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A participação da comunidade na execução penal

A participação da comunidade na execução penal

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1 INTRODUÇÃO

Consoante expõe Luiza Nagib Eluf [01], antigamente a sociedade vivia tranqüilamente, sem medos. O "Brasil era menos violento e todos, inclusive os pobres, usufruíam de maior segurança".

Todavia, com o passar do tempo o Estado não atingiu níveis satisfatórios de organização, ocasionando a falência de seus serviços e eclodindo o atual clima de guerra social. Os problemas estruturais que surgiram não foram resolvidos pelos governantes (quer por inércia, quer por falta de êxito nas ações), sendo que os temas pertinentes à Execução Penal e à recuperação de delinqüentes não alcançaram a necessária atenção do Poder Público.

Dentre as maneiras de ação do Estado na oposição à criminalidade, Filippo Grispigni aponta três métodos que se constituem nas mínimas posturas que devem ser adotadas pelas nações com o intuito de melhora na segurança pública, agindo tanto na prevenção quanto na repressão:

a) El peligro de delito da lugar ante todo a una serie de medidas estatales que atienden a la remoción de las causas – antropológicas, físicas y sociales – que determinan al hombre a cometer delitos. Dichas medidas son de la más diversa naturaleza y pertenecen a los más diferentes campos de la actividad estatal, sea jurídica o social (de asistencia o de beneficencia pública), y, como tales, no constituyen conceptualmente un organismo unitario, pudiendo ser indicadas genéricamente como providencias indirectas de defensa criminal (prevención indirecta, remota).

b) Em segundo lugar, el peligro de delito da motivo a la intervención de la actividad de la policía de seguridad, es decir, de aquella parte de la actividad de policía "que tiene por objeto la tutela del orden público" (prevención directa, inmediata).

c) Em tercer lugar, finalmente, el Estado se opone al peligro de delito por médio de la pena [...] (represión con fines de prevención). [02]

No Brasil, o desempenho estatal tem ocorrido de maneira insuficiente, principalmente no que pertine à implementação de políticas de prevenção e recuperação da delinqüência, estimulando assim o avanço da criminalidade.

"Entretanto, não é demasiado dizer que a responsabilidade há de ser atribuída também à sociedade, posto que esta apenas exige; em raras situações colabora" [03], adverte Maurício Kuehne.

Ou seja, de um lado vê-se a inércia do Governo (aqui entendido como os entes políticos estatais) e de outro, que o restante da sociedade costuma ficar passivo frente aos problemas, não apresentando reações efetivas. Todos se alarmam com a elevada violência e manifestam reclamações. Porém, ninguém quer fornecer a sua contribuição pessoal para atenuar o problema.

Desculpas são freqüentes para a falta de ação, sendo que a mais comum consiste na mútua imputação de culpa. O governo responsabiliza a sociedade e vice-versa, de maneira a que ambos permaneçam estáticos, sem que se aborde em definitivo a questão.

Outra corriqueira desculpa verifica-se também no seio da própria sociedade, em que as classes economicamente privilegiadas atribuem todos os defeitos sociais aos pobres. Estes, por sua vez, responsabilizam a ganância desenfreada da classe dominante, a má distribuição de renda, a precariedade dos serviços do Estado, o desemprego, o neoliberalismo e o tráfico de drogas.

Enfim, é tranqüila a conclusão de que a sociedade se encontra desestruturada, pois é evidente o mútuo desrespeito entre todas as suas esferas.

Pressuposto para o alcance de justiça social é que haja um povo que trate a todo ser humano com dignidade e respeito, ao mesmo tempo em que puna os desvios, a criminalidade e a violência, principalmente quando envolvam pessoas que ocupam cargos públicos. Nosso país, apesar de alguns esforços, está longe desse paradigma.

É expressão corrente no Brasil a adoção da popularmente chamada "filosofia do malandro", pois se entende que em um ambiente hostil como a atualidade, somente os mais espertos (na concepção negativa do termo) possuem maiores chances de vencer na vida. Os adeptos dessa "filosofia" não medem esforços para alcançar artificiosamente os seus objetivos. Não respeitam o próximo, praticam atos de corrupção, mentem, enganam, utilizam a violência como instrumento, etc.

Infelizmente, isso é o que ocorre em todos os âmbitos da sociedade e do Poder Público. Diariamente vislumbra-se na imprensa a veiculação de notícias correlatas.

Qualquer cidadão que reflita um pouco sobre a atual conjuntura social fica decepcionado. Da decepção decorre a postura de negação da cidadania e a ausência de patriotismo. Em um plano mais amplo tais fatores acarretam falta de garantias individuais, coletivas, de direitos humanos e de organização social.

Enquanto não for colocado termo final à "filosofia do malandro", a violência social somente aumentará, vitimando a todos, indistintamente. Todavia, é forçoso concluir que isso está longe de acontecer.

Não há empenho da comunidade na construção de um ambiente menos hostil. Ao contrário, o comportamento normalmente assumido é o de ausência de compromisso, de depredação, de destruição.

De igual forma, não há reflexão acerca das verdadeiras raízes da criminalidade, as quais na realidade são claras e de fácil percepção.

A falência das instituições penais, assim como o elevado e crescente índice de delinqüência são os resultados da crise atual.

Todos os dias, sem exceção, a criminalidade possui destaque na mídia, o que repercute de maneira a contribuir para que a população tenha maior temor e sentimento de insegurança.

E, diante desse quadro, a maior parcela da sociedade apenas assiste aos acontecimentos de maneira atônita, realmente como meros espectadores recebendo e assimilando visões já previamente definidas pelos meios de comunicação.

Quando muito, as únicas condutas adotadas são a de cobrança de maior repressão ao crime, a elevação das penas, ou a piora das condições de tratamento dispensadas aos presos. Acredita-se, equivocadamente, que o temor que porventura um delinqüente possa sentir seja instrumento hábil a inibir a prática criminosa.

Porém, a prática tem demonstrado a falácia da adoção dessa linha de política penal. Exemplos como a edição da Lei dos Crimes Hediondos, ou as péssimas condições carcerárias dispensadas aos presos certamente não contribuíram para a redução da criminalidade.

Por conseqüência lógica, é preciso que ocorra mudança de postura.

Principalmente, as pessoas precisam perceber que elas próprias podem contribuir para modificar esse quadro alarmante, atuando ativamente em auxílio ao Poder Público. É necessário desenvolver no povo a consciência de que "o crime é um problema social e comunitário, nasce na comunidade e nela deve encontrar fórmulas de solução positivas" [04].

René Ariel Dotti [05] explica que a conseqüência da passividade é a falta de operacionalização de ações que visem à "recuperação", "ressocialização", "reinserção" e "reeducação social" dos delinqüentes. Todas essas expressões que designam a ideologia da salvação do condenado conquistaram fácil trânsito jurídico e permearam os mais variados sistemas normativos. No entanto, não raramente se exaurem na literalidade dos textos, tornando-se muletas legais vazias de conteúdo.

Para que haja mudança nesse quadro, faz-se urgente a ação da comunidade em apoio ao Poder Público.

O campo em que se pode agir é vasto. De plano pode-se distinguir a atuação em três momentos: a) a prevenção da prática criminosa (ou seja, antes de que ocorra a delinqüência); b) o momento do cumprimento da pena; e c) o momento posterior ao alcance da liberdade pelo indivíduo. Atuando-se corretamente nestes três momentos, extinguir-se-ão as principais causas de criminalidade.

Nesse intuito, da implementação de ações da comunidade na busca por uma sociedade melhor, promove-se o presente estudo, o qual visa apresentar o tema ao leitor, iniciando com uma abordagem histórica sobre a evolução do direito penal, passando-se por uma visão do sistema jurídico pátrio (fornecendo subsídios para o seu entendimento), analisando alguns dos principais fatores criminógenos (a pena de prisão, a questão social e a influência da mídia), até alcançar a análise dos três momentos supra descritos.

Procura-se não só demonstrar os instrumentos para a (re) inserção social do indivíduo que cometeu o fato criminoso, mas também explicitar os meios de colaboração com a atividade do Poder Judiciário, permitindo maior efetividade e celeridade na prestação jurisdicional.

Assim, pretende-se que ao final do estudo seja possível concluir pela importância e relevância da atuação da comunidade, alcançando motivação para o exercício de ações positivas frente às questões penais e sociais.


2 SÍNTESE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL E SUA RELAÇÃO COM A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

"O direito comparado revela que o ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da história da humanidade" [06]. O direito penal "surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou" [07]. Assim, a origem da pena também é remota, "perdendo-se na noite dos tempos" [08].

Claro é que o direito penal como atualmente conceituado, com a noção de sistema orgânico, permeado de princípios e fundamentos, somente foi alcançado recentemente, sob o ponto de vista histórico. Mas, pela ótica da existência de regras de conduta que se não obedecidas acarretam punição, verifica-se que acompanha o homem desde os primórdios das civilizações.

O objetivo da análise da evolução histórica dos sistemas punitivos é verificar os momentos e a extensão da atuação da sociedade na execução penal, para que se permita uma construção lógica do atual estágio de desenvolvimento que se encontra o pensamento legislativo e jurídico sobre a questão.

Porém, desde o início deve-se compreender que a história não se apresenta em evolução linear, eis que por vezes apresenta avanços e em outras retrocessos, sendo expressão dos momentos econômicos, sociais e culturais vivenciados pela civilização, apresentando semelhanças e diferenças marcantes em cada sociedade.

Dada a complexidade e extensão do conteúdo histórico, notadamente o elevado número de sociedades conhecidas, o estudo focar-se-á primeiramente em verificar as origens dos sistemas punitivos, demonstrando-se na seqüência as fases da vingança penal, prosseguindo-se com a análise apenas das principais características de algumas das sociedades mais marcantes da história, passando-se, ao final, à abordagem das escolas de Direito Penal, sob o enfoque da punição e da participação popular.

2.1 ORIGENS MÍSTICAS E RELIGIOSAS

Em tempos primitivos vivia-se em um ambiente místico e acreditava-se que todos os fenômenos naturais maléficos eram resultantes das forças divinas que, encolerizadas, estavam exigindo a reparação por algum fato humano que lhes tivessem desrespeitado.

Assim, com o intuito de aplacar a ira dos deuses surgiram os tabus, que eram proibições religiosas, sociais e políticas que quando não obedecidas acarretavam castigo. "O castigo infligido era o sacrifício da própria vida do transgressor" [09] ou a "oferenda por este de objetos valiosos (animais, peles e frutas) à divindade, no altar montado em sua honra" [10].

Ainda sob o crivo do misticismo existiam os totens os quais assumiam formas de "animais, vegetais ou qualquer objeto considerado como ancestral ou símbolo de uma coletividade" [11] e que se acreditava serem protetores do clã ou tribo.

Mesmo quando começaram a surgir leis, como no início das civilizações grega, hindu e romana, era ela parte integrante da religião, o que fazia com que o direito também fosse apenas uma das faces da religião [12]. E, dada a origem santa das leis, Platão teceu a afirmação de que "obedecer às leis é obedecer aos deuses" [13].

Somente com o decorrer do tempo, com a evolução cultural, científica, política e social é que se passou a dissociar o direito e a religião.

2.2 FASES DA VINGANÇA PENAL

Partindo-se da divisão apresentada por Magalhães Noronha [14], tem-se que a vingança penal divide-se em três fases: a vingança privada, a vingança divina e a vingança pública. Tais períodos são uma tendência de acontecimento em todas as sociedades. Todavia, eles não se sucedem integralmente e, com o advento de um não necessariamente ocorre o desaparecimento do outro, podendo ocorrer ao longo dos tempos a existência concomitante dos princípios característicos de cada um. Em suma, nota-se que "uma fase penetra a outra, e, durante tempos, esta ainda permanece a seu lado" [15].

A vingança privada tem início com a reação pessoal frente ao agressor, sucedendo-se batalhas entre as famílias e grupos. Ou seja, cometido um crime, ocorria atuação direta da sociedade, sendo a pena executada pela própria vítima, familiares ou grupo social.

Havia desproporcionalidade entre o delito e a punição, pois o sentimento de vingança fazia com que a punição fosse exacerbada e muitas vezes atingia não só o ofensor, mas também todo o grupo a que pertencia.

Em tempos remotos da História da humanidade, época houve em que o homem fazia justiça pelas suas próprias mãos. Era a vingança privada, violenta e quase sempre eivada de demasias. Sem observar, mesmo aproximadamente, a lei física da reação igual e contrária à ação, o ofendido e os do seu agrupamento procediam desordenada e excessivamente, de modo que, às vezes, aquilo que constituía ofensa a um indivíduo passava a sê-lo relativamente à comunidade toda a que ele pertencia, travando-se lutas e guerras que o ódio eternizava. [16]

A história presenciou lutas acirradas entre grupos e famílias que se debilitavam até a extinção e, na busca por preservação, surge o talião, em que o castigo passa a ser delimitado e proporcional à ofensa, assim como se reconhece a personalidade da responsabilidade criminal, castigando-se apenas o autor da infração. "A pena de talião, embora hoje se nos afigure brutal, significa indiscutivelmente uma conquista" [17]. No contexto histórico foi um verdadeiro progresso para os sistemas punitivos até então conhecidos. Posteriormente, adotou-se a composição pecuniária, em que o ofensor comprava do ofendido o direito de represália.

Na fase da vingança divina o povo era somente destinatário das punições. O objetivo da repressão era a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Havia rigor e crueldade nas punições.

Com o enfraquecimento do poder das instituições religiosas, o Estado passa a ter exclusividade na aplicação de punições, surgindo então a fase da vingança pública, em que prevalecia a vontade do soberano e todo delito era considerado uma ofensa à integralidade da sociedade.

As penas também eram severas e cruéis, sendo que com o intuito de intimidação surgiram os suplícios (espetáculos em que as penas eram executadas em praça pública).

O Direito Penal, pródigo na cominação da pena de morte, executada pelas formas mais cruéis (fogueira, afogamento, soterramento, enforcamento etc.), visava especificamente à intimidação. As sanções penais eram desiguais, dependendo da condição social e política do réu, sendo comuns o confisco, a mutilação, os açoites, a tortura e as penas infamantes. Proscrito o sistema de composição, o caráter público do Direito Penal é exclusivo, sendo exercido em defesa do Estado e da religião. O arbítrio judiciário, todavia, cria em torno da justiça penal uma atmosfera de incerteza, insegurança e verdadeiro terror. [18]

Porém, o horror do cenário e o estado de reificação a que eram submetidas as pessoas passou a despertar na população o sentimento de compaixão, suscitando na consciência comum a necessidade de modificações. Surgiram então protestos contra a injustiça na aplicação da pena (não só injustiça na própria pena, como a corrupção que permeava o aparato da Justiça).

