A empreitada: Alicerçada em Roma e suas projeções no direito brasileiro contemporâneo.

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RESUMO

Partindo do conceito de direito romano faz-se um movimento histórico sobre o instituto da “locatio conductio operis faciendi” em Roma e suas projeções sobre o direito brasileiro contemporâneo, notadamente, no Direito Civil. Para atingir esse objetivo se faz uma descrição conceitual de empreitada no direito romano e, em seguida, descreve-se como o contrato de empreitada está positivado no direito pátrio. Observou-se, nessas projeções, alguns conceitos do contrato de empreitada, seus partícipes e suas principais definições. Optou-se por adotar, face à complexidade do tema, a utilização da pesquisa teórica, curta, focada em referências bibliográficas já bem consolidadas na academia.

PALAVRAS-CHAVE: Código civil. Empreitada. Direito romano. Locatio conductio operis faciendi.

1 INTRODUÇÃO

Ab initio, é necessário que se diga que este artigo visa apresentar um estudo expedito sobre o contrato de empreitada no direito romano e a sua consequente projeção no direito brasileiro atual.

Para atingir esse objetivo se faz uma descrição conceitual de empreitada no direito romano e, em seguida, descreve-se como o contrato de empreitada está positivado no direito pátrio.

Antes, será feita uma pequena digressão sobre o conceito de direito trazido por José Critella Júnior (2007, p.17) que diz que em Roma não conhecia a palavra direito. O vocábulo cognato e etimológico deste - directus - era um adjetivo que significava: aquilo que é conforme a linha reta. Cícero, no Denatura deorum, opõe o iter flexuosum ao iter direc tum, ou seja, o caminho sinuoso ao caminho reto. O vocábulo que traduz o nosso atual direito é, em latim, o vocábulo jus. O vocábulo jus pertence à mesma raiz do verbo jubere, ordenar, ou prende-se à mesma raiz do verbo jurare, jurar. Jus é o ordenado, o sagrado, o consagrado. Justo é o que está em harmonia com o Jus. E Justitia é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu. Direito é a arte do meu e do teu. O contrário de justus é injustus. Tudo o que non jure fit é injúria.

E conclui Critella Júnior (2007) afirmando que jus ou direito é o complexo das normas obrigatórias de conduta impostas pelo Estado para assegurar a convivência dos agrupamentos humanos.

Ainda, consoante José Critella Júnior (2007, p.7), em um primeiro sentido, estende-se esse conceito para o direito romano, tendo-o como o conjunto de regras jurídicas que vigoraram no império romano durante cerca de 12 séculos, ou seja, desde a fundação da Cidade, em 753 a.C., até a morte do imperador Justiniano, em 565 depois de Cristo (para outros de 753 a 1453). Num segundo sentido, direito romano “é expressão que designa um ramo apenas daquele direito, isto é, o direito privado romano, com exclusão do direito público, que não atingiu, em Roma, o mesmo grau de desenvolvimento e perfeição que aquele outro ramo, a ponto de haver um romanista afirmado: os romanos foram gigantes no direito privado e pigmeus no direito público”.

Esse autor prossegue afirmando que “essa expressão também é usada para designar as regras jurídicas consubstanciadas, no Corpus Juris Civilis, conjunto ordenado de leis e princípios jurídicos, reduzidos a um corpo único, sistemático, harmônico, mas formado de várias partes, planejado e levado a efeito no VI século de nossa era por ordem do imperador Justiniano, de Constantinopla, monumento jurídico da maior importância, que atravessou os séculos e chegou até nossos dias.”

Dito isso, busca-se, no direito romano, apresentar a conceituação do instituto da empreitada (locatio conductio operis faciendi) que é tido como a modalidade de contrato em que uma pessoa se obriga a produzir uma determinada obra, igualmente contra a retribuição em dinheiro. Embora a doutrina recente rejeite a orientação romanística, por entender que a empreitada não cabe no conceito de locação, seus traços característicos imprimem-lhe a marca de um tipo irredutível à locatio (GOMES, 2009, p.362).

