Trata-se de contravenção penal de Perturbação do Trabalho ou do Sossego Alheio (art. 42 da LCP).
Registre o BO na Delegacia. Você também pode optar por levar a "notitia criminis" (relatório escrito dos fatos: horários, nome e endereço dos envolvidos e solicitação das providências legais).
Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – PROVOCANDO OU NÃO PROCURANDO IMPEDIR BARULHO PRODUZIDO POR ANIMAL DE QUE TEM A GUARDA:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
1. (Obs.: Esta peça retrata um caso concreto e tanto o autor da contravenção quanto os Policiais que se omitiram em atender a ocorrência estão respondendo criminalmente, porquanto o Promotor requisitou a instauração de Inquérito Policial Militar para responsabilizar criminalmente os Policiais Militares, bem como requisitou também a apuração do aspecto disciplinar do fato, assim como também requisitou ao Delegado de Policia que se procedesse para responsabilizar criminalmente o contraventor, o qual agora tem medo até de tossir alto e incomodar os vizinhos – eu estava cedendo o modelo por e-mail, entretanto, devido ao grande número de solicitações, ficou inviável atender a todos, o que me levou a postar a peça na íntegra)
Quem não luta pelo direito que tem, não é digno dele!
“O único medo que devemos ter é o medo de ter medo!”
Abraços!
Francisco Florisval Freire
P.S
Certamente a peça ficará desconfigurada após a postagem, razão pela qual destacarei as citações com mais espaços a fim de facilitar a reconfiguração (as citações devem ficar em itálico e devidamente recuadas).
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROMOTOR DE JUSTIÇA DA____VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPO GRANDE/MS
Eu, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, brasileiro, casado, xxxxxxxxxxxxx, portador do Registro Geral (RG) xxxxxxxxx SSP/MS, do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) xxxxxxxxxx, filho de xxxxxxxxxxx e de xxxxxxxxxxxx, residente na Rua xxxxxxxx, nº xx, Vila xxxxxxx, Campo Grande/MS, CEP 79110-200, telefones xxxxxxxxxxxx, xxxxxxxx e (xx) xxxxxxxxxxxx, venho, por esta e na melhor forma de direito, à augusta presença de Vossa Excelência, apresentar
NOTITIA CRIMINIS
e requerer que se adote as medidas legais pertinentes para promover a apuração do fato com a conseqüente responsabilização criminal dos autores, especialmente a responsabilização criminal e disciplinar dos policiais militares que se omitiram e deixaram de atender à ocorrência, consoante fundamentos fáticos e jurídicos infra-expostos:
DOS FATOS:
Por volta 22 (vinte e duas horas) do dia 1º (primeiro) de novembro do corrente ano os moradores da residência situada na Rua Cel. Miquelino Barbosa, nº 38, Vila Sobrinho, também conhecida por Vila Santa Rita, Campo Grande/MS, CEP 79110-200, passaram a promover perturbação do sossego abusando de instrumentos sonoros (Art. 42, III, LCP – música mecânica), quando os moradores à sua esquerda, quais sejam, os da casa de nº 28, parede-meia com a de nº 38, como numa espécie de revide, passaram também a perturbar o sossego utilizando-se do mesmo meio, gerando assim poluição sonora que atingiu níveis insuportáveis e prolongou-se até por volta das 1h 15min da manhã do dia seguinte.
Ante aquela situação de flagrância de Infração de Menor Potencial Ofensivo (IMPO), mais especificamente infração ao art. 42, III, da LCP (Lei das Contravenções Penais), ligamos (eu, meus familiares e alguns outros vizinhos) para o telefone de emergência 190 (Polícia Militar), consoante algumas gravações que seguem em CD anexo, solicitando a presença da Policia Militar para promover a prisão dos infratores.
Num primeiro momento, por volta 23 horas, o atendente informou que logo estaria aparecendo uma viatura no local para solucionar o problema, entretanto o fato é que tal viatura não apareceu, assim, mister se fez a realização de novas solicitações, todas sem êxito, quando, em determinado momento, o Policial atendente resolveu “abrir o jogo” e admitir que não iria nenhuma viatura ao local, porquanto, segundo ele, a Polícia Militar prioriza ocorrências contra a vida e contra o patrimônio.