O Estado foi obrigado a repensar a forma da execução penal, atendendo aos anseios humanitários da sociedade. Então se finalizam os períodos de vingança, surgindo o período humanitário, adiante analisado.

Assim, diz-se que nessa fase de transição o povo teve a mais importante atuação na aplicação da pena, pois foi ele o principal responsável pela sua humanização [19].

Prossegue-se agora à análise das características em algumas das sociedades.

2.3 EVOLUÇÃO NAS SOCIEDADES

2.3.1 Direito Chinês

O antigo sistema penal chinês possuía caráter sagrado e místico, estando materializado no Livro das Cinco Penas, que consistiam na "amputação do nariz, amputação das orelhas, na obstrução dos orifícios do corpo, na perfuração dos olhos e na morte" [20].

As cerimônias eram públicas e a pena capital era executada geralmente através da forca, decapitação, esquartejamento e enterro com vida. "A vingança e o talião apareciam como vertentes básicas de toda uma ideologia de terror e de martírios" [21].

2.3.2 Direito Persa

Em uma primeira época vigorava na Pérsia a vingança privada, regulada pelo talião. Após, com o advento do islamismo surgiu uma nova fase, em que os crimes eram considerados ofensas à majestade do soberano e, por isso, as punições eram muito cruéis.

2.3.3 Direito Hebraico

"Após a etapa da Legislação Mosaica, evolui o Direito Penal do Povo hebreu com o Talmud" [22], no qual houve a substituição da pena de talião pela multa, prisão e imposição de gravames físicos. Ocorreu também a extinção da pena de morte, que cedeu lugar à prisão perpétua sem trabalhos forçados.

Surgiram garantias rudimentares em benefício do réu, tais como a punição da denunciação caluniosa e do falso testemunho.

2.3.4 Direito na Grécia Antiga

No início da civilização grega as leis, propriamente ditas, estavam intimamente ligadas às crenças religiosas, assim como as punições eram as inerentes a tal espécie de sistema. Entretanto, somente eram titulares de direitos os cidadãos gregos, sendo que aos excluídos (mulheres, escravos e estrangeiros) impunham-se apenas obrigações e punições.

Nesse contexto, o destaque da legislação grega foi o código de Sólon, que consistiu em uma verdadeira revolução social, na qual as leis passaram a aplicar-se a todos [23].

2.3.5 Direito Romano

Destaca-se a Lei das XII Tábuas (século V a.C.), pois "com ela inicia-se o período de vivência legislativa com a conseqüente limitação da vingança privada, pelo talião e pela composição" [24]. Buscou-se, assim, a proporcionalidade entre o delito e a punição. Ou seja, a reação à ofensa era limitada à prática de um mal idêntico ao sofrido.

Consistiu também em uma ampla revolução no sistema anteriormente vigente, em que apenas os cidadãos eram detentores dos direitos e obrigações decorrentes da lei (excluíam-se os escravos e os estrangeiros), passando a lei a possuir caráter público e aplicável a todos. Deixou-se ainda de atribuir o caráter santo à lei, para entendê-la como manifestação da vontade humana, passível de alteração por essa mesma vontade [25].

No ano de 509 a.C. surge a Lex Valeria [26], que submeteu ao requisito da confirmação popular as sentenças condenatórias à pena capital prolatadas por magistrados contra cidadãos romanos, aumentando a participação comunitária no juízo de aplicação das penalidades.

2.3.6 Direito Germânico

No Direito Penal germânico [27] inicialmente também vigia a vingança de sangue, sendo que a reação era feita individualmente ou através do grupo familiar, o que originou a Faida, ou seja, ordem consuetudinária em que o agressor era entregue à vítima ou aos seus parentes para que exercessem o direito de vingança. Com o fortalecimento do poder estatal, foi gradativamente substituída pela composição, inicialmente voluntária, depois obrigatória (havia o dever de compensar o prejuízo sofrido com importâncias em pecúnia).

No âmbito processual "vigoravam as ‘ordálias’ ou ‘juízos de Deus’ (prova de água fervente, de ferro em brasa etc.) e os duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios" [28] (pessoalmente ou através de lutadores profissionais [29]).

Passa-se então à época franca (ano 481), em que se erige um Estado unitário e percebe-se que o Direito não é só um costume popular dedicado aos deuses, mas também vontade estatal. Adota-se uma "política criminal consciente, como metódica repressão ao crime" [30], em que a objetividade penal e a composição são privilegiadas.

2.3.7 Direito Canônico

No período do Direito canônico, ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana, eram aplicadas penas que atingiam bens espirituais e direitos eclesiásticos (v.g. excomunhão e penitência); e bens jurídicos de ordem leiga (v.g. integridade física, liberdade, patrimônio). O escopo era o arrependimento, a correção do delinqüente, o restabelecimento da ordem social, a exemplaridade da punição e a purgação da culpa, "o que levou, paradoxalmente, aos excessos da Inquisição" [31].

Na hipótese de necessidade de aplicação da pena de morte eram os casos remetidos às cortes laicas, as quais tinham sua atuação conhecida e autorizada pela Igreja.

Dentre as características do sistema [32], destacou-se a contribuição para a humanização das penas e a imposição de limite real e definitivo à vingança privada.

2.3.8 Direito Medieval

Também denominado de Direito Penal comum [33], consistiu em fase na qual ocorreu a fusão dos postulados romanos, germânicos, canônicos e dos direitos nacionais, passando a ter destaque o papel dos juristas.

O Absolutismo político responsabilizou-se por agravar o Direito Penal, caracterizando-se pela crueldade na execução das penas (quase sempre corporais e aflitivas), com objetivo apenas de vingança social e intimidação, sendo utilizados os suplícios (espetáculos em que as penas eram executadas em praça pública).

Na realidade, a lei penal dos tempos medievais tinha como verdadeiro objetivo provocar o medo coletivo. Não importa a pessoa do réu, sua sorte, a forma em que ficam encarcerados. Loucos, delinqüentes de toda ordem, mulheres, velhos e crianças esperam, espremidos entre si em horrendos encarceramentos subterrâneos, ou calabouços de palácios e fortalezas, o suplício e a morte. [34]

2.4 PERÍODO HUMANITÁRIO

Tem início no decorrer do Iluminismo, e a Justiça Penal deixa de ser um meio de vingança para se tornar um instrumento de punir. Inicialmente foi a doutrina jusnaturalista (cristã e racionalista) responsável por defender os direitos humanos diante do Estado.

E, nesse ambiente político-cultural, de crítica e de reforma, surgiram os chamados precursores dos sistemas penitenciários, os quais preocuparam-se com a situação das prisões e possibilitaram a criação de política criminal mais justa. São exemplos:

Cesare Beccaria, autor de "Dos Delitos e das Penas", onde apresenta uma série de postulados acerca da humanização das sanções criminais, os quais servem de referencial até hoje; John Howard que escreveu "O estado das prisões na Inglaterra e no País de Gales", onde relata as péssimas condições dos cárceres que visitou em vários países, e Jeremy Bentham, discípulo de Howard, que além de escrever "Teoria das penas e das recompensas" onde defende o utilitarismo da pena, foi o criador do panóptico, modelo arquitetônico de prisão celular. [35]

Desse período decorrem os fundamentos da estrita legalidade dos crimes e das penas; a afirmação de que a finalidade da pena é a prevenção geral e a utilidade; a reafirmação da necessidade de proporcionalidade entre o crime a pena; a abolição da tortura e da pena de morte, passando a prisão a ser adotada como pena, e não somente como instrumento de custódia; a clareza das leis; a separação das funções estatais; e a igualdade de todos perante a lei.

2.5 ESCOLAS DE DIREITO PENAL

A Escola Clássica fundamenta-se nos ideais iluministas, trazendo a noção de imputabilidade, decorrente do livre arbítrio.

Prossegue-se à fase da Escola Positivista, em que se destacam como objeto do estudo do Direito Penal não só o crime e a pena, mas também o delinqüente e o processo.

Na Escola Crítica, assim como na sua antecedente, a pena tem a função de defesa da sociedade.

Subseqüentemente surge a Escola Moderna Alemã, em que ocorre o desenvolvimento da política criminal e a pena passa a ser orientada de acordo com a personalidade do delinqüente.

Seguem-se a Escola Técnico-jurídica (adota-se a medida de segurança aos inimputáveis e a pena, aplicável aos imputáveis, possui as funções preventiva geral e especial), Correcionalista (fundada na pena privativa de liberdade), e alcança-se o Movimento de Defesa Social, em que ocorre exame crítico do sistema, com vocação humanista e apelo às ciências humanas. Realizou-se uma aproximação pluridisciplinar do problema criminal visando a proteção do ser humano e a garantia dos direitos do homem.

2.6 EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

A História do Direito Penal no Brasil pode ser dividida em 04 períodos: pré-colonial, colonial, imperial e republicano.

No período pré-colonial eram exclusivamente os indígenas que habitavam o país. Não havia legislação e, portanto, os regramentos eram consuetudinários e permeados por misticismo. Adotava-se principalmente a vingança privada, sem uniformidade nas punições aplicadas contra as condutas ofensivas. Conheciam-se também maneiras de composição do dano.

Conforme salienta João Bernardino Gonzaga [36], havia uma noção, ainda que rústica e empírica, do talião. Assim, aplicava-se certa proporcionalidade entre a ofensa e a punição, adotando-se principalmente sanções corporais (sem tortura) e a expulsão da tribo.

Mas, "dado o seu primarismo, as práticas punitivas das tribos selvagens que habitavam o nosso país, em nenhum momento influíram na nossa legislação" [37].

Com o descobrimento do Brasil em 1500 passaram a vigorar as normas do Direito português, na seguinte ordem cronológica: Ordenações Afonsinas (1446), Manuelinas (1521), Compilação de Duarte Nunes de Leão (1569) e Ordenações Filipinas (1603).

Característica marcante é a de que todas eram orientadas "no sentido de ampla e generalizada criminalização" [38], com severas punições, tais como a pena de morte, queimaduras [39], "açoite, amputação de membros, galés, degredo etc." [40].

Havia ainda verdadeira "inflação de leis e decretos reais destinados a solucionar casuísmos da nova colônia" [41]. Na prática, a isso se aliavam os poderes que eram conferidos a donatários através das cartas de doação, criando uma realidade jurídica particular, na qual predominava, em verdade, o arbítrio dos donatários.

Pode-se afirmar, sem exagero, que se instalou tardiamente um regime jurídico despótico, sustentado em um neofeudalismo luso-brasileiro, com pequenos senhores, independentes entre si, e que, distantes do poder da Coroa, possuíam um ilimitado poder de julgar e administrar os seus interesses. De certa forma, essa fase colonial brasileira reviveu os períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade, vividos em outros continentes. [42]

Após a independência do Brasil, tendo início o período imperial, foi sancionado o Código Criminal do Império do Brasil, no ano de 1830, inspirado nas idéias de Benthan, Beccaria e Mello Freire, no Código Penal Francês de 1810, no Código da Baviera de 1813, no Código Napolitano de 1819 e no Projeto de Livingston de 1825, conforme informa Cezar Roberto Bitencourt [43].

Tal diploma legal trouxe importantes inovações e garantias para o sistema, tais como "o princípio da legalidade, as regras sobre tentativa, elemento subjetivo, autoria e participação, casos de inimputabilidade, causas de justificação, agravantes e atenuantes" [44], espécies e regras gerais de aplicação das penas.

Proclamada a República, adveio o Código Penal de 1890, que ignorava por completo os avanços doutrinários, com graves defeitos de técnica, motivo pelo qual foi alvo de inúmeras críticas. Com o intuito de sanar os defeitos foi editada uma elevada quantidade de leis extravagantes, o que formou uma "verdadeira colcha de retalhos" [45], culminando na concentração conhecida como Consolidação das Leis Penais de Vicente Piragibe (1932).

Inúmeros foram os projetos de novos códigos. Enfim, sancionou-se o projeto de Alcântara Machado em 1940, surgindo o Código Penal que vigora desde 1942 até os dias atuais, mas com algumas modificações, dentre as quais destacam-se a Lei nº 6.416/77 (que procurou atualizar as sanções penais) e a Lei nº 7.209/84 (que instituiu nova parte geral).

E, em 1988, consolidando o Estado Democrático de Direito surge a atual Constituição da República Federativa do Brasil ("lei fundamental e suprema" [46] do Estado) que traz inspirações humanistas [47], principalmente no concernente ao respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III).

Garantias foram tornadas definitivas em seu art. 5º, tais como, dentre outras, a vedação de instituição de juízo ou tribunal de exceção (inciso XXXVII), a estrita legalidade (XXXIX), a pessoalidade e individualização da pena (XLV e XLVI), a vedação quanto à imposição de penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, e quaisquer outras que se mostrem cruéis (XLVII), e o respeito à integridade física e moral dos presos (XLIX).

2.7 CONCLUSÃO SOBRE A EVOLUÇÃO

A sociedade sempre esteve presente na execução penal. Por vezes, a participação ocorreu em menor grau, em que as pessoas foram meramente destinatárias da sanção ou espectadoras (vinganças divina e pública). Por outras, a atuação foi ativa e profunda, com a movimentação popular na própria execução das punições (vingança privada) ou na reforma de sistemas punitivos então vigentes (transição para o período humanitário).

Mas, o principal é que dessa ação da comunidade durante os séculos decorreu a humanização da pena e a implementação de políticas penitenciárias, permitindo o atual estágio de desenvolvimento, em que se concebe a cooperação entre a sociedade e o Poder Público na implementação de soluções e ações que visem à melhora da segurança pública e da própria sociedade como um todo.


3 O SISTEMA PENAL BRASILEIRO

Como visto, na antiguidade [48] a prisão era vista meramente como instrumento de custódia provisória do acusado enquanto se desenrolava o processo ou se aguardava o início da execução da pena. As penas, propriamente, consistiam em medidas gravosas, tais como penas de morte, corporais (mutilações e açoites) e infamantes (penas "dirigidas diretamente a ofender o homem no bem jurídico da honra, privando-o do seu status de boa fama e restringindo a sua capacidade jurídica em relação ao exercício de certos direitos" [49]).

Na modernidade [50], a visão se modificou, tendo passado a prisão a ser adotada como pena, em caráter principal, o que foi resultado de uma forma de humanização das sanções criminais.

Ainda a respeito, expõe Rosânea Elizabeth Ferreira:

Dentro dessa nova visão acerca da pena, o mecanismo de punição escolhido para humanizar as sanções foi a privação de liberdade. Assim, a prisão, que outrora possuía apenas a função de custódia, foi designada para abrigar àqueles que infringissem a norma penal. [51]

Atualmente, a prisão divide-se em prisão processual de natureza cautelar* (prisão em flagrante, preventiva, temporária, decorrente de pronúncia e decorrente de sentença condenatória recorrível) e prisão como modalidade de pena, privativa de liberdade.