Então, na locatio conductio operis faciendi, uma das partes – o conductor - obriga-se a executar, por si só, ou com o auxílio de outros, determinada obra, ou a prestar certo serviço, e a outra, a pagar o preço respectivo. Obriga-se a proporcionar a outrem - o locator -, com trabalho, certo resultado. Assim, no direito romano, essa modalidade de contrato formava, com outras duas modalidades, a locação de coisas (locatio conductio rei) e a locação de serviços (locatio conductio operarum), o contrato de locação (locatio conductio).

Ora, mas ALVES (2018, p.577), de antemão, nos faz uma alerta bem diferenciado entre a empreitada no direito romano e seu conceito atual:

Por outro lado, a terminologia moderna difere da romana. Atualmente, na locatio conductio rei (locação de coisa), locator (locador) é quem entrega a coisa para uso – ou uso e gozo – de outrem; na locatio conductio operarum (contrato de trabalho), locator é quem presta o serviço; e, na locatio conductio operis (contrato de empreitada), locator é quem realiza a obra: o empreiteiro. Para os romanos, porém, se o locator – como ocorre no direito moderno – é, na locatio conductio rei, quem entrega a coisa para uso (ou uso e gozo) de outrem, e, na locatio conductio operarum, quem presta o serviço, já na locatio conductio operis o locador, em vez de ser o empreiteiro, como o é atualmente, é o dono da obra, porquanto, segundo os jurisconsultos romanos, na locatio conductio operis o objeto do contrato não é a atividade do empreiteiro, mas o material que o dono da obra entrega a ele para que realize a obra contratada.

Após esse conceito, trazido de um contexto e giro histórico, o contrato de empreitada projeta-se no direito pátrio e, segundo Flávio Tartuce (2021, p.1302), trata-se de um negócio jurídico que sempre foi visualizado como uma forma especial ou espécie de prestação de serviço. Nele, uma das partes - empreiteiro ou prestador - obriga-se a fazer ou a mandar fazer determinada obra, mediante uma determinada remuneração, a favor de outrem - o dono de obra ou tomador.

Esse contrato, então, presta-se em vista de determinado resultado. Tal resultado consiste ordinariamente numa obra feita. O contrato que tem esse fim projeta-se, na técnica do direito moderno, na contemporaneidade, como empreitada, assim correspondendo à locatio operis faciendi dos romanos. (GOMES, 2009, p.353).

Para a jurista Maria Sylvia Zanella De Pietro (2020, p.694) a empreitada é contrato que existe no direito privado, disciplinado pelo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - (arts. 610 a 626), e no direito administrativo, regido pela Lei nº 8.666/93. Tendo como forma de remuneração, por preço global (quando o pagamento é total, abrangendo toda a obra ou serviço) e por preço unitário (em que o trabalho é executado paulatinamente e pago por unidade de execução, como, por exemplo, por metro quadrado ou por quilômetro). Nos termos dos artigos 6º, VIII, e 10, II, da Lei nº 8.666/93, os regimes de execução são a empreitada por preço global, a empreitada por preço unitário, a tarefa e a empreitada integral.

Portanto, o contrato romano da locatio operis faciendi equivale à modalidade contratual que deu origem à empreitada existente na legislação brasileira contemporânea. Neste sentido, buscar-se-á apresentar, em seguida, tais institutos.

2 A locatio conductio operis faciendi

Modernamente, graças à obra dos jurisconsultos do direito intermédio, conhecemos três figuras distintas de locatio conductio (a locatio conductio rei - locação de coisa; a locatio conductio operarum - contrato de trabalho; e a locatio conductio operis - contrato de empreitada), em Roma, como decorre do conceito que fixamos acima, somente se conhecia um tipo de locatio conductio, embora com três finalidades diversas. Tanto assim é que os juristas romanos trataram, sob a denominação única de locatio conductio, das três hipóteses que correspondem, no direito romano, às três categorias distintas que são a locatio conductio rei, a locatio conductio operarum e a locatio conductio operis. (ALVES, p.576).

Assim, para Orlando Gomes (2009, p. 329) “sob a denominação de locatio conductio, o Direito romano dividiu-o em três espécies: a locatio rei; a locatio operarum; e a locatio operis faciendi. (…) Na locatio operis faciendi não se levava em conta a razão de cada serviço a ser prestado, mas sim a execução da coisa toda. No Direito moderno, essas três modalidades contratuais foram disciplinadas sob os nomes, respectivamente, de locação de coisa, locação de serviços e empreitada ou locação de obra, rompendo-se a unidade conceitual.”

