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O acúmulo de mais de dois períodos de férias adquiridas, mas não gozadas, por necessidade do serviço ou não, implica perda do direito?

A exegese do art. 77, da Lei nº 8.112/1990

O acúmulo de mais de dois períodos de férias adquiridas, mas não gozadas, por necessidade do serviço ou não, implica perda do direito? A exegese do art. 77, da Lei nº 8.112/1990

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A errônea exegese de perda do direito de férias agrediria o caráter essencial do repouso legal remunerado.

1. Introdução

Ainda são freqüentes as consultas dos órgãos da Administração Pública acerca da exegese do art. 77, da Lei federal 8.112/1990, que reza:

Art. 77. O servidor fará jus a trinta dias de férias, que podem ser acumuladas, até o máximo de dois períodos, no caso de necessidade do serviço, ressalvadas as hipóteses em que haja legislação específica. (Redação dada pela Lei nº 9.525, de 10.12.97) – negrito não original

O funcionário público perderá seu direito de usufruto se fator diverso da necessidade do serviço, como o afastamento a título de cuidados com a própria saúde, ou mesmo a simples omissão do servidor em marcar as suas férias, produzir o efeito de cumulação de mais de dois períodos de descanso legal não usufruídos?


2. Interpretação teleológica do art. 77, da Lei 8.112/1990

A despeito da discussão em torno do problema de o acúmulo ficar vinculado, ou não, à necessidade de serviço, para fins de autorizar a acumulação lícita de mais de dois períodos, impende enfatizar que a regra legal que dispõe sobre a proibição, como regra geral, do referido acúmulo de mais de dois períodos de férias (art. 77, Lei 8112/1990, c. c. com o art. 22, da Lei distrital n° 3.319/2004) se fundamenta na premência de descanso físico do servidor público, após o desforço contínuo de um ano ou mais de trabalho anterior, com vistas à preservação da saúde do agente público.

O preceptivo legal, portanto, em vez de se inspirar num cuidado imediato com os interesses da Administração Pública, destina-se, na verdade, a tutelar diretamente a higidez física e mental do servidor público, o qual, como ser humano, depende de descanso geralmente anual, em princípio, para restabelecer suas energias e manter o equilíbrio psicológico e corporal, escopo que é alcançado com a fruição efetiva das férias.

O desiderato legal é tão zeloso em assegurar o efetivo usufruto das férias pelo agente público (o que termina indiretamente por representar benefício para a Administração, a qual poderá contar com a disposição física e mental e o pleno vigor do agente descansado e apto novamente, depois de desfrutar de férias, para exercer com saúde e devotamento suas atribuições funcionais) que assegura, como direito do agente público, que as férias somente poderão ser acumuladas, isto é, não gozadas por mais de dois períodos, em caso de premente necessidade do serviço.

Enfatize-se. Não se trata, pois, de direta tutela dos interesses da pessoa jurídica federativa e sua Administração Pública pela regra legal proibitiva, em princípio, do acúmulo de férias, mas, sim, do imediato resguardo da saúde do agente público, cujo corpo reclama descanso e restauração mediante férias dos labores funcionais, objetivo que favorece, em última instância, por via indireta, o interesse administrativo de boa condição de higidez do funcionário, pressuposto para o bom exercício das atribuições funcionais em proveito do Estado.


3. A questão da necessidade do serviço e o acúmulo de férias não fruídas: princípios da razoabilidade e eficiência

É evidente que, em havendo necessidade do serviço, não há caráter absoluto do direito às férias em relação à data de sua fruição, que poderá, portanto, admitir eventual acúmulo de mais de dois períodos. A disposição legal tem feição relativa, não sendo absoluta a determinação do usufruto do descanso, se o interesse administrativo demanda a permanência em atividade do funcionário. Deve ser respeitado, porém, o limite físico e mental que o agente público pode suportar sem o repouso legalmente estatuído ao longo de períodos geralmente anuais. Seria incompatível com o princípio da razoabilidade e mesmo da eficiência administrativa, reitores da Administração Pública, a submissão da pessoa natural do servidor, por anos a fio, sem desfrutar de férias. Tal situação poderia gerar colapso no agente, o qual partiria, em conseqüência, inevitavelmente, para tratamento de saúde prolongado, rendendo, ao final, em vez de lucro, prejuízo para as atividades administrativas e para o erário – ante o forçoso custeio, provavelmente, do alongado afastamento médico do funcionário, como contrapartida da supressão do descanso ordinário de tempos em tempos (férias), sendo que outro servidor, sobretudo no caso de titulares de postos comissionados, deverá ser designado e remunerado para substituir o agente afastado por motivos médicos.

É fato, sim, que não há, realmente, direito absoluto do servidor de gozar férias quando acumula mais de dois períodos, podendo ocorrer sustação ou adiamento, se houver justificada e robusta necessidade do serviço.


4. Crítica à tese de possibilidade de perda do direito de períodos acumulados de férias não gozadas, na presença ou não da necessidade do serviço

Não se pode, em absoluto, incorrer em exegese equivocada e improcedente, data venia, de que a acumulação de mais de dois períodos de férias não gozadas acarretaria, ipso facto, a decorrente perda do direito ao descanso pelo servidor, interpretação que colidiria diretamente com a teleologia do dispositivo legal, que se dirige mais imediatamente para a proteção da saúde do agente público do que para a direta consideração dos interesses do Estado.