No caso da pena privativa de liberdade [52], são conhecidos no mundo diversos sistemas distintos. São eles:

a) Filadélfico: também chamado de Pensilvânico ou Celular, surgiu no ano de 1790, na prisão de Walnut Street, em Filadélfia, Estados Unidos da América. Consiste em constante isolamento celular, "solitary system".

b) Auburniano: surgiu na cidade de Auburn, Estado de Nova Iorque, em 1818, e possui por base o trabalho coletivo diurno e o isolamento noturno.

c) Progressivo: divide-se em dois modelos. O primeiro é o modelo Inglês (1ª fase - isolamento celular diurno e noturno; 2ª fase - trabalho comum regido pelo silêncio; e 3ª fase - admissão de liberdade condicional); e o segundo, o Irlandês (1ª fase - isolamento celular diurno e noturno; 2ª fase - isolamento celular noturno e trabalho diurno em comum; 3ª fase - período intermediário com trabalho ao ar livre em estabelecimentos especiais; e 4ª fase - liberdade condicional).

O Código Penal Brasileiro de 1940 adotou um sistema progressivo nos moldes do Irlandês, mas com algumas modificações.

Com a reforma da parte geral, no ano de 1984, houve valorização do Sistema Progressivo, com a adoção de progressão de regime subordinada ao cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e ao mérito do condenado, consoante prescrevem os artigos 33, § 2º, do Código Penal Brasileiro (CP) e 112 da Lei de Execução Penal (LEP). Adotou-se também a obrigatoriedade do trabalho nos regimes fechado e semi-aberto, admitindo-se a figura do livramento condicional.

Assim persiste até os dias atuais, ressalvados os casos de crimes hediondos e equiparados, nos quais não se permite a progressão de regime.

A pena privativa de liberdade – que pode ser de reclusão (cumprida em regime fechado, semi-aberto e aberto, conforme o art. 33, caput, do CP), detenção (executada em regime semi-aberto ou aberto, admitindo, porém, a regressão para o regime fechado no caso de ocorrência de falta grave ou novo crime doloso) e prisão simples (cominada exclusivamente a algumas Contravenções Penais, cumprida sem rigor penitenciário e devendo ser executada em estabelecimento penal especial, sendo vedado o regime fechado) – tem seu regime inicial de cumprimento estabelecido pelo magistrado na sentença (art. 59, inciso III, do CP e art. 110 da LEP).

Destacando-se que para a determinação do regime inicial de cumprimento de pena concorrem dois fatores, quais sejam: a quantidade da pena imposta (art. 33, § 2º, do CP); e as condições pessoais do condenado (art. 33, § 3º, e art. 59 caput do CP).

Existem regras especiais como as pertinentes aos crimes abrangidos pela Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que devem ter a pena privativa de liberdade cumprida em regime integralmente fechado (art. 2º, § 1º), ainda que seja inferior a 08 anos, excetuado o crime de tortura.

Convém ressalvar que parcela da doutrina e da jurisprudência [53] entende que essa regra viola o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da Constituição da República), sendo, por conseguinte, inconstitucional; já outra parcela, a qual predomina no Supremo Tribunal Federal [54] (STF) e no Superior Tribunal de Justiça [55] (STJ), possui entendimento de que o critério determinante da fixação da pena é a gravidade do delito perpetrado, e não a regra da individualização, que a relativiza.

Quanto aos crimes de tortura, definidos pela Lei nº 9.455/97, em regra, os condenados pelos ilícitos penais nela previstos iniciarão o cumprimento da pena imposta em regime fechado (art.1º, § 7º), ressalvada a hipótese do § 2º do art. 1º, da Lei nº 9.455/97.

Em que pese a prática de tortura esteja elencada na Lei dos Crimes Hediondos de 1990, não se aplica em relação a esse ilícito a regra do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em virtude da alteração havida com a edição da Lei nº 9.455/97.

O mesmo ocorre com os crimes decorrentes de organização criminosa, previstos na Lei nº 9.034/95, em que os condenados deverão apenas iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado.

Com relação a mulheres condenadas, a pena privativa de liberdade deve ser cumprida em estabelecimento próprio, ficando asseguradas às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, incisos XLVII e L, da Constituição da República, art. 37 do CP e artigos 88 e 89 da LEP).

Os idosos condenados, assim considerados os maiores de 60 (sessenta) anos de idade, também deverão ser recolhidos em estabelecimentos próprios e adequados à sua condição pessoal (consoante disposição da Lei nº 9.460/97, que deu nova redação ao § 1º do art. 82 da LEP).

De acordo com o art. 75 do CP, as penas privativas de liberdade possuem limite temporal de cumprimento fixado em 30 anos. Cabe relembrar que a Constituição proíbe a pena perpétua (art. 5º, inciso XLVII).

Entretanto, predomina na jurisprudência o entendimento de que o art. 75 do CP tem o efeito exclusivo de limitar a duração do cumprimento da pena, não podendo servir de parâmetro para outros benefícios da execução penal, tais como progressão de regime e livramento condicional [56].

Além das penas privativas de liberdade, o sistema penal pátrio adota ainda penas restritivas de direitos, que possuem caráter não detentivo.

Prossegue-se no momento à análise das formas de cumprimento de pena.

3.1 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

3.1.1 Regime Fechado

Dispõe o art. 33, § 1º, alínea "a" do CP, que se considera regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média, quais sejam, as penitenciárias.

Possui por principais características:

a) o condenado fica sujeito ao trabalho no período diurno e isolamento no período noturno (CP, art. 34, § 1º);

b) no início do cumprimento da pena o condenado é submetido a exame criminológico de classificação (CP, art. 34); e

c) é admissível o trabalho externo em serviços ou obras públicas (CP, art. 34, § 3º).

3.1.2 Regime Semi-Aberto

O art. 33, § 1º, alínea "b" do CP determina que a execução da pena em regime semi-aberto deve ocorrer em Colônia Penal Agrícola, Industrial ou similar, sob as características de o condenado ficar sujeito ao trabalho no período diurno; não haver isolamento no período noturno; ser admissível o trabalho externo e a participação em cursos (CP, art. 35, § 2º).

3.1.3 Regime Aberto

O Regime Aberto, segundo o art. 33, § 1º, alínea "c", do CP, deve ser executado em Casa de Albergado ou estabelecimento adequado. Diante da quase total ausência de casa de albergado, é admitido o recolhimento domiciliar no período noturno.

Funda-se o regime aberto na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado (CP, art. 36). Pois este, fora do estabelecimento e sem vigilância, deverá trabalhar, freqüentar cursos ou exercer outra atividade lícita e autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e dias de folga (CP, art. 36, § 1º).

Como condição especial fundamentada no art. 115 da LEP, e como fator moralizador do regime aberto (conforme preconiza o magistrado paranaense Gilberto Ferreira em trabalho publicado na RT 647/263 e em obra de sua autoria [57]) é possível a aplicação da prestação de serviços à comunidade pelo tempo de duração da pena privativa de liberdade aplicada. Entretanto, há oposição, sendo a esse respeito a lição de Maurício Kuehne:

Em relação ao art. 115, indaga-se quanto à possibilidade de o Juiz estabelecer como condição do regime aberto o cumprimento de alguma das penas restritivas de direitos. A resposta parece-nos negativa. Quando o réu se encontra em regular cumprimento de pena no regime em questão (aberto) cumpre pena privativa de liberdade e seria incoerente, pudesse subsistir, ao mesmo tempo, outra modalidade de pena. [58]

3.2 PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

No âmbito das alternativas penais, o direito brasileiro adota as penas substitutivas à pena privativa de liberdade decorrente da ação penal condenatória e as medidas alternativas do sistema consensual (transação penal nos Juizados Especiais Criminais).

Encontram-se previstas na seção II, do Capítulo I, do Título V, do CP, ou seja, no artigo 43 e seguintes. São elas: prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, prestação de outra natureza, perda de bens e valores, limitação temporária de direitos e limitação de fim de semana.

3.2.1 Prestação de Serviços à Comunidade

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, consoante dispõe o art. 46, §§ 1º e 2º, do CP, consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao apenado, sendo executada junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

Segundo Luiz Régis Prado, "o escopo primeiro de tal pena é a reinserção social do condenado, sem que este sofra os dissabores que o cumprimento de eventual pena privativa de liberdade poderia lhe trazer" [59].

A prestação de serviços não é remunerada (art. 30 da LEP), inexistindo qualquer vínculo empregatício entre o réu e o Estado, aqui entendido como Poder Público.

As tarefas devem ser atribuídas em conformidade com as aptidões pessoais do prestador, e cumpridas de maneira a não prejudicar a jornada normal de trabalho.

À entidade beneficiada incumbe encaminhar mensalmente ao juiz da execução relatório circunstanciado das atividades do condenado (mencionando elementos tais como freqüência e grau de zelo na prestação), bem como comunicar a qualquer tempo a ausência ou a ocorrência de falta disciplinar.

3.2.2 Prestação Pecuniária

A Prestação Pecuniária (arts. 43, inciso I, e 45, § 1º, ambos do CP) consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz.

De acordo com a exposição de Jorge Henrique Schaefer Martins, podem ser beneficiárias da prestação pecuniária:

[...] entidades públicas que tenham por objetivo o atendimento à população, e mesmo as privadas que se dediquem ao atendimento de pessoas carentes, sejam elas infantes, adultos, alcoólatras, drogados, enfim, pessoas que estejam a necessitar algum tipo de auxílio, oportunizando-lhes melhores condições de exercer suas atividades e atingir suas finalidades. [60]

O valor pago não pode ser inferior a um e nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos e será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.

3.2.3 Prestação de Outra Natureza

Em havendo aceitação do beneficiário, pode a prestação pecuniária consistir em prestação de outra natureza (e.g. entrega de remédios, kits escolares, gêneros alimentícios e peças de vestuários).

O agente, vendo-se compelido a contribuir pecuniariamente, ou mesmo com a entrega de algum tipo de produto a uma entidade, pode verificar pessoalmente a vantagem que advirá da execução da sua obrigação. Sentir-se-á, de outra parte, não mais estigmatizado, mas tendo consciência de seu erro, vendo que as portas da sociedade a ele não se fecharam. [61]

Cezar Roberto Bitencourt apresenta duas críticas à prestação de outra natureza. A primeira [62], porque consiste em uma "substituição da substituição", ao passo que tal pena ocorre em substituição à pena de prestação pecuniária, e esta, por sua vez, já se apresenta como uma substituição à pena privativa de liberdade. A segunda [63], porque viola o princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da Constituição da República e art. 1º do Código Penal), pois tal princípio "exige que preceito e sanção sejam claros, precisos, certos e determinados".

Damásio Evangelista de Jesus contra-argumenta que embora a prestação pecuniária inominada contrarie o princípio da legalidade dos delitos e das penas, encontra-se em consonância com as Regras de Tóquio, as quais recomendam ao juiz a aplicação de qualquer medida que não envolva detenção pessoal [64]. Acresce-se a isso que, na prática, muitas vezes a prestação inominada pode mostrar-se mais benéfica tanto para a sociedade quanto para o réu.

3.2.4 Perda de Bens e Valores

O último autor citado [65] expõe que, ressalvada a legislação especial, a perda de bens e valores dá-se em favor do Fundo Penitenciário Nacional e seu valor tem como teto o montante do prejuízo causado ou o provento obtido pelo agente ou terceiro em conseqüência da prática do crime, prevalecendo o que for maior.

Cuida-se de pena criminal prevista na Constituição da República (art. 5º, inciso XLVI, alínea "b").

3.2.5 Limitação Temporária de Direitos

Em atenção ao art. 47 do CP, as penas de interdição temporária de direitos são:

a) proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;

b) proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

c) suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; e

d) proibição de freqüentar determinados lugares.

Consistem em penas que devem ser individualizadas, incumbindo ao magistrado adequá-las ao fato e às condições do condenado. E, especificamente no que pertine à proibição de freqüência a determinados lugares, deve-se ter em vista o local do cometimento do crime.

3.2.6 Limitação de Fim de Semana

Expõe o caput do art. 48 do CP que a limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Durante a permanência podem ser ministrados cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas (CP, art. 48, parágrafo único).

Paulo José da Costa Júnior traz crítica no sentido de que a pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana "apresenta os inconvenientes da prisão celular, acrescidos por duas agravantes: brevidade e intermitência" [66]. Citado autor prossegue ainda analisando a inaplicabilidade e as mazelas da pena em exame:

Convenhamos: se o condenado não se resignar ao recolhimento de final de semana, dificilmente a medida poderá apresentar qualquer papel terapêutico. O preso, rebelde à medida, recolhido ao albergue, afastado da família, verá escoar com lentidão aquelas cinco horas, frustrado e revoltado, ou mesmo embriagado. Isto sem mencionar a absoluta falta de condições para a execução da medida idealizada pelo legislador romântico: número insuficiente de casas de albergados ou estabelecimentos adequados, ausência de pessoal especializado e de infra-estrutura apropriada, falta de verba orçamentária.

Onde os estabelecimentos para alojar os apenados de fim de semana? Onde professores e técnicos para ministrar os cursos, palestras e atividades educativas sonhadas pelo legislador brasileiro de 1984? [67]


4 A POLÍTICA CRIMINAL

A Política Criminal consiste na "atividade que tem por fim a pesquisa dos meios mais adequados para o controle da criminalidade" [68]. Na definição de René Ariel Dotti:

A Política Criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Em sentido amplo, compreende também os meios e métodos aplicados na execução das penas e das medidas de segurança, visando o interesse social e a reinserção do infrator. [...] Compete à Política Criminal fornecer e avaliar os critérios para se apreciar o valor do Direito vigente e revelar o Direito que deve vigorar; cabe-lhe ensinar-nos também a compreender o Direito à luz de considerações extraídas dos fins a que ele se dirige e a aplicá-lo nos casos singulares em atenção a esses fins (Liszt, Tratado, p. 3). Em síntese, pode-se afirmar que a Política Criminal é a sabedoria legislativa do Estado na luta contra as infrações penais. [69]

Magalhães Noronha afirma que a Política Criminal é ao mesmo tempo "crítica e reforma" [70]. Atua criticamente quando examina e estuda as instituições jurídicas existentes, avaliando as mazelas e qualidades do sistema penal material, formal e de execução. E atua como reforma quando sugestiona e implementa modificações e aperfeiçoamentos aos sistemas.

Segundo Heleno Cláudio Fragoso "não é ciência, mas apenas técnica, aproximando-se das disciplinas políticas, que são disciplinas de meios e fins" [71].

A Organização das Nações Unidas (ONU) denomina de Política Criminal o "critério orientador da legislação, bem como os projetos e programas tendentes a mais ampla prevenção do crime e controle da criminalidade" [72].

Atualmente a Política Criminal tem variado, principalmente no âmbito legislativo, sendo por vezes contraditória.