Num só conceito, os romanos abrangeram tipos distintos de contrato, e, sob sua influência, os códigos do século XIX, e alguns mais recentes, mantiveram essa unidade conceitual, conclui Gomes (2009).

A locatio operis faciendi, ou empreitada, tinha por objetivo um certo opus, o produto de um determinado trabalho. A locatio operis faciendi se extinguia com a terminação da obra, a morte do empreiteiro mas, nesta última hipótese, apenas quando o contrato fosse concluído na base da consideração das habilidades pessoais do conductor.

O objeto do contrato de empreitada (locatio conductio operis faciendi) era transferir para o dono o domínio ou propriedade do opus ou obra já acabada.

Na locatio conductio operis, o locator entrega ao conductor uma coisa (ou coisas) para que sirva de objeto do trabalho que este se obrigou a realizar para aquele - assim, por exemplo, a construção de casa para este, com os materiais por ele fornecidos ao conductor.

Para o romanista José Carlos Moreira Alves (2018, p. 580) para a existência da locatio conductio operis “é imprescindível que a coisa objeto do trabalho a ser realizado pelo conductor lhe seja entregue pelo locator, pois, se for o próprio conductor que fornecer também o material, não há, segundo a maioria dos jurisconsultos romanos, locatio conductio operis, mas, sim, emptio uenditio (compra e venda).”

Havia, também, segundo esse autor, uma preocupação com a qualidade da obra, bem como com a responsabilidade do empreiteiro (conductor) na sua execução:

Na locatio conductio operis, o conductor - que deve observar as normas técnicas necessárias para que sua obra chegue a bom termo – se obriga, não ao trabalho, abstração feita do seu resultado, mas ao resultado final da obra a realizar; por isso, salvo se o contrato se celebrou tendo em vista as qualidades pessoais do conductor, ele não está obrigado a fazê-la pessoalmente. Mas a obra deve ser efetuada dentro do prazo previsto no contrato, ou, se nada tiver sido convencionado a respeito, no espaço de tempo que normalmente é preciso para concluí-la. Quanto à responsabilidade do conductor relativamente à coisa recebida do locator, ele, em certas hipóteses (assim, se é tintureiro, ou alfaiate), responde, até, por custodia; nas outras, apenas por dolo e culpa em sentido restrito. Além disso, ele responde pelos danos decorrentes de imperícia profissional. Sua responsabilidade, porém, em regra (exceto em caso de dolo), cessa no momento em que o locator, depois de examinar a obra, a aprova (adprobatio operis). Por outro lado, salvo disposição em contrário das partes contratantes, o pagamento da merces se efetua no término da obra. E, se a coisa entregue pelo locator ao conductor causar dano a este, tem ele direito a ser indenizado.(ALVES, 2018, p.517).

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Luiz Antônio Vieira da Silva (2008) faz um importante relato sobre a fiscalização, em Roma, da opus, na empreitada:

(...) não era estabelecido em concreto o termo fiscalização, existia sim, a possibilidade - depois da obra estar realizada - de o dono da obra ou um herdeiro do mesmo, efetuar um exame para aprovação ou não da obra. Este mecanismo designava-se de probatio operis em que o comitente efetuava exame à obra concluída para verificar se o plano convencionado entre as partes tinha sido bem executado. Depois de realizada a empreitada o dono da obra efetuava a referida inspeção e aprovava (probatio) ou não aprovava (improbatio) a obra. Com a aceitação da mesma vencia-se a obrigação e o dono da obra teria que efetuar o pagamento do preço acordado entre as partes. Como referido anteriormente, o comitente poderia não aprovar a obra (improbatio) e, desta forma, este tinha a possibilidade de recorrer à actio locati. Este mecanismo era utilizado sobretudo em três situações, tais como: não aprovação da obra depois de realizada a inspeção; atrasos na realização da empreitada; danos causados na empreitada no decorrer da execução do contrato.8 Em qualquer uma destas situações, o dono da obra, recorria ao mecanismo referido para poder obter do empreiteiro uma compensação de cariz indenizatório designada por condemnatio pecuniaria. Por último, se as partes decidissem não estipular no início do contrato um preço para a empreitada, a probatio operis, tinha como objetivo verificar se o plano convencionado entre as partes tinha sido devidamente cumprido, como também, medir ou contar as unidades produzidas para, deste modo, ser determinado o preço final a pagar pelo comitente. (SILVA, 2008, p.302).