Na verdade, o fato de o agente acumular mais de dois períodos de férias, em vez de lhe acarretar prejuízo, com a suposta perda do direito ao descanso, o que não se pode admitir em absoluto, deve resultar em louvor e reconhecimento do espírito público do funcionário em, apesar de poder desfrutar de repouso mensal, permanecer fornecendo sua força de trabalho em proveito da Administração Pública.

Seria um disparate, com efeito, entender que quem se empenhou, renunciando ao seu conforto pessoal para melhor servir o Estado, deva suportar gravame com sua conduta meritória e devotada à causa da Administração Pública.


5. Do proveito financeiro estatal com a permanência em atividade ininterrupta do servidor com direito a férias acumuladas e a regra da vedação ao enriquecimento sem causa

Some-se que, ainda que o agente administrativo não tenha tido ânimo heróico ou inspiração de "amor à camisa" pelo serviço público no ato de voluntariamente ensejar a acumulação de períodos de férias não gozados, de forma tácita por não marcar seu pretendido período de usufruto, ainda assim não se poderia julgar senão que a Administração Pública termina, sim, de todo modo, sendo favorecida com a manutenção em serviço de quem poderia estar descansando remuneradamente, haja vista que os estatutos do funcionalismo, de regra, como ocorre no caso do Distrito Federal (art. 35, I, Lei Orgânica do DF [01]), rezam que outro servidor deva assumir os encargos do funcionário em gozo de férias, inclusive com o pagamento pelo Estado de gratificação do titular em favor do substituto designado. Deste modo, visivelmente, há vantagem mesmo de ordem financeira para o erário quando o funcionário não desfruta de seu descanso legal anual ou periódico do direito capitulado nos arts. 7º, XVII, e 39, § 3º, da Constituição Federal vigente, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998.

Daí que o próprio enunciado legal da vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884, Código Civil de 2002) confere o direito à respectiva conversão em pecúnia ao servidor que, em virtude de aposentadoria (voluntária, por invalidez ou compulsória, sem discriminação entre as hipóteses) ou morte, deixou de usufruir férias acumuladas.

É como decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

ADMINISTRATIVO - DIREITO ADQUIRIDO - FÉRIAS NÃO GOZADAS - ACUMULAÇÃO EM VIRTUDE DE GOZO DE LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE - INDENIZAÇÃO. I - SE, DE UM LADO, A FRUIÇÃO E A ACUMULAÇÃO DAS FÉRIAS A QUE FAZ JUS O SERVIDOR REPOUSAM EM RAZÕES DE ORDEM LEGAL (ART. 77 DA LEI N° 8112/90), DE OUTRO, ALÉM DESSAS RAZÕES, FUNDAMENTA-SE NÃO SÓ EM PRINCÍPIOS BÁSICOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO, MAS, TAMBÉM, NA APLICABILIDADE PLENA DAS NORMAS DA LEI MAIOR, A INCUMBÊNCIA, QUE SE ATRIBUI À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, COMO UM DEVER, DE PROVIDENCIAR PARA QUE SEUS SERVIDORES NÃO DEIXEM DE USUFRUIR DAS FÉRIAS ANUAIS REMUNERADAS. II - A LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE HÁ DE SER TIDA COMO PERÍODO DE EFETIVO EXERCÍCIO, PELA INTELIGÊNCIA DO ART. 102 DA LEI N° 8.112/90. III - É DE SE RESSALTAR QUE, "(...) PRESENTE DIREITO ADQUIRIDO A UM PERÍODO COMPLETO DE FÉRIAS, NÃO GOZADAS EM PRESUMIDO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO, TRANQÜILAMENTE DEVIDA A RESPECTIVA INDENIZAÇÃO. É QUE NÃO SE PODE LOCUPLETAR O PODER PÚBLICO ÀS CUSTAS DO TRABALHO DO SERVIDOR.(...)" (IN TJDF, APC N° 33.806/94, 14.11.94, VOTO DO REV. DES. MÁRIO MACHADO). [02]

Esse entendimento é corroborado pela interpretação sistemática do direito positivo brasileiro, haja vista a instituição da figura do abono de permanência (art. 2º, § 5º, da Emenda Constitucional n. 41/2003), de natureza jurídica recentemente reconhecida como indenizatória pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, visto que se trata de incentivo para o servidor que, apesar de poder se aposentar voluntariamente, sem ainda estar incurso em hipótese de aposentadoria compulsória por implemento do limite de idade, prefere, não obstante, permanecer em atividade, gerando para tanto proveito financeiro e fornecimento de sua mão-de-obra em favor do Estado, quando seria provavelmente necessário preencher a vaga, mediante a nomeação de terceiro servidor e pagamento de remuneração, no lugar que seria deixado em aberto na lotação administrativa pelo funcionário que ingressa na inatividade remunerada.

Daí que o ordenamento jurídico defere o benefício ao servidor que permanece em atividade, quando já poderia desfrutar da aposentadoria voluntária, não mais ser compelido a sofrer desconto a título de contribuição previdenciária, como incentivo financeiro mais que justificado, como previsto na Constituição Federal de 1988:

Art. 40...............................................................................

