Direito Imobiliario - As multas no contrato de locação
1 - São "três" os tipos de multa mais encontradiços nos contratos de locação, quais sejam:
a) "multa por devolução antecipada do imóvel, durante o prazo estipulado para a duração do contrato", prevista na segunda parte do art. 4º da Lei nº 8.245/91;
b) "multa por prática de infração de obrigação legal ou contratual", decorrente do disposto no "inciso II do art. 9º da Lei nº 8.245/91;
c) "multa em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos", consoante disposto no inciso III do art. 9°, combinado com o disposto na alínea "b", do inciso II do art. 62 da Lei n° 8.245/91.
a)"multa devolução antecipada imóvel"
2 - Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado, diz, expressamente, a primeira parte do art. 4º da Lei nº 8.245/91.
Essa regra deixou de lado o que dispunha o "parágrafo único do art. 1.193" do Cód. Civ. Bras., segundo o qual "Havendo prazo estipulado à duração do contrato, antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao locatário as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê?la ao locador, senão pagando o aluguel pelo tempo que faltar".
No regime do Código Civil o locador podia reaver o imóvel locado, desde que ressarcisse as perdas e danos que o locatário viesse a sofrer.
Já o locatário podia devolver o imóvel pagando a totalidade do aluguel vincendo.
Agora, não mais pode o locador reaver o imóvel locado durante o prazo estipulado para a duração do contrato, "nem mesmo pagando as perdas e danos sofridas pelo locatário."
3 - O locatário, todavia, "poderá devolver o imóvel locado, ainda que no curso do prazo determinado, pagando, no entanto, a multa pactuada, segundo a proporção prevista no art. 924 do Código Civil e, na sua falta, a que for judicialmente estipulada."
4 - Antes do mais, é necessário acentuar?se que essa multa por devolução do imóvel, antes do término do prazo convencionado, nada tem a ver com aquela multa, tradicionalmente constante dos contratos locatícios, por infração contratual, usualmente no valor de três meses de aluguel, uma vez que quem exercita um direito não comete infração contratual.
Por isso, "os contratos locatícios deverão conter, expressamente, o valor da multa para a devolução antecipada do imóvel locado", separadamente da outra multa por infração contratual.
5 - Alguns juristas, dentre eles o "Dr. Manuel da Silveira Maia", Presidente da "ABADI", sustentam que, como o "art. 924" do Cód. Civ. Bras. dispõe que "quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento", o locatário seria devedor da totalidade dos alugueres devidos pelo "restante do prazo contratual a ser cumprido", já que, de acordo com esse dispositivo, o juiz "poderá", ou não, reduzir a multa estipulada.
6 - Entendemos de modo diverso: a "uma" porque a lei quer que seja efetuada a redução da multa de modo proporcional, já que quis se referir, tão somente, ao disposto na "primeira parte do art. 924 do Cód. Civ.", no que diz respeito ao "cumprimento em parte da obrigação"; a "duas" porque a lei do inquilinato guarda "regras próprias", tanto materiais quanto processuais, não incidindo quaisquer normas do Cód. Civ. Bras., salvo naquilo que, ela lei do inquilinato, for "omissa", a teor do que dispõe o "art. 79 da Lei nº 8.245/91"; a "três" porque a "segunda parte" do referido "art. 924" refere?se à redução proporcional da pena estipulada para o "caso de mora", ou de "inadimplemento", e, repete?se, diferentemente do regime que vigia sob o pálio do Código Civil, o locatário "tem o direito" de devolver o imóvel locado, durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não se tratando, pois, de hipóteses de "mora" ou de "inadimplemento", mas de exercício de um direito, e quem exerce direito, na forma prevista em lei, por óbvio, não está incurso em mora e nem é inadimplente.
Ademais, a pensar?se de modo diferente, ficaria sem qualquer prestabilidade a disposição da "segunda parte do art. 4º", da Lei nº 8.245/91, daí estar entendendo, acertadamente, a jurisprudência que "não vale a estipulação contratual de que a multa será sempre paga integralmente, qualquer que seja o tempo decorrido (JTA 129/352, Lex?JTA 148/213)".
