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Responsabilidade civil do Estado por atos legislativos

Responsabilidade civil do Estado por atos legislativos

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I- INTRODUÇÃO

O artigo 37, § 6º, da Constituição República Federativa do Brasil de 1988 consagrou a responsabilidade objetiva do Estado pelas condutas lesivas provocadas por seus agentes, no desempenho de quaisquer de suas funções.

O presente trabalho cuidará de analisar a responsabilidade do Estado por atos legislativos praticados por seus agentes que, nessa qualidade, e em razão do exercício da função legislativa, causarem danos a terceiros.

Assim sendo, há que se entender por leis todas as espécies normativas elencadas no artigo 59, da Constituição pátria, as quais possuem, em regra, as características de abstração e generalidade, compreendendo as emendas à Constituição, as leis complementares, ordinárias e delegadas, medidas provisórias; decretos legislativos e resoluções.

Nesse diapasão, teremos como foco a abordagem da responsabilidade civil do Estado em face dos atos legislativos em sentido estrito, vez que existem outros atos normativos, que não aqueles que são frutos do exercício da função legislativa. Tais atos, dadas a concretude e a individualização de seus efeitos, constituem-se em verdadeiros atos administrativos, os quais, caso lesem terceiros, ensejam responsabilização do Estado, tal qual previsão constitucional e entendimento pacificado nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, com certa resistência, bem verdade, no que tange aos atos jurisdicionais.

De todo modo, imperioso advertir que, no Estado Social de Direito, as leis têm perdido, por vezes, seu caráter de abstração, passando o Estado a agir concretamente, de modo a assegurar o cumprimento de medidas que visem ao bem estar da coletividade. Tal constatação é bem percebida por Júlio Cezar dos Santos Esteves (2003, p. 207):

Tem-se, todavia, como certo que o caráter primário e conseqüentemente geral e abstrato da função normativa não impede, na atual concepção de Estado, se editem as chamadas leis-providência ou leis de efeitos concretos, destinadas a atingir determinado indivíduo ou grupo certo de indivíduos. Há que se constar uma profunda alteração no conceito de lei – no que respeita à sua função e conteúdo – ocorrida no Estado Intervencionista ou Controlador.

Ademais, a questão da responsabilização estatal por seus atos legislativos não é tão simples como possa, inadvertidamente, parecer. Primeiramente, pelo fato de muitos juristas ainda advogarem a tese da irresponsabilidade estatal no tocante aos atos legislativos, a qual refutamos. Mas não é só: entre os que defendem a responsabilização estatal pela prática de tais atos, alguns pontos ainda estão longe de serem consenso, como, por exemplo, a omissão legislativa.

Nesse diapasão, procuraremos demonstrar a necessidade de responsabilização do Estado pelos ditos atos legislativos, como um postulado básico do Estado Democrático de Direito, na medida em que, só assim, daremos máxima efetividade à Constituição da República.

Nessa linha de raciocínio, imperioso pontuar que a responsabilidade do Estado encontra razão de ser nos princípios da Legalidade e da Isonomia – lembrando que este último não significa igualdade de tratamento a todos, mas sim, desigualdade de tratamento, na medida da desigualdade de cada um.

É nesse sentido que se justifica, aliás, a responsabilidade do Estado por comportamentos lícitos, na medida em que "o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando-se que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa desempenhadas no interesse de todos" (MELLO, 2007, p. 971).


II- Desempenho constitucional e inconstitucional da função de legislar

Reporta-se a doutrina ao aresto La Fleurette, datado de 1938, como o marco para a responsabilização do Estado por atos legislativos, em que o Conselho de Estado Francês reconheceu o dever de reparação deste, em face da edição de uma lei que, visando proteger a indústria de laticínios, proibiu a fabricação de produtos que pudessem substituir o leite, causando prejuízos à Companhia La Fleurette.

Ainda com base no direito francês, Luciano Ferraz (2006, p. 211) discorre:

Ainda na esteira dessa contínua evolução, vieram à baila os casos de responsabilidade derivada de Tratado Internacional (Compagnie d’energie radioélectrique – 1966) e de omissão legislativa, e atualmente, no âmbito da União Européia (Caso Francovich – 1991) – e dos países membros -, têm-se reconhecido a possibilidade de responsabilização do Estado pela inércia na edição de normas jurídicas estatais, que concretizem direitos previstos em normas comunitárias.

No decorrer da evolução, Letícia Junger de Castro Ribeiro Soares (2006, p. 1) destaca o tratamento da matéria no direito uruguaio, narrando o seguinte:

Seguindo o entendimento francês, os tribunais uruguaios, em várias decisões reconheceram o dever do Estado de indenizar aqueles que sofreram prejuízos em decorrência da Lei 8.764, que criou a Administração Nacional de Combustibles Alcohol y Portland, implantou os monopólios de refinação de petróleo, álcool e algumas bebidas alcoólicas.