3 A EMPREITADA NO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

Na contemporaneidade, no direito pátrio, o contrato de empreitada se refere a um negócio jurídico e projeta-se a partir do direito romano como se procurará demonstrar.

É em Maria Helena Diniz (2014, p.524) que se encontra um conceito para empreitada como o contrato pelo qual um dos contratantes (empreiteiro, o conductor em Roma) se obriga - sem subordinação - a realizar, pessoalmente ou por meio de terceiro, certa obra (p. ex., construção de uma casa, muro, represa ou ponte; composição de uma música) para o outro (dono da obra, locator, em Roma), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração determinada ou proporcional ao trabalho executado. Além disso, essa autora considera que empreitada é o contrato pelo qual um dos contraentes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar, pessoalmente ou por meio de terceiro, certa obra para o outro (dono da obra ou comitente), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração determinada ou proporcional ao trabalho executado.

A empreitada é um contrato que existe no direito privado brasileiro, disciplinado pelo seu Código Civil de 2002, Lei nº 10.406, 10 de janeiro de 2002, em seus artigos 610 a 626; e no direito administrativo, regido pela Lei nº 8.666/93, finaliza essa autora.

Para melhor compreensão, destaca-se os dispositivos do Código Civil Brasileiro, de 2002 (BRASIL, 2002), como se segue:

Da Empreitada

Art. 610. O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu trabalho ou com ele e os materiais.

§ 1º A obrigação de fornecer os materiais não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.

§ 2º O contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de executá-lo, ou de fiscalizar-lhe a execução.

Art. 611. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este não estiver em mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os riscos.

Art. 612. Se o empreiteiro só forneceu mão-de-obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono.

Art. 613. Sendo a empreitada unicamente de lavor (art. 610), se a coisa perecer antes de entregue, sem mora do dono nem culpa do empreiteiro, este perderá a retribuição, se não provar que a perda resultou de defeito dos materiais e que em tempo reclamara contra a sua quantidade ou qualidade.

Art. 614. Se a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada.

§ 1º Tudo o que se pagou presume-se verificado.

§ 2º O que se mediu presume-se verificado se, em trinta dias, a contar da medição, não forem denunciados os vícios ou defeitos pelo dono da obra ou por quem estiver incumbido da sua fiscalização.

Art. 615. Concluída a obra de acordo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a recebê-la. Poderá, porém, rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza.

Art. 616. No caso da segunda parte do artigo antecedente, pode quem encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la com abatimento no preço.

Art. 617. O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por imperícia ou negligência os inutilizar.

Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra.

Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se estava passando, e nunca protestou.

Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão de obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada.

Art. 621. Sem anuência de seu autor, não pode o proprietário da obra introduzir modificações no projeto por ele aprovado, ainda que a execução seja confiada a terceiros, a não ser que, por motivos supervenientes ou razões de ordem técnica, fique comprovada a inconveniência ou a excessiva onerosidade de execução do projeto em sua forma originária.

Parágrafo único. A proibição deste artigo não abrange alterações de pouca monta, ressalvada sempre a unidade estética da obra projetada.

Art. 622. Se a execução da obra for confiada a terceiros, a responsabilidade do autor do projeto respectivo, desde que não assuma a direção ou fiscalização daquela, ficará limitada aos danos resultantes de defeitos previstos no art. 618 e seu parágrafo único.

Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra.

Art. 624. Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos.

Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra:

I – por culpa do dono, ou por motivo de força maior;

II – quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele elaborado, observados os preços;

III – se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço.

Art. 626. Não se extingue o contrato de empreitada pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro.

Na empreitada em que o empreiteiro fornece os materiais, muitos veem uma venda, por se verificar transferência de domínio. Em verdade, porém, não se justifica essa opinião, adotada no campo do Direito Tributário sem fundamentação dogmática. Alguns distinguem: se o preço dos materiais é superior ao valor do trabalho, o contrato será de venda; se inferior, de empreitada.(GOMES, 2009, p.268).