Numa visão perfunctória parecem procedentes os argumentos, mas, de uma análise mais profunda emergem dos fatos sutilezas importantes que recomendam a apuração dos seus aspectos penal e disciplinar.
A princípio surge a indagação: será que a Polícia Militar tem como atribuição institucional tutelar apenas os bens jurídicos vida e patrimônio?! Outras indagações decorrem da primeira: será que a objetividade jurídica paz pública é irrelevante para o direito penal?! Há escrito em alguma lei que o patrimônio é mais importante do que o sossego público? Pode a Polícia Militar revogar texto expresso de lei a pretexto de que o bem jurídico tutelado pela norma contravencional é de somenos importância? Como é consabido, as respostas a todas essas indagações são negativas, assim sendo, o fato merece ser apurado sob pena de admitir demasiada discricionariedade à Polícia com grave risco à paz social.
Como bem sabe Vossa Excelência, não pode a Polícia Militar deixar de atender uma ocorrência a pretexto de sua baixa potencialidade ofensiva (IMPO), porquanto não lhe compete fazer esse tipo de julgamento, que, diga-se de passagem, já foi feito pelo legislador, e equivale a revogar texto expresso de lei (art. 42, inciso III da LCP), deixando a sorte da população ao alvedrio da Polícia, o que equivaleria à revogação também do tipo de prevaricação.
A desculpa da Polícia é a de que priorizam as ocorrências relativas a agressões a bens jurídicos mais relevantes, tais como a vida e o patrimônio, mas não bastam alegações genéricas nesse sentido; mister se faz demonstrar que nos interregnos ora mencionados todas as viaturas de serviço estavam envolvidas com ocorrências do tipo, para tanto, mister se faz a apuração do fato, sob pena de se consagrar o arbítrio desprezando fatos importantes tipificados na lei penal (seria muito poder na mão da polícia, que atenderia somente as ocorrências que mais lhe aprouvesse).
Minha indignação tem certa razão de existir: trabalhei mais de 20 (vinte) anos como Policial Militar do Estado de Mato Grosso (PMMT), e lá promovi centenas, talvez milhares de prisões por conta de conduta dessa natureza. Testemunhei a instauração de vários procedimentos administrativos que redundaram em punições disciplinares pelo fato de alguns Policias deixarem de atender ocorrência desse tipo; e agora, quando pleiteio meu direito sagrado ao sossego noturno para poder laborar e estudar no dia seguinte, dizem-me que o bem jurídico sossego público é irrelevante, que devo procurar a delegacia no dia seguinte. Parece-me absurdo ter de suportar, juntamente com minha família, uma noite inteira de tortura porque a Polícia julga o sossego público coisa de somenos importância. Teríamos de suportar a noite inteira de tortura, talvez todo o feriadão, para somente no dia útil seguinte procurar a delegacia a fim de registrar a “notitia criminis”. O bom-senso diz que seria milhões de vezes mais razoável exigir esse comportamento de eventual vitima de furto, por exemplo, visto que o bem jurídico patrimônio já estaria lesado, às vezes de forma irreversível, pois dificilmente a Polícia Militar logra êxito em prender o autor do fato, enquanto a perturbação estaria se protraindo no tempo com grave prejuízo para a paz pública.
Como a polícia não quis atender a ocorrência, após várias horas de tortura ouvindo barulho insuportável, meu filho deu um ultimato ao contraventor avisando-o que eu iria prendê-lo em flagrante se ele não cessasse imediatamente a sua conduta contravencional. O contraventor acabou acatando o pedido, mas, no dia 04-11-2007, domingo, por volta das 17 horas o mesmo contraventor voltou a desafiar a vizinhança obrigando todos a ouvir seu barulho insuportável. Liguei novamente para a Polícia Militar, desta feita disseram que não precisava ligar mais, porquanto já havia várias reclamações relativas ao mesmo endereço e que já estavam indo ao local “ORIENTAR” o infrator, mas ficou só na conversa, porque não apareceu nenhuma viatura no local.