Muitos comerciantes e industriais foram obrigados a encerrar suas atividades imediatamente e ingressaram em juízo como a Sociedad Uruguaya de Combustibles com Estado, Urreta y otros com Estado, Aguerre y otros com Estado. A fundamentação dos tribunais uruguaios foi calcada na idéia de impossibilidade de impor sacrifício maior a determinados indivíduos em detrimento de interesse coletivo.

Acontece que a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro (2007, p. 603-604) nos informa que, no Brasil, "a regra que prevalece em relação aos atos legislativos é a da irresponsabilidade", apontando alguns argumentos utilizados na defesa de tal entendimento, senão vejamos:

  1. o Poder Legislativo atua no exercício da soberania, podendo alterar, revogar, criar ou extinguir situações, sem qualquer limitação que não decorra da própria constituição;
  2. o Poder Legislativo edita normas gerais e abstratas dirigidas a toda coletividade; os ônus dela decorrentes são iguais para todas as pessoas que se encontram na mesma situação, não quebrando o princípio da igualdade de todos perante os ônus e encargos sociais;
  3. os cidadãos não podem responsabilizar o Estado por atos de parlamentares por eles mesmos eleitos.

Sustentar a irresponsabilidade do Estado não se coaduna com sua atual acepção, sobretudo quando a nossa Constituição consagra um Estado responsável. Desse modo, enfrentaremos cada um dos argumentos lançados pela doutrina, na defesa de tal posicionamento, procurando rechaçá-los.

O primeiro deles, como dito alhures pela professora Maria Sylvia Zanella di Pietro, está pautado no fato de a atuação do Poder Legislativo ser soberana, na medida em que lhe é conferida a possibilidade de alterar, revogar, criar, alterar ou extinguir situações, sem qualquer limitação, com exceção das limitações constitucionais.

Dito argumento não se revela plausível, na medida em que a soberania, no sentido utilizado, deve guardar ligação com o conceito de independência, e não de ilimitabilidade, como se pretendeu, ao utilizá-la como argumento à negativa de responsabilização estatal pelas leis editadas.

Ademais disso, é preciso que se diga que o constituinte, ao definir as competências de cada ente para legislar, não lhe conferiu poderes absolutos: a atuação legislativa encontra limites na própria constituição, esbarrando, assim, o legislador, nos direitos por ela proclamados, os quais devem ser assegurados pelo próprio Estado.

Como segundo argumento na sustentação da irresponsabilidade estatal pelos atos legislativos danosos, pauta-se a doutrina no fato de terem as normas como características gerais a abstração e a generalidade, como sustenta José Cretela Júnior (apud ESTEVES, 2003, p. 94):

Se a lei, ato geral e impessoal, que se dirige à grande massa dos administrados estabelecendo situações de igualdade para todos; se a lei, em princípio inatacável, porque expressão do anseio médio da coletividade; se a lei produto de exigente, requintada e complexa técnica legislativa, a bem dizer se identifica com o próprio Estado, que a ela também se submete, em decorrência do princípio da legalidade (patere legem quan feciste), como pretender responsabilizar a pessoa jurídica pública política matriz por imposição legislativa que cause dano ao cidadão, pessoa política essa que também está interessada em acertar, porque abrangida pelo ato editado?

Também não merece acolhida esse posicionamento, na medida em que, desde a Revolução Industrial, o perfil do Estado não é mais o mesmo, quando tomou para si obrigações sociais, passando a agir concretamente na esfera individual, para garantir fossem atingidos seus fins.

Essa alteração do perfil estatal, com a conseguinte alteração da função da lei, foi sentida pelo professor Júlio César dos Santos Esteves (2003, p. 205-206):

No Estado Social, firmou-se a concepção de lei como instrumento de que se vale o Estado para interferir diretamente em determinados setores da sociedade, de modo a viabilizar os fins do Estado. Para tanto, faz-se necessário controlar a economia, organizar as atividades produtivas, garantir a função social da propriedade e assegurar o planejamento urbanístico, dentre outras providências demandadas do ente estatal.

No Direito moderno, a generalidade já não é mais pressuposto infalível da lei, nem mais ostenta a função de resguardar a isonomia.

Mas há ainda quem insista em sustentar a irresponsabilidade do Estado por atos legislativos, ao argumento de que o eventual lesado escolheu os parlamentares responsáveis pela edição do ato legislativo danoso, o que não justificaria, então, reparação por parte do Estado.

Combatendo o argumento apresentado, Maurício Jorge Pereira da Mota (1999, p. 127-127) explica que, ao serem investidos em seus cargos, os parlamentares formam um órgão do Estado, de tal modo que a manifestação de vontade exteriorizada pelo parlamento "segundo as respectivas atribuições, forma a vontade unitária da pessoa jurídica", não se podendo atribuir suas condutas senão ao próprio Estado.

