Na sombra do parlamentarismo: Breve análise do sistema de governo brasileiro e prospecções futuras

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08/01/2024 às 11:35
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Resumo

O artigo aborda a intricada relação do Brasil com o parlamentarismo, explorando sua trajetória histórica desde os primórdios do período imperial brasileiro até fases marcantes como a Primeira República, regime militar e a Nova República. A pesquisa, qualitativa e analítica mediante método documental e bibliográfico, visa compreender as nuances políticas que moldaram a governança em um país de dimensões continentais. Analisando o sistema de governo na política brasileira, o estudo destaca as diferenças fundamentais do parlamentarismo em relação ao presidencialismo e explora experiências internacionais relevantes. Ao discutir a viabilidade e desafios da adoção do parlamentarismo no cenário político contemporâneo, o artigo contribui para o debate público e acadêmico, oferecendo uma visão abrangente sobre os desafios e oportunidades que permeiam essa questão central na política nacional.

Palavras-chave: Sistema de governo brasileiro. Parlamentarismo. Presidencialismo. Análise comparativa.

1. Introdução

O cenário político brasileiro, marcado por uma intensa alternância entre períodos presidencialistas e tentativas fugazes de parlamentarismo, oferece um vasto campo para análise e reflexão. Neste contexto, o presente artigo se propõe a explorar a intricada relação do Brasil com o parlamentarismo, desvelando sua trajetória histórica, os debates constitucionais que o circundam e as perspectivas futuras em relação a tal sistema de governo.

A escolha deste tema é motivada pela necessidade de compreensão das nuances políticas que moldaram a República brasileira e os desafios inerentes à governança em um país de dimensões continentais e diversidade sociopolítica marcante. A pesquisa, de natureza qualitativa e analítica, buscará destrinchar, de forma breve, a definição conceitual do parlamentarismo, destacando suas diferenças fundamentais em relação ao presidencialismo, além de explorar experiências internacionais relevantes.

A história do parlamentarismo no Brasil remonta aos primórdios do período imperial, com tentativas intermitentes de implementação, culminando em períodos marcantes como a Primeira República, regime militar e a Nova República. A análise da inserção do parlamentarismo na política brasileira se torna, assim, essencial para se compreender os contextos que moldaram o atual sistema de governo.

A viabilidade e os desafios da adoção do parlamentarismo no cenário político contemporâneo brasileiro constituem pontos cruciais a serem explorados. As discussões em torno da estabilidade política, responsabilidade governamental perante o legislativo e a participação popular serão abordadas com o intuito de lançar luz sobre as possíveis implicações à democracia brasileira.

Dessa forma, ao traçar um panorama histórico, analisar a legislação vigente e ponderar sobre possíveis benesses do parlamentarismo no Brasil, este artigo pretende contribuir para o debate público e acadêmico, oferecendo uma visão abrangente que permita compreender os desafios e oportunidades que permeiam essa questão central no panorama político nacional.

2. Parlamentarismo: Uma Definição e Análise Comparativa

2.1 Definição e características do parlamentarismo

O ordenamento político inerente ao sistema de governo repousa primordialmente na forma pela qual as atribuições estatais são distribuídas entre as distintas autoridades políticas. Diversificam-se, assim, as modalidades governamentais, especialmente ante as variadas maneiras pelas quais se podem instaurar as relações que, por imperativo, devem subsistir entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.2

Nessa conjuntura, o sistema de governo denominado parlamentarismo, enquanto estrutura organizacional, encontra seus fundamentos na derivada relação entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Ao contrário do presidencialismo, em que as figuras do chefe de Estado e do chefe de Governo se amalgamam em uma única entidade, o parlamentarismo fraciona tais incumbências em dois distintos e específicos papéis.

No cerne do paradigma parlamentarista, o chefe de Estado assume, frequentemente, um papel meramente simbólico, configurando-se como uma figura de índole cerimonial, a exemplo de um monarca ou presidente investido de atribuições protocolares. Para alguns autores, a chefia do Estado nada tem que ver com o poder Executivo (governo), constituindo-se uma espécie de quarto Poder, neutro e equidistante dos demais Poderes, uma espécie de poder Moderador.3 Em contraposição, o chefe de Governo emerge como o líder do partido majoritário no parlamento, encarregando-se das responsabilidades executivas internas – isto é, a própria condução das questões internas do País. Tal distribuição procura erigir um ponto de equilíbrio entre a estabilidade política e a responsabilidade governamental.

Afonso Arinos de Melo Franco e Raul Pila, referenciando o ilustre professor francês Esmein, destacam que o governo parlamentar constitui nada mais do que a responsabilidade ministerial levada aos extremos limites. O Executivo, derivado do Legislativo, no qual o primeiro figura como mera delegação, aliado à responsabilidade ministerial coletiva, emerge, sucintamente delineado, como as características basilares do parlamentarismo.4

Dentre os traços marcantes do parlamentarismo, ressalta-se a vinculação do governo à sustentação parlamentar. A manutenção do governo está inexoravelmente vinculada à sua aptidão em conservar a confiança da maioria parlamentar, de modo que, no evento de uma perda de votação de confiança, há a possibilidade sempre constante de dissolução do governo e a subsequente convocação de novas eleições no parlamento. Assim, o parlamentarismo fomenta uma dinâmica relação entre o legislativo e o executivo. A responsabilidade do governo perante o parlamento é de natureza constante, permitindo que o chefe de Governo seja escrutinado e, eventualmente, destituído, caso não consiga manter o apoio da maioria parlamentar.

A flexibilidade, igualmente, emerge como uma destacada característica do parlamentarismo, propiciando mudanças no governo sem a necessidade de convocar eleições gerais. Tal prerrogativa viabiliza uma resposta mais ágil a contingências e demandas políticas, conferindo ao sistema uma dinâmica singular.

Entretanto, é imperativo salientar que as variações no modelo de parlamentarismo podem manifestar-se, alterando conforme as idiossincrasias de cada país. Enquanto alguns adotam o parlamentarismo em sua forma mais pura, outros incorporam formas híbridas que mesclam elementos do presidencialismo. Essas variações enfatizam a inerente adaptabilidade do parlamentarismo às características históricas e culturais, além das nuances políticas específicas de cada nação.

Em síntese, o parlamentarismo transcende a mera configuração política; é um sistema que aspira a um equilíbrio entre a estabilidade institucional e a responsabilidade governamental, proporcionando um ambiente propício ao debate e à representação política. A compreensão desses conceitos e características revela-se essencial para contextualizar a discussão sobre a viabilidade (ou não) do parlamentarismo no âmbito político brasileiro.