Como se vê, a Polícia está completamente perdida: em vez de cumprir com o dever legal que deflui do art. 301 (flagrante compulsório), disse que iria apenas orientar o contraventor. Ressalte-se que não cabe à Policia conceder o “perdão policial” ao contraventor desprezando a angustia suportada pelos moradores vítimas da perturbação. Trata-se de hipótese de flagrante obrigatório, é dizer, a Polícia, em hipóteses que tais, tem o dever legal de agir, sob pena de prevaricar, nada obstante, sequer a orientação mencionada foi realizada, visto que a Polícia novamente não apareceu no local.
É consabido que, em regra, as ocorrências relativas aos bens jurídicos vida e patrimônio são atribuições afetas mais à Polícia Civil do que à Polícia Militar, pois aquela Polícia age, em regra, depois do crime (policiamento investigativo e repressivo), e esta, em regra, age antes do crime (policiamento ostensivo – preventivo), embora também aja repressivamente; assim, há que se apurar e esclarecer os fatos, ou seja, recomenda-se que Vossa Excelência, invocando o exercício legítimo de controle externo da atividade policial (art. 127, § 5º, inciso VII, CF), oficie ao Comando da Polícia Militar a fim de requisitar cópias das ocorrências atendidas no interregno das 23h do dia 1º às 1h da madrugada do dia 2 de novembro de 2007, bem como as ocorrências atendidas das 18 às 22 horas do dia 04 de novembro de 2007 a fim de verificar se estão realmente priorizando ocorrências ou se estão cometendo crimes de prevaricação (há notícias de que o morador contraventor – morador novo no bairro – é Policial Militar. Talvez seja por isso que deixaram de atender a ocorrência).
É razoável sustentar que ao atender uma ocorrência de Perturbação do Sossego Alheio, em detrimento de uma ocorrência de furto, por exemplo, a Polícia Militar estará mais eficazmente protegendo a sociedade, é dizer, estará, via reflexa, priorizando o bem jurídico vida, porquanto, ante a uma agressão sonora (art. 42, III, da LCP) e a recusa da Polícia Militar em atender à ocorrência com a conseqüente prisão do autor do fato (flagrante compulsório), consoante a segunda parte do art. 301 do CP, outra saída não há às vítimas senão buscar a auto-tutela legal promovendo o flagrante facultativo a que se refere a primeira parte do mesmo dispositivo legal.
Abandonados pelo Estado (a Polícia Militar não quer atender esse tipo de ocorrência) a vizinhança prejudicada esta se mobilizando para prender o infrator em flagrante assim que ele ousar desafiar o sossego público (art. 43, inciso III da LCP), caso não seja tomada uma providência urgente com a responsabilização criminal do autor do fato.
Ressalte-se que a alegação da Polícia Militar não tem base legal, especialmente porque, pela sua própria característica ostensiva, dificilmente lograria êxito em prender o autor do furto, protegendo eficazmente o bem jurídico patrimônio, mas, atendendo à ocorrência de Perturbação do Sossego Alheio, certamente evitaria o conflito entre o contraventor e as vítimas, hipótese potencialmente ofensiva ao bem jurídico vida ou ao bem jurídico integridade física, porquanto esse tipo de contraventor geralmente se encontra embriagado (ou drogado) e com estado de ânimo exaltado, o que o impede de entender o caráter lícito da prisão (flagrante facultativo) realizada por qualquer do povo, especialmente porque, em hipóteses que tais, geralmente se faz necessário o adentramento em casa alheia para a efetivação da prisão.
Ressalte-se ainda que é tarefa árdua até mesmo para os juristas compreender as sutilezas da prisão em flagrante, quanto mais para um leigo, que geralmente se encontra embriagado (ou drogado) cometendo a contravenção de Perturbação do Sossego Alheio; mesmo porque quase todos os brasileiros se acham juristas e técnicos de futebol, é dizer, é comum testemunhar brasileiro que nunca sequer chutou uma bola criticando o técnico da seleção brasileira, indicando quais os jogadores deveriam ser escalados, assim como também é comum testemunhar brasileiro metido a advogado que, em notória situação de flagrância, desafia policiais exigindo mandado de prisão à noite, alegando que a polícia só pode adentrar em sua residência, à noite, com ordem judicial, sem se aperceber que se encontra em situação de flagrância e que mandados judiciais só podem ser cumpridos durante o dia.