Ainda rebatendo a tese da irresponsabilidade do Estado, Júlio Cezar dos Santos Esteves (2003, p. 215-216) argumenta que se a inviolabilidade parlamentar configurasse forma de se proteger o Estado, "ter-se-ia como defeso o controle judicial de constitucionalidade das leis ou da adequação da conduta dos legisladores às normas constitucionais conformadoras do processo legislativo, o que, por óbvio, desatenderia ao princípio do Estado Democrático de Direito."

Assim sendo, fixar a idéia generalizada de que os atos legislativos lesivos não ensejam a responsabilização e a conseqüente reparação pelo Estado é aceitar sua não submissão à Constituição, ferindo a própria idéia de Estado de Direito.

Superada a malfadada visão da irresponsabilidade estatal por atos legislativos, há que se declarar que a controvérsia acerca do tema em apreço requer o enfrentamento de outras questões, a começar por julgados do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o Estado responde pelos atos legislativos que contrariem expressamente a Constituição Federal, desde que assim declarados pelo próprio Supremo, em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

O ilustre Marçal Justen Filho (2006, p. 241) afirma que, "em decisão de 19 de julho de 1948, assentou-se que: ‘Sem dúvida as leis inconstitucionais podem legitimar o pedido de reparação de dano que porventura tenham causado’." Em seguida, nos informa o seguinte:

Em outra oportunidade, houve voto minucioso do Min. Celso de Mello no sentido de que ‘A orientação da doutrina, desse modo, tem-se fixado, na análise desse particular aspecto do tema, no sentido de proclamar a plena submissão do Poder Público ao dever jurídico de reconstituir o patrimônio dos indivíduos cuja situação pessoal tenha sofrido agravos motivados pelo desempenho inconstitucional da função de legislar’.

O entendimento supra esposado vem ganhando adeptos na doutrina, de tal modo que, como nos aponta o próprio Marçal Justen Filho (2006, p. 240), é seguido por Yussef Said Cahali, Maria Sylvia Zanela di Pietro, Lúcia Valle Figueiredo, Odete Medauá e Júlio César dos Santos Esteves. Por todos, manifesta-se Juari Silva (apud STOCO, 2004, p. 1141):

Enquanto o Poder Judiciário não lhe proclamar a inconstitucionalidade, a lei eivada desse vício é de considerar-se tão válida e cogente quanto qualquer outra, e quem agir em sua conformidade estará suficientemente amparado pela presunção de que gozam as leis, de serem constitucionais, até que o Poder competente, com quorum adequado, dê péla incosntitucionalidade.

Ousamos discordar do posicionamento ora em análise, na medida em que entendemos não haver motivos para distinguir as leis constitucionais das leis inconstitucionais, para efeitos de responsabilização do Estado, pelas lesões delas resultantes. Conceber um Estado responsável implica responsabilizá-lo por quaisquer condutas lesivas a outrem.

Sendo certo que o Estado responde pelo desempenho não só de suas condutas ilícitas, como também de suas condutas lícitas que, nessa qualidade, causarem danos a terceiros, não menos certo que ele também deva responder pelas leis editadas por seus agentes, quando estas lesarem quem quer que seja. Para tanto, não nos parece relevante apenas admitir essa última hipótese de responsabilização quando a lei se revelar inconstitucional: esse raciocínio, apenas alterando a esfera de Poder responsável pela edição do ato (do Legislativo para o Executivo), nos levaria à conclusão de que nos danos decorrentes das condutas estatais lícitas não há que se falar em responsabilidade civil do Estado, o que soa absurdo.

O glorioso Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 984-985), discorrendo sobre o dano, ensina que este precisa corresponder a um direito da vítima e ser certo, acrescendo que, nas condutas lícitas, ainda é necessária a existência de dois outros caracteres, quais sejam a especialidade e a anormalidade, ao passo em que registra:

Dano especial é aquele que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela Sociedade. Corresponde a um agravo patrimonial que incide especificamente sobre certo ou certos indivíduos, e não sobre a coletividade ou genérica e abstrata categoria de pessoas. [...]

Dano anormal é aquele que se supera os meros agravados patrimoniais pequenos e inerentes às condições de convívio social. A vida em Sociedade implica a aceitação de certos riscos de sujeição a moderados gravames econômicos a que todos estão sujeitos, ocasional e transitoriamente, conquanto em escala variável e na dependência de fatores circunstanciais. São pequenos ônus que não configuram dano anormal.

Diante das supraditas informações, sabendo-se que a responsabilização estatal por atos administrativos independe de serem lícitos ou ilícitos, defendemos que os atos legislativos estão sujeitos ao mesmo regramento daqueles, no tocante à obrigação do Estado de reparar os danos porventura causados. Não se exige, desse modo, sejam os atos legislativos inconstitucionais, bastando apenas a comprovação do nexo de causalidade entre o ato e o dano.