2.2 Comparação entre parlamentarismo e presidencialismo

A comparação entre os sistemas de governo parlamentarista e presidencialista constitui um exercício analítico essencial para a compreensão das nuances inerentes à governança política. Ambos os sistemas são expressões de arranjos institucionais distintos, delineando as relações entre os poderes Executivo e Legislativo, como já mencionado, e exercendo impactos significativos sobre a estabilidade política, a eficácia governamental e a representatividade democrática.

No paradigma presidencialista, o chefe de Estado e chefe de Governo convergem em uma única figura, comumente eleita pelo sufrágio popular — o presidente, em uma República —, cujo poder inerente às atribuições do cargo é demasiado amplo. Este modelo confere ao presidente uma legitimidade direta, derivada do apoio das ruas, conferindo-lhe uma autoridade independente do legislativo. Entretanto, tal independência pode gerar desafios na articulação política, especialmente em contextos de multipartidarismo, onde a formação de maiorias parlamentares pode ser um desafio substancial.

Contrastando com o presidencialismo, o parlamentarismo sustenta uma clara separação entre o chefe de Estado e o chefe de Governo, uma insofismável mitigação da função executiva na tripartição de poderes concebida por Montesquieu, como anunciada por Burdeau.5 Conforme já mencionado, o chefe de Estado muitas vezes assume um papel cerimonial, enquanto o chefe de Governo emerge da maioria parlamentar e toca as questões internas do País. Essa distribuição de funções visa estabelecer uma interdependência entre o Executivo e o Legislativo, promovendo uma governança mais colaborativa. No entanto, a rapidez com que mudanças podem ocorrer no governo em resposta a crises ou descontentamento parlamentar é uma característica distintiva, proporcionando agilidade, mas demandando estabilidade política. Desse modo, a confiança parlamentar é vital para a manutenção do governo, e a possibilidade de uma mudança de gestão sem a necessidade de eleições gerais é uma faceta peculiar do sistema parlamentarista.

A natureza da responsabilidade do governo também difere substancialmente entre os dois sistemas. Enquanto no presidencialismo o presidente responde diretamente ao eleitorado, o que por vezes pode fomentar posturas populistas, no parlamentarismo a responsabilidade é compartilhada com o parlamento, descentralizando, desse modo, a responsabilidade perante os detentores do sufrágio popular.

Analisar as diferenças entre parlamentarismo e presidencialismo implica, assim, considerar não apenas a estrutura formal do governo, mas também as implicações práticas desses sistemas sobre a eficácia governamental, a representação democrática e a estabilidade institucional. Essa comparação serve como base substancial para a reflexão sobre a adequação e viabilidade do parlamentarismo no contexto político brasileiro, tornando-se um ponto central na avaliação crítica do atual sistema de governo.

2.3 Experiências parlamentaristas em outros países: os casos do Reino Unido, Alemanha e França, uma breve análise

A exploração das experiências parlamentaristas em diversas nações consubstancia-se em uma empreitada de relevante valor analítico, proporcionando insights cruciais sobre a dinâmica e eficácia desse sistema de governo. Ao se deslocar um olhar para além das fronteiras nacionais, depara-se com uma miríade de modelos e desdobramentos, cada qual intrinsecamente dotado de particularidades e nuances.

No Reino Unido, em que o sistema Westminster se consolida como um paradigmático exemplo de parlamentarismo – em sua forma monárquica -, a harmoniosa coexistência entre o Parlamento e o Executivo se revela como uma eficaz matriz governamental. A figura do primeiro-ministro, inextricavelmente ligada ao Legislativo, destaca-se como o condutor das rédeas governamentais, erguendo uma tradição de estabilidade política e consolidação de uma cultura política profundamente arraigada.

De fato, as instituições políticas britânicas são produtos intrínsecos à tessitura histórica, destituídas, portanto, de origens calcadas em uma teoria preconcebida. Assim é porque suas instituições primordiais floresceram ao longo dos séculos XI a XVIII, resultantes do embate pelo domínio político entre o Monarca e o Parlamento. O sistema britânico não apenas deu origem ao primeiro regime político moderno, mas também ao inaugural regime democrático, aos pioneiros partidos políticos e ao embrião do parlamentarismo6.

Os poderes monárquicos ostentam magnitude considerável: nomeação para inúmeros cargos, concessão de títulos nobiliárquicos, a prerrogativa de convocar, prorrogar e dissolver a Câmara dos Comuns, direito sobre questões bélicas e tratados, entre outros. Entretanto, a materialização destes poderes ocorre por intermédio do gabinete ou do primeiro-ministro, que, ao apor suas assinaturas, assume a responsabilidade política daí decorrente.

Não obstante as atuais contestações que destroem a unanimidade destas premissas, o poder monárquico persiste como uma força simbólica de considerável magnitude no Reino Unido. O primeiro-ministro, escolhido pelos parlamentares do partido vencedor (aquele que reuniu o maior número de cadeiras) e nomeado pela rainha em um ato protocolar, é responsável pela nomeação dos demais ministros e secretários, um ato realizado com total discricionariedade.

De acordo com as práticas consuetudinárias, os ministros devem, obrigatoriamente, ser membros do Parlamento, cabendo ao primeiro-ministro ajustar a proporção entre membros da Câmara dos Lordes e membros da Câmara dos Comuns. O Gabinete configura-se como uma instância executiva da maioria parlamentar, detendo o primeiro-ministro consideráveis prerrogativas, incluindo o exercício do Poder Executivo, parte dos poderes monárquicos, e a formulação de legislação delegada pelo Parlamento. As deliberações no Gabinete são regidas pelo costume, requerendo unanimidade.7

Já em solo alemão, o sistema parlamentarista germânico, ancorado no Bundestag, assume uma variante pautada no princípio da coalizão. A experiência alemã, marcada pela consociabilidade entre os partidos e pela necessidade de consensos, exibe notável pragmatismo e uma habilidade admirável em adaptar-se a contextos políticos multifacetados.

Na República alemã, o Chefe de Estado (presidente), desde a promulgação da Constituição de 1949, ostenta uma autoridade que, em verdade, não reveste o designado para o encargo com atribuições de magnitude expressiva. De fato, assume contornos quase simbólicos e cerimoniais, caracterizando-se por uma escassez de prerrogativas de reduzida significância.

Não obstante, sua presença e atividades reverberam diretamente na esfera governamental, representando um papel desempenhado em tempo integral. O Presidente da república é indicado pelo partido, ou coalizão, que angarie o maior número de votos no Bundestag, atestando, assim, que, apesar de ostentar a condição de maioria, a legitimidade do partido ainda se submete ao escrutínio do parlamento.