..........................................................................................

§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

Por essa mesma razão, não parece harmônica com o ordenamento jurídico a interpretação de que o servidor, já onerado pelo trabalho ininterrupto sem usufruto de férias ordinárias, ainda tenha que suportar, por absurdo, os iníquos e inaceitáveis efeitos da suposta perda do direito de descanso, apenas pelo paradoxal motivo de que o funcionário não exerceu o direito em comento, por força de seu espírito público e amor à Administração em muitos casos, ou mesmo por força de consentimento estatal tácito pela omissão administrativa em indicar período concessivo de férias para o agente com períodos acumulados de aquisição do direito em alusão.


6. A exegese do art. 77 da Lei 8.112/1990 não pode ser procedida em desproveito de quem a norma procurou favorecer

Ora, se o preceptivo legal tem em mira zelar pela recuperação da disposição e energia do servidor com o justo gozo de férias, após o exaurimento decorrente do prolongado período de desforços funcionais contínuos ao longo de um ano ou mais de serviços prestados à Administração, seria um intolerável atentado contra a própria finalidade da norma defender que o acúmulo de mais de dois períodos deveria resultar na perda do direito de descanso mensal remunerado, em prejuízo do servidor, promovendo-se exegese em desproveito de quem, na verdade, a regra legislativa procurou antes proteger, quando a hermenêutica do direito leciona que, na interpretação normativa, deve-se compreender as regras em favor daqueles que a lei procurou contemplar.

Se o repouso é tão importante a ponto de o estatuto do funcionalismo proclamar a máxima genérica de que, em princípio, as férias não devem ser acumuladas por vários períodos, a fim de que o servidor público não seja submetido, salvo em caso de premente necessidade do serviço, ao penoso sacrifício pessoal da perda do descanso legal, necessário à recuperação de seu vigor físico e mental depois de ininterrupta atividade funcional, seria ainda mais gravosa e divorciada da voluntas legis, não bastasse a já omissão administrativa em designar o período concessivo das férias ao servidor omisso a esse respeito, a interpretação de que o agente público, então, perderia o próprio direto fundamental de descanso mensal, na medida em que a Administração estaria defendendo, inaceitavelmente, por via indireta, a própria negação do direito de assento constitucional.

Não bastasse, a inteiramente errônea exegese de pretensa perda do direito de férias agrediria, contrariando diretamente o texto legal, o caráter essencial do repouso legal remunerado, justificando-se, por absurdo, que o agente público não precisaria ou poderia dispor do revigoramento de sua saúde física e mental, preceito inalienável no ordenamento jurídico e que não colima tão-somente contemplar a pessoa biológica do funcionário público, mas também assegurar, inclusive em conformidade com o princípio constitucional da eficiência e o mediato interesse estatal aí contido, que o servidor atuará, no desempenho funcional, com capacidade orgânica em bom estado, revigorada após o salutar repouso legalmente previsto, e não se sujeitar o ser humano, de carne e osso, a extenuante exploração de sua força de trabalho sem descanso e com a perda do direito de férias, se acumuladas.


7. Os efeitos financeiros e administrativos adversos para o Estado no caso da exegese pela perda das férias acumuladas e não gozadas: a possibilidade de perseguição e abusos contra os servidores decorrente desse entendimento

A via da supressão do direito de férias acumuladas e não fruídas terminaria resultando, sublinhe-se, em prejuízo do Estado, o qual, depois de explorar a força de trabalho de seu servidor sem lhe permitir o repouso legal em testilha, teria que arcar com o pagamento da remuneração integral do funcionário exaurido e estressado, que provavelmente será forçado, pela doença ou enfermidade decorrente da privação do repouso estatutário, a afastar-se do serviço para cuidar da própria saúde, quiçá por meses a fio, até reivindicar possível aposentadoria por invalidez, com proventos integrais, despesas muito superiores para o erário do que o simples deferimento esporádico dos períodos de férias regulamentares, seguidos do retorno do servidor à atividade ordinária com vigor e saúde, o que aproveita, sem dúvida, a Administração Pública.

Mais ainda, entender que ocorreria a perda do direito de férias em caso de acúmulo poderia ensejar a situação de o superior hierárquico, por comodidade da repartição (sem todavia invocar, formalmente, necessidade do serviço, ocultando-dissimuladamente) ou mesmo para prejudicar subordinados antipatizados, negar, informalmente, não por escrito, o usufruto de férias (principalmente em relação a servidores ocupantes de cargos em comissão não titulares de cargo efetivo na Administração Pública, mais sujeitos a pressões e intimidações por serem exonernáveis ad nutum) como meio de protelar o exercício até a acumulação alegadamente desautorizada ocorrer e implicar a suposta extinção do direito dos agentes públicos, em proveito imoral estatal. Tal atitude fere os mais comezinhos princípios do direito público e a moralidade administrativa, sem falar na ofensa à própria garantia constitucional da dignidade da pessoa humana, num regresso inaceitável à quadra vivenciada nos primeiros anos da Revolução Industrial do século XIX, quando os trabalhadores eram explorados e submetidos até o exaurimento de suas energias para após serem lançados ao desamparo completo, sendo em seguida substituídos por nova mão-de-obra igualmente subjugada.