Outras sutilizas decorrentes do flagrante afetam até mesmo policiais “experientes”, os quais não conseguem discernir os momentos do flagrante (captura, lavratura do auto respectivo e recolhimento ao cárcere) e acreditam que não podem adentrar em casa alheia à noite ante a um flagrante de IMPO, visto que a esse tipo de infração penal “não se imporá prisão em flagrante” (parágrafo único do art. 69 da lei 9.099/95), mas se esquecem que o primeiro momento do flagrante (captura) é hipótese de legitima defesa social, podendo ser executado por qualquer do povo e devendo ser executado por policiais, esses sob pena do cometimento de crime (prevaricação, crime comissivo por omissão etc.). Como diz o eminente doutrinador Luís Flávio Gomes: “Não se pode deixar perpetuar uma situação de ilicitude, ou seja, no primeiro momento da prisão até mesmo as pessoas que gozam de imunidades podem ser capturadas, mesmo porque a imunidade e relativamente à prisão, não ao crime, é dizer, não serão autuados em flagrante, mas responderão pelo crime, e, para que seja possível responsabilizá-lo, mister se faz capturá-lo e conduzi-lo à presença da autoridade policial, a fim de identificá-lo e poder responsabilizá-lo, senão vejamos a lição desse eminente doutrinador:
Obs.: continuação da peça “notitia criminis”, parte das citações (deve fica em itálico e recuado – não se esqueça de deletar as observações).
“4.17 Da imunidade prisional (freedom from arrest)
Nos termos do art. 53, § 2º, da CF, “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Neste caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo foto da maioria dos seus membros, resolva sobre a prisão”.
A imunidade prisional consiste, como se vê, na impossibilidade de o parlamentar ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável. Pode-se falar ainda na incoercibilidade pessoal do parlamentar (freedom from arrest) (STF, Pleno, Inq. 510-DF, Celso de Melo, DJU de 19.04.1991, p. 4.581).
Crimes afiançáveis
Primeira regra que se infere do texto constitucional: em crimes afiançáveis jamais o parlamentar pode ser preso.
Mas isso não pode significar que contra ele, colhido em flagrante (agredindo alguém, fazendo contrabando etc.), nada possa ser feito. Não se pode deixar perpetuar uma situação de ilicitude.
A prisão em flagrante, como sabemos, apresenta três momentos: a) captura, b) lavratura do auto de prisão em flagrante e c) recolhimento ao cárcere.
O parlamentar, em crime afiançável não alcançado obviamente pela inviolabilidade penal, desde que surpreendido em flagrante, será capturado, leia-se, interrompido em sua atividade ilícita, até porque não se pode conceber que uma atividade ofensiva a bens jurídicos tutelados pelo Direito penal perdure no tempo, quando é possível interditá-la.
Interrompe-se sua atividade ilícita (numa espécie de captura), mas não será lavrado o auto de prisão em flagrante e tampouco será recolhido ao cárcere. Recorde-se: em crimes afiançáveis o parlamentar não pode ser preso. Depois de tomadas todas as providências legais, será ele dispensado (e não há que se falar aqui em liberdade provisória).” (grifei)
(GOMES, Luiz Flávio, Juizados Criminais Federais, Seus Reflexos nos Juizados Estaduais e Outros Estudos – São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp 105/106.)
(Obs.: continuação da peça “notitia criminis”, outro parágrafo, não é citação, portanto, não deve ficar em itálico tampouco recuado – não se esqueça de deletar as observações).