A estabilidade política da nação germânica advém, em sua essência, da homogeneidade de opiniões e da disciplina observada pelos atores políticos, relegando as formalidades jurídicas a uma posição secundária. Não obstante, não se pode menosprezar a relevância inerente ao procedimento de seleção do Chanceler, a quem cabe estabelecer as diretrizes da política interna do País e dirigir os assuntos governamentais, assumindo as responsabilidades inerentes ao governo.8

O Chanceler é designado pelo Bundestag, com a proposta preambular do Chefe de Estado. No evento de insucesso na eleição do candidato proposto, a assembleia, por meio de maioria absoluta, reserva-se o direito de eleger o Chanceler. Na hipótese de não se alcançar tal maioria, ao Chefe de Estado são facultadas duas alternativas: ou ele nomeia o candidato que tenha obtido maioria simples, ou dissolve o Bundestag.

A França, por sua vez, também traz à tona uma rica experiência parlamentarista, notadamente marcada pelo equilíbrio entre o Parlamento e o Executivo. O sistema francês, modelado pela Quinta República, ressalta a importância da separação de poderes e a centralidade do parlamento na dinâmica política do país.

No contexto do parlamentarismo francês, o chefe de Estado detém prerrogativas conferidas por um estatuto normativo, conferindo-lhe a habilidade de estabelecer vínculos diretos tanto com o corpo eleitoral, mediante eleição direta e a submissão de legislação a referendo, quanto com o Poder Legislativo, destacando-se, a título ilustrativo, a faculdade de dissolução da Assembleia e a submissão de leis a nova apreciação. Ademais, o referido dignitário exerce influência na composição do Conselho Constitucional.

O presidente da República da França atualmente é eleito mediante sufrágio universal direto, para um mandato quinquenal, com a possibilidade de reeleição, assegurando-lhe uma legítima base popular que se erige como fundamentação para o exercício do poder, especialmente em circunstâncias que demandem contraposição a decisões emanadas do Parlamento.9

A eleição dos deputados, conduzida por critério majoritário um mês após a escolha do presidente, resulta na bipartidarização, ou seja, em uma bipolarização ideológica, fortalecendo a correlação entre a maioria que elege o presidente e a maioria que escolhe os deputados na Câmara Baixa, solidificando, assim, a probabilidade de manifestação do fator majoritário.10 Na prática, os eleitores são convocados a realizar uma escolha política coletiva, colocando à frente do Executivo o indivíduo considerado apto a liderar a nação e, na Assembleia, uma maioria que lhe ofereça apoio na execução do programa governamental.

A Carta Magna francesa estipula que o presidente zele pelo respeito a ela e, por meio de sua arbitragem, garanta a continuidade do Estado, assegurando a independência nacional, a integridade territorial e o respeito aos tratados. Para desempenhar as missões constitucionais que lhe são confiadas, o presidente dispõe de diversas atribuições, algumas passíveis de serem exercidas de modo independente (poderes próprios), enquanto outras demandam ratificação pelo Governo (exercés avec le contreseing).11

Entretanto, dado que o presidente francês não se restringe meramente a atos protocolares, mas também exerce relevantes atribuições em matéria de política interna e externa, muitas delas desprovidas de ratificação governamental (sans contreseign), tornou-se imperativa a previsão de mecanismos de destituição presidencial, em procedimento similar ao observado nos sistemas presidencialistas, evitando, assim, a ausência de qualquer possibilidade de controle orgânico sobre o referido mandatário.

Apesar da ausência de uma definição precisa quanto ao conceito de “falta de cumprimento de deveres manifestamente incompatível com a continuidade de seu mandato” – razão jurídica subjacente à destituição –, a redação atual da Constituição francesa encontrou uma abordagem equitativa para manter a irresponsabilidade presidencial em relação à política ordinária, consonante com a tradição parlamentarista, ao passo que admite a destituição em situações de extrema gravidade, assemelhando-se, nesse aspecto, ao sistema presidencialista.

O parlamentarismo francês determina que o Governo seja responsável pela formulação e condução da política nacional, dispondo da Administração e das Forças Armadas, com a capacidade de nomear ocupantes de cargos específicos. O primeiro-ministro orienta a ação governamental e assegura a execução das leis. Sob a ótica democrática, é incumbência do Governo implementar seu programa, incumbindo-lhe a tomada de decisões e a definição de prioridades. O presidente, de maneira livre, nomeia e exonera o primeiro-ministro, e, por indicação deste, procede à nomeação e exoneração dos demais ministros. A conjuntura política não oblitera a relevância do respaldo parlamentar na definição do Governo, e a previsão normativa deve ser interpretada no contexto das relações interinstitucionais entre os dois Poderes.

A responsabilidade solidária dos ministros perante a Assembleia constitui um traço distintivo do parlamentarismo, em que o Governo responde politicamente pelas ações do Executivo enquanto corpo colegiado, seja mediante a apresentação do programa de governo ou de uma declaração política abrangente, seja mediante a submissão a uma moção de censura. Se a moção for adotada ou a desaprovação do programa ou declaração política for manifestada, evidencia-se a recusa de confiança por parte da maioria parlamentar, incumbindo ao primeiro-ministro encaminhar ao presidente a demissão do Governo.

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O Governo figura como um órgão de máxima importância no parlamentarismo francês, incumbido de fazer a Administração operar e situado no ponto de confluência da relação institucional entre o Executivo e o Legislativo. Questões de substancial relevância são constantemente direcionadas a ele, e seu desempenho eficaz é crucial para a dinâmica do poder público e a estabilidade do regime.

No âmbito interno do Executivo, a relação entre o presidente e o primeiro-ministro é mutável. Em períodos de concordância, o presidente consegue impor sua maioria à Assembleia, aproximando o sistema do presidencialismo. O chefe de Estado seleciona os ministros com maior liberdade e, diante de uma Assembleia estável e cooperativa, implementa seu programa. Nesse cenário, o presidente efetivamente orienta a política nacional, dita as regras do jogo político e faz com que o Governo exerça seu papel crucial de interlocução política com o Legislativo nas questões cotidianas. Nessa situação, na prática, o Governo é subordinado ao presidente, sendo improvável que a Assembleia o desautorize ou censure.12