É a tanto que conduz a tese da perda do direito de férias em dois ou mais períodos aquisitivos não fruídos.

Essa exegese se conforma com os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a moralidade administrativa e demais preceitos introduzidos pela Constituição Federal de 1988? É dispensável responder que, evidentemente, não.

Por isso que inviável a tese da pretensa perda do direito de férias acumuladas e não gozadas.


8. Quid iuris em caso de inércia do servidor público em marcar suas férias?

Como consabido, o usufruto do direito de férias adquiridas depende da conveniência do serviço público e deverá ter seu período concessivo determinado pela Administração, ou referendado por ela, no caso de a solicitação do funcionário estar compatível com os reclamos do interesse administrativo.

Por conseguinte, na hipótese de inércia do servidor em indicar as datas de usufruto do direito, dando ensejo à acumulação de períodos de férias, compete à Administração Pública estabelecer as datas para gozo respectivo e, em caso de omissão administrativa a esse respeito, não há que se falar em perda do direito em alusão, apesar de ocorrido, eventualmente, no plano fático, o acúmulo de períodos adquiridos do descanso legal, ainda não desfrutados.

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios [03], consoante trecho do voto condutor do eminente relator de julgado sobre a matéria ora discutida:

"Feitas essas considerações, passo ao exame do mérito propriamente dito. De início, penso ser de mister deixar claro que a licença para tratamento de saúde, como muito bem posto pelo MM. Juiz monocrático, na sentença hostilizada, há de ser tida como período de efetivo exercício, pela inteligência do art. 102 da Lei n° 8.112/90, e não, como "motivo de força maior", termos colocados de modo indevido pelo Apelante. Inegavelmente, representando o direito a férias anuais garantia inscrita na Constituição Federal no art. 7º, inciso XVII, do Capítulo dos Direitos Sociais inserto no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, possui essência de proteção aos trabalhadores em geral e, por extensão, aos servidores públicos civis e aos militares, respectivamente, conforme os artigos 39, § 2º, e 42, § 1º, daquela Magna Carta.

Não tem, portanto, a norma infraconstitucional, o condão de limitar ou abolir tal direito. Assim, ao estabelecer o limite máximo de dois períodos aquisitivos vencidos, para fins de acumulação, visa a regra contida na Lei n° 8.112/90 impedir que a Administração, sob a égide da necessidade de serviço, impeça que o servidor permaneça por mais de dois (2) anos sem usufruir do direito do gozo de férias, e, não, puni-lo com a retirada desse direito. Aliás, nem o poderia, haja vista, que, uma vez adquirido, esse direito recebe, ainda, a tutela do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.

Nesse sentido, extrai-se da obra de Ivan Barbosa Rigolin, "Comentários ao Regime Jurídico Único dos Servidores Civis", a lição seguinte a respeito da limitação de até dois períodos de férias imposta pelo art. 77 da Lei n° 8.112/90: "É salutar que assim seja, uma vez que se conhece, no âmbito do serviço público de outras esferas de governo, casos de servidores com direito a oito períodos de férias, ou a quatro períodos; tal incúria e desmazelo na administração pessoal, que por displicência ou mesmo má-fé permite que o servidor renuncie a um direito quase irrenunciável de natureza eugênica e indispensável à sua saúde e à boa continuidade dos próprios serviços públicos, está expressamente proibido no âmbito do serviço público federal. Se a Administração consentir em que o servidor acumule mais de dois períodos de férias, merecerá responsabilização a autoridade que o faça."

Segundo o contido nos autos, o Apelado tomou posse no cargo de Agente de Polícia da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, em 11.8.92, sem que tivesse gozado as férias a que fazia jus relativas ao período aquisitivo de 1990. Ora, na data apontada como a da mencionada posse, ainda não se havia caracterizado o acúmulo de mais de dois períodos de férias repelido pela lei, o que só veio a ocorrer a partir de 31.12.92.

Incontestavelmente, cabe à própria Administração, visto ser ela quem estabelece, em última análise, a conveniência da data de fruição pelo servidor do direito adquirido, determinar o período em que tal direito deverá ser exercido, se tiver sido ele anteriormente indeferido ou não solicitado. Deixando de assim proceder o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, deveria ter adotado tal providência o Órgão de pessoal da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Ao alegar o Apelante a vedação imposta pela Lei n° 8.112/90, no seu art. 77, pretende, na verdade, inverter ônus que, no caso concreto, compete à Administração Pública. Demais disso, não pode o Estado locupletar-se dos direitos dos seus servidores. Em face desse mesmo motivo, encontra-se hoje pacificado o entendimento análogo de que se deve garantir, ao servidor que se aposenta, indenização quando houver direito adquirido a período aquisitivo de férias concluído.