Se a conclusão chegada acima não fosse verdadeira, estaríamos negando o próprio Estado Democrático de Direito, na medida em que admitiríamos a hipótese deste eximir-se de sua responsabilidade numa de suas esferas de Poder, não se submetendo, assim, à ordem normativa existente.

Sobre o tema, observa Júlio César dos Santos Esteves (2003, ESTEVES, p. 209):

Acrescente-se que, conquanto abstrata e impessoal, a lei cumpre a vocação de se realizar no plano concreto, vale dizer, de encontrar a situação hipoteticamente descrita e sobre ela incidir. Assim, ainda que genérica e impessoal, poderá a lei, assimilada a realidade prática, produzir efeitos laterais ou acessórios que impliquem o sacrifício de direitos, constrangimentos considerados necessários à realização do interesse geral perseguido pela norma. Nem se diga que, nesse caso, a norma teria perdido, em sentido material, seu caráter legislativo.

O que se deve admitir como necessário, no caso das leis constitucionais, é a existência de um dano especial e anormal, tal como exigido nos comportamentos lícitos do Estado. De outro modo, a afirmativa de que as leis presumem-se constitucionais não é suficiente para afastar a responsabilidade do Estado, na medida em que os atos administrativos também se presumem lícitos, o que não afasta a eventual necessidade de reparação pelo Estado, caso estes venham a causar um dano a terceiro.

É preciso que fique claro que a atuação legislativa, ainda que constitucional, encontra limites nos direitos individuais, de tal modo que, se lesiva, deve ensejar reparação. Negá-la sob qualquer que seja o argumento, seria admitir como legítima a ditadura da maioria.

Bem verdade que, como nos informa Maurício Jorge Pereira da Mota (1999, p. 18-19), já despontam alguns julgados admitindo a reparação, pelo Poder Público, pelos danos resultantes do ato legislativo que impõe medidas restritivas ao exercício de uma indústria ou uma atividade econômica, ou a faculdades inerentes à propriedade, com a modificação do direito anterior e suprimindo ou diminuindo certas vantagens ou proveitos que antes eram desfrutados pelo particular, desde que, por intermédio dessa regulamentação, se atinja à essência do direito de propriedade, equivalendo a sua supressão por meios indiretos [1].

Nesse sentido, o professor José Cretella Júnior (apud ESTEVES, 2003, p. 234) afirma que poderá "uma lei, no todo ou em cada uma de suas partes, que está em perfeita consonância com a Constituição, trazer prejuízos ao particular."

Há ainda que se refutar a exigência que vem sendo formulada, em níveis doutrinário e jurisprudencial, da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal como supedâneo a ensejar a responsabilização do Estado pelos atos legislativos. Com maestria, o professor Júlio César dos Santos Esteves (2003, p. 249-250) rebate dito posicionamento:

A exigência de prévia declaração de inconstitucionalidade da lei pela via do controle concentrado, como requisito da responsabilização do Estado por lei inconstitucional, não se coaduna com a sistemática processual vigente, em que a via de exceção deve se mostrar igualmente eficaz, na defesa de direitos. Não se vislumbra, ademais, qualquer obstáculo à obtenção de efeito patrimonial, pela via de ação em que se suscita o controle incidental de constitucionalidade. A posição do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a lei de efeitos concretos não se expõe à jurisdição do controle concentrado de constitucionalidade, reforça a conclusão quanto à inexistência do referido requisito de responsabilização.

Ademais disso, há que se mencionar que a exigência de declaração de inconstitucionalidade em controle concentrado perante o Supremo Tribunal Federal, como requisito à responsabilização estatal, deixaria de responsabilizar o Estado pelos danos causados não só em relação às leis de efeitos concretos, mas também em relação às leis municipais, as quais não podem sofrer a dita espécie de controle através de Ação Direita de Inconstitucionalidade.

No que tange às leis municipais, a impossibilidade do controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal resulta da falta de previsão constitucional, enquanto a orientação de que as leis de efeitos concretos não são passíveis de tal controle resulta do entendimento firmado pelo próprio Supremo [2].

Assim sendo, sustentamos que a declaração de inconstitucionalidade possa ser realizada por quaisquer dos tribunais competentes, ainda que em controle difuso, na medida em que o constituinte, ao prever as duas modalidades de controle (difuso e concentrado), apenas os diferenciou em relação aos efeitos da dita declaração, de tal modo que a diferença que se pretende estabelecer resta despicienda.

Do mesmo modo, Maurício Jorge Pereira da Mota (1999, p. 153) entende desnecessária a declaração de inconstitucionalidade como necessária à reparação do dano, nas hipóteses de leis desconformes com a Constituição. Ressalta que, em relação às ditas normas, o dever de reparar alcança não apenas o prejuízo causado, mas, de igual forma, os benefícios que teria deixado de fruir o prejudicado, além do dano moral, se houver. Já quanto às leis constitucionais, afirma ser necessário apenas a recomposição da situação material existente, criando-se nova situação patrimonial correspondente à anterior e de igual valor, em face da preponderância do interesse público sobre o particular.