Há corrente que visa o recrudescimento das penas como meio de melhora na segurança pública, o que se denominou de "política criminal do terror" [73], abordando temas como os crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) e a criminalidade organizada (Lei nº 9.034/95).

Outra, busca a efetividade do sistema penal e a implementação de formas que facilitem a reinserção social, como a adoção das penas alternativas e a legislação pertinente aos Juizados Especiais Criminais, trazendo a noção de infrações de menor potencial ofensivo.

A Política Criminal possui influência direta sobre o legislador e se insere na doutrina e na jurisprudência, demonstrando as tendências e exigências sociais. Nesse sentido, é interessante que se perceba a importância do exercício de uma Política Criminal que vise aproximar a comunidade das questões pertinentes à execução penal, permitindo a existência de um trabalho de (re) inserção social do delinqüente, assim como da inclusão social das classes que atualmente encontram-se marginalizadas. Se isso ocorrer com efetividade, certamente haverá redução na criminalidade, o que melhorará a segurança pública.


5 CAUSAS E MOTIVAÇÕES DE CRIMINALIDADE

Muitas podem ser as causas da criminalidade [74], entretanto, o foco aqui presente é o da análise de causas em que a própria comunidade pode exercer influência e atuação, na tentativa de uma melhora da sociedade.

Também não se desconhece o fator de que sempre haverá pessoas que mesmo tendo todas as condições para o exercício de uma vida honesta optarão por seguir o caminho delitivo. Mas, certamente esse número será pequeno se comparado às atuais taxas de criminalidade, motivo pelo qual é oportuno o esforço da comunidade na melhora da segurança pública.

5.1 A PENA COMO FATOR CRIMINÓGENO

Pode-se identificar com facilidade duas frentes nas quais a pena, nos moldes como tem sido manuseada, atua como fator criminógeno.

A primeira consiste na falta de fiscalização do Poder Público quanto ao efetivo cumprimento das sanções aplicadas. Não raro vêem-se sentenças belíssimas, com citações de doutrina estrangeira e jurisprudências atuais, mas que, na prática, esvaem-se em si mesmas, pois o sujeito passivo – o réu condenado – embora tenha uma pena aplicada, não a cumprirá e encontrará apoio para sua desídia na inoperância que assola a maior parte das varas criminais e de execução.

Por vezes a inoperância decorre da falta de pessoal e de equipamentos. Por outras, são os próprios "aplicadores do Direito" que não possuem interesse em dar efetividade à execução penal, pois temem o aumento do volume de trabalho, relegando a questão.

De qualquer forma, o resultado é o mesmo: ausência de efetivação das sanções aplicadas.

É inegável que a ausência de rigor e fiscalização quanto a um efetivo cumprimento de pena é fator que gera descrédito à Justiça. Logo, do descrédito decorre o estímulo à delinqüência, pois as pessoas passam a perceber que podem adentrar à vida criminosa e auferir lucro facilmente, haja vista que não sofrerão efetiva repressão.

A segunda forma em que a pena atua como fator criminógeno consiste na falência da pena prisão.

[...] Considera-se que a prisão, em vez de frear a delinqüência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações. [75]

Michel Foucault [76] há muito já concluiu que a prisão não diminui a taxa de criminalidade, pois é fator que provoca a reincidência; fabrica e aperfeiçoa a delinqüência (eis que lhe são inerentes o arbítrio, a corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração); favorece a organização de um meio de criminosos, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; e fabrica, indiretamente, novos delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família do detento.

Muitas são as razões para as conseqüências nefastas da pena de prisão. Samuel Monteiro [77] destaca, dentre outras, as seguintes:

a) o custodiado não exerce qualquer atividade lícita que o torne útil a si mesmo e à sociedade, não sendo estimulado à auto-regeneração;

b) não se ministra alfabetização ao analfabeto, nem cursos profissionalizantes aos já alfabetizados; mantém-se o preso no ócio permanente, obrigando-o a cultivar pensamentos torpes, planos de fuga, de continuidade delitiva, no que é incentivado pelos exemplos ocorridos dentro da detenção ou presídio, diariamente, e pelos conselhos dos já irrecuperáveis (presos com grandes condenações e que comandam grupos de presos com seu poder maléfico); e

c) ao invés de trabalhar para alimentar-se, o condenado é alimentado pelos cofres públicos.

Entretanto, a maior falha da pena de prisão é a de que não alcança a sua principal finalidade, a de ressocialização do condenado. Tal frustração decorre principalmente da total exclusão social do indivíduo encarcerado, o qual fica isolado da comunidade. Na conclusão de Luís Francisco Carvalho Filho [78], o "cárcere é uma instituição totalitária, que, com o passar do tempo, deforma a pessoa e acentua seus desvios morais".

Ocorre violação direta ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, pois o preso é privado de todas as condições mínimas de vida.

Colhendo a análise psicológica, tem-se que o indivíduo imerso no mundo intramuros sofre um processo de desconstrução de sua personalidade e individualidade.

O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições. Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele. [79]

Eugenio Raúl Zaffaroni exprime toda a falência das prisões ao afirmar que as "cadeias são verdadeiras máquinas de deteriorar".

A prisão ou cadeia é uma instituição que se comporta como uma verdadeira máquina deteriorante: gera uma patologia cuja principal característica é a regressão, o que não é difícil de explicar. O preso ou prisioneiro é levado a condições de vida que nada têm a ver com as de um adulto: é privado de tudo que o adulto faz ou deve fazer usualmente em condições e com limitações que o adulto não conhece (fumar, beber, ver televisão, comunicar-se por telefone, receber ou enviar correspondência, manter relações sexuais, etc.).

Por outro lado, o preso é ferido na sua auto-estima de todas as formas imagináveis, pela perda de privacidade, de seu próprio espaço, submissões a revistas degradantes, etc. A isso juntam-se as condições deficientes de quase todas as prisões: superpopulação, alimentação paupérrima, falta de higiene e assistência sanitária, etc., sem contar as discriminações em relação à capacidade de pagar por alojamentos e comodidades.

O efeito da prisão, que se denomina prisionização, sem dúvida é deteriorante e submerge a pessoa numa "cultura de cadeia", distinta da vida do adulto em liberdade. [80]

Logo, dentre a "tríplice dimensão" [81] em que se apresentam as finalidades teóricas da pena, tem-se que na prática ela cumpre apenas o escopo de retribuição. Isto é, somente se castiga o delinqüente pelo fato ilícito cometido, abandonando os fins de prevenção e reintegração social. Ocorrera inversão de valores, pois indubitavelmente as finalidades mais importantes são justamente as que foram deixadas para um segundo plano.

Ângelo Roncalli de Ramos Barros aborda a questão:

As prisões, atualmente, não recuperam. Sua situação é tão degradante que são rotuladas com expressões como sucursais do inferno, universidades do crime e depósitos de seres humanos. O encarceramento puro e simples não apresenta condições para a harmônica integração social do condenado, como preconizada na Lei de Execução Penal. Punir, encarcerar e vigiar não bastam. É necessário que se conceda à pessoa de quem o Estado e a sociedade retiram o direito à liberdade o acesso a meios e formas de sobrevivência que lhe proporcionem as condições de que precisa para reabilitar-se moral e socialmente.

[...] quando a cadeia não cumpre seu objetivo de correção de indivíduos moral e socialmente "desajustados", é a sociedade civil que sofre, com a ameaça e a insegurança crescentes.

Nas prisões, a (re) educação é fundamental e deverá ser feita através da implantação de frentes de trabalho, cujo objetivo não se resume a retirar a pessoa presa da ociosidade, mas também a abrir perspectivas de sua inserção futura na sociedade, por meio da profissionalização e da perspectiva de emprego digno. É nesse sentido que se acredita poder reduzir o circuito vicioso e reiterado do mundo do crime que se mantém na maior parte dos presídios brasileiros. [82]

Em síntese, "a prisão faliu, isto porque, além de não intimidar, não recupera ninguém. Em outras palavras, não cura, corrompe" [83], conclui César Oliveira de Barros Leal.

Contudo, não se pretende aqui afirmar a necessidade de acabar definitivamente com a adoção da pena de prisão, pois ela "é uma exigência amarga, mas imprescindível" [84]. Acredita-se que ela deve ser aplicada, mas com uma ampla e profunda remodelação estrutural.

Ao largo da discussão entre o abolicionismo, o minimalismo e as reações marginais de política penal (problemática abordada por Eugenio Raúl Zaffaroni [85]), assim como das posições que lutam pela adoção de excessivo rigor (defendidas pela mídia de massa), ou as completamente antagônicas, apresentadas pelos chamados "radicais do perdão", acredita-se que a solução esteja no que Luiza Nagib Eluf chama de "racionalidade das posições intermediárias", que consiste em uma remodelação da estrutura penal, de modo a trazer "rigor para os perigosos, mas sem violação de princípios básicos de direitos humanos e de cidadania" [86].

Nos últimos tempos houve significativo aumento da sensibilidade social em relação aos direitos humanos e à dignidade do ser humano. A consciência moral está mais exigente nesses temas. Essa maior conscientização social não tem ignorado os problemas que a prisão apresenta e o respeito que merece a dignidade dos que, antes de serem criminosos, são seres humanos. [87]

Em verdade, para que esse paradigma seja alcançado não se mostra necessária uma urgente modificação na legislação, mas sim, trata-se de se assegurar o efetivo cumprimento das regras vigentes. A Lei de Execução Penal apresenta instrumentos e disposições que visam humanizar o cumprimento das penas, viabilizando a reinserção social do indivíduo. Nesse sentido, dentre outras, destacam-se as disposições que visam o envolvimento da comunidade na execução penal (art. 4º); a adequada assistência material (arts. 12 e 13), à saúde (art. 14), jurídica (art. 15), social (arts. 22 e 23) e religiosa (art. 24); a instrução escolar (art. 18); o ensino profissionalizante (art. 19); e o trabalho (art. 28).

Já no que pertine à impunidade ocasionada por falhas na execução, a solução está na fiscalização rigorosa quanto ao cumprimento das penas aplicadas, principalmente podendo o magistrado valer-se para tanto do auxílio dos conselhos da comunidade (cuja atuação será adiante analisada).

5.2 A QUESTÃO SOCIAL E A CRIMINALIDADE

É cediço que no Brasil e em outros países subdesenvolvidos, os responsáveis pela prática de "crimes de colarinho branco"** (v.g. crimes fiscais, falimentares, de usura, etc.) dificilmente são presos, quanto mais condenados ao cumprimento de penas em penitenciárias. Diz-se inclusive que as prisões albergam apenas o chamado estereótipo do criminoso, que são indivíduos julgados não pelos seus atos, mas principalmente pela sua aparência. Não é raro que aconteçam crimes praticados por pessoas da etnia branca e que pertençam a elevadas classes sociais, porém, esses geralmente permanecem livres.

No Brasil, quando se fala em criminoso a imagem que vem à mente é a do homem, ainda jovem, de etnia negra ou parda, e pobre. Não que haja preconceito nos cidadãos, mas a associação feita entre crime e imagem ocorre involuntariamente, decorrente de aspectos históricos e, principalmente das pressões e definições apresentadas pela mídia. Isso conduz à falácia de aplicação dos discursos penais, pois o que se percebe é que a prisão não foi feita de maneira indistinta para os delinqüentes em geral, mas sim, que atua de maneira seletiva e iníqua. "A clientela do sistema é constituída pelos pobres e desfavorecidos" [88].

Eugenio Raúl Zaffaroni ao referir-se ao papel da mídia nas questões penais, adentra ao tema dos estereótipos:

Outra função importante em nível nacional, embora com certa cooperação transnacional, é a fabricação dos "estereótipos do criminoso". O sistema penal atua sempre seletivamente e seleciona de acordo com os estereótipos fabricados pelos meios de comunicação de massa. Estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinqüentes (delinqüência de colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.).

Nas prisões encontramos os estereotipados. Na prática, é pela observação das características comuns à população prisional que descrevemos os estereótipos a serem selecionados pelo sistema penal, que sai então a procurá-los. E, como a cada estereótipo deve corresponder um papel, as pessoas assim selecionadas terminam correspondendo e assumindo os papéis que lhe são propostos.

Lombroso, com seu "criminoso nato" (embora tenha sido Ferri que assim o batizou), legou-nos a melhor descrição de estereótipos de seu tempo, sempre vinculada à idéia do feito, isto é, a uma espécie de desvalor estético.

Na América Latina, o estereótipo sempre se alimenta das características de homens jovens das classes mais carentes [...]. [89]

Dessa forma, conclui-se que a grande massa dos custodiados pertencem às classes mais baixas da sociedade, ou seja, são pobres, sendo essa uma das razões que conduziu Carnelutti à conclusão de que o encarcerado "é o mais pobre de todos os pobres" [90].

Tais delinqüentes praticam, na maioria das vezes, crimes patrimoniais, tais como o furto e o roubo. Tratam-se, em regra, de criminosos sociais.

Estão eles inseridos em meio social extremamente carente, não possuem condições de sustentar a si próprios e a suas famílias e, após tentativas de obter trabalho honesto, percebem que as portas da sociedade constituída estão fechadas para si ante à falta de qualificação.

Acresce-se a isso a frustração ocasionada pela percepção de que nunca, ou dificilmente, alcançarão o padrão de vida apregoado pela mídia; que não terão os bens de consumo de marcas famosas; que não possuem condições de estudo e de qualificação profissional, enfim, de que estão à mercê da sociedade.

Newton e Valter Fernandes [91] asseveram que "entre os fatores que influem na criminalidade o mais importante, o predominante, é o econômico sem sombra de dúvida".

Muitas outras questões sociais podem ser citadas como fatores de eclosão de delinqüência, tais como a arbitrária política salarial, o fechamento de grandes indústrias em momentos de crise, a não expansão da atividade comercial, o desemprego, a dificuldade de achar colocação profissional, o baixo poder aquisitivo decorrente da inflação e da especulação, más colheitas e crises econômicas.