Com muita propriedade, sobre o assunto, pronunciou-se o ilustre Desembargador Mário Machado, quando do julgamento da APC n° 33.806/94, em 14.11.94, cujo entendimento peço licença para transcrever: "(...) presente direito adquirido a um período completo de férias, não gozadas em presumido interesse da Administração, tranqüilamente devida a respectiva indenização. É que não se pode locupletar o Poder Público às custas do trabalho do servidor. Se este, tendo direito às férias, não mais pode gozá-las, em face da aposentadoria, deve a Administração indenizá-las, pena de se enriquecer injustificadamente.(...)" (grifei).

A matéria, também, já foi objeto de apreciação pela 1ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai do Resp. n° 24232/92 – SP, que teve por relator o Ministro Garcia Vieira, verbis:

"ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO – FÉRIAS NÃO GOZADAS – APOSENTADORIA – CORREÇÃO MONETÁRIA – PROTELAÇÃO – MULTA. A Administração tem o dever de propiciar o gozo de férias anuais a seus servidores. Não cumprindo este dever, por necessidade de serviço, é inegável a obrigação de indenizar, respondendo por perdas e danos.(...)" (grifei).

Assim, se, de um lado, a fruição e a acumulação das férias a que faz jus o Apelado repousam em razões de ordem legal (art. 77 da Lei n° 8112/90), de outro, além dessas razões, fundamenta-se não só em princípios básicos do Direito Administrativo, mas, também, na aplicabilidade plena das normas da Lei Maior, a incumbência, que se atribui à Administração Pública como um dever, de providenciar para que seus servidores não deixem de usufruir das férias anuais remuneradas.

Pretender o Estado negar a concessão de um direito líquido e certo adquirido pelo servidor em decorrência de um preceito constitucional, valendo-se de limite fixado em lei, eis que possui este o fim claro de coibir qualquer afronta a tal direito por parte da própria Administração, é algo que não se coaduna com a finalidade da Justiça. Convém, aqui, lembrar que "o mais alto grau da injustiça é não ser justo e, todavia, parecê-lo".


9. A fruição das férias depende do interesse e da necessidade do serviço

Sob prisma complementar, é mister sublinhar que o gozo do direito de férias é condicionado pelo interesse público quando à data respectiva de fruição, como arquissabido.

É o quanto enuncia a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Os direitos dos servidores, relativamente a períodos de férias, licenças, etc., podem ser determinados, seu gozo e uso, a critério da Administração, conforme sua conveniência e interesse. Dessa forma, o ato atacado, que suspendeu a concessão do gozo de férias-prêmio por necessidade do serviço e racionalização de custeio, não fere direito, muito menos líquido e certo, dos servidores que já possuem o tempo de serviço necessário para usufruir de tal benefício [04].

O STJ reiterou: "A suspensão temporária do gozo das férias-prêmio, por conveniência do Administrador, não configura violação a direito líquido e certo dos beneficiários". [05]

A Procuradoria-Geral do Distrito Federal assentou em parecer de nossa autoria acerca de requerimento de servidor acusado em processo administrativo disciplinar, ainda em fase de instrução, quanto ao gozo de férias e períodos de licença-prêmio:

Doutrina e jurisprudência entendem que o usufruto de férias e de licença-prêmio, conquanto direito reconhecido no estatuto funcional dos servidores públicos, deverá obedecer à conveniência administrativa quanto à data de concessão. No caso dos autos, render-se-á ensejo ao deferimento tão-logo concluídas as atividades processuais, porque o feito será objeto de novos atos instrutórios, que requerem a intervenção do processado como condição de validade, pois que imperativa a observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, com a participação do interessado nos trabalhos do colegiado.

Também o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios julgou: "Não se pode falar em direito líquido e certo dos servidores para o parcelamento das férias, cujo período de fruição depende do juízo de oportunidade e conveniência da Administração". [06]

Diógenes Gasparini, depois de asseverar que as férias são gozadas no ano seguinte (período de gozo) ao da aquisição do direito (período de aquisição), salienta que o desfrute delas se dá "segundo as conveniências e interesses da Administração". [07]

Comentando sobre as licenças e o dever do Estado de concedê-las quando presentes as hipóteses legais, Themístocles Brandão Cavalcanti ensina: "Este dever não lhe tira, porém, a faculdade de prefixar os limites de prazo e negar a concessão da licença, quando assim o exigir a conveniência da Administração". [08]

Edmir Neto de Araújo leciona que as férias podem mesmo ser interrompidas, por força de "superior interesse público". [09]

O art. 6º, XLIV, da Lei Complementar distrital 395/2001 (Lei de Organização da Procuradoria-Geral do DF) confere ao Procurador-Geral do Distrito Federal competência para sustar o gozo de férias de Procurador por caso de excepcional necessidade e interesse do serviço.

Por conseqüência, por exemplo, se o servidor que responde a sindicância ou processo administrativo disciplinar, ainda pendente de instrução, pode ter o gozo de seus períodos acumulados de férias ou licença-prêmio por assiduidade adiado, por necessidade ou interesse do serviço público [10], seria um absurdo sustentar que, ainda assim, deveria suceder a perda do direito acumulado pelo funcionário.

Daí o juízo de que não sucede a perda do direito de férias em razão do acúmulo de mais de dois períodos aquisitivos, uma vez que sempre terá sucedido o acúmulo em razão do interesse público ou da omissão administrativa de marcar, de ofício, período concessivo das férias acumuladas.