De maneira mais inovadora, coloca-se Maria Emília Mendes Alcântara (apud ESTEVES, 2003, p. 174), defendendo que da pura inconstitucionalidade do ato legislador advém a imposição de ressarcimento, independentemente da demonstração do sacrifício individual de direitos, como se pode compreender do excerto ora trasladado:

Assim, por exemplo, se determinada lei que estabelece o zoneamento da cidade padece de vício de inconstitucionalidade material, todos os atingidos por esse ato legislativo podem pleitear indenização, ainda que em relação a alguns deles a lei não haja implicado em aniquilamento de direitos, mas em meras limitações.

Conclui seu posicionamento afirmando que "não é a licitude ou não desse ato que irá fundamentar o pedido, mas sim a ocorrência do dano em decorrência do ato estatal" (apud ESTEVES, 1993, p. 174).

Para nós, entretanto, não há que prevalecer o entendimento da supracitada professora, na medida em que a edição de atos legislativos, como também o desempenho das demais atividades estatais, por vezes, impõe ao particular certas restrições que se revelam plausíveis, na medida em que o interesse público sobrepõe-se ao interesse particular. Daí que, como já tratado em tópico precedente, a responsabilização estatal só se justifica em face da violação a um direito. Nesse contexto, explica o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 985):

Não é suficiente a simples subtração de um interesse ou de uma vantagem para que alguém possa fruir, ainda que legitimamente. Importa que se trate de um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja, reconhecendo-o como um direito do indivíduo.

Por tudo quanto exposto até o momento, podemos afirmar que a responsabilidade do Estado pela edição de atos legislativos é postulado do Estado Democrático de Direito, na medida em que não se revela justificável a diferenciação dos atos emanados de quaisquer das esferas de poder, seja do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.

Outro não é o posicionamento do mestre Yussef Said Cahali (1995, apud LIMA, p. 1), ao afirmar que "a lei, produto da vontade soberana do órgão competente, perfeita constitucionalmente, pode causar um dano injusto aos administrados, ou pelo menos a uma certa categoria de administrados."

Também comunga desse posicionamento Júlio César dos Santos Esteves (2003, 248-249), que faz a ilação seguinte:

A inexistência de uma soberania estatal incontrastável como prerrogativa do legislador, que, assim como os demais agentes públicos, se submete aos limites da Constituição; o reconhecimento da potencialidade lesiva do ato legislativo, especialmente naqueles de efeitos concretos- instrumento usual do Estado na sua concepção contemporânea- e de que a legislação constitui resultado da atuação do Estado, assim compreendida como pessoa jurídica responsável, e não da sociedade; a compreensão de que a inviolabilidade parlamentar não traduz imunidade absoluta ou descompromisso com a ordem constitucional, e sim mecanismo de garantia de liberdade do parlamentar, demonstram a insuficiência e imprestabilidade dos argumentos pelos quais se busca subtrair a função legislativa à responsabilidade civil do Estado.

Como já mencionado, defendemos que o dano decorrente do ato legislativo seja apurado no caso concreto, já que, no tocante às leis constitucionais, salutar a exigência de especialidade e anormalidade daquele. Repita-se, por importar, que acreditamos ser desnecessária a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, de tal modo que a declaração realizada qualquer tribunal competente, ainda que em controle difuso, é suficiente para o que se presta - atestar a inconstitucionalidade de uma lei.

Ademais disso, há que se registrar a atual tendência de posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos, em que o Brasil é signatário, passam a ter força supralegal, é dizer, estão acima das leis ordinárias, ainda que abaixo da Constituição (GOMES, 2007, p. 01)

Se concebemos, acertadamente, que as normas de um Tratado Internacional sobrepõe-se às leis pátrias, ainda que estas sejam constitucionais, teremos mais um argumento favorável à responsabilização do particular lesado, quando da edição de uma lei que lhe cause danos, ainda que esta seja constitucional.

Ainda sobre a matéria em apreço, é preciso que se questione se a inconstitucionalidade de uma lei, para fins de reparação, deve ser material ou somente formal. Tal questionamento reputa-se importante, mesmo em face do que se defende no presente trabalho, na medida em que entendemos salutar a diferenciação entre os atos legislativos inconstitucionais e constitucionais, para fins de responsabilização, na medida em que o Estado só deverá responder por esses últimos em face de um dano especial e anormal, como já mencionado.

O professor Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 307), sem maiores delongas, sentencia: "mas, em todo caso, só a inconstitucionalidade material é que pode suscitar a responsabilidade do Estado por ato legislativo".