O I Fórum de Saúde do Sistema Penitenciário da Região Norte (realizado no Acre de 5 a 7 de abril de 2002) [92], apresentou um rol de fatores sociais de ordem objetiva e subjetiva que contribuem para o desenvolvimento e reincidência de condutas delituosas. São eles:

a) Fatores objetivos:

- a concentração econômica, gerando uma distribuição desigual de emprego e de renda;

- a ocupação desordenada do espaço urbano, permitindo a criação de núcleos residenciais sem a adequada infra-estrutura de serviços e de atendimento básico ao cidadão;

- a migração, que termina por incentivar a formação de "bolsões" de pobreza nos centros urbanos;

- a transformação rápida dos valores, das tradições e dos costumes, que modificaram a estrutura da família, bem como as suas formas de organização;

- a mudança dos valores sociais, com a cultura da delinqüência, a banalização da violência, a disseminação do crime organizado, entre outros;

- o baixo nível de escolaridade;

- a ausência de qualificação profissional, associada à precária inserção no mercado de trabalho;

- a morosidade do sistema de justiça criminal em relação ao acompanhamento dos processos judiciais;

- a seletividade da justiça criminal, que pune os mais vulneráveis e chega a criar formas de os mais privilegiados escaparem à ação da justiça;

- a violência e o abuso de poder exercido por policiais; e

- o ambiente prisional, caracterizado por problemas de diversas naturezas, como: violência, superpopulação carcerária, ociosidade, maus tratos, necessidades, falta de infra-estrutura sanitária e outros.

b) Fatores subjetivos:

- o estigma da delinqüência e da reincidência, contribuindo para a fragmentação da identidade social, o que dificulta o abandono do crime e a re (inserção) no convívio da sociedade;

- o reconhecimento social negativo por parte da sociedade, fazendo com que o egresso interiorize esse sentimento em relação a si, o que o afasta definitivamente do conjunto de valores socialmente impostos;

- o sentimento forte de injustiça social, diante do aparato judicial e policial;

- o sentimento de incapacidade para restabelecimento de novos vínculos com quem não pertence ao mundo do crime; e

- a cultura da delinqüência e da impunidade.

Enfim, é notório que a quase totalidade dos criminosos são pessoas rudes, sem formação moral adequada, semi-analfabetas e pobres, quando não miseráveis.

Pode-se afirmar que o crime, na maioria das vezes, tem como nascedouro a exclusão social. Nas palavras de Luiza Nagib Eluf, "é evidente que os problemas sociais que o Brasil apresenta são a grande mola propulsora da criminalidade" [93].

Diante dessa situação não restam dúvidas de que haveria redução na criminalidade se houvesse maior comprometimento de toda a comunidade, e dos governantes, com a questão social. Medidas de alfabetização, inclusão social e digital, proteção à saúde e à infância são apenas exemplos de atuação que influem diretamente na melhoria da segurança pública.

5.3 ESCORÇO SOBRE O PAPEL DA MÍDIA NO ESTÍMULO À CRIMINALIDADE

Os meios de comunicação em massa têm sido diretamente responsáveis por estimular a explosão de criminalidade que se vivencia no país e no mundo, exercendo esse papel sob várias formas. Eugênio Raúl Zaffaroni ao mencionar as ilusões de sistemas penais apresentadas pela mídia, diferencia o seu papel em dois níveis: o "transnacional" e o que responde às conjecturas "nacionais" [94]. Sugere-se aqui ainda um terceiro nível, o "supranacional".

No âmbito transnacional critica-se a elevada carga de violência apresentada nos programas de televisão veiculados pelo continente, a qual é vista em todas as formas de apresentação, desde seriados até a desenhos animados destinados a crianças, passando por jogos eletrônicos (que, em princípio, deveriam apenas divertir).

A violência é exposta como um fato natural e acaba incorporando-se à vida psíquica das pessoas, atuando prejudicialmente na personalidade e no comportamento humano, dificultando ou até mesmo tornando intolerável o convívio social.

Zaffaroni [95] acrescenta em sua obra que as crianças despendem mais tempo diante da televisão do que diante da professora e cita dados de que mais de 60% do material de televisão é importado, sendo que parcela considerável do restante limita-se a imitar grosseiramente os "enlatados" estrangeiros. Afirma também que o material transnacionalizado cria "demandas de papel dirigidas aos membros das agências penais nacionais que nada têm a ver com os requerimentos nacionais (os funcionários devem comportar-se como os personagens das séries)". Não bastasse isso, os seriados "glorificam o violento" e o "esperto".

No nível nacional ocorre algo similar. De um lado a mídia gera a ilusão de eficácia do sistema, fazendo com que apenas sejam recebidas como perigo a ameaça de morte violenta por ladrões ou de violação por quadrilhas, nada tratando sobre os crimes cometidos pelas classes elevadas da sociedade. Estereotipa os criminosos sociais e desencadeia campanhas de "lei e ordem" visando punições mais severas para as pessoas que se enquadrem nesse conceito.

Por outro lado, ainda mais concreto, a violência é difundida através de distorções da realidade, em que se dedica maior espaço publicitário a fatos de sangue ou até mesmo ocorre a invenção de acontecimentos que não existiram. Transmite-se, sob a forma de notícia ou informação, mensagens de estímulo à prática de delitos, tais como os slogans "a impunidade é absoluta", "os menores podem fazer qualquer coisa", "os presos entram por uma porta e saem pela outra". Pode ainda agir instigando a violência coletiva, apresentando grupos de extermínio como "justiceiros", etc. Ou pior ainda, fazem de criminosos perigosos ídolos populares.

Segundo Zaffaroni [96] os meios de comunicação de massa "constituem o melhor instrumento para incentivar o consumo de tóxicos". A publicidade de casos de intoxicação com inaláveis, com detalhadas explicações sobre as técnicas de uso (sob pretexto preventivo), "não fizeram outra coisa a não ser generalizar seu uso, causando numerosas mortes de crianças e adolescentes". O discurso da prevenção omite a real destinação, que é o incentivo ao consumo de tóxicos. Tanto é assim que pouquíssimos meios de comunicação tratam abertamente do perigo de impotência e da incapacidade para o prazer resultante da intoxicação crônica.

A nível supranacional a mídia ao atuar mundial e diretamente no estímulo ao consumo desenfreado e desmesurado, acaba por exercer influência indireta sobre a eclosão de delinqüência.

A explicação é simples. Os meios de comunicação colocam a imagem de um determinado produto (v.g. tênis, relógio, óculos, etc.), de uma determinada marca famosa, como sendo essencial a conferir status ao indivíduo, a lhe permitir maior conforto, a lhe tornar mais desejado, mais sensual, enfim, não faltam métodos publicitários para dar a um produto a falsa sensação de indispensabilidade, isso quando não adotam posturas absolutamente abusivas.

O resultado é que pessoas com escassos recursos financeiros não terão condições suficientes a adquirir licitamente tais produtos. Daí o indivíduo percebe-se inserido em um paradoxo, pois de um lado sente que necessita do bem de consumo e, de outro, que é impossível que apenas com o seu trabalho consiga obtê-lo.

E, dessa indagação interna até o impulso de cometer um ilícito penal que lhe aproxime do alcance de tal bem o caminho percorrido é célere, quanto mais em sociedades como a atual, em que valores éticos, familiares, morais e religiosos foram deixados de lado, ressalvadas louváveis exceções.

Destarte, constata-se que a mídia exerce nefastas influências sobre os indivíduos, culminando em condutas que estimulam o desenvolvimento e aperfeiçoamento da criminalidade.

Tal postura adotada pelos meios de comunicação decorre principalmente do fato de que é o tipo de conduta acima demonstrada que gera maior audiência, que faz com que subam os pontos no Ibope. Portanto, para que a comunidade modifique a atitude da mídia a solução está em cada indivíduo. Cada pessoa deve tomar consciência do mal que tem feito para a sociedade, passando a ser mais exigente com a qualidade dos programas a que assiste, principalmente, exigindo cultura. A mídia somente agirá corretamente quando o "agir correto" for o fator que eleve os níveis de audiência.


6 A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE

Consuelo da Rosa e Garcia [97] expõe que diante da ocorrência de um crime o sentimento social aflora no desejo de punir o sujeito desviante (retribuindo de certa forma o mal que causou à sociedade), de tal sorte que a vontade de expulsá-lo de uma vez por todas da comunidade sobrepõe-se à própria racionalidade humana, seja no fato de "fazer justiça com as próprias mãos" ou simplesmente enclausurá-lo em uma instituição de segurança máxima e ali desejar que permaneça até o fim de seus dias.

Nesse raciocínio, a comunidade crê que a tranqüilidade social é obtida através da segregação social do sujeito que a ofendeu. Trata-se de herança que remonta aos primórdios das civilizações, em que a pena aplicada ao sujeito infrator das condutas impostas pelo grupo social era o banimento.

Todavia, em países como o Brasil, em que não há no sistema jurídico a possibilidade de aplicação de penas de morte ou de prisão perpétua, o que ocorre é apenas a retirada temporária do delinqüente do meio social, sendo o retorno do indivíduo (a liberdade) um fato certo.

Parte da população não tem conhecimento de que o sistema penitenciário é apenas um elo de uma corrente que vai desde a prática do crime até a recuperação da pessoa que o praticou, a fim de que possa ser inserida novamente em uma sociedade de paz. [98]

Dessa forma, é necessário que ocorra o máximo possível de esforço da sociedade em recuperar o indivíduo, trabalhando-se no sentido de prepará-lo para uma sadia e harmônica reinserção social. Nesse sentido, a lição de Márcio Gontijo:

[...] para que a terapêutica criminal logre seu propósito de ressocialização do delinqüente, também é imperioso que a comunidade deixe de cercar a individualidade criminosa daquela aura de antipatia, desconfiança, temor e hostilidade. Comporta, isto sim, conhecer a máxima de Terêncio: "homem sou e nada do que é humano me é indiferente". [99]

A ausência da participação da comunidade na execução penal torna o ambiente carcerário artificial e "não permite realizar nenhum trabalho reabilitador sobre o recluso" [100]. A questão transforma-se em paradoxo, pois se busca a ressocialização de um indivíduo, utilizando como ferramenta a sua segregação da própria sociedade.

Ou ainda pior, nota-se que o indivíduo é colocado em um ambiente (penitenciárias) no qual estão inseridas apenas outras pessoas tidas como anti-sociais, fator que, em tese, apenas acarretará ainda mais a degradação do seu comportamento, o que tem sido chamado de fenômeno da prisionalização (ou prisionização [101]), e consiste no fato de que as regras sociais existentes não possuem qualquer valor no interior dos estabelecimentos penais, sendo que lá existem normas próprias, pertinentes ao submundo carcerário, e às quais o preso, por questão de sobrevivência, é compelido a aceitar.

Rosânea Elizabeth Ferreira aborda a problemática:

[...] Quando um indivíduo ingressa num estabelecimento prisional, as regras sociais que aprendeu não valem mais, devendo ele submeter-se, até mesmo por questão de sobrevivência, às normas existentes no submundo carcerário, começando aí o fenômeno da prisionalização, promovido pela aculturação. [102]

Assim como a lição de Eugênio Raúl Zaffaroni [103], já abordada no início do presente estudo, Erving Goffman traz a ótica da psicologia:

Aparentemente, as instituições totais não substituem algo já formado pela sua cultura específica; estamos diante de algo mais limitado do que a aculturação ou assimilação. Se ocorre mudança cultural, talvez se refira ao afastamento de algumas oportunidades de comportamento e ao fracasso para acompanhar mudanças sociais recentes no mundo externo. Por isso, se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo exterior, o que já foi denominado "desculturamento" – isto é, "destreinamento" – que o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária. [104]

Ou seja, com a imersão do indivíduo no cárcere, verifica-se primeiramente o fenômeno da prisionização, o qual é responsável por desestruturá-lo psicológica e socialmente. Porém, como conseqüência direta, tem-se que quando a pessoa alcançar novamente a liberdade estará ela completamente excluída do mundo, tendo perdido toda a percepção de sua individualidade e da sua inter-relação com a sociedade.

Ocorre ainda que o tempo passado pelo encarcerado no interior da instituição totalitária, sem que nada de produtivo tenha sido feito, faz com que surja um intenso sentimento de que todo aquele tempo foi perdido e, por isso, o "internado tende a sentir que durante a sua estada obrigatória – sua sentença – foi totalmente exilado da vida" [105].

Atentando-se à importância do tema, a legislação, ao tratar sobre o assunto da execução penal, abordou a participação da comunidade em auxílio ao Poder Público logo nos itens 24 e 25 da Exposição de Motivos da LEP, ficando claro tratar-se de pressuposto basilar e indispensável para a correta aplicação da Lei Penal.

Entretanto, há de se atentar que as ações comunitárias não devem ocorrer apenas após o acontecimento do fato criminoso, pois este é somente o efeito de um problema muito maior – a questão social. Devem-se envidar esforços para que sejam desenvolvidos trabalhos adequados à prevenção da criminalidade, colocando-se termo final ao atual ciclo vicioso de que violência e desigualdade social tem gerado apenas mais violência e mais desigualdade social.

É fácil a percepção de que com a busca de melhorias a própria sociedade será a principal beneficiada, o que repercutirá na vida de todos, criando um ambiente sadio ao pleno desenvolvimento humano.


7 A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE ANTES DA OCORRÊNCIA DO FATO CRIMINOSO (CARÁTER PREVENTIVO)

Thiago Lopes Lima Naves, ciente de que a maior parcela dos delinqüentes são pessoas socialmente excluídas, apregoa como fator preventivo da criminalidade "a participação da comunidade, na vida das pessoas, anteriormente à execução penal, através de um requisito inerente à condição de dignidade e liberdade humanas: a solidariedade" [106].

Embora a solidariedade seja uma palavra auto-explicativa, do dicionário extrai-se que possui o significado de laço ou vínculo recíproco de pessoas, consistindo em um "sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses dum grupo social, duma nação, ou da humanidade" [107].

Assim, caso fosse aplicada a solidariedade no dia-a-dia das relações pessoais, não haveria exclusão social. A comunidade seria justa, possuiria a equidade por princípio.

Cada pessoa alcançaria a consciência de sua responsabilidade e passaria a ter efetiva participação na elaboração e realização de políticas sociais.

Seriam fornecidas oportunidades a todos, a fim de que se realizassem pessoalmente, por vias condizentes à sua condição humana.

A educação, a saúde e o trabalho seriam garantidos.

Em conseqüência a participação da comunidade seria efetiva na prevenção da criminalidade. Teria atuado antes de uma execução penal, pois evitaria a delinqüência e a aplicação de penas.

Sabe-se que a aplicação da solidariedade nos moldes expostos é utopia. Entretanto, é urgente a necessidade de adoção de políticas sociais que visem à prevenção de delitos, que busquem veementemente a diminuição da exclusão social.

No campo da política, o melhor meio de o cidadão atuar é conscientizando-se da importância do voto, elegendo pessoas que realmente estejam comprometidas com o interesse social, e delas cobrando efetividade nas ações.

Já no âmbito individual, as pessoas devem ter iniciativa de doar um pouco de si para os necessitados, antes mesmo de pensarem em seus interesses particulares. Somente "arregaçando as mangas" e batalhando por um futuro melhor é que o sonho de um mundo mais justo poderá tornar-se mais concreto.

Basta singela análise da sociedade para se perceber que não faltam locais em que é possível encontrar pessoas dispostas a fazerem alianças na busca de melhorias sociais.

De maneira exemplificativa pode-se citar as associações de igrejas, os diversos clubes de serviços existentes, as organizações não governamentais e, em especial, o voluntariado.