Por outro lado, na coabitação (período de não concordância), o sistema se inclina em direção ao parlamentarismo, com o presidente limitado a funções de chefe de Estado, inclinando-se a ratificar a escolha do primeiro-ministro com base na indicação da maioria política parlamentar oposta, além de confirmar os nomes dos ministros apresentados pelo chefe de Governo. O Governo deve buscar continuamente o respaldo da Assembleia, relegando a segundo plano a relação de confiança entre o primeiro-ministro e o presidente. Nesse cenário, a coerência leva o presidente a nomear ministros com base em negociações com o Legislativo, reservando-se o direito de veto em relação a determinadas nomeações para ocupar pastas ministeriais. Tende a não desempenhar um papel ativo na indicação dos ministros, assumindo uma postura negativa ao impor limites. O chefe de Estado, durante a coabitação, assume predominantemente a função constitucional de arbitragem, permitindo que o primeiro-ministro governe e preste contas diretamente à Assembleia Nacional pelos atos de governo.13

O sistema parlamentarista francês, com suas idiossincrasias e desafios, certamente suscita críticas, por outro lado tem assegurado, ao longo das últimas décadas, o funcionamento eficiente do Governo em um ambiente de liberdade e democracia.14

Em arremate ao presente tópico, feitas tais considerações e ao se examinar as experiências parlamentaristas em outras regiões do globo, depara-se não apenas com casos de sucesso e adaptação, mas igualmente com desafios e vicissitudes que delineiam a eficácia e a sustentabilidade desse sistema de governo em diversos contextos. Essa concisa análise emerge com fins de proporcionar uma perspectiva abrangente e profícua para a uma necessária reflexão sobre a pertinência (ou não) do parlamentarismo no cenário político brasileiro.

3. História do Parlamentarismo no Brasil

3.1 Breve panorama histórico da política brasileira

A incursão em um sucinto retrospecto da política brasileira emerge como uma jornada reveladora, permeada por vicissitudes e transformações que delineiam a tessitura intrínseca da trajetória política da nação. Desde as origens coloniais até o panorama contemporâneo, a política do Brasil desenha-se como um complexo mosaico, intrincadamente entrelaçado com os matizes sociais, econômicos e culturais que moldam sua identidade.

No alvorecer da colonização, a matriz política brasileira remontava às estruturas do regime monárquico português, solidificando uma base de poder centralizada e oligárquica. O advento da independência, em 1822, deu à luz a um experimento imperial que, a despeito de sua efemeridade, consolidou dinâmicas políticas marcadas por arranjos conservadores e a busca por uma coesão nacional ainda incipiente.

A transição para a República, em 1889, não apenas alterou a forma de governo, mas também instaurou uma fase de efervescência política, marcada por conflitos e experimentações institucionais. O período da República Velha, caracterizado por uma hegemonia oligárquica e pela política do café com leite (alternância de poder entre as oligarquias paulista e mineira), delineou os contornos iniciais de uma república federativa em consolidação.

Os conturbados anos do Estado Novo, sob o comando de Getúlio Vargas, introduziram uma interrupção na normalidade democrática, marcando uma incursão autoritária que, embora pontuada por conquistas sociais, deixou uma sombra duradoura sobre o espectro político brasileiro.15

O advento da democracia representativa, na segunda metade do século XX, sinalizou uma era de ebulição política, com múltiplos episódios de avanço e retrocesso. A ditadura militar, que perdurou de 1964 a 1985, ergueu-se como um capítulo sombrio, cujas cicatrizes ainda reverberam nas estruturas políticas contemporâneas.

O retorno ao regime democrático, a partir da década de 1980, foi marcado por uma intensa busca por estabilidade institucional e por um protagonismo crescente da sociedade civil. O Brasil testemunhou uma série de eleições presidenciais e experimentou uma multiplicidade de arranjos partidários e desafios institucionais, refletindo a complexidade e pluralidade inerentes à sua sociedade.16

Por fim, a presente era, imersa em desafios e oportunidades, reflete a incessante busca por uma ordem política capaz de conciliar a diversidade de interesses e necessidades. Neste contexto, a compreensão do breve histórico da política brasileira se erige como uma necessidade premente para a análise acurada das dinâmicas atuais e das perspectivas que delineiam o futuro da nação.

3.2 Tentativas anteriores de adoção do parlamentarismo no Brasil: Primeira experiência

A escrutinação minuciosa das anteriores tentativas de introdução do parlamentarismo no Brasil delineia um panorama de contornos históricos marcados por esforços reformistas e a busca incessante por rearranjos institucionais. Desde as primícias da Nação, distintos episódios assinalam a incursão do país na senda parlamentarista, revelando intricadas relações entre anseios reformadores e as peculiaridades inerentes ao tecido político nacional.

Os primórdios da experiência parlamentarista no Brasil remontam ao período imperial, quando incipientes experimentações sob a forma de gabinetes parlamentares foram ensaiadas. No entanto, tais incursões viram-se frequentemente obstaculizadas por resistências políticas e foram consumidas por contingências instáveis, resultando em tentativas frustradas de implementação.

De fato, a edificação da identidade nacional em nosso território se desenvolveu sob a égide do liberalismo, desdenhando, por natureza, qualquer inclinação autoritária que destoasse de nossa índole. Assim, o movimento constitucionalista, precursor da Independência, exerceu influência até mesmo nos eventos revolucionários de 1820 em Portugal.17

Após a proclamação da Independência, a convocação de uma Assembleia Constituinte foi efetivada; entretanto, desavenças com D. Pedro I culminaram em sua dissolução. Não obstante, em 1824, o Imperador promulgou a primeira Constituição Brasileira, incorporando muitas das premissas da Assembleia anteriormente dissolvida.

Na citada carta magna, não se instituiu o Parlamentarismo, optando-se, em vez disso, pela tríade de poderes proposta por Montesquieu. Ao monarca era conferida a prerrogativa de dissolver o Parlamento, estabelecendo-se, assim, uma monarquia constitucional e representativa, embora a configuração se assemelhasse mais a uma “constituição presidencialista” do que parlamentarista.18

O reinado de D. Pedro I foi marcado por uma contínua luta entre o poder pessoal e o sentimento liberal da nação. Diversos gabinetes foram formados e dissolvidos até a queda do monarca em 1831. O interregno entre a abdicação de D. Pedro I e a maioridade de D. Pedro II, em 1840, foi dominado pela Regência, período durante o qual o país esteve imerso em constantes levantes, revoltas e revoluções.

Foi somente com a queda do Regente Feijó, em 1837, que o sistema parlamentarista começou a se manifestar, não por força de legislação, mas devido à imposição prática da vida governamental. Com o início do Segundo Reinado em 1840, o sistema parlamentar gradualmente se incorporou à vida política do Império, embora a Constituição garantisse ao Imperador a possibilidade de escolha de seus ministros.