Entendo temerária a postura da Polícia Militar de não atender ocorrências de Perturbação do Sossego Alheio, porquanto se trata de hipótese de flagrante compulsório, é dizer, os policiais militares estão obrigados a prender quem quer que seja apanhado em flagrante delito (art. 301 do CPP), sob pena de serem responsabilizados criminalmente, pois ganham exatamente para isso. Ademais, compete ao legislador selecionar os bens jurídicos mais relevantes para o direito penal, não à Polícia, e o bem jurídico sossego público é um dos de mais alta relevância, não podendo a Polícia conceder o “perdão policial” em detrimento do sossego público, porquanto esse perdão policial tem nomem juris, qual seja, prevaricação, senão vejamos como se posiciona a doutrina e a jurisprudência a respeito do tema:
Obs.: continuação da peça “notitia criminis”, parte das citações (deve fica em itálico e recuado – não se esqueça de deletar as observações).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR POLUIÇÃO SONORA - CABIMENTO E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - Fernando Célio de Brito Nogueira
(Publicada na RJ nº 239 - SET/1997, pág. 21)
Fernando Célio de Brito Nogueira
5º Promotor de Justiça e Curador do
Meio Ambiente de Barretos-SP
Nota: Inserido conforme originais remetidos pelo autor.
A ação civil pública, instrumento destinado à defesa da cidadania, tem sido um dos mais importantes e eficazes mecanismos de proteção do meio ambiente, do patrimônio público, histórico, artístico, turístico, paisagístico e do consumidor.
Alguns operadores do direito, contudo, não têm visto a ação civil pública intentada pelo MP em virtude da poluição sonora como mecanismo de defesa do meio ambiente. Assim, algumas decisões têm dado pela ilegitimidade do MP, sustentando que a hipótese é de direito de vizinhança, interesses individuais, não de interesses difusos que possam ser defendidos por meio da ação civil pública.
Equivocado, a nosso ver, referido entendimento.
Vejamos:
A poluição sonora não pode ser entendida como fenômeno dissociado das agressões ao meio ambiente. Pelos inconvenientes que ocasiona, trata-se, sem nenhuma dúvida, de fator de degradação da qualidade de vida das populações, inclusive por força da industrialização e das inovações incessantes da vida moderna.
Perfeitamente aplicáveis, então, as conceituações de poluição e poluidor contidas na lei:
A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelece em seu art. 3º, III, que se entende por poluição "a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) Prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população..."
No mesmo artigo, em seu inciso IV, define como poluidor "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental".
Meio ambiente não abrange somente as florestas, os rios, os mares, o ar. Meio ambiente é nosso habitat, a casa em que moramos, o bairro, a cidade em que vivemos. Trata-se de conceito de grande amplitude, que não pode e nem deve ser restringido, dado seu enorme e real alcance.
Se a poluição sonora agride o meio ambiente e as populações a ela sujeitas, não há como negar, então, o cabimento e adequação da ação civil pública nos termos da L. 7.347/85, que prevê dentre as finalidades do instituto a defesa do meio ambiente, enquanto a CF de 1988, que recepcionou aquela lei, no ápice da pirâmide das normas, assegura a todos o direito a um meio ambiente sadio.
É necessário que se assente, também, o que são interesses coletivos e o que são interesses difusos.
Interesses coletivos são aqueles que dizem respeito a grupos de pessoas determináveis e normalmente certas e determinadas, entre as quais existe um liame por força de lei, contrato ou circunstâncias de tempo, lugar, atividade profissional, etc. Exemplos: os condôminos de um edifício; os professores ou alunos de uma dada escola; os operários de uma dada empresa, indivíduos filiados a uma determinada entidade sindical, etc.
Interesses difusos são aqueles que derivam e decorrem dos interesses coletivos em amplitude maior, ou seja, aqueles interesses coletivos que abrangem tantas pessoas, de modo que já não é mais possível identificar este ou aquele indivíduo lesado ou afetado pelo alcance dos efeitos que se tenha em vista. Existe aqui, como nota marcante, a indeterminação dos sujeitos. Exemplos: o direito ao ar puro, à preservação das águas, ao meio ambiente sadio e isento da poluição sonora, pela importância do silêncio (ainda que relativo) para o repouso, para o trabalho e mesmo para o lazer. Nota-se que são interesses que dizem respeito a todas as pessoas, indistintamente.
A doutrina pátria é nesse sentido.
Adequada, nesse diapasão, a lição sempre clara de PAULO AFFONSO LEME MACHADO:
"Os direitos, bens e interesses protegidos na L. 7.347/85 dizem respeito, geralmente, a uma pluralidade de pessoas, mas podem beneficiar somente uma pessoa. Os interesses que estão dispersos podem ser coletivos, mas num dado momento podem concentrar-se em uma só pessoa, sem deixarem de ser coletivos.
