Vivenciamos não uma nova teorização da tripartição do poder, mas uma devida revisão da base teórica de que se lançou mão para consolidar a “repartição” do poder nas democracias modernas. O equívoco surge de indevida leitura da teoria de Montesquieu, a quem se atribui magistério que, aceita a independência e harmonia dos poderes com de sua autoria, propugnaria pelo enfraquecimetno do poder da monarquia absoluta francesa vigente ao tempo do pensador. Muito contrariamente, a obra do barão teve ampla aceitação em toda a Europa de então justamente por fortalecer o poder real.
Defendia ser a monarquia moderada - em bases constitucionais e em estrita cooperação com a nobreza e a burguesia - o melhor regime entre todos porque, estando a aristocracia na condução dos assuntos públicos e da nação pela, estariam assegurados os interesses do povo, pois detinha - a aristocracia - melhor preparação/capacitação para isso. Charles-Louis de Sècondat considerava nefasta aos interesses nacionais a fragmentação dos interesses da aristocracia, que, pulverizada, não podia resistir às pressões da alta nobreza de um lado e da burguesia de outro. A perfeita sinergia entre nobreza/burguesia dava suporte do poder do rei.
Não se pode desautorizadamente asseverar que tenha proposto a divisão do poder e menos ainda a teoria dos freios e contrapesos, por sua vez desenvolvida pelos norte-americanos na sua primeira Constituição republicana. Não havia poder judiciário ou poder legislativo na teoria de Montesquieu. Havia sim nobreza/aristocracia, a quem pertencia e defendia, e a burguesia ascendente. Os estamentos não eram incomunicáveis. Assim a burguesia acedia à baixa nobreza. Já a alta nobreza procurava se manter pura. A aristocracia compunha-se de elementos de um e de outro estamento.
A magistratura não constituía poder independente e harmônico com nenhum outro senão sua vinculação e absoluta subordinação ao poder real. A magistratura era um título hereditário privativo de nobres, tanto burgueses quanto de sangue – alta nobreza.
O poder era uno e indivisível enfeixado nas mãos do monarca constitucional. Charles-Louis de Sècondat, aliás, herdou os títulos de barão e de magistrado. Consta que desistiu da magistratura por não poder aplicar nas decisões que tomava a Justiça que em filosofia defendia. Acometido de irremediável desencanto com a função de juiz na França de então e às limitações do Judiciário da sua época, desistiu da magistratura e dedicou-se ao estudo da política. Note-se o equívoco e a falácia da independência do magistrado fundada na teoria montesquiana. Nesse ponto, todavia prevê o privilégio de foro para o juiz, que no entender do pensador, não deveria ser julgado por magistrado de origem popular - da baixa nobreza, oriunda da burguesia. Evidenciava-se a intenção de assegurar privilégio à aristocracia, a despeito de não oferecer contrapartida compatível com a harmonia dos poderes hoje reivindicada. Montesquieu advogava a moderação do poder do monarca a fim de prevenir o enfraquecimento da aristocracia, acossada pelo absolutismo real de um lado e pelo poder econômico da próspera burguesia européia de outro. O mestre antevia a ruína de um sistema político-social propício e benéfico à aristocracia e reagia contra o rumo que a história lha vinha impondo. Essas mudanças estruturais que se prenunciavam, tamanha a força social, política e econômica que a impulsionava que, décadas depois materializaram-se na Revolução Francesa. Em conclusão, hoje se faz revista dos ensinamentos do pai do direito das gentes para, acertadamente, concluir que Montesquieu propugnava pela moderação do poder real em bases constitucionais, na medida em que todo sistema devia ser regido por leis. Sendo a lei a base de toda organização também a sociedade deveria ter seu regramento. Como esse regramento interno era decisivo nas relações com outros povos, deveria haver uma lei superior às demais que se prestasse à dupla finalidade. O sistema constitucional/legal vigente deveria preocupar-se com os interesses aristocráticos. Dessa mesma necessidade de fortalecer a aristocracia – nobiliárquica em sua essência, resultava a convicção de que a monarquia era superior aos demais regimes. Esse fortalecimento viria da perfeita harmonização dos interesses dos estamentos sociais influentes nos rumos da sociedade, e não de poderes como hoje entendemos, executivo, legislativo e judiciário. Montesquieu foi contemporâneo e teorizou sobre a monarquia absolutista que se fortalecia e se consolidava no Estado Moderno. Embora tenha sistematizado as teorias existentes desde Platão, não propôs novas fórmulas políticas ou sociais. Em apertada síntese, retrata a política de seu tempo no mundo europeu, cujos institutos, estrutura e funcionamento relata de maneira apaixonada e parcial. Não obstante o imenso valor de sua obra para a posteridade, foi mais observador do que cientista nesse aspecto. Dizia que quando viaja a estudo, o homem abre a mente porque se desprende dos preconceitos de seu país de origem ao mesmo tempo em que se recusa a assimilar os do país estrangeiro. Registrou a evolução do modelo inglês frente ao francês e admirava as teorias de Locke sobre o tema, que precediam em quase um século às dele próprias. Por isso inspirou-se em Locke e no sistema parlamentar britânico. Dessa predileção pelo estudo da cultura política internacional, resultaram os fundamentos do direito internacional moderno, ramo do direito de que é considerado pai, tamanha sua contribuição para o estudo não só do direito, como de outros ramos das ciências sociais.