Na prática, entretanto, os gabinetes eram formados com base no apoio parlamentar, caindo quando tal apoio se dissipava. Em 1847, foi instituída a Presidência do Conselho de Ministros, formalizando a figura do Chefe de Governo e delineando claramente o “Governo de Gabinete”.19

Uma mudança significativa no sistema parlamentar ocorreu em 1855, com a reforma do sistema eleitoral, garantindo representação adequada no Parlamento para a minoria. A crise de 1868, desencadeada pela nomeação autoritária de um Gabinete por D. Pedro II, marcou um ponto de inflexão, levando o monarca a ceder às regras do regime parlamentar.

Já reforma de 1881 proporcionou à oposição a capacidade de derrotar o governo e forçar a mudança de Gabinete, evidenciando a plenitude do sistema parlamentar. Nessa conjuntura, a própria campanha abolicionista, culminando na Lei de 13.05.88, demonstrou a influência efetiva da opinião pública nas grandes decisões governamentais.

O Gabinete Ouro Preto, que sucedeu a administração de João Alfredo, esposou um projeto liberal de natureza abrangente, alicerçando as bases do parlamentarismo e conferindo à proclamação da República uma aura de aparente dispensabilidade. Não obstante a queda do referido Gabinete, as eleições gerais subsequentes, ao ensejo do seu declínio, conferiram ao partido liberal uma expressiva maioria, consolidando, assim, a garantia da efetivação das reformas delineadas por Ouro Preto.20

Tudo conspirava para consolidar o regime parlamentar, alinhado com ideais liberais, conforme se delineava. Contudo, a questão militar interveio, interrompendo esse processo político e dando lugar à Proclamação da República e à instauração do regime presidencialista, emulado dos Estados Unidos da América do Norte.21

A Proclamação da República, em termos de sistema de governo, contrariou a trajetória evolutiva que aparentava natural — segundo alguns analistas —, desafiando a corrente histórica da política nacional e acolhendo instituições que, durante o Império, foram objeto das mais severas críticas. Para Raul Pilla, esse fato histórico na política imposta à Nação pela crise militar que culminou na Proclamação da República, representou uma reviravolta surpreendente diante da persistente configuração do parlamentarismo que se instalava, o que para ele representava a consolidação de um governo coletivo e responsável.22

3.3 Período parlamentarista na República: Segunda experiência

A investigação do período parlamentarista na República do Brasil propicia um mergulho nos meandros da história política nacional, revelando nuances e complexidades que caracterizaram essa efêmera segunda tentativa de incursão no sistema parlamentar.

Inaugurada sob os auspícios da proclamação da República, em 1889, a Primeira República Brasileira viu-se permeada por experimentações políticas, entre elas, a transeunte instauração do parlamentarismo. Este período, marcado por oscilações e desafios, revela-se como uma tentativa de reconciliar a necessidade de estabilidade institucional com as complexas dinâmicas políticas da época.

De fato, ao longo do período republicano, o sistema parlamentar jamais esteve relegado ao olvido nos embates políticos. Foi nos redutos das correntes de inclinação liberal que se perpetuou a concepção da reincorporação do Governo de Gabinete em nosso contexto. Já nos primórdios da República, Rui Barbosa, não obstante ter sido um dos principais artífices da Constituição presidencialista de 1891, manifestou inquestionáveis simpatias pelo parlamentarismo.23

A partir da década de 1920, o parlamentarismo ascendeu à posição de estandarte predileto do Partido Libertador, fundado no Rio Grande do Sul em 1928, congregando os antigos federalistas de índole liberal. Nesse contexto, Raul Pilla emergiu na política como o principal defensor do sistema parlamentarista, apresentando consecutivos projetos nessa senda e empreendendo uma ação de proselitismo que angariou numerosos adeptos entre juristas e parlamentares.

No interstício entre 1948 e 1959, Raul Pilla submeteu ao Congresso não menos que quatro proposições visando à instauração do Parlamentarismo, sem, contudo, obter êxito. Em 1960, um contingente de parlamentares concebeu uma nova iniciativa, preconizando a implementação do parlamentarismo em 1966. Paralelamente, desencadeou-se uma crise institucional catalisada pela renúncia do Presidente Jânio Quadros e pela oposição militar à posse do Vice-Presidente João Goulart. A solução para o impasse materializou-se por meio da adoção do regime parlamentarista, em caráter emergencial, por intermédio do Ato Adicional nº 4 à Constituição de 1946, referendado em 2 de setembro de 1961.24

Entretanto, essa segunda incursão parlamentarista revelou-se efêmera, não subsistindo por mais de dois anos, concluindo-se em repúdio popular, obtido por meio de um plebiscito que, para alguns analistas, foi amplamente manipulado pelos detentores do poder, todos refratários aos mecanismos e controles parlamentares.25

Portanto, contrariamente ao que se observou no desenvolvimento do parlamentarismo no Império, que se refinou gradualmente ao longo da própria experiência política da nação, a incursão republicana revelou-se um fracasso completo, perecendo nos seus primórdios e não logrando subsistir por um período superior a dois anos.

4. O Parlamentarismo na Constituição Brasileira de 1988

4.1 Uma leitura do sistema de governo concebido pela Assembleia Nacional Constituinte

Uma sucinta análise da opção do constituinte originário pertinente ao sistema de governo na Carta Magna de 1988 delineia um percurso hermenêutico intrincado, revelador das opções políticas e do arranjo institucional gestado pelos constituintes no nascedouro da Nova República Brasileira.

Com efeito, no curso dos diálogos legislativos na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, dois espectros de opiniões emergiram, delineando os contornos de um debate polarizado. Por um lado, defensores do presidencialismo argumentaram em prol da estabilidade política e da legitimidade conferida pela escolha direta do chefe de Estado pelo povo. Este grupo, ancorado na experiência histórica recente, advogou pela manutenção do sistema vigente como um alicerce inabalável da democracia.26

Por outro lado, os partidários do parlamentarismo sustentaram a necessidade de uma remodelação que equilibrasse as prerrogativas do Executivo e do Legislativo. Argumentaram em favor da proximidade entre o chefe de governo e o Parlamento como um antídoto à instabilidade política, fomentando a coesão entre os poderes e a agilidade nas tomadas de decisão.27

O espectro ideológico, no entanto, não é o único ponto de análise desses diálogos legislativos. A influência das peculiaridades contextuais, como as demandas sociais, a conjuntura política e as experiências históricas, forjaram um cenário dinâmico, onde as perspectivas se moldavam conforme a tessitura dos acontecimentos.

No epicentro da Constituição de 1988, fruto da Assembleia Nacional Constituinte, emergem considerações cuidadosas sobre a configuração do sistema de governo, refletindo o aludido embate entre diferentes concepções acerca da forma mais apropriada de organizar o poder executivo. A opção pelo presidencialismo, embutida no bojo do texto constitucional, sedimentou-se como uma escolha ancorada na trajetória histórica e nas expectativas contemporâneas acerca da estabilidade política.