Tal princípio merece ser assentado para que não se queira arredar da proteção da lei esse tipo de caso. Assim, as instituições que podem ser autoras na ação civil pública não precisam demonstrar que estão defendendo interesse que transcenda uma pessoa. Exemplifiquemos: uma fábrica emite poluentes nocivos ou acima das normas de emissão e os poluentes vão atingir somente um morador; um indivíduo compra um automóvel que traz um defeito de fábrica, defeito este que foi constatado em outros veículos oriundos da mesma empresa. Nesses casos não só a pessoa pode intentar ação privada, como as instituições apontadas no art. 5º podem fazê-lo.
O objeto do interesse difuso "é sempre um bem coletivo, insuscetível de divisão, sendo que a satisfação de um interessado implica necessariamente a satisfação de todos", acentua ADA PELEGRINI GRINOVER, em comunhão com o pensamento de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA. Nos exemplos mencionados, note-se que o prejuízo ou a potencialidade de dano poderia atingir pessoa indeterminada. Na origem dos males, pesquisa-se a possibilidade de serem atingidos os interesses coletivos, isto é, não se deve buscar só o efeito coletivo, mas sua causa, pois a "lesão de um indica a lesão de toda a coletividade" (Ação Civil Pública, RT, 1987, págs. 11 e 12).
O eminente HUGO NIGRO MAZZILLI, ao discorrer sobre o surgimento dos interesses coletivos, uma modalidade intermediária entre o interesse público e o interesse privado, bem situa a distinção que deve ser feita entre interesses coletivos e interesses difusos:
"... Mesmo dentro dessa categoria intermediária, foi possível ir além, estabelecendo-se uma distinção entre os interesses que atingem uma categoria determinada de pessoas (ou, pelo menos, determinável) e os que atingem um grupo indeterminado de indivíduos (ou de difícil determinação). Assim, os condôminos, os sócios, os empregados que acima foram mencionados, todos eles são determinados ou possíveis de determinar, à vista da certidão imobiliária, dos estatutos, dos registros cabíveis. Interesses há, entretanto, embora comuns a toda uma categoria de pessoas, em que não se pode determinar com precisão quais os indivíduos que se encontram concretamente por ele unidos: é o que ocorre com a situação variável dos moradores de uma região, dos consumidores de um produto, dos turistas que freqüentam periodicamente um lugar de veraneio. Nestes casos, convencionou-se chamar estes últimos interesses de difusos, porque, além de transindividuais, dizem respeito a titulares dispersos na coletividade" (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, RT, 1987, pág. 09).
E a poluição sonora, pela sua própria natureza, atinge pessoas certas e determinadas, como também pessoas indeterminadas.
Nessa conjuntura, adequada a lição de nossa doutrina, nas palavras do mestre PAULO AFONSO LEITE MACHADO:
"Como se apontou no conceito de ruído, este é caracterizado por atingir pontos de recepção ao acaso. Assim, vê-se que uma das características da poluição sonora é atingir pessoas várias, que, na maioria das vezes, são indeterminadas" (Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 1996, pág. 497).
EMENTA OFICIAL: Uso nocivo de prédio vizinho. CC art. 552, CPC art. 275, II, j. Cabe aos proprietários de casas noturnas vedar a saída de sons para o exterior de seus estabelecimentos, evitando desta forma, os ruídos excessivos provocados pelos instrumentos sonoros usados, a fim de que não perturbem os vizinhos, resguardando-lhes o direito de repouso, sossego e saúde mental" (1ª C.C. do TARGS, AC 185071792, v. un. em 18.02.1986, rel. Juiz JOÃO AIMORÉ BARROS COSTA, RT 611/211).
"USO NOCIVO DA PROPRIEDADE: Boite. Ruídos. Cominatória Procedente, art. 554 do C. Civil.
EMENTA OFICIAL: Não pode funcionar a boite que produz ruídos superiores ao limite máximo de 45 decibéis (quarenta e cinco)". (6ª C.C. do TJSP, AC 194.165, v. un. em 01.12.1972, rel. TORRES DE CARVALHO, RT 459/63).