10. O caso do servidor que acumula férias não gozadas por causa de afastamento para cuidar da própria saúde

Na específica situação do servidor em licença para tratamento de saúde, que deixa de usufruir férias coletivas de sua categoria profissional, ou mesmo individuais, o direito positivo distrital é expresso ao capitular que é considerado como de efetivo exercício o tempo de afastamento do funcionário para cuidados com a sua própria saúde (art. 102, VIII, "b", c.c, art. 97, na redação original da Lei 8.112/1990, incorporada ao direito positivo distrital pela Lei ordinária/DF n. 197/1991, art. 5º).

Além disso, o art. 102, VIII, "b", da Lei 8.112/1990, conceitua como hipótese de afastamento o período para tratamento da própria saúde do servidor, conferindo-lhe o mesmo tratamento das hipóteses relacionadas no art. 97, da Lei 8.112/1990, dispositivo expresso no sentido de que o servidor poderá ausentar-se do serviço nas situações ali elencadas, sem experimentar qualquer prejuízo.

Ora, se é assim, antolha-se inquestionável que o servidor que veio a acumular férias em virtude de exercer seu direito de afastamento para tratar da própria saúde, o qual deixou de gozar do benefício das férias coletivas por essa causa, não poderia, por força da expressa disposição legal, suportar prejuízo manifesto e gravíssimo, da ordem da perda do direito de usufruir as férias acumuladas, exegese que seria manifestamente incompatível com o disposto no art. 97, caput, e 102, VIII, "b", da Lei 8112/1990, tanto que, na hipótese de aposentadoria por invalidez definitiva, precedida de acúmulo de períodos sucessivos de férias não gozados em razão do afastamento para tratar da própria saúde do servidor, a jurisprudência administrativa da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, lembre-se, já firmou a garantia de indenização por meio de conversão em pecúnia dos aludidos períodos de férias e licença-prêmio não usufruídas.

Por essas razões é que se afigura prejudicada a discussão em torno de a necessidade do serviço ser, ou não, considerada para fins de acumulação tolerada, ou não (com a pretensa perda do direito não exercido por omissão do funcionário, seu titular), de períodos de férias não desfrutadas. De qualquer forma, jamais se admitirá o entendimento, data maxima venia, de que o servidor público, no caso de acumular períodos aquisitivos de férias não gozadas, perderá o direito em epígrafe. Nessa hipótese, cabe, tão-somente, a solução jurídica, de a Administração, imediatamente ou em data conveniente para os interesses administrativos e respeitados os reclamos da saúde física e mental do funcionário, fixar data mais oportuna para o usufruto do descanso legal acumulado. A eventual inércia estatal a esse respeito não pode implicar, grife-se, na extinção do direito não exercido voluntariamente pelo servidor, o qual poderá, inclusive, em caso de aposentadoria, com períodos de férias não desfrutadas, requerer a consentânea conversão em pecúnia, com caráter indenizatório.


11. Férias não gozadas e indenização

Entende o colendo Superior Tribunal de Justiça [11]:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. NÃO-INCIDÊNCIA. VERBAS INDENIZATÓRIAS. FÉRIAS E LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADAS.

1. As verbas rescisórias percebidas a título de férias e licença-prêmio não gozadas, bem como pela dispensa incentivada, não estão sujeitas à incidência do Imposto de Renda. Aplicação das Súmulas 125, 136 e 215 do STJ.

2. Consoante a Súmula 136 do STJ, verbis: "O pagamento de licença-premio não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao imposto de renda."

3. Precedentes desta Corte:RESP 421.881/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 09/04/2002, RESP 331.669/SP, 1ª Turma, desta Relatoria, DJ 25/03/2002.

4. Os valores recebidos pelo empregado em virtude de rescisão de contrato de trabalho a título de férias não gozadas, ainda que simples ou proporcionais, não constituem acréscimo patrimonial, possuindo natureza indenizatória, razão pela qual não podem ser objeto de incidência do imposto de renda. (Precedentes: Resp nº 643947, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28.02.2005, AgRg no Resp 644289/SP, Rel Min. José Delgado, DJ de 09.11.2004, AgRg no Resp 501495/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 21.03.2005).

5. Isto porque é assente na Corte que "Os valores recebidos em virtude de rescisão de contrato de trabalho a título de férias não gozadas, sejam simples, em dobro ou proporcionais, são de caráter indenizatório, não constituindo acréscimo patrimonial a ensejar a incidência do imposto de renda. O valor a ser recebido também será proporcional ao tempo trabalhado. O que se mostra relevante é o fato de não ter havido o gozo das férias, que só poderão ser recebidas em pecúnia por ocasião da rescisão do contrato de trabalho. O trabalhador não pôde valer-se do período de descanso, razão pela qual é indenizado proporcionalmente ao período aquisitivo. Se mesmo por opção do servidor subsiste o caráter indenizatório das férias simples não gozadas, não se justifica a distinção entre a natureza jurídica destas e das proporcionais. As verbas especiais e as férias vencidas indenizadas pagas à ex-empregada quando de sua demissão possuem caráter estritamente indenizatório, constituindo mera reposição patrimonial pela perda do vínculo laboral e do período de descanso não concedido, bens economicamente concretos, de sorte que indevida é a incidência do Imposto de Renda, por ausência do fato gerador previsto no art. 43, I e II, do Código Tributário Nacional. Súmula n. 125 do STJ e precedentes." (Resp nº 643947, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28.02.2005).