Contudo, mesmo diante do predomínio do presidencialismo, a Constituição não relegou ao olvido a possibilidade de reformas estruturais. O artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em particular, dispôs sobre a realização de um plebiscito, conferindo à sociedade, desta feita diretamente, a prerrogativa de decidir sobre a continuidade do sistema presidencialista ou a adoção do parlamentarismo. Essa disposição refletiu a sensibilidade dos constituintes para com as nuances do sistema de governo.

Pelo artigo da ADCT, a consulta popular estava marcada originalmente para ocorrer no dia 7 de setembro de 1993, mas foi antecipada para 21 de abril de 1993 pela Emenda Constitucional nº 2, de 25 de agosto de 1992.

De um universo de 90.256.461 eleitores na época, compareceram às urnas 66.209.385 (73,36%), sendo que 551.043 votaram em trânsito na ocasião. A República foi escolhida por 43.881.747 (66,28%) eleitores, sendo que a Monarquia recebeu 6.790.751 (10,26%) votos. Votaram em branco neste item 6.813.179 (10,29%) eleitores, e 8.741.289 (13,20%) anularam o voto. Já 36.685.630 (55,41%) eleitores optaram pelo sistema presidencialista de governo, e 16.415.585 (24,79%), pelo parlamentarista. Votaram em branco neste item 3.193.763 (4,82%) eleitores, e 9.712.913 (14,67%) votaram nulo.28

É relevante salientar que o texto constitucional de 1988, ao optar pela manutenção do presidencialismo, mas conferindo ao escrutínio popular a possibilidade de escolha do sistema de governo parlamentarista, reflete uma decisão ponderada sobre a estabilidade política e a experiência histórica do país. A construção constitucional, concebida no fervor da redemocratização, exprime um equilíbrio entre a busca pela participação popular e a necessidade de instituições políticas sólidas.

Em síntese, a análise da opção do constituinte pertinente ao sistema de governo na Carta Magna de 1988 delineia uma narrativa onde as opções políticas e a visão sobre a estabilidade institucional entrelaçam-se de modo a forjar o arcabouço político da Nova República. Esta análise fática, permeada pela compreensão das nuances históricas e políticas, propicia uma perspectiva abalizada para a avaliação do sistema de governo vigente e para o contínuo debate acerca da forma mais circunstancialmente adequada de condução da política no Brasil.

4.2 Mudanças necessárias no ordenamento jurídico pátrio à implementação do parlamentarismo

A incursão no argumento acerca das mudanças constitucionais e infraconstitucionais imprescindíveis para uma implementação do parlamentarismo no Brasil emerge como um exercício analítico de certa complexidade, porquanto perpassa uma abordagem não só no cerne das disposições normativas vigentes e na própria engenharia política intrínseca à Carta Magna de 1988, mas também na compreensão por parte da sociedade e na consequente chancela popular.

Saliente-se que não se pretende, aqui, traçar os pormenores constitucionais, processuais ou procedimentais sobre como se daria uma eventual modificação no sistema de governo brasileiro, mas apenas contemplar algumas mudanças no plano fático que haveriam de ser promovidas para uma alteração de tamanha monta na práxis política brasileira.

Em primeiro momento, para trilhar o caminho parlamentarista, a necessidade preeminente repousa na revisão dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais concernentes à eleição do chefe do Executivo. Além disso, uma profunda alteração do sistema eleitoral para possibilitar a escolha do chefe de governo a partir do Parlamento, em detrimento da eleição direta, constitui um passo fundamental. Delinear, portanto, critérios claros e específicos para a seleção do primeiro-ministro, bem como o estabelecimento de regras transparentes para a dissolução do Parlamento, aflora como aspectos capitais nesse processo de transformação.

Ademais, a reformulação das atribuições do presidente da República é uma demanda intrínseca ao desenho parlamentarista. O deslocamento do chefe de Estado para um papel mais cerimonial e simbólico, desvencilhado das responsabilidades executivas, constitui um imperativo. Além disso, a transição para um presidente com funções mais protocolares, alinhadas à tradição parlamentarista, demandaria uma revisão profunda das prerrogativas presidenciais inscritas na Constituição.

Outro ponto fulcral reside na modelagem da relação entre o Poder Executivo e o Legislativo. A consagração do princípio da responsabilidade do governo perante o Parlamento requer uma reconfiguração substancial na forma como o Executivo interage e se submete ao crivo do Legislativo. A concretização efetiva da confiança parlamentar como substrato da estabilidade governativa implica ajustes criteriosos nos mecanismos de aprovação e rejeição de propostas legislativas, bem como no estabelecimento de uma cultura parlamentar voltada à fiscalização e controle do governo.

Por derradeiro, a introdução de um mecanismo ágil e eficaz para a dissolução do Parlamento, sem descurar dos devidos contrapesos, figura como uma prerrogativa relevante para assegurar a dinâmica própria ao sistema parlamentarista. Estabelecer parâmetros claros para a convocação de novas eleições e os procedimentos subsequentes ao ato dissolutório constitui uma demanda insofismável para evitar arbítrios e salvaguardar a integridade do processo democrático.

Percebe-se, portanto, que neste intricado percurso rumo à implementação de um parlamentarismo, uma análise criteriosa das transformações constitucionais necessárias revela-se como um exercício de sutileza e equilíbrio, mas, por outro lado, de labor hercúleo. Uma abordagem exaustiva, permeada por debates, consensos e o necessário respaldo democrático, emerge como a trilha apropriada para a viabilidade e legitimidade de tais mudanças no arcabouço constitucional brasileiro. Em outras palavras, cuida-se de uma imperativa construção dialógica que perpassa uma necessária e precedente conscientização com vistas a uma gradual mudança de cultura política no país.

5. Breve Análise das Implicações do Parlamentarismo no Contexto Político Brasileiro

5.1 Possíveis vantagens do parlamentarismo no cenário brasileiro

A exploração atenciosa das possíveis vantagens subjacentes ao parlamentarismo, do ponto de vista estrutural, no contexto específico do panorama político brasileiro emerge como um exercício analítico interessante, oferecendo um escrutínio perspicaz sobre os atributos que potencialmente podem contribuir para a estabilidade política e governabilidade no seio deste país de matizes singulares.