De maneira diversa, Júlio César dos Santos Esteves (2003, p. 229) posiciona-se: "Se é plena de justificativa a invalidação de lei formalmente inconstitucional, permanece a questão sobre o dever estatal de ressarcir na hipótese de lei cujo vício de constitucionalidade se encerra apenas nos aspectos formais".

O professor Maurício Jorge Pereira da Mota (1999, p. 146), sobre a questão, desenvolveu peculiar raciocínio, a nosso ver acertado, no sentido de que se deve levar em conta a possibilidade de retroação da norma, não havendo o dever de indenizar, na hipótese em que o Estado detivesse a faculdade de imprimir, mediante lei nova e formalmente válida, os mesmos efeitos buscados com a lei invalidada, padecedora de inconstitucionalidade formal.


III- Omissão em regulamentar

Questão das mais relevantes está em saber as implicações da omissão estatal lesiva, em face de um comando constitucional determinando a atuação legislativa. Melhor dizendo, passaremos a analisar a responsabilidade civil do Estado pela omissão legislativa, lesiva ao direito de outrem.

A Constituição pátria, na classificação do professor José Afonso da Silva, é integrada por normas de eficácia plena, contida e limitada, sendo que essa última diz respeito àquela que só produz seus efeitos típicos com a edição de uma lei, que a regulamente. Assim, essas normas constitucionais, embora vinculem o legislador à edição de uma lei com o conteúdo que se pretende regular, não estão aptas a produzir seus principais efeitos, os quais só serão atingidos com a edição da lei pretendida.

Antevendo a possibilidade de o legislador quedar-se inerte diante dos comandos constitucionais que lhe exigisse uma atuação, o constituinte sabiamente criou instrumentos capazes de compeli-lo a agir. São exemplos o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Acontece que ditos instrumentos não têm sido, de fato, uma arma utilizada a favor da população, carecedora de regulamentação, na medida em que, quando declarada a inércia do poder legislativo, por qualquer uma dessas ações, o Supremo Tribunal Federal não estipula prazo para que este poder atue, tampouco supre a omissão.

Ou seja, a nossa Corte Maior, lamentavelmente, em face da inércia legislativa, não adotou a posição concretista, suprindo, por si, a omissão estatal nas hipóteses em que mesmo cientificado, o Poder Legislativo insiste em não agir. Sobre o assunto, o professor Dirley da Cunha Júnior (2006, p. 305) faz profunda reflexão, que ora se transcreve:

O fato é que, a persistir aqui a omissão do poder público, sem se tomar nenhuma providência eficaz e real capaz de removê-la, corre-se o risco de se ter de assistir o deflagrar de um processo irreversível de falecimento do Estado Constitucional de Direito. E não é nenhum exagero supor que, neste caso, a ordem constitucional sucumbirá e o caos prevalecerá, pois não se está, na hipótese de omissão aqui aventada, apenas descumprindo a Constituição, mas deixando de realizar os valores mais fundamentais que ela consagra. Fórmulas inúteis, como a simples "ciência" ao Poder competente, não podem ser repetidas, sob pena de incidir em equívocos do passado.

Desse modo, tendo a Constituição determinado a atuação legislativa, indicando ao legislador os caminhos a seguir, caso este permaneça inerte diante do comando constitucional, poderá aquele que estiver sendo lesado pela omissão, pleitear indenização ao Estado. Outro não é, o pensamento de Maurício Jorge Pereira da Mota (1999, p. 181):

O princípio da efetividade da Constituição não se coaduna com a existência de espaços vazios não normatizados. Se o exercício de um direito constitucionalmente assegurado está sendo obstaculizado pela ausência de norma regulamentadora, numa omissão inconstitucional, e se ao Judiciário falece competência para suprir a lacuna no caso concreto por falta de densidade sêmica da norma constitucional, a situação deverá se resolver no âmbito da responsabilidade civil do Estado legislador, com a conversão do direito inconstitucionalmente negado no seu equivalente em pecúnia.

O próprio Supremo Tribunal Federal tem admitido a possibilidade de o lesado buscar reparação em face do Estado, por conta da omissão dos parlamentares em editar uma lei, quando estes quedam-se inertes em face de sua determinação, após o julgamento de uma das ações para esse fim. Mais que isso, chegou a autorizar em alguns julgados, desde logo, a possibilidade de os beneficiários da norma do artigo 8.°, §3.°, do ADCT, ajuizarem a pertinente ação de reparação econômica do prejuízo, caso o tivessem sofrido, já que o prazo descumprido pelo Poder Legislativo foi fixado pela própria Constituição. [3]

Mais recentemente, em decisão proferida no bojo do Recurso Extraordinário nº 472678, o ministro Marco Aurélio manifestou-se, deixando sedimentado que "o STF também já se pronunciou no sentido de que uma vez declarada a omissão legislativa, cabe ao titular do direito subjetivo buscar a reposição patrimonial através do exercício de ação própria (BRASIL, 2006)."