Seria interessante também que no âmbito político fossem realizadas campanhas de educação e conscientização do cidadão quanto à importância de que participe de associações civis, ou voluntariamente (de forma individual), no intuito de melhoria da qualidade de vida de todos.

Conforme adverte Carlo Crispim Baiocchi Cappi [108], cumpre ressaltar que não se trata de realizar mero assistencialismo (e.g. distribuição de cestas básicas), mas sim, de fornecer cidadania emancipada, ou seja, procurar dar ao próximo as condições necessárias ao seu desenvolvimento pessoal, a fim de que em curto espaço de tempo possa ele próprio passar a sustentar suas necessidades materiais e intelectuais.

Pode-se afirmar com segurança que quanto maior o grau de cidadania do povo, menores serão os índices de violência.


8 A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA EXECUÇÃO PENAL

8.1 REGRAS DA ONU

O Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre prevenção do crime e tratamento de delinqüentes, realizado em Genebra no ano de 1955, culminou com a adoção de regramentos denominados "Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros" [109].

Nesses regramentos foram editados itens relacionados diretamente ao assunto da participação da comunidade na execução da pena privativa de liberdade. São eles: itens 58, 60.1, 60.2, 61, 80 e 81.1.

O primeiro item citado dispõe que a finalidade e a justificação de uma pena de prisão ou de qualquer medida privativa de liberdade é, em última instância, proteger a sociedade contra o crime. Para tanto, o tempo de prisão deve ser aproveitado para assegurar que o delinqüente, quando regresse à sociedade, queira e seja capaz de respeitar as leis e de se auto-sustentar.

O segundo, que se deve tentar reduzir as diferenças existentes entre a vida na prisão e a vida livre, respeitando-se assim a dignidade do preso e resgatando o seu senso de responsabilidade.

O terceiro, que sejam tomadas providências no sentido de que ocorra um retorno progressivo do recluso à sociedade, o que pode ser alcançado com um regime preparatório para a completa liberação, como, por exemplo, a libertação condicional.

O quarto, que no tratamento seja enfatizado que os presos continuam a fazer parte da sociedade, e não que dela foram excluídos. E, para tanto, deve-se recorrer à cooperação dos organismos comunitários, bem como sejam adotadas gestões que visem proteger os direitos relativos aos interesses civis, benefícios sociais e direitos previdenciários dos presos.

O quinto, que desde o início do cumprimento da pena deverá ser considerado o futuro do recluso depois de libertado, devendo ser estimulado e auxiliado a manter ou estabelecer relações com pessoas ou organizações externas, aptas a promover os melhores interesses da sua família e da sua própria reabilitação social.

O sexto, que se deve buscar auxiliar os presos na obtenção de documentos de identificação e que, após libertados, alcancem trabalho, moradia e vestuário adequados. Importante também que sejam fornecidos meios materiais para que cheguem em seu destino (v.g. pessoa que reside em Curitiba e está presa em Piraquara, é prudente que quando seja libertada lhe forneçam uma passagem de ônibus para que possa retornar ao lar) e para que possam se manter no período imediatamente seguinte ao da libertação.

No entanto, dentre os itens apresentados, o de nº 58 é o que merece maior destaque, pois realça a preparação do preso para o seu retorno sadio ao convívio em sociedade. Esse é o cerne da questão, a ressocialização, motivo pelo qual as outras regras estabelecidas demonstram formas de como atingir a finalidade a que a pena se dispõe, sendo essencial a atuação direta da comunidade na educação e no estímulo de condutas cidadãs no delinqüente, buscando-se a sua recuperação.

Daí a razão das inúmeras previsões de que membros da comunidade devem atuar diretamente no trato do prisioneiro, a fim de que possa ele sentir que está inserido no contexto social e que a sociedade não lhe "deu as costas", estando sinceramente preocupada com o seu bem-estar e recuperação.

8.2 REGRAS DE TÓQUIO

As Regras de Tóquio, editadas pelas Nações Unidas, constituem-se em regras internacionais mínimas sobre as medidas não privativas de liberdade e dedicam itens acerca da abordagem da participação da comunidade, a saber: itens 17.1, 17.2, 18.1, 18.2, 18.3 e 18.4. No entanto os dois primeiros itens mencionados emergem como peças fundamentais.

O item 17.1 destaca que a participação da comunidade complementa a ação da administração da Justiça Penal, constitui-se em recurso fundamental e é um dos fatores mais importantes para fortalecer os vínculos entre os delinqüentes submetidos a medidas não-privativas de liberdade (bem como suas famílias) e a sociedade. Por esses fatores, o item apregoa que a comunidade deve ter a sua participação incentivada.

O segundo item citado assinala que "a participação da comunidade deve ser vista como uma oportunidade para que seus membros contribuam para a proteção de todos" [110].

Damásio Evangelista de Jesus [111], ao comentar as citadas regras, expõe que a participação da sociedade pode ajudar os delinqüentes a estabelecer vínculos significativos na comunidade, ampliando as possibilidades de relação e apoio que podem continuar mesmo após ter terminado a aplicação da medida não-privativa de liberdade. Os serviços que a comunidade pode prestar são singulares e qualitativamente diferentes dos proporcionados pelas organizações oficiais. Acrescenta ainda que a autoridade de execução deve estudar a conveniência de celebrar acordo com grupos comunitários, especificando a natureza da sua participação e a forma como devem trabalhar.

8.3 DISPOSITIVO LEGAL FUNDAMENTAL

O fundamento precípuo que versa sobre a participação da comunidade na Execução Penal encontra-se prescrito no art. 4º da Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984 (LEP), o qual dispõe que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.

Importante frisar que, em regra, a lei não contém expressões ou palavras desnecessárias. Assim, mister perceber que o dispositivo em exame não prescreve uma faculdade do Estado em recorrer à cooperação da comunidade, mas sim, um dever.

A maneira pela qual o legislador dispôs a norma tem sua razão de ser, e consiste justamente na consciência das dificuldades enfrentadas no Brasil pela máquina estatal (não só no âmbito penal, mas em todas as esferas). Sua finalidade principal é a de envolver todas as pessoas nas questões penais, demonstrando claramente a necessidade da realização de um esforço coletivo na melhoria da sociedade e, conseqüentemente, na qualidade de vida de todos, pois é a própria comunidade a maior beneficiada.

A esse respeito:

[...] Afirma Miguel Reale Junior que a comunidade pode colaborar, trazendo à rigidez da administração penitenciária o sopro da vida livre, agindo como fiscal ou auxiliando na tarefa de assistir o encarcerado.

Com o dispositivo não está o Estado eximindo-se da tarefa que lhe é pertinente, mas apenas afirmando que cabe à própria comunidade uma parcela de responsabilidade na reintegração daquele que delinqüiu. A sanção penal sempre se constituiu em um estigma social que acompanha o sentenciado mesmo após a sua liberação definitiva, e o mundo do cárcere, submetido autocraticamente aos agentes do Estado, precisa ser arejado e fiscalizado por pessoas alheias ao sistema, não se podendo prescindir da contribuição da comunidade nessa e em outras tarefas de assistência ao preso, internado e egresso. [112]

Luiz Flávio Gomes destaca que incumbe também aos próprios juízes a responsabilidade em "procurar promover essa integração comunitária" [113], atuando principalmente na divulgação da importância da participação da sociedade, firmando convênios, esclarecendo às pessoas a maneira e o local em que podem prestar serviço voluntário, etc.

Acresce-se que a atuação da comunidade na execução penal muito mais do que uma necessidade é ainda um dever de cidadania, conforme salienta Carlo Crispim Baiocchi Cappi [114] ao tratar da imperiosidade do auxílio que deve ser prestado pela sociedade civil organizada ao ente estatal na melhoria das condições do sistema punitivo. Afirma citado autor que "não podemos abrir mão de prestar auxílio direto na recuperação do apenado. Devemos servir de instrumento de apoio no difícil processo de reeducação do criminoso" [115].

Cândido Furtado Maia Neto traz nota ao dispositivo em comento, no sentido de que:

É imprescindível a participação da sociedade civil para a reintegração do preso, a fim de que compreenda o objetivo, finalidade e utilidade da pena privativa de liberdade. Necessário se faz a presença constante de segmentos da comunidade, como: organizações não governamentais, empresários, instituições filantrópicas, igrejas, universidades, imprensa, etc..., no interior dos presídios para assistir e verificar o tratamento e o respeito aos Direitos Humanos do preso. [116]

Por fim, ressalte-se que o artigo 4º da LEP guarda relação direta com o artigo 1º do mesmo diploma legal, o qual expõe como objetivo da Execução Penal efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal, assim como proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Sobre o dispositivo, anota Maurício Kuehne:

A Sociedade como um todo muito vem discutindo a respeito da pena de prisão e do Sistema Penitenciário. Vê-se, pela disposição acima, que a preocupação fundamental no que concerne àquele que delinqüiu, é no sentido de reinseri-lo no contexto social. Sabe-se, contudo, que as dificuldades são múltiplas e diversas. [...] [117]


9 ÓRGÃOS DA EXECUÇÃO PENAL QUE PERMITEM A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE

9.1 OS CONSELHOS DA COMUNIDADE

O Conselho da Comunidade é um ente necessário à gestão da execução penal e, por isso, deve existir em todas as comarcas.

A Lei de Execução Penal, ciente da necessidade de que o juízo da execução encontre apoio em seu mister, podendo fundamentar-se em auxílio técnico e especializado, previu em seu artigo 80 a criação dos Conselhos da Comunidade.

No mesmo iter segue o Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná (CN) em seus itens 18.5.3, ao dispor que para efeito de aplicação e fiscalização de penas alternativas poderá o magistrado valer-se do Conselho da Comunidade, Patronato, Programa Pró-Egresso, além de firmar convênios ou parcerias com entidades comunitárias ou assistenciais.

9.1.1 Integrantes

O art. 80 da LEP dispõe como modelo ideal que o Conselho da Comunidade seja composto por, no mínimo, um representante da associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela seção da Ordem dos Advogados do Brasil e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais.

Porém, é notório que em diversas comarcas, principalmente as localizadas nas regiões interiores dos Estados da Federação, não existem órgãos representativos de algumas classes que possam indicar os representantes ou até mesmo há ausência de profissionais especializados em todas as áreas previstas pela LEP. Assim, a Lei, antecipando-se às dificuldades dos casos concretos e tendo em vista a absoluta necessidade de existência dos Conselhos da Comunidade, estabeleceu no parágrafo único do artigo em comento que, nessas hipóteses, incumbirá ao juiz, a seu critério, escolher os integrantes do Conselho.

9.1.2 Atribuições

As atribuições do Conselho da Comunidade encontram-se elencadas no art. 81 da LEP e são: visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; entrevistar presos; apresentar relatórios mensais ao juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; e diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

Todavia, tal rol não é taxativo (numerus clausus) e pode o Conselho atuar de maneira muito mais ampla, como verdadeiro gestor da execução penal.

Pode, por exemplo, ser responsável pelo cadastramento de entidades assistenciais que serão beneficiadas e gerir o encaminhamento a elas dos gêneros alimentícios, materiais, remédios e outros gêneros arrecadados.

Há também a possibilidade de ser o destinatário próximo da prestação pecuniária, exercendo, após, o repasse às entidades de acordo com os critérios de necessidade e urgência.

Pode auxiliar a fiscalização do cumprimento das condições do Regime Aberto, da Suspensão Condicional da Execução da Pena (art. 77 do CP), da Suspensão Condicional do Processo (art. 89 da Lei 9.099/95), da pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, recebendo das entidades beneficiadas os relatórios de cumprimento da pena e encaminhando-os ao juiz da execução.

E, dentre muitas outras hipóteses do âmbito de atuação, encontra-se a de ser o responsável por informar ao juízo da execução o descumprimento das penas e condições aplicadas ao condenado, facilitando o trâmite dos feitos em execução e permitindo ao magistrado maior agilidade na designação de audiências de justificativa, conversões ou suspensões de benefícios, enfim, contribuindo para a efetiva aplicação da Lei Penal e moralizando a atuação do Poder Judiciário.

9.1.3 Exemplo prático: o modelo instalado em São José dos Pinhais (PR)

No Município de São José dos Pinhais, Estado do Paraná, integrante da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, foi instalado o Conselho Comunitário de Execução Penal, que é exatamente o Conselho da Comunidade previsto na Lei de Execuções Penais, apenas com nomenclatura diversa.

O Conselho Comunitário de Execução Penal foi fundado em data de 24 de março de 1999 e constitui-se em uma associação (entidade) civil, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, funcionando como órgão auxiliar da execução penal.

A composição é de cidadãos de São José dos Pinhais, que desempenham suas funções de maneira voluntária. Tem seu funcionamento de forma autônoma, porém sob a fiscalização dos Juízes e Promotores em atuação nas Varas Criminais e Juizado Especial Criminal do Foro Regional.

O Conselho está instalado em prédio com área de 250 metros quadrados, contando com sala de reuniões, salas para atendimento psicológico, assistência jurídica, serviço social, e por secretaria dotada de sistema informatizado para controle da execução das penas e benefícios aplicados pelo Poder Judiciário. As instalações foram construídas com mão-de-obra de condenados pelo juízo criminal e materiais de construção oriundos do sistema de penas alternativas.

Os seus membros reúnem-se mensalmente para discussão e avaliação das ações e projetos desenvolvidos.

As finalidades do conselho são principalmente a de prestar assistência direta aos condenados e às vítimas de crimes violentos (visando assegurar seus direitos constitucionais e legais), bem como de auxiliar o Poder Judiciário e o Ministério Público a promover a execução penal, além de proporcionar condições para a reinserção social do indivíduo que delinqüiu.

Dentre outras, o Conselho Comunitário de Execução Penal possui as seguintes atribuições [118]: acompanhar e fiscalizar o cumprimento das penas aplicadas, em especial a de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; celebrar convênios para a consecução de seus objetivos; zelar pelo respeito aos direitos e garantias individuais dos condenados e das vítimas de crimes violentos; planejar, acompanhar e executar projetos de ação comunitária ligados à prevenção da delinqüência e à reintegração social dos condenados; repassar às entidades assistenciais cadastradas cestas básicas e outros gêneros arrecadados; propiciar trabalho remunerado aos presos de regime semi-aberto ainda não implantados no sistema penitenciário do Estado; prestar assistência aos egressos e às vítimas de crimes violentos; gerenciar os recursos arrecadados com a prestação pecuniária aplicada pelo Poder Judiciário; administrar o Complexo Penal Alternativo; visitar os estabelecimentos penais existentes na localidade; entrevistar presos; apresentar relatórios mensais aos juízos responsáveis pela execução penal; manter escola de informática para apenados interessados e aberta a toda a comunidade; e, diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

A atuação do Conselho Comunitário de Execução Penal merece destaque não só pelo trabalho desenvolvido em apoio ao Poder Judiciário, mas, principalmente, por ter ido além do trabalho exclusivamente com os apenados, passando a zelar também pelo tratamento de vítimas, notadamente no aspecto psicológico, e auxiliando na inclusão digital de toda a comunidade interessada.

