, centro de artigos científicos Scielo, base de artigos científicos do Senado Federal, e documentos jurídicos de domínio público, tais como cópias de processos e inquéritos parlamentares, cópia de notícias de domínio público em jornais de grande circulação.

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Quanto à delimitação dos objetivos, utiliza-se da metodologia descritiva e explicativa, pois almeja descrever o instituto jurídico da imunidade Parlamentar explicar todas as vertentes respondendo a problemática a contento.

Utiliza-se na presente pesquisa a abordagem qualitativa, pois o estudo baseia-se em conhecimento prévio trazido por outros autores, sendo feito uma seleção de alguns dos principais comentadores do tema, e ressaltando o pensamento predominante, bem como discursões relevantes e contraditórias ao tema, haja vista as retaliações que o sistema vem enfrentado no decorrer dos anos.

Quanto às fontes utilizadas, a fonte principal é a bibliográfica a partir do uso de artigos científicos e livros da temática, mas não se resume a isso, também far-se-á uso de fontes documentais, pois procura-se discutir algum julgado onde a Imunidade Parlamentar foi usada em consonância ou não com a Lei.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo dedicou-se a analisar o instituto da Imunidade Parlamentar, expondo seu histórico e aplicação e por último trazendo um caso prático da atualidade onde fez-se uso dessas prerrogativas de função.

No primeiro capítulo observou-se o histórico da criação do Instituto, que precede a legislação brasileira, haja vista, teve seus primeiros registros na Inglaterra, porém com características muito mais simplórias se comparada aos parâmetros estabelecidos pela Constituinte Brasileira. Contudo, ainda que de maneira mais descomplicada já se percebia a defesa da liberdade de expressão e o impedimento de prisões arbitrárias. Movimento este que resultou na queda do absolutismo, possibilitando a ascensão do Parlamento. Ao retratar a situação política brasileira, se percebe que o instituto chega ao País antes mesmo da democracia, se abala nas tentativas de ditadura militar, onde vê-se que é em 1968 a única Constituição Brasileira que não traz em sua composição a proteção à liberdade de expressão dos representantes do povo. Porém, ressurge na legislação brasileira, através do Poder Constituinte Democrático Brasileiro, criador da Carta Magna de 1988, marco do nascimento da Democracia, não somente a disposição da Liberdade de Expressão, contempla-se todo o aparato jurídico necessário para estabelecer as regras e limites da Imunidade Parlamentar.

No segundo Capítulo, analisa-se o Instituto da Imunidade Parlamentar sob a ótica jurídica da Constituição Brasileira, através da previsão legal, e classificações, em especial a Imunidade Material, Processual, Probatória, Formal e de Testemunho, e ressalta-se a sua importância para o cumprimento das funções legislativas sem as amarras da moralidade. Conclui-se, portanto, pela inafastabilidade desse direito como garantia do exercício legal da Democracia, uma vez que se alcança a compreensão acerca da importância dos pressupostos legais para o plexo exercício do mandato. Analisa-se ainda as punições em caso de descumprimento dos princípios constitucionais impostos ao exercício do mandato que podem ocasionar desde suspensão do mandato, como a perda dos direitos políticos.

O terceiro capítulo do estudo preocupa-se em adaptar as predições constituintes a realidade pratica do sistema jurídico brasileiro, partindo do pressuposto do Estado que possui um sistema jurídico organizado, considerou-se as falhas e foram analisados casos práticos a fim de se verificar se a Democracia e a Constituição foram respeitadas assim como dispõe o texto constituinte. Foi percebido que, em algumas situações especificas a impunidade pode ser utilizada como instrumento da impunidade, mas que o Estado através do Supremo Tribunal Federal trabalha para que isto não ocorra.

Por fim, se faz necessário ressaltar que o abuso do exercício do Direito, pelos agentes da cidadania e democracia, são ofensas não somente ao Próprio Estado, mas ao povo que é o portador indireto do Poder Público.

Nota-se também que o Estado ao definir as punições supramencionas frente às violações jurídicas dos parlamentares evita enfrentar uma situação de vulnerabilidade política, pois ao apresentar a punição àqueles que foram contra a Soberania do Estado, trazem consigo uma resposta social ao povo que clama por transparência, justiça e pelo exercício inafastável da democracia.

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