6. Deveras, é cediço na doutrina do Direito do Trabalho que "O contrato de trabalho pode terminar ou ser rescindido durante o período aquisitivo ou concessivo das férias. Uma vez ocorrendo essa hipótese e como há uma impossibilidade material de garantir o gozo das férias ao empregado cuja relação de emprego não existe mais, a lei estabelece que a empresa terá que pagar-lhe uma indenização que visa ressarcir o eventual prejuízo que teria em decorrência da não concessão das férias. Assim, tanto nos casos de despedimento do empregado sem justa causa, como nas hipóteses de despedimento indireto, como, ainda, nos contratos a prazo determinado, haverá sempre uma indenização de férias não gozadas. Essa indenização será devida, em primeiro lugar, para os empregados que tiverem cumprido um período aquisitivo e não gozaram as férias a ele correspondentes. Como já incorporou-se em sua esfera de direitos ter férias vencidas e como o contrato extinguir-se antes da sua concessão, o empregador terá que pagar-lhe, a título de férias, a remuneração correspondente ao período não gozado (art. 142, CLT). Trata-se, portanto, de indenização substitutiva das férias vencidas não desfrutadas. Outra indenização é aquela devida pelos meses trabalhados no período aquisitivo. Trata-se de indenização pelas férias proporcionais, devida ao empregado que não atingir um período aquisitivo porque o contrato de trabalho extinguiu-se antes de completar-se". (Amauri Mascaro Nascimento, in Compêndio de Direito do Trabalho, 2ª ed., Ed. LTr, pg. 465).

7. Recurso Especial provido.

O Superior Tribunal de Justiça ainda pontuou:

Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PUBLICO. APOSENTADORIA. FERIAS NÃO GOZADAS.

- INDENIZAÇÃO. ACERTO DA CONCESSÃO, CONCEBIDA A TITULO DA EQUIDADE, TANTO MAIS QUE SOBREVEIO LEI EXPLICITANTE DO FAVORECIMENTO TAMBEM DOS PARADIGMADOS. [12]

O STJ reiterou:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PUBLICO. APOSENTADORIA. FERIAS NÃO GOZADAS. - SERVIDOR PUBLICO QUE SE APOSENTA SEM TER GOZADO FERIAS QUE LHE ERAM DEVIDAS FAZ JUS A INDENIZAÇÃO PECUNIARIA CORRESPONDENTE A ESSE PERIODO, SOB PENA DE LOCUPLETAMENTO INDEVIDO POR PARTE DAADMINISTRAÇÃO. [13]

Sublinhe-se, portanto, que o servidor tem direito de perceber, como previsto na própria Constituição Federal, as férias não gozadas durante o período de afastamento para cuidar da própria saúde, acrescidas do adicional de um terço.

Marque-se que as férias deverão observar, na sua marcação, os prazos legais de antecedência para marcação ou alteração, regulamentados para a Administração distrital.

É ainda pertinente fincar que, a despeito de as férias deverem observar o interesse público quanto à data de fruição, não será possível limitar, por óbvio, referentemente aos períodos acumulados no intervalo em que o servidor estava afastamento por motivo de saúde, a concessão ao mesmo interregno das férias coletivas da sua categoria profissional, pois, do contrário, o funcionário jamais irá usufruir o direito preterido. Deste modo, respeitadas a necessidade e a organização do serviço, deverá ser assegurado trintídio adicional ao longo do ano, além do intervalo de descanso coletivo da categoria, se o caso, para gozo do direito de férias dos períodos cumulados (por exemplo, em abril, setembro, outubro, etc.), observados os lapsos temporais mínimos de antecedência para marcação ou alteração de férias no âmbito da Administração Pública.


12. Conclusões

Conclui-se, pois, que:

1) os servidores públicos que acumulam mais de dois períodos de férias sem fruição não perdem o direito ao descanso remunerado, o qual deverá ser concedido, de ofício, pela Administração Pública, com o adicional de um terço do valor, em caso de inércia do titular, se não convier à necessidade do serviço o sobrestamento do usufruto das férias, até momento oportuno, respeitados os limites reclamados pela própria saúde do servidor;

2) os períodos de férias ou licença-prêmio não usufruídos pelo servidor devem ser indenizados em caso de aposentadoria (por invalidez, voluntária ou compulsória, indistintamente), salvo se houver regalia legal de benefício de, por exemplo, contagem em dobro, como tempo de serviço para ingresso na inatividade ou outra vantagem, dos períodos em alusão, ressaltando-se que não há contagem em dobro automática ou qualquer outra modalidade de proveito implícito, somente em caso de expressa previsão legal a respeito, como assentado pelo Superior Tribunal de Justiça [14];

3) deverá ser respeitada a regulamentação administrativa acerca dos prazos de antecedência de marcação ou alteração de férias, nos casos de fruição de períodos acumulados.