7 - Desse modo, acreditamos que os contratos locatícios, no que diz respeito à multa por resilição antecipada, deva possuir, mais ou menos, a seguinte redação:
" DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL
Na hipótese de o imóvel objeto da presente locação vir a ser devolvido pelo locatário, durante o prazo estipulado para a duração do contrato, qualquer que seja o motivo da devolução - salvo se decorrente de transferência pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviço em outra localidade diversa daquela do início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência - sujeitar?se?á, ele locatário, ao pagamento da "multa" calculada sobre o valor do aluguel e os acessórios da locação devidos no mês da desocupação, considerando?se a "proporcionalidade" entre o tempo decorrido e o faltante para o término do prazo estipulado neste instrumento, consoante a seguinte regra:
a) valor do aluguel, mais acessórios vigentes no mês da devolução;
b) quantidade de meses faltantes para o término do prazo contratual;
c) percentual da quantidade de meses faltantes em relação à quantidade total dos meses do prazo estipulado no contrato:
multa = a x b x c."
8 - Tome?se, como exemplo, caso hipotético, com os seguintes dados numéricos, para determinar?se o valor da multa:
- prazo contratual = "30 meses", com início no dia 1º de julho de 1995 para terminar em 31 de dezembro de 1997;
- dia da devolução antecipada = "31 de março de 1996";
- valor do aluguel de R$ 650,00, mais encargos de R$ 250,00, vigentes no mês da devolução antecipada = "R$ 900,00";
- quantidade de meses faltantes do prazo contratual = "21 meses";
- percentual do número de meses faltantes em relação ao número total de meses do contrato = 70%, encontrado mediante a aplicação da seguinte "regra de três":
30 meses - 100%
9 meses - X, X = 9m X 100%/30m = 30%, 100% ? 30% = "70%" "multa = R$ 900,00 X 21 meses X 70% = R$ 13.230,00"
9 - Cremos que se presente, expressamente, no contrato locatício cláusula reguladora da multa para a hipótese de devolução antecipada da locação, mediante regra clara, precisa e posta na conformidade da lei, nenhuma discussão haverá entre locador e locatário por ocasião do evento, evitando?se, pois, indesejáveis questiúnculas.
10 - Fechando este módulo, sobre a aplicabilidade de multa por devolução antecipada do imóvel, relembre?se que o locatário ficará dispensado do pagamento dessa multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviço em localidades diversas daquela do início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência, conforme disposto no "parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.245/91."
Essa dispensa de pagamento de multa tem como público alvo o locatário "residencial e o não residencial" exclusivamente prestador de serviço a um empregador, privado ou público, sendo, pois, "inaplicável aos demais casos de locações não residenciais, comerciais, industriais e sociedades civis", uma vez que, obviamente, tais locatários não possuem "empregador".
b) "multa prática infração legal contratual"
11 - "O inciso II, do art. 9º", da Lei nº 8.245/91, prevê que a locação poderá ser "desfeita" em decorrência da prática de infração legal ou contratual.
12 - Em conseqüência, de um modo geral, os contratos locatícios estipulam multa pela infração de obrigação legal, ou infração à lei, assim como pelo descumprimento de regras contratuais, multa essa, geralmente, pactuada no importe correspondente a três meses do valor do aluguel.
Nenhum óbice legal há nessa estipulação.
É livre a sua fixação e o seu importe, podendo ser de qualquer valor e para qualquer tipo de infração legal ou contratual.
13 - Todavia, não poderá incidir essa multa na "ocorrência da falta de pagamento de aluguel no prazo pactuado", porque, embora constitua o primeiro dever do locatário pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação (art. 23, inciso I, da Lei nº 8.245/91) o locatário tem o direito de evitar a rescisão da locação, purgando a sua mora locatícia, acrescida da "multa específica para essa hipótese", prevista no contrato locatício, mais juros da mora e honorários advocatícios, daí ser comum deparar?se com cláusula contratual com a seguinte redação: "sem prejuízo do desfazimento da locação, a parte que infringir obrigação legal ou contratual relativa a locação, ficará sujeita à multa penal de importância equivalente a 3 (três) vezes o valor do aluguel vigente a época da infração, sendo certo que tal multa não exonera o locatário de devolver o imóvel nas condições estabelecidas neste contrato."
c) "multa falta pagamento aluguel acessórios"
14 - No que se refere à falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, a lei prevê a hipótese do locatário poder evitar a rescisão da locação, desde que requeira, "no prazo da contestação, autorização para o pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial, incluídos: a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis" (art. 62, inciso II, alíneas "a" e "b").
