Fatos em que me manifestei alhures nesse fórum, defendendo alteração no referido artigo, eis que trata diferente companheira e esposa, VIA DE REGRA frente ao caso concreto filio-me ao entendimento da desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, MARIA BERENICE DIAS , vejamos o provimento do Agravo de Instrumento nº 70020389284, Comarca de Uruguaiana: "NÃO CONHECERAM DA PRELIMINAR, E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."
Relator DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. ABERTURA DA SUCESSÃO OCORRIDA SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE DA NOVA LEI, NOS TERMOS DO ARTIGO 1.787. HABILITAÇÃO EM AUTOS DE IRMÃO DA FALECIDA. CASO CONCRETO, EM QUE MERECE AFASTADA A SUCESSÃO DO IRMÃO, NÃO INCIDINDO A REGRA PREVISTA NO 1.790, III, DO CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE COMPANHEIRO E CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a mesma proteção legal, em observância ao princípio da eqüidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. Ademais, a própria Constituição Federal não confere tratamento iníquo aos cônjuges e companheiros, tampouco o faziam as Leis que regulamentavam a união estável antes do advento do novo Código Civil, não podendo, assim, prevalecer a interpretação literal do artigo em questão, sob pena de se incorrer na odiosa diferenciação, deixando ao desamparo a família constituída pela união estável, e conferindo proteção legal privilegiada à família constituída de acordo com as formalidades da lei.
A discriminação é inaceitável frente à isonomia entre união estável e o casamento, a qual é assegurada pelo já citado art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988. Quiçá nem fosse necessária disposição expressa em razão da isonomia já traçada pelo art. 5º, caput da Carta Magna, senão vejamos:
“Art. 5º. Todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, (...).”
Não há que se olvidar também que o artigo em estudo ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, também inscrito em nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, III.
O art. 1.790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos em que são idênticas, que são os vínculos de afeto, solidariedade e respeito, vínculos norteadores da sucessão legítima.
Ante a inconstitucionalidade do art. 1.790, a sucessão do companheiro deve observar a mesma disciplina da sucessão legítima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações, de modo que o companheiro, na concorrência com descendentes, herda nos bens particulares, não nos quais tem meação.
O companheiro sobrevivente, não mencionado nos arts. 1.845 e 1.850 do Código Civil, é herdeiro necessário, seja porque não pode ser tratado diferentemente do cônjuge, seja porque, na concorrência com descendentes e ascendentes, herda necessariamente, sendo incongruente que, tornando-se o único herdeiro, possa ficar desprotegido.
Se admitida a constitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, o companheiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança deixada pelo outro, na falta de parentes sucessíveis, conforme o previsto no inciso IV, sem a limitação indicada na cabeça do artigo.
Sensível a esta odiosa discriminação, a Câmara dos Deputados já tem dois projetos de lei que objetivam a supressão da situação. Os projetos são os de n° 276/2007 e o 508/2007.
Observando preferentemente às concepções do direito sucessório do companheiro e do cônjuge, notadamente da forma como foi estabelecida no novo regramento civil, como já dissemos, ressalta visível afronta contra o principio fundamental da dignidade da pessoa humana firmado no art. 1º, da CF/88, bem como contra o direito de igualdade, já que o artigo 226, §3º, do Texto Constitucional deu tratamento igualitário ao instituto da união estável em relação ao casamento.
Vindo, posteriormente, o Código Civil estabelecer desigualdades, criando um arsenal de novos problemas sociais e jurídicos entre as famílias constituídas sob a feição da união estável, deixando de compreender a família de acordo com os movimentos, com a evolução que se estabeleceu ao longo do tempo.
Parece-nos indiscutível, pois, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, devendo ser atribuído ao companheiro sobrevivente o mesmo tratamento dado ao cônjuge supérstite, já que não há argumento aceitável para o tratamento diferenciado.
Ok.