4) O servidor que deixa de usufruir férias coletivas ou individuais, em virtude de estar afastado para tratar da própria saúde, deve ter considerado como de efetivo exercício o período do afastamento homologado pelo serviço médico da Administração Pública, facultando-se ao funcionário, por conseguinte, o gozo das férias em tempo oportuno, ainda que acumulados mais de dois períodos, apenas com a observância do interesse e da necessidade do serviço, também com o respeito aos reclamos da saúde física e mental do agente público.

5) O direito positivo brasileiro, a doutrina e a jurisprudência consagraram que o exercício do direito das férias adquiridas pelo servidor público fica condicionado ao interesse administrativo, tese já encampada em precedentes desta Casa Jurídica.

6) É despicienda a discussão acerca de o acúmulo de férias de professores da rede pública ser condicionado, ou não, ao interesse/necessidade do serviço, para fins de admissibilidade da cumulação de mais de dois períodos aquisitivos;

7) A regra legal acerca da proibição, como princípio geral, do acúmulo de mais de dois períodos de férias não desfrutados por servidores públicos destina-se a preservar a saúde física e mental da pessoa do funcionário, protegendo o interesse da Administração Pública apenas em caráter indireto, modo por que não se pode admitir, ressalte-se, que o agente público, que não desfruta do descanso legal dentro dos intervalos máximos legalmente admitidos, perderia o direito de usufruto de férias.

8) A permanência em atividade do servidor que poderia usufruir férias rende proveito financeiro e administrativo para o Estado, o qual não pode, não bastasse a privação do repouso mensal pelo agente público, sob pena de agressão ao princípio da razoabilidade e à regra da vedação ao enriquecimento sem causa, decretar a perda do direito ao descanso do funcionário, que muitas vezes deixa de usufruir do repouso anual por força de necessidade administrativa e espírito público.


Notas

01 "Art. 35. São direitos dos servidores públicos, sujeitos ao regime jurídico único, além dos assegurados no § 2º do art. 39 da Constituição Federal, os seguintes:

I - gratificação do titular quando em substituição ou designado para responder pelo expediente."

02 APELAÇÃO CÍVEL APC4764198 DF, Registro do Acórdão Número : 106096, Data de Julgamento : 25/05/1998, Órgão Julgador : 3ª Turma Cível, Relator : WELLINGTON MEDEIROS, Publicação no DJU: 01/07/1998 Pág:50 (até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3).

03 APELAÇÃO CÍVEL APC4764198 DF, Registro do Acórdão Número : 106096, Data de Julgamento : 25/05/1998,Órgão Julgador : 3ª Turma Cível, Relator : WELLINGTON MEDEIROS, Publicação no DJU: 01/07/1998 Pág. : 50.

04 RMS 8613/MG, 5ª Turma, relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 25.02.1998, p. 94, votação unânime)

05 RMS 8659/MG, relator o Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJ de 04.08.2003, p. 422, votação unânime.

06 Apelação Cível 1998.01.1.0011454, relatora a Desembargadora Maria Beatriz Parrilha, DJU de 1º.12.1999, p. 16, votação unânime.

07 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 5ª. ed. rev. atual. e aument., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 197.

08 Curso de Direito Administrativo, p. 407.

09 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 347.

10 Vide artigo de nossa autoria publicado no site Jus Navigandi, disponível em http://jus.com.br/revista/texto/10315: "É legal a suspensão do gozo de férias do servidor acusado enquanto pendente a instrução do processo administrativo disciplinar?".

11 REsp 709058 / SP, RECURSO ESPECIAL 2004/0173950-7, Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122), 3ª Turma, julgamento de 07/06/2005, DJ de 27.06.2005, p. 269.

12 REsp 61807 / DF RECURSO ESPECIAL, 1995/0010667-1, Relator(a) Ministro JOSÉ DANTAS (0086), QUINTA TURMA, Julgamento de 12/08/1996, DJ de 09.09.1996, p. 32380.

13 REsp 64141 / DF, RECURSO ESPECIAL 1995/0019301-9, Relator(a) Ministro VICENTE LEAL (1103), SEXTA TURMA, Data do Julgamento: 28/06/1996, Data da Publicação DJ 19.08.1996 p. 28504.

14 "Ementa. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVENTUÁRIO APOSENTADO DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. GRATIFICAÇÃO DE ASSIDUIDADE E CONTAGEM EM DOBRO DE FÉRIAS NÃO GOZADAS. IMPOSSIBILIDADE. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES. Os benefícios pretendidos pelo impetrante não encontram respaldo na legislação local, nem mesmo na Constituição Estadual, "...porquanto não se pode estender benefício que não tenha sido especificamente criado para aquela categoria..." (RMS 9.916/ES, DJ 03.11.99, Rel. Min. Jorge Scartezzini).Precedentes do STF e desta Corte. Recurso desprovido. (RMS 10571 / ES RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1999/0009382-8, Relator(a) Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgamento 06/02/2003, Data da Publicação/Fonte DJ 24.02.2003 p. 251.)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. O acúmulo de mais de dois períodos de férias adquiridas, mas não gozadas, por necessidade do serviço ou não, implica perda do direito? A exegese do art. 77, da Lei nº 8.112/1990. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1614, 2 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10704. Acesso em: 19 abr. 2024.