9.2 A VARA DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS

A Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas do Estado do Paraná foi criada pelo atual Código de Divisão e Organização Judiciária [119], sendo decorrente da anteriormente denominada Central de Execução de Penas Alternativas (Decreto Judiciário nº 000462 publicado no DJ-PR em 29.09.1997, p.1/3 [120]), e encontra-se instalada no prédio do Fórum Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba (PR).

Sua competência e objetivos encontram-se dispostos no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça [121], e consistem em execução e fiscalização das penas privativas de liberdade a serem cumpridas em regime inicial aberto; das penas restritivas de direito; da suspensão condicional da pena e da suspensão condicional do processo.

Ao magistrado que se encontre em atuação junto ao juízo em foco cabe ainda cadastrar e credenciar entidades públicas ou com elas firmar convênio sobre programas comunitários a serem beneficiados com a aplicação da pena ou medida alternativa; designar entidade ou programa comunitário, local, dias e horários para o cumprimento da pena alternativa, bem como a forma de sua fiscalização; criar programas comunitários para facilitar a execução das penas; acompanhar pessoalmente, quando necessário, a execução dos trabalhos; revogar os benefícios concedidos, quando for o cado; e declarar cumprida ou extinta a pena, comunicando o fato ao juiz da sentença originária.

Todavia, dentre tantas funções, merece especial destaque o dever de criar e buscar parcerias, tanto com órgãos públicos como privados, para que as medidas penais aplicadas possam surtir seus mais benéficos e justos efeitos. Sem dúvida essa é a função de maior relevância, pois possibilita a aproximação de toda a comunidade à questão da execução penal e, por conseqüência lógica, facilita a reinserção social do delinqüente.

9.2.1 Projetos

A Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas atualmente conta com os seguintes projetos [122]:

a) Programa de Prestação de Serviços à Comunidade:

O órgão especializado de execução é apoiado por equipes técnicas que possuem o propósito de tornar mais efetiva a fiscalização da prestação de serviços à comunidade, quer aplicada como pena quer como medida alternativa.

Possui também a função de identificar as aptidões pessoais e sociais do sujeito ao cumprimento da prestação, encaminhando-o a serviço que utilize as suas habilidades, trazendo maior benefício não só para o sujeito que estará executando tarefas de que tem conhecimento, como também para o ente beneficiário, que receberá uma prestação de melhor qualidade e efetividade.

b) Sistema Nacional de Emprego:

Em parceria com o Patronato Penitenciário houve intercessão junto ao Sistema Nacional de Emprego (SINE), para que esse ente permitisse ao réu acesso mais facilitado aos serviços de intermediação de mão-de-obra, de formação profissional, de atendimento ao seguro desemprego e ao Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER).

c) Programa de Iniciação Profissionalizante:

Em decorrência da constatação de que a maioria das vagas não preenchidas deve-se à falta, insuficiência, ou inadequação da qualificação dos trabalhadores, conveniou-se com a Fundação Ação Social (FAS) para que ocorra a qualificação profissional dos réus apenados com prestação de serviços à comunidade.

O objetivo do programa é o de que o sentenciado cumpra a pena e seja concomitantemente capacitado, contando com formação profissional sintonizada com as demandas de trabalho, tendo condições de ser encampado pelo mercado de trabalho, amenizando-se o problema social do desemprego e da delinqüência.

d) Programa Vale-Creche:

Realizado em parceria com a Prefeitura Municipal de Curitiba, com o intuito de construção de creches, no qual o Poder Judiciário disponibilizou a mão-de-obra de réus condenados na modalidade de prestação de serviços à comunidade, colaborando também através dos recursos provenientes de prestação pecuniária.

e) Projeto Girassol – Educação como Alternativa:

Efetivado em convênio com o Centro de Estudo, Aberto, Continuado à Distância (CEAD), funciona de maneira que tal órgão recebe os réus condenados à pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos na modalidade limitação de fim de semana e beneficiados com medidas alternativas propostas com fundamento no art. 89, § 2º, da Lei 9.099/95, para estudo gratuito. Sendo que o estudo pode ser efetuado mediante aulas regulares ou sob a forma de estudo à distância, sendo que nesta modalidade o réu estuda em sua própria residência e freqüenta o curso apenas para o esclarecimento de dúvidas e a realização de provas.

f) Grupo de Apoio ao Réu Usuário de Entorpecentes:

Realizado em parceria com Universidades e órgãos ligados ao combate às drogas e tratamento de seus usuários e dependentes, busca-se tratar a pessoa, retirando-o do convívio com as substâncias entorpecentes, evitando-se a reincidência.

g) Projeto João de Barro:

Visa a construção de Casas Lares para abrigar crianças e adolescentes que se encontrem em situação de abandono permanente, no aguardo de colocação em família substituta, e já destituídas do pátrio-poder.

Busca-se, em um primeiro momento, a reordenação do Educandário Caetano Munhoz da Rocha, com a construção de 12 Casas Lares, para as quais serão transferidas as crianças e adolescentes que atualmente vivem no Educandário, proporcionando convivência sócio-familiar e atendimento das suas necessidades.

Posteriormente pretende-se que o projeto seja estendido ao tratamento psicológico e pedagógico das crianças, com a ação conjunta da Vara da Infância e das Universidades.

9.3 O PATRONATO PENITENCIÁRIO

O artigo 78 da Lei de Execução Penal prevê a existência do Patronato, público ou particular, e que se destina a prestar assistência aos albergados e aos egressos (assim entendidos como os liberados definitivos, pelo prazo de um ano a contar da saída do estabelecimento, e os liberados condicionais, durante o período de prova, ex vi do art. 26 da LEP).

No Estado do Paraná existe o Patronato Penitenciário, criado pelo Governo estadual, através da Secretaria de Estado da Segurança, da Justiça e da Cidadania (SESJ) e do Departamento Penitenciário (DEPEN). Localiza-se na Rua Martin Afonso, nº 280, São Francisco, Curitiba (PR) e coordena a execução dos Programas "Pró-Egresso".

Tem por objetivo dar assistência ao egresso em sua reinserção social, auxiliando-o a superar as dificuldades iniciais, especialmente no momento do alcance da liberdade.

A finalidade principal do Patronato Penitenciário é o ideal de diminuir a reincidência criminal, bem como evitar o encarceramento.

Atende a egressos e beneficiários de: Regime Aberto; Livramento Condicional; Suspensão Condicional da Pena; Liberdade Vigiada; Penas Restritivas de Direitos (Limitação de Fim de Semana, Interdição Temporária de Direitos e Prestação de Serviços à Comunidade); e Suspensão Condicional do Processo (art. 89 da Lei 9.099/95).

Oferta ainda apoio jurídico e orienta na requisição dos direitos, sendo responsável inclusive pela formulação de requerimentos de benefícios previstos na legislação.

Atua também nos âmbitos de serviço social (atendimento a egressos, beneficiários e seus familiares, efetuando visitas domiciliares, etc.), de psicologia (elabora o perfil psicológico do atendido, listando suas características pessoais, aptidões e possibilidades profissionais, facilitando o encaminhamento ao mercado de trabalho e à prestação de serviços à comunidade), de capacitação profissional e educacional (acompanha o recomeço da vida profissional, auxilia no encaminhamento à conclusão dos estudos, presta orientação sobre cursos e treinamentos) e de saúde (trabalho de prevenção de doenças com encaminhamento para tratamento junto ao Sistema Único de Saúde).

Portanto, o Patronato Penitenciário é ente que atua em dois momentos, um o da execução das penas, medidas e benefícios e outro o da reinserção à sociedade após a execução penal.

Consoante anota Maurício Kuehne, há ainda outras tarefas atribuídas ao ente em análise, como "a produção de conhecimento sobre a criminalidade e a formação de quadros de nível superior capazes de responder às necessidades dos órgãos que atuam na esfera criminal" [123].

9.4 OUTRAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO

Como visto, é necessário que toda a comunidade se engaje tanto na reinserção social do delinqüente, quanto na prevenção à criminalidade, por intermédio de programas sociais.

Logo, podem participar da questão: Igrejas (independentemente do credo); clubes de serviço (Rotary Club, Lions); Organizações Não Governamentais (ONG’s); quaisquer outras formas de organizações da Sociedade Civil; associações de moradores; voluntariado; etc.

Exemplificativamente, a atuação pode ocorrer mediante atividades de ensino, cultura, qualificação profissional e esportiva.

Rosânea Elizabeth Ferreira [124] também apresenta um rol de âmbitos em que podem ser realizadas ações, tais como: atendimentos médico, odontológico, psicológico, social e jurídico gratuitos; doação de objetos de uso pessoal, v.g. escovas, pastas de dente, sabonetes, xampus, toalhas, roupas, remédios e livros; assistência junto à família do preso, principalmente no sentido de orientar a manutenção da unidade familiar; etc.

Citada autora acrescenta que até mesmo uma simples conversa com um preso consiste em algo que tornará o dia daquele indivíduo mais feliz, anotando a lição de Francesco Carnelutti:

É ao coração do delinqüente, que, para saná-lo, deveremos chegar. Não há outra via para chegar, senão aquela do amor. A falta de amor não se preenche senão com amor. "Amor com amor se paga". A cura da qual o encarcerado precisa é uma cura de amor. [125]

Ainda em atenção à Carnelutti percebe-se que o encarcerado precisa de amor e amizade no seu processo de reinserção social:

O encarcerado, as pessoas não sabem e menos ainda ele próprio sabe, é faminto e sedento de amor. A necessidade da amizade provém da sua desolação. Quanto maior é a desolação, maior a necessidade de profunda e fecunda amizade. [126]

Exemplo prático sobre a atuação de voluntários e organizações não governamentais, bem como da importância do contato do encarcerado com ambientes sociais, é explicitado pela Anistia Internacional:

La crisis del sistema penitenciario ha provocado un debate social y político en Brasil, comisiones de investigación incluidas, además de un programa de construcción de prisiones. Se ha reformado la legislación para permitir a los jueces aplicar penas alternativas a la prisión para los delitos menos graves, aunque se aplica de forma muy desigual. Pero tales medidas no parecen suficientes. Algunas prisiones pequeñas, administradas por fundaciones benéficas, han demonstrado que hay soluciones. Por ejemplo, la Penitenciaría Juiz Plácido de Souza, en Caruaru, Pernambuco, alberga a muchos más presos de los que admite su capacidad (202 reclusos en un espacio concebido para 50). Voluntarios cubren la falta de asistencia letrada gratuita y de personal médico, y cada turno está cubierto por tan sólo dos funcionarios de prisiones. Pese a ello, los administradores de la prisión han conseguido reducir la violencia. Muchos presos trabajan en la elaboración de artesanía regional o en un programa de reciclado de trapos para limpiar automóviles. También hay un programa educativo. La cifra de reincidencia es muy baja, del 10 por ciento (esta cifre llega a alcanzar el 70 por ciento en otros centros). Quizá la principal innovación es el esfuerzo para apoyar la relación de los presos con sus familiares. A la prisión se le ha dado un entorno lo más acogedor posible, y se organizan días especiales para los niños con talleres de arte y teatro. En una ocasión, los funcionarios de la prisión incluso acompañaron a los reclusos y a sus hijos a visitar el zoo local. La participación de organizacones no gubernamentales y grupos comunitarios en estos estabelecimientos demuestra que es posible introducir cambios incluso con recursos limitados y escasez de personal. [127]


10 A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE APÓS A EXECUÇÃO DA PENA

Para que a terapêutica penal atinja o seu intuito de ressocialização do indivíduo que delinqüiu não basta a realização de ações preventivas da criminalidade ou durante a execução da pena. É necessário completar o ciclo de atuação, com a adoção de atitudes positivas após o cumprimento da pena.

Atualmente persiste no senso comum um preconceito em relação ao ex-presidiário. Mesmo que ele tenha cumprido a sua "dívida com a sociedade", carregará para o resto de sua vida tal estigma, o que lhe fechará as portas do mercado de trabalho e novamente acarretará a sua exclusão social.

Francesco Carnelutti expõe que:

O encarcerado, saído do cárcere, crê não ser mais encarcerado; mas as pessoas não. Para as pessoas ele é sempre encarcerado; quando muito se diz ex-encarcerado; nesta fórmula está a crueldade do engano. A crueldade está no pensar que, se foi, deve continuar a ser. A sociedade fixa cada um de nós ao passado. [128]

No mesmo sentido, é a análise de Rosânea Elizabeth Ferreira acerca da frustração do condenado. Pois, ao alcançar o tão esperado momento de liberdade, "deixando para trás os portões fechados das masmorras nas quais se transformou a prisão" e com a esperança de encontrar abertos os portões da sociedade, "o que encontra pela frente é um outro portão fechado, muito maior do que aqueles que deixou para trás, que é a estigmatização da sociedade" [129].

Julita Lemgruber, ao realizar análise sociológica em uma prisão para mulheres, coletou comentário de uma interna que bem demonstra a situação da estigmatização: "– ‘Eu aprendi das antigas que não adianta mesmo procurar trabalho quando a gente sai daqui. O negócio é voltar a roubar ou morrer de fome, porque trabalho para ex-presidiário ninguém dá’". [130]

Contudo, tal estigma não atua só na percepção da sociedade em relação ao ex-encarcerado, ele atua também sobre o próprio indivíduo, que após liberto da instituição totalitária (sem que nada de produtivo tenha sido feito, ao contrário, com toda a sua personalidade deteriorada) passa a ter dificuldades em readquirir os hábitos da sociedade, possuindo uma visão diferente do mundo, a qual lhe dificulta a execução de tarefas, por mais simples que sejam.

Acresce-se a isso que durante o período de cárcere o preso deixou de ter as responsabilidades que são pertinentes e inerentes à vida quotidiana. Fator que, aliado à desestruturação de personalidade, lhe fornecia uma sensação de comodidade, o que pode se tornar um óbice à sua disposição na reassunção de responsabilidades.

Podemos passar agora para uma consideração da angústia da liberação. Uma explicação apresentada para esta diz que o indivíduo não está disposto ou está muito "doente" para reassumir as responsabilidades das quais se livrou através da instituição total. [...] Um fator que tende a ser mais importante é a desculturação, a perda ou impossibilidade de adquirir hábitos atualmente exigidos na sociedade mais ampla. Outro fator é o estigma. Quando o indivíduo adquiriu um baixo status proativo ao tornar-se um internado, tem uma recepção fria no mundo mais amplo [...]. [131]

De qualquer forma, o resultado do estigma após o alcance da liberdade é a exclusão social e, com esta, novamente aproxima-se o indivíduo da criminalidade, tornando-se a reincidência um fato quase certo.