Outro conceito, que não se diferencia de outros doutrinadores pátrios, é o que traz Silva (2012, p.300) de que empreitada é o contrato em que se convenciona a execução de uma determinada obra, obrigando-se o executante, denominado empreiteiro, por seu trabalho ou de terceiros, com ou sem os materiais a ela necessários, perante o empreitante, dono da obra, e de acordo com as instruções deste, que por ela fica obrigado a remunerá-la, independente do tempo necessário, por valor certo ou proporcional aos níveis do seu perfazimento. E prossegue:

É contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso e não solene. Quanto ao modo em que é definida a remuneração, a empreitada apresenta-se em espécies também distintas. A de preço fixo (marché à forfait), que compreende valor pré-fixado pela obra em sua totalidade, sem segmentar as atividades de sua execução. A de preço fixo absoluto, que não admite variação remuneratória da mão-de-obra ou do preço dos materiais empregados na obra. A de preço fixo relativo, que permite quantia variável em face do valor de componentes da obra. A norma cogita, no caput, acerca das duas espécies de empreitada: a de mão-de-obra ou de lavor, onde o empreitante na execução fornece apenas o seu trabalho, e a mista, quando concorre o empreitante também com o fornecimento de materiais usados na obra. A diferenciação entre elas provoca efeitos jurídicos distintos, no tocante aos riscos da coisa empreitada. Assim, quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra (Art. 611). Se, entretanto, o empreiteiro só fornece a mão-de-obra, todos os riscos, em que não tiver culpa, correrão por conta do dono (Art. 612). A obrigação de o empreiteiro fornecer materiais não é presumida. Resulta, pois, de previsão legal ou de cláusula contratual que sobre ela disponha. Trata-se do contrato de empreitada onde se almeja a execução de toda a obra (empreitada global), nela se compreendendo, portanto, os materiais utilizados. Outra solução oportuna dada pelo CC diz respeito a distinguir, com nitidez, o objeto do contrato, ficando assente que da elaboração de um projeto contratado não resulta a obrigação de executá-lo ou de fiscalizar-lhe a execução, atividades específicas e não inerentes ao projeto em si mesmo.

No contrato de empreitada, uma das partes obriga-se a executar, por si só, ou com o auxílio de outros, determinada obra, ou a prestar certo serviço, e a outra, a pagar o preço respectivo. Obriga-se a proporcionar a outrem, com trabalho, certo resultado. (GOMES, 2009, p.364).

Projetadas de Roma, as partes no contrato de empreitada são o empreiteiro e o dono da obra. Empreiteiro é quem executa ou faz executar a obra. Dono da obra, quem ordena sua execução e paga o preço. O empreiteiro é o devedor da obra e credor da remuneração. O dono da obra, devedor da remuneração e credor da obra.

Como se disse anteriormente, a empreitada, projetada do direito romano, é um contrato bilateral, oneroso, simplesmente consensual, de execução única e, eventualmente, de duração. Cria, para as duas partes, obrigações recíprocas. A remuneração do empreiteiro depende da execução da obra que, por sua vez, é devida ao dono, se pago o preço ajustado. E, assim, ao direito de um contratante é correlata a obrigação do outro. A onerosidade é da essência do contrato. Obrigatoriamente tem remuneração. A empreitada é contrato simplesmente consensual. Para sua formação basta o consentimento das partes. Não exige forma especial para existir; mas certas empreitadas, como a de construção de um edifício, pedem forma escrita, face a necessidade de especificação minuciosa de condições, impossível de reter na memória. Não é, contudo, contrato solene em hipótese alguma, pouco importando a natureza da obra ou o valor da remuneração. A empreitada é normalmente contrato de execução única, não se desnaturando todavia se tem como objeto prestações periódicas, como quando o empreiteiro se obriga a produzir, repetidamente, a obra, executando-a em série, por unidades autônomas. (GOMES, 2009, p.365).

Continua GOMES (2009, p. 370) discorrendo sobre empreitada que ela pode ser de lavor ou mista, conforme o empreiteiro contribua apenas com trabalho, ou, também, com materiais. A obrigação de fornecer materiais deve vir expressa no contrato ou resultar da lei, não se presumindo.

