Bom, tive que fazer a defesa desses espeleólogos, como já entreguei o trabalho, vou postar aqui, espero que tenha utilidade, se acharam pertinente, refutem-me:
-Deveria ser mais uma aventura, uma nova experiência, novas visões de um mundo que poucos conhecem; um lugar escuro e sombrio, porém, cheio de mistérios. Um ambiente que para muitos, poderia ser chamado de mágico; longe de tudo e de todos, perto somente da natureza, onde existira um silêncio, até então, fascinante. Cinco amigos, uma associação, e o infortúnio de várias famílias.
É com tristeza que explano a despeito deste caso, pois uma nação, com medo de manchar seu direito, seu código, se priva do uso do bom-senso e condena estes quatro homens à morte, porque estes possuem dentro de si mesmos a vontade de viver, assim como cada um de nós; e como fruto dessa vontade, o instinto de tentar escapar da morte, quando isso se fizer possível. Animais que somos não estamos livres dos instintos primitivos, apenas os controlamos; mas é evidente que em certas situações, como a que lhes apresento, o estado de natureza indubitavelmente sobrepõe a racionalidade, e coloca esses desafortunados em uma esfera jurídica particular, de uma intangibilidade ímpar no que diz respeito à coercitividade do direito que esta corte se propõe a aplicar.
Enumero, pois, os seguintes argumentos:
Tem-se nos autos o registro de uma conversa, via rádio, entre os exploradores e um grupo de médicos, em que os primeiros indagam sobre a possibilidade de subsistirem por mais dez dias (previsão dada pelos engenheiros responsáveis pelo resgate) sem alimentos, pois os mesmo estavam por acabar. Os médicos foram claros ao dizer que essa possibilidade era de caráter ínfimo; durante as oito horas seguidas estes cinco homens se puseram a refletir, fazendo uso da pouca racionalidade que a natureza lhes permitia possuir diante de tal situação. Acabaram por sacrificar um dos seus, evitando assim, que por inanição, os cinco morressem. Face a face com a morte, o ser humano perde o contato com a sua racionalidade; isso descaracteriza o que vocês possam chamar de crime, a não ser que se neguem à sindérese. Pois estes homens se encontravam em uma esfera jurídica paralela a esta como já citei anteriormente onde, portanto, as normas eram outras.
Estando claro o estado de necessidade em que estes homens se encontravam, chega a ser surpreendente que os mesmos, ainda que nessa situação, pensassem em ignorar a inalcançabilidade da sua situação questionando o Estado sobre a decisão que estavam prestes a tomar, à despeito da ideia canibalesca. Roger Whetmore, em posse do rádio transistorizado, depois de questionar os médicos sobre a possibilidade de sobreviverem se alimentando da carne de um dentre eles e obter uma resposta afirmativa, pediu que lhe colocassem em contato com algum juiz ou qualquer autoridade governamental que pudesse lhes dar um parecer sobre tal resolução; não encontraram ninguém que lhes dessem uma luz, ou mesmo tecesse um comentário à favor, ou contra tal decisão. Vê-se que o Estado negou-se à responder tal questionamento, foi omisso quando estes cidadãos mais precisaram de sua sabedoria. O Estado não o respondeu simplesmente porque não tinha resposta para tal questão, volto a dizer, trata-se de outro contrato social, outra justiça, regida pelos instintos naturais; do homem, enquanto animal, levado à tal situação pela ausência de qualquer fortuna na vida. Aquele silêncio ora fascinante da caverna, tornara-se ensurdecedor. Agora, o Estado que, quando se fez necessário omitiu-se, condena estes homens; Omissão essa que confirma: Não cabia ao Estado qualquer atitude tomada em tal âmbito, pois ali existia pouca coisa além de um primitivismo, tudo oque ali fizeram justifica-se pela vontade de viver.
Para encerrar, esta defesa, esclareço aos que porventura questionem ‘Por que Roger Whetmore? Teria ele menos direito de viver do que os outros quatro?’. Pois bem, esse questionamento poderia ser feito em nome de qualquer um dos outros envolvidos. Não podemos ignorar o fato de que um deles teria, necessariamente, que morrer em nome dos companheiros. Foi sugerido pela vítima em questão, que a escolha fosse feita por um método excêntrico, incomum, o lançamento de dados. A sugestão foi aceita, momentos antes de a sorte ser ‘lançada’, Whetmore se retirou do contrato, sugerindo que esperassem mais alguns dias. Talvez alguns se ofendam com a assertiva que farei, mas quem é que pode dizer que essa vítima não é senão a responsável por essa lide. Quem nos nega a possível sordidez de Whetmore, ao propor tal solução e ao vê-la aceita pelos demais, se exclui do contrato; talvez na esperança de que o sorteio fosse feito entre os quatro, e a carne de um terceiro, se tornasse também seu próprio alimento? Não o condenamos aqui pelo comportamento que nos atrevemos a chamar sórdido, pois nem seus amigos o fizeram em estado de natureza, a vítima, só queria permanecer em vida até que o resgate chegasse, mas foi infeliz como nenhum outro. Whetmore foi morto, porque este propôs um contrato com os demais, e segundo as cláusulas do mesmo, deveria sê-lo.
A justiça não pode se colocar sob uma ótica aritmética e dizer: ‘é melhor quatro vivos do que cinco mortos’ mas é essa a realidade; é assim que, ao pé da letra, todos nós vemos as coisas. Destarte concluo, que estes homens são inocentes de qualquer acusação que este tribunal pense em colocar sobre seus ombros cansados e traumatizados. Homens condenados a lembrar por todo resto da vida de uma trágica história, uma trágica escolha, e, até aqui, uma trágica resolução a despeito da mesma.