"USO NOCIVO DA PROPRIEDADE: Segundo surrado axioma jurídico, a ninguém é lícito lesar os direitos alheios. Por conseguinte, o proprietário não pode usar o seu imóvel de modo nocivo ao direito de seu vizinho". (1ª C.C. do TAMG, AC 4.719, v. un. em 29.08.1973, rel. AMADO HENRIQUES, RT 459/218).
Realce-se, que pouco importa que haja lei que permita o funcionamento de bares e casas noturnas, defesa, que na maioria das vezes é oposta pelos "barulhentos", ou que alguma Lei Municipal autorize a música ao vivo - com concessão de alvará pela Prefeitura Municipal, em manifesto prestigio à cultura do barulho como já dissemos.
E mais: o direito ao repouso e ao sossego não é um simples direito disponível. Demonstração disso é a constatação de que a ação penal por perturbação do sossego, contravenção penal e infração penal de menor potencial ofensivo, sujeita ao tratamento da L. 9.099/95, é pública incondicionada.
Sobre a indisponibilidade do direito à tranqüilidade e ao repouso, oportunas as palavras de VALDIR SZNICK relativamente à objetividade jurídica que o legislador penal pretendeu tutelar ao definir a perturbação do trabalho ou do sossego alheio como contravenção penal:
"Tem-se aqui a repressão à poluição sonora, preocupação muito grande hoje em dia. Protege-se a tranqüilidade, o repouso noturno e a paz. A proteção é à tranqüilidade, que é necessária ao repouso e ao trabalho. Ambos - repouso e trabalho - são o esteio da humanidade...
Mesmo em exercício de atividade legítima não se tem o direito de prejudicar o repouso ou trabalho dos demais. Antigamente os ruídos eram pequenos e raros: o chiado do carro de boi ou o chapinhar dos cavalos que conduziam as carruagens e caleças, o trotar de animais carregando mercadorias. Ouvia-se até o ciciar do vento na copa das árvores, o chilrear dos passarinhos. Com o progresso, tudo isso ficou nas lembranças.
O ruído provoca uma diminuição da potencialidade do indivíduo, dispersando a sua atenção, impedindo a concentração, e chegando a ser incômodo à própria saúde: aos nervos, abalando-os, causando irritabilidade e provocando, em grau mais intenso, perturbações mentais..." (Contravenções Penais, EUD, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., 1987, págs. 244 e 248).
E o legislador foi sábio e enxergou longe. Atento a todos esses dados, fez com que a ação penal em tais infrações seja pública incondicionada. Não reviu essa situação de publicidade incondicional da ação penal nem mesmo quando da edição da L. 9.099/95, que dispõe sobre os juizados especiais criminais e define as infrações penais de menor potencial ofensivo, abrangendo inclusive as contravenções penais, dentre elas a perturbação do trabalho ou sossego alheios.
A publicidade da ação penal guarda direta relação com a importância e indisponibilidade do bem jurídico protegido. Precisa, nesse sentido, a lição de DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS:
"Certas objetividades jurídicas são de tal importância para o Estado que ele reserva a si a iniciativa do procedimento policial e da ação penal. São as hipóteses de crimes de ação penal pública...
Conforme o caso, a conduta do sujeito lesa um interesse jurídico de tal importância que a ação penal deve ser iniciada sem a manifestação de vontade de qualquer pessoa... Nestes casos, a titularidade da ação penal pertence ao Estado" (Direito Penal, 1º vol., Saraiva, 1986, pág. 574).
Por fim, não podemos nos esquecer de que o direito de propriedade há de ser exercido dentro de limites determinados, atendida a função social da propriedade. Fala-se, modernamente, noutra função da propriedade: a função ambiental. Dessa função, existente de há muito e só agora expressamente reconhecida e anunciada, decorre para o detentor do direito de propriedade a obrigação de fazer com que seu domínio não se converta em fonte geradora de poluição de nenhuma espécie.
Oportuno, nesse sentido, recente artigo do magistrado ANTONIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS concluindo que "... atualmente o direito de propriedade não é absoluto, devendo assim o proprietário utilizar sua propriedade de forma a atender os fins sociais, não prejudicando terceiros, bem como não produzindo nenhuma ação