Vale ressaltar que, no nosso entender, nas hipóteses em que a própria constituição fixar prazo para edição da norma, seria desnecessária a provocação do Supremo, ou de qualquer outro tribunal competente para julgar ações com esse propósito, a fim de cientificar o Poder Legislativo da sua inércia, já que, o próprio constituinte o estabeleceu. Assim sendo, exaurido o prazo fixado sem a edição da regulamentação determinada, surgiria para o lesado o direito a ser reparado.

Corroborando nosso entendimento, manifestou-se o professor Luciano Ferraz (2006, p. 224):

A ausência de regulamentação (parcial ou integral) de dispositivo constitucional pode ensejar direito subjetivo à reparação, desde que caracterizado o dano e o nexo causal. Quando existe prazo certo para a edição da lei, o nexo dependerá exclusivamente do descumprimento deste. Inexistindo esse prazo, é necessário constituir o legislador em mora mediante instrumentos próprios (ADI por omissão ou mandado de injunção), em ordem a viabilizar o dever reparatório.

Mas o tema não encerra suas discussões aqui. Precisamos inquirir qual a modalidade de responsabilidade consentânea com a omissão legislativa. Ou seja, deverá o Estado responder objetivamente ou subjetivamente, na hipótese de mora do legislador em face do comando constitucional que lhe determina agir?

A resposta não nos parece das mais difícies: não vislumbramos possibilidade de serem perquiridos o dolo ou a culpa dos agentes legisladores, individualmente, para fins de obrigar o Estado a indenizar, pela sua inércia. O professor Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 307), também se manifesta nesse sentido, ao afirmar que "só a responsabilidade objetiva é compatível com a responsabilidade do Estado por ato legislativo".

Em igual posição, o Ministro Marco Aurélio (BRASIL, 2006) brilhantemente decidiu pela possibilidade de indenização em face da mora legislativa, admitindo-se tratar a hipótese de responsabilidade objetiva do Estado.

Por derradeiro, cumpre-nos destacar outro posicionamento do Supremo, com o qual concordamos, no sentido de que não se pode confundir, entretanto, uma faculdade conferida ao legislador, com uma imposição feita pelo constituinte. Na primeira hipótese, não se exige do legislador que edite uma lei, enquanto no segundo caso, a obrigação do legislador em agir é manifesta.

Desse modo, quando o legislador descumpre uma imposição do constituinte, não legislando sobre assunto que teria o dever de legislar, o Estado deverá reparar todos aqueles lesados pela dita omissão, o mesmo não acontecendo quando o constituinte apenas lhe facultar a edição de certa lei. Nesse sentido, esclarecedor revela-se o despacho do Ministra Ellen Gracie (BRASIL, 2006):

1. O Juízo a quo, ao acolher a pretensão formulada na inicial de condenar a União a indenizar a parte autora, diante do não-encaminhamento de projeto de lei de reajuste geral do funcionalismo público federal, divergiu da jurisprudência do Plenário deste Supremo Tribunal consolidada no julgamento da ADI 2.061, rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ de 29.06.2001. Naquela ocasião, reconheceu-se a omissão legislativa provocada pela ausência de lei de reajuste geral anual dos vencimentos dos servidores públicos, mas assentou-se ser inviável ao Judiciário dar início ao processo legislativo, em razão da norma do art. 61, § 1º, II, a, da Carta da República. Entendeu-se também que tal ato não tem natureza administrativa, e, por isso, não é possível a aplicação do prazo previsto no art. 103, § 2º, in fine, da Lei Maior. 2. Com efeito, o pedido dos autores de serem indenizados pelo não-reajuste de seus rendimentos representaria, na prática, a própria concessão do reajuste de vencimentos sem lei, indo de encontro à jurisprudência desta Suprema Corte. Essa orientação tem sido observada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica das seguintes decisões: RE 479.979, rel. Min. Eros Grau, DJ de 06.03.2006, RE 475.726, rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 02.03.2006, RE 438.066, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 06.10.2005, e RE 479.782, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.03.2006. 3. Diante do exposto, com fundamento no art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao recurso, para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. Determino a inversão dos ônus da sucumbência, ressalvada a hipótese de concessão da justiça gratuita. Publique-se. Brasília, 15 de março de 2006. Ministra Ellen Gracie Relatora

Constata-se, de modo geral, que a responsabilidade do Estado pela inércia do legislador tem ganhado maior destaque no âmbito jurisprudencial, sendo certo que, posicionamentos como os supra trasladados já relevam um novo posicionamento acerca da matéria.

Torcemos para que esse novo pensar contamine todos os juristas, a fim de que tenhamos, num futuro próximo, a consagração de um legislador inteiramente responsável, não só por suas omissões, mas também, e principalmente, por suas ações lesivas.