Já, no que diz respeito às obrigações, segue esse autor destacando que se obriga o empreiteiro a entregar a obra no prazo estipulado. Por outro lado, se incorre em mora, deve pagar perdas e danos, se ao dono da obra ainda interessar recebê-la, mas pode este optar entre exigir a indenização plena, a indenização pelo atraso com o cumprimento da obrigação ou a resolução do contrato.

Prossegue Orlando Gomes (2009) analisando nosso Código Civil de 2002, que dispõe que as principais obrigações do dono da obra são: a) receber a obra; b) pagar o preço. Não a recebendo no tempo devido sem fundada razão, incorre não só em mora accipiendi, mas, igualmente, em mora solvendi, na qual, aliás, o empreiteiro não pode se basear para demandar a resolução do contrato ou exigir indenização por inadimplemento porque o atraso na recepção não afeta a obrigação principal. Deve o dono da obra pagar a remuneração estipulada no tempo previsto no contrato. Pode o pagamento fazer-se no ato de entrega da obra, ou antecipadamente.

Em Roma, a mora podia ser do devedor (mora debendi ou mora debitoris) ou do credor (mora accipiendi ou mora creditoris). Mora solvendi ou mora debitoris verificava-se quando o devedor, por motivo que lhe é imputável, não paga sua dívida vencida. Tal motivo pode ser apenas a sua vontade (como quando se recusa a cumprir sua obrigação), ou a impossibilidade da execução decorrente do seu próprio comportamento, pela qual é responsável. (MARKY, 1995, p.114).

Se a empreitada é mista, por conta do empreiteiro correm os riscos, até a entrega da obra. Aplica-se a regra res perit domino que diz que a obrigação do devedor extingue-se em tal caso de perecimento fortuito da coisa não fungível (CORREA, 1973 p.62).

Se a empreitada é de lavor, por conta do dono da obra correm os riscos. Aplica-se também a regra res perito domino.

A morte do empreiteiro não é, de regra, causa extintiva do contrato. Há empreitadas, no entanto, que se contratam intuitu personae,(significa que o contrato é estabelecido de acordo com as características pessoais e relevantes do contratado) como, por exemplo, a encomenda de obra artística. Estas se extinguem com a morte do empreiteiro, uma vez que o motivo determinante do contrato foi precisamente a qualidade do seu trabalho. Nos outros casos as obrigações do empreiteiro transmitem-se aos sucessores.

Vê-se, assim, de forma bem expedita, que a empreitada positivada no direito brasileiro tem suas bases profundamente assentadas no direito romano.

4 CONCLUSÃO

Uma pequena parte do grande edifício jurídico ocidental, que começara a ser erguido em Roma, projetou-se no direito brasileiro por meio do positivado Código Civil de 2002, a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002).

Ficou bastante evidente que as bases e alicerces do direito civil brasileiro, principalmente do que tange a contratos e, em especial, à espécie empreitada, estão fortemente assentadas no direito romano, como se procurou evidenciar.

REFERÊNCIAS

ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 18ª ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 28 jul. 2021.

CORRÊA, A. A. de C. Introdução ao direito romano das obrigações, aplicado ao direito civil. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 68, n. 2, p. 45-66, 1973. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66666. Acesso em: 28 jul. 2021.

CRITELLA JR, José. Curso de Direito Romano. S. Paulo: Forense. 30ª Ed. 2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2009.

MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

SILVA, Luís Antônio Vieira da. História interna do direito romano privado até Justiniano. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. 324 p.

SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Código Civil comentado. 8. ed. São Paulo : Saraiva, 2012. Vários autores.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 11ª. ed. Rio de Janeiro, Forense: METODO, 2021.

Sobre o autor
Israel Fernando de Carvalho Bayma

Advogado; Engenheiro eletricista, com especialidade em eletrônica e telecomunicações; Especialista em Regulação de Telecomunicações pela UnB; Especialista em Assessoria Parlamentar pela UnB. Foi engenheiro do setor elétrico por mais de 40 anos; Diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás-ELETRONORTE e Conselheiro Consultivo da ANATEL; Graduado em Direito na Escola de Direito e Administração Pública (EDAP) do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP-Brasília); Conciliador e Mediador Extrajudicial. Além da Advocacia e da Engenharia, desenvolve atividades de consultoria especializada nas áreas de conhecimento. ORCID 0000-0002-2248-3627.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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