Caro Colega,
Veja o que dizem os tribunais,conforme citação no trabalho de Ana Caralina Paes Leme editada no Jus-navigandi:
A VISÃO DOS TRIBUNAIS
Neste ponto, para finalizar, objetiva-se expor a visão de alguns Tribunais acerca da matéria. Desde logo, informa-se que não há muitas decisões jurisprudenciais que abordam especificamente a questão e, então, trazemos à baila apenas duas visões mas que melhor representam o entendimento global da questão.
Miguel Kfouri Neto (33) informa que a jurisprudência por ele consultada não registra sequer uma demanda indenizatória que condenasse o médico à reparação civil por ter procedido à transfusão de sangue contra a vontade do paciente ou de seu responsável.
Na seara penal, o TACrimSP manifestou-se sobre a matéria e, nas palavras do autor supracitado, o acórdão "contém preciosas lições- e serve de paradigma", as quais entendemos pertinente colacionar:
A vida humana é um bem coletivo, que interessa mais à sociedade que ao indivíduo, egoisticamente, e a lei vigente exerce opção axiológica pela vida e pela saúde, inadmitindo a exposição desses valores primordiais na expressão literal do texto, a perigo direto e iminente [...] Uma vez comprovado efetivo perigo para a vítima, não cometeria delito nenhum o médico que, mesmo contrariando a vontade expressa dos por ela responsáveis, à mesma tivesse ministrado transfusão de sangue. (34)
Em precioso acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o Des. Sérgio Gischkow Pereira aborda a matéria de forma a resumir seus pontos de maior relevância e profere, com propriedade, o seu posicionamento acerca do tema. Cumpre trazermos à colação parte do seu voto, pois, além de corresponder à nossa posição, demonstra o que consideramos por uma decisão justa:
CAUTELAR. TRANSFUSAO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVA. Não cabe ao poder judiciário, no sistema jurídico brasileiro, autorizar ou ordenar tratamento médico-cirúrgicos e/ou hospitalares, salvo casos excepcionalíssimos e salvo quando envolvidos os interesses de menores. Se iminente o perigo de vida, é direito e dever do medico empregar todos os tratamentos, inclusive cirúrgicos, para salvar o paciente, mesmo contra a vontade deste, de seus familiares e de quem quer que seja, ainda que a oposição seja ditada por motivos religiosos. Importa ao medico e ao hospital demonstrar que utilizaram a ciência e a técnica apoiadas em séria literatura médica, mesmo que haja divergências quanto ao melhor tratamento. O judiciário não serve para diminuir os riscos da profissão médica ou da atividade hospitalar. Se transfusão de sangue for tida como imprescindível, conforme sólida literatura médico-cientifica (não importando naturais divergências), deve ser concretizada, se para salvar a vida do paciente, mesmo contra a vontade das Testemunhas de Jeová, mas desde que haja urgência e perigo iminente de vida (art-146, §3°, I, do Código Penal). [...] O direito à vida antecede o direito à liberdade, aqui incluída a liberdade de religião; é falácia argumentar com os que morrem pela liberdade, pois aí se trata de contexto fático totalmente diverso. Não consta que morto possa ser livre ou lutar por sua liberdade. Há princípios gerais de ética e de direito, que aliás norteiam a Carta das Nações Unidas, que precisam se sobrepor às especificidades culturais e religiosas; sob pena de se homologarem as maiores brutalidades; entre eles estão os princípios que resguardam os direitos fundamentais relacionados com a vida e a dignidade humanas. Religiões devem preservar a vida e não exterminá-la. [...] Abrir mão de direitos fundamentais, em nome de tradições, culturas, religiões, costumes, é, queiram ou não, preparar caminho para a relativização daqueles direitos e para que venham a ser desrespeitados por outras fundamentações, inclusive políticas. [...] É o voto. (35)
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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando Direito e Moral se chocam, as conseqüências podem ser nefastas. É de se lamentar que os Testemunhas de Jeová imponham como dogma religioso uma censurável resistência à transfusão de sangue, não se abalando mesmo diante da possibilidade desta recusa provocar a morte de um de seus fiéis. Religiões devem incentivar a vida, e não a morte.
Entretanto, num Estado de Direito Democrático e Social, a liberdade é requisito da democracia. A autonomia individual deve ser respeitada e, com ela, o direito de consciência e de crença. As manifestações religiosas não se limitam ao exercício da religião em templos. Entende-se que pressupõe a prática religiosa, com respeito aos seus dogmas, em todas as circunstâncias da vida.
Dessa forma, admite-se a recusa às transfusões sanguíneas por motivos de foro íntimo: convicções pessoais, religiosas ou não. O próprio Código Civil coíbe a intervenção médica ou cirúrgica, com risco de vida, sem o prévio consentimento do paciente.
Todavia, nosso ordenamento não tolera a liberdade religiosa como direito absoluto. Seria inadmissível: teríamos que conviver com as maiores brutalidades, pois justificativas das mais diversas nunca faltam para as violações dos direitos humanos!!!
Por esse motivo, é razoável que se preserve a vida, acima de qualquer outro direito, quando mais se aproximar da dignidade humana. Não há dúvidas que a transfusão de sangue deve ser feita pelo médico caso o paciente encontre-se em iminente risco de vida ou inconsciente.
Não há dúvidas também que o Judiciário deve retirar um filho menor das mãos dos pais para que seja salva a sua vida. O direito à vida pertence à pessoa humana, ao filho como ser humano, titular deste direito básico da personalidade e, nunca aos seus responsáveis. Admitir o contrário seria o mesmo que homologar um homicídio.
Diante da aparente colisão de direitos fundamentais no caso concreto, faz-se necessária a ponderação dos valores envolvidos, com aplicação dos princípios específicos de Hermenêutica Constitucional, optando-se, finalmente, pelo direito que melhor assegure a dignidade da pessoa humana.
Fonte: Tese de Ana Carolina Paes Leme - Jus navigandi.
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Até!
Gilberto