Um primeiro ponto a se verificar é uma verossímil coesão intrínseca entre Executivo e Legislativo. Isso porque no âmago do parlamentarismo reside a inestimável vantagem da coesão orgânica entre o Executivo e o Legislativo. A nomeação do chefe de governo a partir do seio do Parlamento cria um alinhamento institucional que, por sua vez, pode atenuar as fissuras tradicionalmente observadas entre esses poderes. A harmonia entre o chefe de governo e o legislativo estabelece uma fundação sólida para a implementação de políticas e a condução eficaz dos assuntos estatais. Para o cientista político Hélio Jaguaribe, um dos pontos positivos do parlamentarismo é a atribuição conferida ao primeiro-ministro, como chefe de governo, responsável perante a Câmara e a opinião pública, o encargo de promover as mudanças sociais exigidas pelo país, sob a égide de estabilidade institucional.29

A governabilidade, no contexto parlamentarista, transcende a mera capacidade de governança personificada, ela converte-se em uma verdadeira arte de política descentralizada, onde a intersecção harmônica entre o governo e o legislativo molda um panorama de colaboração e consenso pela própria necessidade pragmática. A dinâmica intrínseca do sistema fomenta a construção de pontes, podendo propiciar uma gestão mais eficiente e uma administração alinhada aos anseios coletivos.

Outra característica marcante do sistema parlamentarista reside na aparente maior flexibilidade para resposta a desafios emergentes, dado que tal sistema, pela própria lógica estruturante, possibilita mudanças no governo sem a necessidade de eleições gerais, conferindo à dinâmica congressual uma agilidade ímpar para lidar com desafios e demandas políticas em tempo real. A capacidade de adaptar-se a circunstâncias mutáveis, sem a imposição de processos eleitorais longos e dispendiosos, potencialmente assegura uma resposta governamental mais ágil e assertiva diante de crises e contingências.

Mecanismos de fiscalização e prestação de contas aprimorados emergem, também, como possível elemento potencializador da democracia e transparência. Assim é porque uma interdependência intrínseca entre o governo e o Parlamento no parlamentarismo deve promover uma fiscalização constante, visto que a responsabilidade direta do chefe de governo perante o legislativo instiga um escrutínio mais apurado sobre as ações executivas. Essa dinâmica pode contribuir para a transparência, a prestação de contas e, consequentemente, para uma governança mais responsiva às necessidades da sociedade.

Por derradeiro, é relevante ponderar que no sistema parlamentarista se instala uma forma diferenciada de aproximação entre representantes e governados. A proximidade entre o chefe de governo e o Parlamento, notável no sistema parlamentarista, pode facilitar uma interação mais estreita entre os representantes eleitos e a população. A natureza dinâmica e iterativa das discussões parlamentares proporciona uma oportunidade ímpar para que as demandas e aspirações dos cidadãos sejam prontamente refletidas nas decisões políticas.

Nessa perspectiva, também é de se vislumbrar uma facilidade inerente na formação de coalizões e consensos políticos, dado que, em um cenário caracterizado por uma multiplicidade de partidos, essa capacidade de negociação e formação de alianças pode ser crucial para alcançar estabilidade e eficácia governamentais, mitigando os desafios associados à fragmentação partidária. De fato, no parlamentarismo temos um sistema de governo que demanda a participação dos partidos e não de um só partido, sendo, por isso, a priori, politicamente o mais equitativo.30

Numa perspectiva abrangente e generalista, os benefícios potenciais do parlamentarismo para a democracia brasileira delineiam um horizonte de possibilidades. A coesão entre os poderes, a flexibilidade para adaptação, os mecanismos de prestação de contas mais nítidos e a propensão à formação de coalizões eficazes emergem como elementos que, se implementados com sabedoria, podem contribuir substancialmente para a vitalidade e estabilidade do sistema democrático brasileiro.

5.2 O Parlamentarismo como obstáculo ao populismo desinstitucionalizante

O populismo, em sua essência, é um fenômeno político multifacetado que transcende definições simplistas, caracterizado pela mobilização de retórica simplificada e apelo emocional, muitas vezes envolvendo líderes carismáticos. Trata-se de um conjunto de estratégias políticas que, por meio da simplificação de discursos e da exploração de sentimentos coletivos, almeja conquistar a adesão popular, frequentemente em detrimento de uma abordagem racional e fundamentada. Segundo Cas Mudde, professor da Universidade da Geórgia (EUA), o populismo é uma ideologia rasa que considera que a sociedade se divide em dois grupos antagônicos, o “povo” e a “elite corrupta”.31

Já para o professor Wolfgang Merkel, o populismo, enquanto constructo político, revela-se por meio de uma intricada combinação de estratégia, ideologia e estilo. Sua estratégia desafia as estruturas políticas estabelecidas, buscando mobilizar grupos populacionais insatisfeitos com a representação. Ainda, fundamentado em uma ideologia frágil, o populismo cria uma narrativa distorcida, fomentando a polarização entre “nós” e “eles”. Por seu turno, o estilo peculiar do populismo destaca-se pela tentativa de quebrar tabus e diferenciar-se das práticas democráticas tradicionais, visando captar a atenção das massas como estratégia comunicativa.32

No universo político, o populismo manifesta-se como uma ferramenta persuasiva que busca estabelecer uma conexão direta e emocional com as massas, frequentemente à margem de nuances complexas e reflexões substanciais. Essa abordagem, embora superficialmente cativante, pode resultar em uma simplificação excessiva das questões, deixando de contemplar as complexidades inerentes aos desafios políticos e sociais.

Em sua forma mais elaborada, o populismo pode incorporar elementos de personalismo, em que líderes carismáticos se apresentam como defensores diretos do povo, relegando instituições e procedimentos democráticos a um segundo plano. A busca por uma suposta simplicidade na comunicação política, muitas vezes, pode desembocar na polarização e na falta de comprometimento com a racionalidade e a ponderação, elementos cruciais para uma condução política equilibrada e democrática.

Nesse diapasão, uma reflexão atenta sobre as vantagens do parlamentarismo no cenário brasileiro delineia uma narrativa intrínseca à mitigação do populismo, revelando-se como uma benesse inefável para o tecido político nacional. Neste contorno, as características distintivas do parlamentarismo surgem como artífices que potencialmente podem pulverizar as vicissitudes do populismo.

Isso porque, no âmbito do parlamentarismo, a ruptura com o culto à personalidade, tão arraigado no populismo, emerge como uma marca distintiva, porquanto a designação do chefe de governo a partir do Parlamento desloca o foco da liderança carismática individual para a legitimidade conferida pelo sufrágio parlamentar, mitigando o terreno propício ao surgimento de lideranças populistas.

Ademais, a responsabilidade direta do chefe de governo perante o legislativo, pedra angular do parlamentarismo, condena à extinção a trama da demagogia populista, já que a necessidade de prestar contas de maneira constante ao Parlamento desfaz a retórica vazia e as promessas desmedidas, impondo um escrutínio sistemático que desestimula artifícios populistas.