15 - Quanto ao "percentual", da multa incidente na falta de pagamento de aluguel, "não poderá ele ultrapassar de 10% (dez por cento)", pelo que é contrário à lei percentual superior a esse limite.
Isto porque desde a edição do "Decreto nº 22.626, de 7 abr. 1933, vigente até os dias atuais no ordenamento jurídico brasileiro, porque até a presente data não revogado por lei posterior que expressamente o declarasse, ou fosse com ele incompatível, ou que regulasse inteiramente a matéria de que trata o mencionado "Decreto nº 22.626/33", conforme comando incerto no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto?Lei n° 4.657, de 04.09.42) , está disposto que:
"Art. 9º - Não e válida a cláusula penal superior à importância de 10% do valor da dívida."
16 - Ademais, a relação de locação é regulada por lei especial, a qual permite sejam cobradas do locatário "as multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis", consoante disposto no art. 62, II, alínea "b", da Lei nº 8.245/91, já mencionado.
17 - Conseqüentemente, não tem incidência na relação de locação a multa de 2% estabelecida na Lei nº 9.298/96, porque dirigida a relação de consumo e de prestação de serviços, hipóteses essas inocorrentes entre locador e locatário.
18 - De fato, nunca é demais lembrar?se que o Código de Defesa do Consumidor regula a relação jurídica de consumo e define que o "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º), sendo certo que também define que "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços" (art. 3º).
Pela simples leitura dessas definições legais constata?se que o locador não se enquadra na figura de fornecedor, porque não desenvolve nenhuma das atividades elencadas no apontado art. 3º da Lei nº 8.078/90, e nem o locatário porque não adquire ou utiliza produto ou serviço emanado do locador.
19 - Ademais, a redação do mencionado § 1º dada pela mencionada Lei nº 9.298/96, deverá ser lida em consonância com o disposto no texto do próprio art. 52, onde está regulado que o fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, hipóteses essas que não se verificam entre locador e locatário.
Inexistindo outorga de crédito ou concessão de financiamento entre fornecedor e consumidor, como de fato inexiste nas relações locatícias, por óbvio que é inaplicável a regra do art. 52 e seu § 1º, tenha este qualquer tipo de redação, seja a anterior contendo multa de 10%, seja a nova prevendo multa de 2%.
20 - Conseqüentemente, por força da especialidade da lei reguladora das locações dos imóveis urbanos, a essa relação jurídica de locação não se aplica o teto de 2% na incidência de multas, podendo, ao contrário, serem elas validamente fixadas em até 10% (dez por cento), quando se tratar de locação, conforme no caso em tela.
21 - Por oportuno, parece desnecessário lembrar?se que a "finalidade da multa é estimular o devedor locatício a cumprir a sua obrigação no prazo previsto no contrato", sendo certo que o locador não tem qualquer interesse na existência de retardo no cumprimento do dever por parte do inadimplente, já que o que mais importa é a adimplência da obrigação no prazo, uma vez que ele locador necessita da verba do aluguel para poder arcar com os seus respectivos compromissos financeiros, nos prazos a que está sujeito.
22 - Diante dos antes mencionados textos legais, constata?se serem inteiramente impertinentes as opiniões vistas na mídia, mormente partidas de autoridades ligadas a órgãos de defesa do consumidor, sob os mais pífios argumentos, de que esse novo percentual de 2% passaria a incidir nas relações locatícias, porque, à evidência, está?se diante de relações jurídicas distintas, por isso não cabe, agora, esse entendimento, já que a nova Lei nº 9.298/96 apenas estabeleceu outro percentual para as mesmíssimas situações antes já reguladas pelo art. 52 da Lei nº 8.078/90, não modificado pela nova Lei nº 9.298/96.
Por Geraldo Beire Simões Advogado
Fonte:http://www.advocaciaassociada.com.br/informacoes.asp?IdSiteAdv=2803&action=exibir&idinfo=1965