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Tribunal do Júri: bis in idem na qualificadora da torpeza e do feminicídio

Tribunal do Júri: bis in idem na qualificadora da torpeza e do feminicídio

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Inicialmente esclareço que ocorre o bis in idem penal, no momento em que estamos diante de uma dupla valoração delitiva por causa repetitiva, ou seja, o individuo se encontra sendo acusados duas vezes, por um mesmo fato, sendo isto totalmente repudiado tanto pela doutrina quanto jurisprudência.

No momento em que o réu estiver sendo acusado pelo delito previsto no art. 121, §2º, inc. I (motivo torpe) cumulado ao inc. VI (feminicídio), estará sofrendo o bis in dem penal, pois está sendo qualificado o fato por ter maior reprovação aos olhos do juízo, em face de não aceitar o fim do relacionamento e a qualificadora do feminicídio, sendo punidos duas vezes pelo mesmo ato.

Dessa forma, não há compatibilidade nas duas qualificadoras, pois se a gravidade é em face do relacionamento que o recorrente tinha com a vítima, o feminicídio já abarca, sendo mais abrangente que a torpeza. Assim, aplica-se o princípio da especialidade devendo ser afastada a qualificadora da torpeza.

Portanto, permitir que se atribua ao fato as duas qualificadoras, ambas decorrentes da mesma circunstância, é uma afronta à proibição de bis in idem, qual deve ser amplamente combatida pela defesa do réu.

Neste sentido, contundente é a jurisprudência em entender a incompatibilidade da qualificadora do motivo torpe, com feminicídio, senão vejamos:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.745.903 - RS (2018/0135977-8) RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL RECORRIDO : LEANDRO GULHETTI DOS SANTOS ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECOTE DA QUALIFICADORA DE MOTIVO TORPE DEVIDO A INCIDÊNCIA DE BIS IN IDEM COM A QUALIFICADORA DE FEMINICÍDIO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA DISTINTA. MATÉRIA A SER DISCUTIDA PELO CONSELHO DE SENTENÇA. RESTABELECIMENTO DAS QUALIFICADORAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição da República, contra o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fl. 235): "RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. AUTORIA INCONTROVERSA. AUSÊNCIA DE PROVA ESTREME DE DÚVIDA DE QUE NÃO SE TRATA DE CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. JUDICIUM ACUSATIONIS. PRONÚNCIA QUE SE IMPUNHA. PERTINÊNCIA DA QUALIFICADORA DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. MOTIVO TORPE (CIÚME) E FEMINICÍDIO. CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS QUE NÃO PODEM COEXISTIR. BIS IN IDEM. MANUTENÇÃO DA QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. Recurso improvido, por maioria. Vencido o Relator que dava parcial provimento ao recurso." Opostos embargos infringentes, com vistas à fazer prevalecer o voto minoritário, estes foram providos, em face do empate ocorrido, consoante a seguinte ementa (fl. 264): "EMBARGOS INFRINGENTES. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO TORPE. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO VOTO MINORITÁRIO. CARÁTER OBJETIVO DO FEMINICÍDIO. IRRELEVÂNCIA. A caracterização das qualificadoras, sejam objetivas ou subjetivas, sempre dependerá de alguma circunstância fática, e esta circunstância deve ser narrada na denúncia sob pena, inclusive, de nulidade. Portanto, é com base em tal circunstância, e não no caráter da elementar, que deve ser verificada a existência, ou não, do excesso de acusação. O bis in idem não ocorre apenas quando se trata de institutos penais dotados de subjetividade; fosse assim, não haveria problema em se considerar uma mesma condenação para fins de negativar os antecedentes de um condenado e depois, na segunda etapa de aplicação da pena, para aplicar-lhe a agravante da reincidência. INCOMPATIBILIDADE DO FEMINICÍDIO E DO MOTIVO TORPE, NO CASO CONCRETO. EXCESSO DE ACUSAÇÃO QUE CARACTERIZA BIS IN IDEM. Caso em que a relação conjugal do réu e da vítima (que envolve o sentimento de posse descrito no motivo torpe) é parte integrante do feminicídio, por ele claramente englobada (até porque o caracteriza, nos termos da lei). Então, permitir que se atribua ao fato as duas qualificadoras, ambas decorrentes da mesma circunstância (que, por estratégia acusatória, é contextualizada de duas formas diferentes na denúncia), é uma afronta à proibição de bis in idem. Prevalência do feminicídio, pelo princípio da especialidade, devendo ser excluído da pronúncia o motivo torpe. EMBARGOS ACOLHIDOS. {...} (- REsp: 1745903 RS 2018/0135977-8, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Publicação: DJ 17/10/2018) (Grifei)


Autor

  • Andrew Lucas Valente da Silva

    Advogado da Seccional da OAB/AP, com graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá - CEAP. Pós- graduado em direito penal e processual penal pela faculdade CERS. Atuante no Tribunal do Júri, Crimes Contra a Dignidade Sexual, e crimes em geral previstos no Código Penal e leis especiais. Membro da Comissão Especial Criminal da OAB/AP. Membro da Comissão Especial da Jovem Advocacia. Colunista no Canal Ciências Criminais, Migalhas, Direito Net, Jus Navegandi e Jus Brasil. No magistério ministrou aula no projeto voluntário Concurseiros Unidos.

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