Além disso, uma coesão intrínseca entre o Executivo e o Legislativo, alicerçada no parlamentarismo, configura-se como um antídoto ao populismo irresponsável, na medida em que a necessidade inerente ao sistema de coalizões e alianças políticas para sustentar o governo promove uma governabilidade mais ponderada e afasta a tendência populista de adotar medidas precipitadas ou inconsequentes.

Em suma, a verossímil vantagem do parlamentarismo, ao alvejar a mitigação do populismo, configura-se como um farol de esperança, eis que, ao estabelecer uma ordem política menos suscetível a excessos carismáticos e promessas ilusórias, pode-se erguer como guardião da racionalidade e da responsabilidade governamental, promovendo uma gestão mais sóbria e resiliente no contexto complexo e multifacetado da política brasileira.

6. Perspectivas Futuras Sob as Lentes do Cenário Político Atual

A instigante discussão sobre a viabilidade do parlamentarismo no atual cenário político brasileiro emerge como um exercício intelectual desafiador, exigindo uma imersão profunda nas vicissitudes contemporâneas que permeiam a esfera política nacional, o que não é o objetivo do presente artigo. Ao destacar, brevemente, alguns problemas prementes da nossa contemporaneidade política, como a polarização ideológica exacerbada, crises institucionais, a crise de representatividade e os riscos às instituições democráticas, almeja-se apenas contribuir, de forma singela, com o debate acadêmico, trazendo à luz alguns problemas inerentes a essa análise.

Em primeiro plano, pode-se perceber que o tecido político brasileiro, atualmente, encontra-se mergulhado em uma polarização ideológica exacerbada, um fenômeno que certamente obscurece os contornos do diálogo democrático e institucionalizado. As divergências extremas entre as correntes políticas têm sido um obstáculo substancial para a construção de consensos e para a promoção de um ambiente político que privilegie a ponderação e o compromisso em detrimento da discordância intransigente.

Além disso, é inegável que a presença marcante de crises institucionais representa uma ameaça latente às fundações democráticas do país. Isso porque a erosão da confiança nas instituições, alimentada por eventos políticos recentes, mina a integridade do sistema político, maculando a credibilidade essencial para a sustentação da democracia. Nessa senda, a instrumentalização política das instituições, em vez de preservar sua autonomia, tem contribuído para um ambiente de fragilidade e incerteza.

Outro problema da política brasileira atual, que embora não seja recente, certamente tem se robustecido nos últimos anos, é a crise de representatividade, um dilema persistente, revelador da desconexão entre os governantes e os governados. A percepção generalizada de que as decisões políticas não refletem adequadamente os interesses e anseios da população amplifica a insatisfação cívica, alimentando um terreno propício para o desencanto e a desconfiança nas instituições políticas.

Nesse contexto perturbador, a polarização ideológica intensa e o populismo emergem como ameaças tangíveis às instituições democráticas brasileiras, dado que a busca por soluções simplistas e a manipulação emocional da opinião pública podem comprometer a vitalidade do sistema democrático, abrindo espaço para líderes carismáticos que, em vez de fortalecer as instituições, podem enfraquecê-las em prol de agendas personalistas e inexequíveis.

Portanto, sob as lentes do cenário político atual, a discussão sobre a viabilidade do parlamentarismo no Brasil assume contornos desafiadores. A capacidade desse sistema em atuar como antídoto para alguns males contemporâneos demanda uma reflexão criteriosa, levando em consideração as nuances da realidade brasileira e a necessidade premente de restaurar a coesão, a representatividade e a solidez democrática na esfera política do país.

7. Considerações Finais

O presente artigo propiciou uma breve imersão sobre intrincada relação do Brasil com o sistema parlamentarista, delineando os contornos conceituais ao discurso proposto e mergulhando, suavemente, nos dados históricos nacionais desde os seus primórdios no áureo período imperial até os debates constitucionais contemporâneos, culminando na análise dos dispositivos constitucionais reveladora da complexidade das escolhas políticas e institucionais gestadas pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988, que consolidou o presidencialismo como sistema de governo, mas abriu portas para a possibilidade de mudanças através de um plebiscito, que acabou por endossar a escolha originária.

A pesquisa enveredou pelas mudanças necessárias na estrutura política e jurídica para uma eventual implantação do sistema parlamentarista, ressaltando a imperatividade de revisitar dispositivos constitucionais, reconfigurar atribuições presidenciais e esculpir a inter-relação entre os poderes. A análise meditativa sublinhou a premência de uma construção dialógica e uma prévia conscientização para viabilizar uma gradual transformação na cultura política nacional.

Ao contemplar as possíveis vantagens do parlamentarismo no contexto político brasileiro, o artigo realçou potenciais benesses, tais como a harmonia entre Executivo e Legislativo, a maleabilidade para a resposta a desafios, aprimoramentos nos mecanismos de escrutínio e a concretização de alianças políticas. Essa análise crítica sinalizou, ainda, o parlamentarismo como um verossímil fator de enfrentamento do populismo desinstitucionalizante, mitigando riscos associados ao personalismo e à negligência da responsabilidade governamental.

As perspectivas futuras foram contextualizadas no atual cenário político brasileiro, permeado pela acirrada polarização ideológica, crises institucionais e uma marcante crise de representatividade. A reflexão sobre a viabilidade do parlamentarismo, nesse panorama, sobressai-se como um desafio diante das ameaças palpáveis à democracia, demandando uma análise criteriosa e uma consideração aprofundada das nuances da realidade brasileira.

Em síntese, este artigo objetivou contribuir, de forma sucinta, para o debate público e acadêmico sobre a viabilidade (ou não) do parlamentarismo no Brasil. A análise aqui concebida, fundamentada em elementos históricos, jurídicos e políticos, proporciona uma visão abrangente que possibilita uma breve compreensão dos desafios e das oportunidades que permeiam essa questão central no cenário político do país. As considerações derradeiras sublinham, portanto, a importância de uma abordagem cautelosa e dialógica para fazer frente aos desafios contemporâneos e fortalecer as bases da democracia brasileira.

Referências

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Sobre o autor
Tiago da Silva Lima

Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB e pós-graduado "lato sensu" em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, em parceria com a Escola Superior da Magistratura - ESMA da Paraíba. Também possui graduação em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar do Cabo Branco, em parceria com a Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, e especialização em Segurança Pública pela mesma instituição. Profissional de Segurança Pública no Estado da Paraíba (Oficial da PMPB), com experiência na área ambiental, corregedoria e assessoria jurídica em Direito Militar. Atualmente, Chefe do Cartório da Vara da Justiça Militar (Auditoria Militar) da Paraíba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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