Nas palavras de Maurício Kuehne:

[...] Nada se faz em prol do egresso dos estabelecimentos penais, lançando-o à vida, finda a pena a que foi submetido, e, sem meios para a sua própria sobrevivência, quanto mais de seus familiares, adentra ao crime, de forma cada vez mais violenta. [132]

Verifica-se aí o complemento do círculo vicioso que conduz a um índice cada vez mais elevado de criminalidade.

Logo, faz-se necessária uma mudança de paradigma das pessoas frente ao ex-presidiário, no sentido de que se conscientizem de que se trata de um ser humano necessitando de auxílio para a retomada de uma vida digna.

Para tanto, uma via adequada seriam campanhas de conscientização; outra, a adoção de políticas com o intuito de findar o desemprego.

Demonstrando especial atenção ao tema, no Estado do Paraná há o Patronato Penitenciário que, dentre as suas atribuições, visa assegurar a reinserção social do egresso no momento posterior ao cumprimento da pena, conforme anteriormente analisado neste estudo.


11 CONCLUSÃO

Quando da idéia de realizar monografia sobre a participação da comunidade na execução penal tinha-se em mente analisar somente a atuação durante a própria execução da pena, como, por exemplo, a abordagem sobre os conselhos da comunidade.

Todavia, com o amadurecer e o aprofundamento no estudo sobre a questão percebeu-se que a melhor forma de se atuar na execução penal é justamente impedindo que esta venha a ocorrer. Daí a importância em abordar aspectos que devem ser observados antes da ocorrência do fato criminoso, sejam eles tanto sobre as causas que conduzem à eclosão de delinqüência, como sobre a utilização da solidariedade nas relações interpessoais.

Com um pouco mais de aprofundamento, chegou-se à conclusão de que para que haja efetividade é preciso que se permita a reinserção social do condenado também no momento posterior ao cumprimento da pena.

Somente assim, com atuação nos três momentos (antes, durante e após a execução da pena) é que será possível quebrar o atual círculo vicioso de condução à criminalidade, transformando-o em virtuoso.

É claro que, mesmo com todos os esforços possíveis voltados para a questão, ainda assim haverá criminalidade, pois esta acompanha o homem desde o seu surgimento, sendo cediço que existem pessoas que não desejam estar inseridas na sociedade, outras que não querem se recuperar, e, outras, que cometem crimes por um sórdido prazer.

Por isso não se intencionou com este trabalho formar uma imagem de que todos os presos são bons e precisam do apoio da comunidade. Deve-se auxiliar quem quer auxílio, quem tem vontade ou esperança de mudar para melhor.

Também não se quis pregar que os presos, no interior da prisão, tenham melhores condições do que as pessoas que se encontram fora dela, mas sim, que seja garantido, ao menos, um mínimo necessário a permitir a ressocialização.

Mais ainda, ao expor fatores sociais que conduzem à criminalidade, buscou-se demonstrar a necessidade de implementação de políticas que visem o desenvolvimento de toda a sociedade, diluindo os estímulos que conduzem à violência. Em linha de conseqüência, quanto maior o desenvolvimento da sociedade, maiores serão as condições fornecidas dentro das prisões, ainda que estas sejam menores às assinaladas ao cidadão de bem.

Com a atenção da sociedade voltada para o tema posto em questão, e, implementando-se alguns dos caminhos apresentados no decorrer do trabalho, por certo que toda a sociedade melhorará, sendo resultado natural a redução dos índices de delinqüência.

Em verdade, ao largo de qualquer filiação religiosa, embora possa parecer utópica e romântica, a solução definitiva há muito tempo foi ensinada por Jesus Cristo, cuja frase sintetiza com maestria o objeto desta monografia: "Amarás a teu próximo como a ti mesmo" [133] (Mateus, 22:39).


Notas

01 ELUF, Luiza Nagib. O contraponto entre a realidade e o ideal do sistema prisional. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em <http://www.mj.gov.br/Depen/PDF/ luiza_eluf.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2004.

02 GRISPIGNI, Filippo. Derecho Penal Italiano. Trad. Isidoro De Benedetti. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1949, p. 25-26.

03 KUEHNE, Maurício. Execução Penal no Estado do Paraná. Curitiba: JM, 1998, p. 62.

04 GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: uma introdução a seus fundamentos teóricos. São Paulo: RT, 1992, p. 37.

05 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. São Paulo: RT, 1998, p. 113, 116-117.

06 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 123.

07 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 20.

08 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 407.

09 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002, v. 1, p. 35.

10 GARCEZ, Walter de Abreu. Curso básico de Direito Penal: parte geral. São Paulo: José Bushatsky, 1972, p. 66.

11 DOTTI, René Ariel, op. cit., p. 123.

12 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Trad. Edson Bini. 3. ed. São Paulo: Edipro, p. 160-165.

13 PLATÃO apud COULANGES, Fustel de, op. cit., p. 162.

14 NORONHA, E. Magalhães, op. cit., p. 20.

15 NORONHA, E. Magalhães, op. cit., p. 20.

16 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 6. ed. São Paulo: Max Limonad, 1982, t. I, p. 13.

17 Ibidem, p. 14.

18 MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 38.

19 FERREIRA, Rosânea Elizabeth. Participação da comunidade na Execução Penal: realidade e perspectivas. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/ Depen/PDF/A%20participação%20da%20comunidade%20na%20execucao%20da%20pena%20monogr│.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2004.

20 DOTTI, René Ariel, op. cit., p. 128.

21 Idem.

22 MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 36.

23 COULANGES, Fustel de, op. cit., p. 258.

24 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 2002, v. 1, p. 49.

25 COULANGES, Fustel de, op. cit., p. 254.

26 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 50.

27 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 52.

28 MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 37.

29 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 31.

30 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 53.

31 MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 37.

32 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 55.

33 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 56.

34 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 410-411.

35 FERREIRA, Rosânea Elizabeth, loc. cit.

36 GONZAGA, João Bernardino. O Direito Penal indígena. São Paulo: Max Limonad, [19-], p. 126-128.

37 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. Bauru: Jalovi, 1980, p. 6.

38 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 106.

39 MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 43.

40 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 41.

41 BITENCOURT, Cezar Roberto; PRADO, Luiz Régis. Elementos de Direito Penal. São Paulo: RT, 1995, v. 1, p. 40.

42 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 41.

43 Idem.

44 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 106.

45 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 43.

46 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36.

47 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 22-23.

48 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 4.

49 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Forense, 1967, t. 3, p. 57.

50 Ibidem, p. 21-31.

51 FERREIRA, Rosânea Elizabeth, loc. cit.

*Os presos provisórios devem ficar recolhidos em cadeias públicas ou prisões provisórias (LEP, art. 102). A prisão de caráter processual é aquela a que o acusado pode ser submetido antes da prolação de sentença, ou, antes de a condenação tornar-se definitiva, desde que demonstrada, no caso concreto, a sua necessidade cautelar (CPP, arts. 282 a 320).

52 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 357-358.

53 "Regime prisional semi-aberto. Crime hediondo. O regime prisional será o semi-aberto, consideradas a primariedade do acusado e a inconstitucionalidade da Lei nº 8072/90, quando estabelece o regime fechado integral. O ilustre Procurador de Justiça de São Paulo, Dr. Jaques de Camargo Penteado, em artigo publicado na RT 674/286 (‘Pena Hedionda’) concluiu que é inconstitucional o art. 2º §1º da lei nº 8072/90 porque impede a individualização da pena constitucionalmente garantida." (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação cível. Relator: Celso Limongi. In: RJTJSP 138/444).

54 "1. O Plenário do STF considerou constitucional o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, que, nos casos de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo, impôs o cumprimento da pena em regime integralmente fechado (HC 69.657 e 69.603). 2. Firmou-se, também, sua jurisprudência, no sentido de que o regime mais benigno – só inicialmente fechado – no regime de cumprimento de pena, em caso de tortura, previsto pela Lei nº 9.455/97, não se aplica aos demais crimes referidos no mesmo § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, inclusive os de tráfico de entorpecentes. 3. E tal entendimento prevaleceu, igualmente, em Plenário, no HC 76.371, em data de 25.03.1998." (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso especial nº 255.892-3–RJ, da 1ª Turma. Relator: Min. Sydney Sanches. DJU: 05 de maio de 2000).

55 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 331.177– MT, da 5 a Turma. Relator: Min. José Arnaldo da Fonseca. DJU: 24 de junho de 2002.

56 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 527.

57 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 169-171.

58 KUEHNE, Maurício. Lei de Execução Penal anotada. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2002, v. II, p. 128-129.

59 PRADO, Luiz Régis, op. cit., p. 486.

60 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas alternativas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002, p. 90.

61 Ibidem, p. 91.

62 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 161.

63 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 464.

64 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 537- 538.

65 Ibidem, p. 538.

66 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 181.

67 Idem.

68 FRAGOSO, Heleno Cláudio, op. cit., p. 23.

69 DOTTI, René Ariel, op. cit., p. 74.

70 NORONHA, E. Magalhães, op. cit., p. 17.

71 FRAGOSO, Heleno Cláudio, op. cit., p. 23.

72 FRAGOSO, Heleno Cláudio, op. cit., p. 24.

73 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 44.

74 Cf. FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. São Paulo: RT, 1995.

75 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p.157-158.

76 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Trad. Ligia Vassallo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 234.

77 MONTEIRO, Samuel. Crimes fiscais e abuso de autoridade. São Paulo: Hemus, 1993, p. XV-XVII.

78 CARVALHO FILHO, Luís Francisco. A prisão. São Paulo: Publifolha, 2002, p. 68.

79 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Trad. Dante Moreira Leite. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 24.

80 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Trad. Amir Lopes da Conceição e Vânia Romano Pedrosa. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 135-136.

81 KUEHNE, Maurício, op. cit, p. 81.

82 BARROS, Ângelo Roncalli de Ramos. Relato de experiência: educação e trabalho – instrumentos de ressocialização e reinserção social. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/Depen/PDF/funap.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2004.

83 LEAL, César Oliveira de Barros. Penas alternativas: uma resposta eficaz. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, v. 1, n. 13, p. 26, jan./jun. 2000.

84 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 407.

85 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 73-115.

86 ELUF, Luiza Nagib, loc. cit.

87 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 104.

**A expressão "crime de colarinho branco" (white collar crime) foi cunhada para identificar o comportamento de pessoas de elevado status socioeconômico que violam as leis estabelecidas para incrementarem suas atividades ocupacionais e principalmente as referentes ao gerenciamento de negócios. A esse respeito, vide: FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter, op. cit., p. 337.

88 FRAGOSO, Heleno Cláudio, op. cit., p. 24.

89 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 130-131.

90 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do Processo Penal. Trad. José Antônio Cardinalli. Campinas: Conan, 1995, p. 21.

91 FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter, op. cit., p. 339.

92 PINTO, Alderiza Cruz Sampaio. Importância do trabalho no contexto da reinserção social do preso. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/Depen/ PDF/monografiaalderiza.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2004.

93 ELUF, Luiza Nagib, loc. cit.

94 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 128.

95 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 130.

96 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 131.

97 GARCIA, Consuelo da Rosa e. O conselho da comunidade: apontamentos sobre sociedade e execução penal. Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pelotas, como exigência parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, no primeiro semestre de 2002. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias. Pelotas: 2002, v. 1, p. 192-193.

98 GONTIJO, Márcio. A questão penitenciária e a visão da sociedade. Anistia Internacional. Disponível em: <http://www.utopia.com.br/anisita/textos/penitenciaria.html>. Acesso em: 22 abr. 2004.

99 FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter, op. cit., p. 302.

100 BITENCOURT, Cezar Roberto, op.cit., p. 154.

101 FERREIRA, Rosânea Elizabeth, loc. cit.

102 Idem.

103 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 135-136.

104 GOFFMAN, Erving, op. cit., p. 23.

105 GOFFMAN, Erving, op. cit., p. 64.

106 NAVES, Thiago Lopes Lima. Solidariedade, comunidade e execução penal: será possível?. Derecho penal online. Disponível em: <http://www.derechopenalonline.com.br/ solidariedade.htm>. Acesso em: 12 abr. 2004.

107 SOLIDARIEDADE. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário de língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 511.

108 CAPPI, Carlo Crispim Baiocchi. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/ doutrina/texto.asp?id=3118.htm>. Acesso em: 01 out. 2004.

109 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros. Disponível em <http://www.ilanud.org.br/doc13.htm>. Acesso em: 21 abr. 2004.

110 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Regras de Tóquio. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dhaj-NOVO-regrastoquio.html>. Acesso em: 24 ago. 2004.

111 JESUS, Damásio Evangelista de. Regras de Tóquio: comentários às regras mínimas das Nações Unidas sobre as medidas não privativas de liberdade. Nova York: Escritório das Nações Unidas, 1993, p. 80-81.

112 MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 43-44.

113 GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 27.

114 CAPPI, Carlo Crispim Baiocchi, loc. cit.

115 CAPPI, Carlo Crispim Baiocchi, loc. cit.

116 MAIA NETO, Cândido Furtado. Direitos Humanos do preso. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 38.

117 KUEHNE, Maurício, op. cit., p. 51.

118 BRASIL. Conselho Comunitário de Execução Penal. Disponível em: <http://www.ccep. org.br>. Acesso em: 30 jul. 2004.

119 PARANÁ. Código de Divisão e Organização Judiciárias. Disponível em: <http://www.amapar.pr.gov.br>. Acesso em: 18 set. 2004.

120 Kuehne, Maurício, op. cit., p. 143-145.

121 PARANÁ. Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná. 10. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 121-122.

122 ETZEL, Rogério. A teoria colocada em prática: soluções para os problemas sociais Julgados do Tribunal de Alçada do Paraná. 13. ed. Curitiba: Juruá, 2004, p. 23-27.

123 KUEHNE, Maurício, op. cit., p. 180.

124 FERREIRA, Rosânea Elizabeth, loc. cit.

125 CARNELUTTI, Francesco, op. cit., p. 70.

126 CARNELUTTI, Francesco, op. cit., p. 28.

127 Amnistia Internacional. Las carceles del terror. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/Depen/PDF/anistia%20internacional.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2004.

128 CARNELUTTI, Francesco, op. cit., p. 75.

129 FERREIRA, Rosânea Elizabeth. Análise crítica do sistema carcerário brasileiro: um enfoque sobre a realidade prisional. 2002. 72 f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro de Ciências Jurídicas, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, p. 61.

130 Apud LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983, p. 125.

131 GOFFMAN, Erving, op. cit., p. 68-69.

132 KUEHNE, Maurício, op. cit., p. 62.

133 Bíblia Sagrada. Trad. Padre Matos Soares. São Paulo: Edições Paulinas, 1987, p. 1087.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES JÚNIOR, Ayrton Vidolin. A participação da comunidade na execução penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1544, 23 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10447. Acesso em: 23 maio 2024.