Encontrei no portal Direito na Web o seguinte arigo, que retransmito para trazer, possivelmente, novas luzes à discussão.
"O PROCESSO MONITÓRIO E OS JUIZADOS ESPECIAIS CIVIS
Fernando Brandini Barbagalo
O Código de Processo Civil vem sofrendo, nos últimos anos, algumas reformas que buscam apenas um objetivo: dinamizar a prestação jurisdicional, tornando o processo menos burocrático, mais dinâmico e efetivo no alcance de resultados práticos.
A ação monitória foi uma dessas várias inovações trazidas pelo legislador com objetivos de acelerar a prestação jurisdicional.
Assim, se a parte portar documento escrito que não seja título executivo (líquido e certo), mediante o qual pretenda pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel - art. 1.102a do CPC, estará autorizado a pedir mandado monitório que posteriormente se transmudará em mandado executivo.
Somente a parte demandada possui capacidade de tornar o processo célere da monitória, que se desenvolve num processo executório linear, em processo de conhecimento com instrução alongada, podendo fazê-lo através dos embargos do artigo 1102c do CPC.
Os embargos, que têm natureza de ação, conferem maiores possibilidades de defesa ao réu e independem de segurança do juízo para serem procesados. Os embargos não são apensados aos autos, como nos processos de execuções, mas juntados aos autos principais.
No entanto, caso o réu cumpra o mandado sem embargá-lo, ficará isento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios que deverão ser suportados pelo autor. Assim, a monitória estimula a lealdade processual e a celeridade em detrimento da procrastinação infundada com conseqüente aviltamento da justiça.
Há muita controvérsia sobre a natureza da tutela monitória. Já se disse ser ela novo procedimento especial, novo processo com natureza executiva, outrora de conhecimento. Ultimamente, assentou-se que seria um procedimento especial de conhecimento.
Antônio Carlos Marcato refere-se à ação monitória como processo monitório:
"Dotado de uma estrutura procedimental diferenciada, o processo monitório é o produto final da conjugação de técnicas relacionadas ao processo de conhecimento e de execução, somadas à da inversão do contraditório, aglutinando, em uma só base processual, atividades cognitivas e de execução".
"Nele, a cognição é fundada com exclusividade na prova documental unilateralmente apresentada pelo autor, permitindo desde logo a emissão de um mandado que contém o comando, dirigido ao réu, para pagar uma soma em dinheiro ou entregar bem fungível ou coisa certa determinada. E como também é informado pela técnica da inversão do contraditório, a cognição torna-se plenária se e quando o réu vier a opor embargos; omitindo-se ou sendo aqueles rejeitados, inicia-se a fase executiva, sem solução de continuidade.
"É, digamos assim, um processo 'misto', integrado por atos típicos de cognição e de execução, em alguns aspectos parecidos com tantos outros que permeiam o sistema processual, bastando lembrar, a título de ilustração, o processo de despejo e os processos possessórios, nos quais, esgotada a fase de cognição e obtida a sentença de mérito, passa-se imediatamente à execução (execução lato sensu), sem a necessidade de instauração de um novo processo. Trata-se, em suma, de um processo que se desenvolve segundo a postura assumida pelo réu". (Marcato, Antônio Carlos. A natureza jurídica do processo monitório, in www.cpc.adv.br/artigos)
Vicente Greco Filho, da mesma forma, observa que a tutelar monitória é "um misto de ação executiva em sentido lato e cognição, predominando, porém, a força executiva". (Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória, São Paulo, Editora Saraiva, 1996, p. 49).
Não se discorda de nenhuma das posições apontadas, porém inegável que a monitória possui uma fase de conhecimento sintética, que se prende a validade jurídica do documento apresentado, e caracteres bastante nítidos do procedimento executório, formando uma "simbiose" ou um procedimento misto, como afirma Marcato.
A atuação do juiz no procedimento monitório é restrita aos casos de nulidade absoluta, ou para evitar a malversação do processo por algum astuto. Somente nesses casos é que está autorizado, o juiz, a intervir e, eventualmente, extinguir o processo. Quando for apresentado um documento que exprima uma dívida de jogo ilegal, por exemplo, o juiz está autorizado a extinguir de plano o procedimento monitório.
Consigne-se que, sem dúvida, a tutela monitória possui natureza diferenciada, longe, contudo, de ser nova ação, ou categoria de procedimento a parte dos existentes no Código de Processo Civil. Sua natureza jurídica tem mero cunho teórico-didático.
Necessário determinar se a estrutura diferenciada da ação monitória influi na competência desse processo dentre os ritos procedimentais dos quais dispõem o processo civil brasileiro. Desta maneira que se indaga: A ação monitória está entre àquelas que o artigo 3º caput, inciso da Lei n. 9099/95 (Lei do Juizado Especiais Civis) coloca como de menor complexidade? Pode ser ajuizada ação monitória no âmbito dos Juizados Especiais Civis? O procedimento da ação monitória é compatível com o rito célere dos Juizados Especiais Civis?
A resposta a essas indagações deve ser buscada no próprio artigo 3º da Lei n. 9.099/95, a Lei dos Juizados Especiais.
A priori, a natureza mista da monitória e seu procedimento peculiar não podem ser colocados como óbice para aquele que busca uma solução processual célere e o fazem através do rito sumaríssimo.
Portanto, desde que preenchido o requisito objetivo maior da Lei n. 9099/95, qual seja, valor máximo das ações de 40 (quarenta) salários mínimos, ou que se abra mão da quantia que suplante tal teto (parágrafo 3º), não há razão para impedir que a parte busque a via rápida para tentar satisfazer seu interesse.