IV- Conclusão

É de fácil constatação que a noção de irresponsabilidade estatal não se coaduna com a noção de Estado Democrático de Direito, na medida em que este deve se submeter ao regramento legal existente, o qual é anterior e superior a ele, fruto da vontade soberana do povo. Ademais disso, não há razão plausível a justificar o diferenciado tratamento da responsabilização estatal em relação às esferas de Poder, até porque este é uno.

Sendo certo que o Estado responde pelos comportamentos lícitos e ilícitos causadores de danos a terceiros, no âmbito do Poder Executivo, não menos certo que também responde pelas leis constitucionais e inconstitucionais, oriundas dos seus agentes políticos, no desempenho da função legislativa.

Por essa razão, não entendemos justificável a diferenciação promovida pelo Supremo Tribunal Federal, que vem ganhando adeptos na doutrina, no sentido de que o Estado só responde pelos atos legislativos desconformes com a Constituição, devendo estes ser assim declarados, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, por aquele órgão.

A exigência imposta pelo Supremo Tribunal Federal não se revela razoável em face do ordenamento pátrio, na medida em que o próprio Supremo não admite ser objeto de controle as leis de efeitos concretos, as quais atingem um número limitado de pessoas, além do que, também não ensejam controle concentrado, no âmbito deste órgão, as leis municipais.

Desse modo, estar-se-ia admitindo a irresponsabilidade estatal oriunda de determinados atos legislativos, o que soa absurdo, na medida em que, se lesivo o ato, presente o nexo de causalidade, não há razão para que o Estado não indenize, embora se revele deveras justificável seja exigido um dano especial e anormal, na hipótese de reparação por lei constitucional.

O que se defende, então, é que o Estado responda pelas leis lesivas, quer constitucionais, quer inconstitucionais, devendo-se exigir, na hipótese dessas últimas, que o dano seja especial e anormal. De outro modo, inexige-se a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, no tocante àquelas, podendo tal declaração ser realizada por qualquer tribunal competente, ainda que em sede de controle difuso.

Não se pretende, com o quanto sustentado, tornar o Estado um segurador universal. Longe disso. Pugnamos apenas seja o Estado submetido ao regramento constitucional, que o consagra como responsável pelos atos dos seus agentes causadores de danos a terceiros, advertindo-se, por importar, que é dado à coletividade, de modo geral, tolerar certas atuações estatais em prol da coletividade, ainda que causadoras de dissabores ou inconveniências, sejam elas emanadas de quaisquer das esferas de Poder.

No que pertine às omissões legislativas, pareceu-nos que já desponta um novo pensar, sobretudo por já haver decisões no Supremo reconhecendo a possibilidade de indenização naquelas hipóteses em que, mesmo instado a agir, após decisão da Corte Suprema reconhecendo sua inércia, o legislativo permanece em mora, inerte a um comando constitucional que lhe determina agir.

Defendemos que, caso o Poder legislativo quede-se inerte em relação à edição de uma norma constitucional imposta pelo constituinte, dentro de determinado lapso temporal, restando demonstrado um dano por esta causado, o particular lesado poderá buscar indenização em face do Estado, independentemente de prévia declaração de omissão pelo Supremo ou outro Tribunal competente para julgar ações com esse fim.

Hipótese diversa ocorreria em face das determinações constitucionais em que o constituinte não fixasse um lapso temporal para a atividade legislativa. Nesses casos, deveria haver prévia manifestação do Supremo ou Tribunal competente, declarando dita inércia, a fim de que o particular lesado buscasse o ressarcimento pelos danos dela advindos.

Por fim, há que se falar, ainda, daqueles comandos facultados pelo constituinte ao legislador ordinário, nos quais, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, com o qual concordamos, não há que se falar em dano suportado pelo particular, já que não há um dever constitucional de agir, não havendo, por conseguinte, direito violado.

Defendemos, pois, um Estado responsável em todas as suas esferas de atuação, de tal modo que, assim, poderemos falar em Estado Democrático de Direito, em que a lei obriga a todos, sem distinções.


NOTAS

  1. Colaciona o autor, a título ilustrativo, o Resp 32222-PR, da 1ª Turma, do STJ.
  2. Confira-se a ADIN nº 767, de relatoria do Ministro Carlos Velloso.
  3. Nesse sentido, o Mandado de Injunção nº 55562- RS, de Relatoria da Ministra Ellen Gracie.

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Autor


Informações sobre o texto

Artigo premiado com o 2º lugar da categoria profissional do 2º Concurso de Artigos de Direito Público, promovido pelo Juspodivm e pela Múltipla, durante o V Congresso Brasileiro de Direito Constitucional Aplicado, realizado entre 30/08/2007 a 01/09/2007, em Salvador (BA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Larissa Maria Mercês. Responsabilidade civil do Estado por atos legislativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1636, 24 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10791. Acesso em: 19 abr. 2024.