Saliente-se que a Lei do Juizado Especiais e a Ação monitória têm suas finalidades convergentes: a solução rápida para os litígios que preencham determinados requisitos.
Há incluído na Lei n. 9099/95 os dois tipos de processos que formam a natureza da ação monitória, conhecimento e executivo, o que viabiliza, plenamente, seu processamento pelos Juizados.
O artigo 3º da Lei dos Juizados Especiais estipulou quais são as causas consideradas de menor complexidade em seu parágrafo 1º, estabelecendo como fator principal de competência o valor da causa (artigo 3º,inciso I) e em razão da matéria, independente de seu valor (artigo 3º, inciso II e III).
Cabe consignar, que ações de despejo e possessórias de rito semelhante a monitória, como ressaltado por Marcato, onde ao final da fase de conhecimento passa-se direto para a fase de execução sem a necessidade de novo processo, são adotadas expressamente pela Lei n. 9099/95 (artigo 3º, inciso III e IV).
Nelson Nery Jr. entende que não só a ação de despejo para uso próprio pode ser deduzida perante os Juizados Especiais, mas também as baseadas em outros fundamentos, desde que obedeçam ao teto do inciso I do parágrafo 3º:
"Somente a ação de despejo para uso próprio, qualquer que seja o valor, é que pode ser deduzida perante o juizado especial cível, a menos que seja de valor de até quarenta salários mínimos. Sendo de valor igual ou inferior a esse teto legal, qualquer que seja o fundamento da ação de despejo (falta de pagamento, denúncia vazia etc.) é competente o juizado por força da LJE 3.º I." (Código de Processo Civil Comentado, editora Revista dos Tribunais, 5ª edição, 2001, pg. 2193)
Em contrapartida, o parágrafo 2º determina as matérias que devem ser excluídas da competência dos Juizados Especiais e entre elas não está excluída, direta ou indiretamente, a ação monitória.
O parágrafo 1º coloca que podem ser executados nos Juizados Especiais seus próprios julgados, o que autoriza dizer que a conversão do mandado monitório em mandado executivo, a princípio, é possível nos Juizados Especiais.
Corrobora este entendimento o Enunciado n. 15 do 1º Encontro dos Juízes de Juizados Especiais Cíveis da Capital e da Grande São Paulo (publicado na Tribuna da Magistratura, dez. 98, pg. 23):
"Causas de menor complexidade são aquelas previstas no artigo 3º da Lei dos Juizados Especiais e que não exijam prova técnica de intensa investigação. A alta complexidade jurídica da questão por si só não afasta a competência dos Juizados Especiais".
Destarte, a afirmativa isolada de que a monitória é ação complexa e possui rito procedimental especial, que, por essa razão, não se amolda ao procedimento célere dos Juizados Especiais não pode prosperar.
O fato do parágrafo 2º do artigo 1.102c do CPC dispor que se houver embargos o procedimento passará para o rito ordinário, igualmente, não pode ser colocado como empecilho ao cabimento da monitória nos Juizados. Mesmo porque o rito sumaríssimo estabelecido pela Lei dos Juizados Especiais não deixa de ser comum (ordinário).
Fundamental amoldar a ação monitória às peculiaridades do Juizado Especiais para que seja amplamente utilizada por aqueles que necessitem.
Atualmente esse pensamento é reforçado pelo fato do novo Estatuto da Microempresa (Lei n. 9.841/99; artigo 38) ter inserido as microempresas no âmbito dos legitimados nos Juizados Especiais, alterando o artigo 8º da Lei n. 9.099/95.
Assim, inegável o benefício trazido aos pequenos comerciantes que podem tentar receber de forma mais eficaz os famosos fiados, sempre representados por vales, ou "caderninho de conta". Esses comprovantes de créditos constituem, inegavelmente, a prova escrita sem eficácia de título executivo do artigo 1.102a e proporcionam a propositura da monitória contra um credor.
As custas, taxas judiciais e honorários advocatícios impostos pelo rito comum do CPC inviabilizavam a tentativa de recebimento de pequenas somas pelos pequenos comerciantes o que, de certa forma, alimentava a inadimplência. Acentue-se, a Lei de Assistência Judiciária aos Necessitados (Lei n. 1060/50) encontra resistência em ser aplicada às pessoas jurídicas.
Não tem sentido impedir o ajuizamento de ações monitórias nos Juizados e permitir ação de cobrança onde tais documentos seriam, certamente, a prova principal, para só depois da sua instrução (com oitiva de testemunhas etc.) e procedência, a parte vencedora intentar outro processo, o de execução, para ver satisfeito seu crédito (sujeito agora aos embargos comuns). Os Juizados seriam onerados duplamente, indo de encontro a ratio lex simples e flexível aludida pela Lei dos Juizados Especiais.
Fatalmente, com a ampliação dos legitimados ativos nos Juizados Especiais, o número de demandas irá aumentar, o que requererá um aprimoramento de seu funcionamento para bem atender os novos jurisdicionados que nela buscaram a satisfação de seus interesses. Tudo parte da saudável evolução do Poder Judiciário e do direito propriamente.
Pelo que foi proposto e apresentado, entendemos ser cabível a ação monitória nos Juizados Especiais Civis, sendo que se coloca, ainda, diante das alterações proporcionadas pelo novo Estatuto da Microempresa como solução palatável que, ressalte-se, não encontra argumento contrário eficaz a impedir seu processamento nos Juizados Especiais Civis."