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O fato gerador do IRPF ocorre sempre na data da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda.

Reflexos na decadência

O fato gerador do IRPF ocorre sempre na data da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda. Reflexos na decadência

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O fato gerador do imposto de renda ocorre na data da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda e não no último dia do ano-calendário, ainda que o rendimento seja submetido a ajustes mensal e anual.

I – Introdução

No presente artigo discorrer-se-á sobre o fato gerador do imposto de renda, obrigação tributária principal, crédito tributário, decadência e prazo para pagamento ou recolhimento do tributo, de modo a evidenciar que o fato gerador do imposto de renda da pessoa física (IRPF), ainda que o rendimento seja submetido a ajustes mensal e anual, ocorre, ao contrário do que consta da jurisprudência administrativa, na data da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda e não no último dia do ano-calendário.


II – Fato gerador do Imposto de Renda.

A obrigação tributária principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem como objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente (CTN, art. 113, § 1º).

O fato gerador da obrigação tributária principal, conforme o art. 114 do Código Tributário Nacional - CTN, é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

A situação necessária e suficiente à ocorrência do fato gerador do imposto de renda, segundo o disposto no art. 43 do CTN, é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, ou de proventos de qualquer natureza, constituídos pelos acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.

Segundo essa definição, o fato gerador, ressalvadas as exceções legais expressas, ocorre automática e instantaneamente no momento da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, nele não interferindo qualquer atividade posterior do sujeito passivo ou ativo. A ocorrência do fato gerador poderia ser registrada em dia, hora e minuto, mas opta-se por considerá-lo diário, por ser essa a unidade de tempo utilizada para contagem dos prazos tributários, entre os quais o decadencial e o de recolhimento ou pagamento do imposto.

O CTN prevê duas exceções a essa regra geral de ocorrência do fato gerador, ao dispor que a lei:

a) estabelecerá as condições e o momento em que se dará a disponibilidade para fins de incidência do imposto de renda relativamente à receita ou rendimento oriundos do exterior (CTN, art. 43, § 2º); e

b) fixará expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido nas hipóteses de impostos lançados por períodos certos de tempo (CTN, art. 144, § 2º).


III – Crédito tributário. Constituição. Prazo para pagamento. Decadência

Com a ocorrência do fato gerador surge obrigação tributária principal que tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente (CTN, art. 113, § 1º, e 139).

A ocorrência do fato gerador e o surgimento da obrigação tributária, entretanto, por si só, não tornam exigível (devido) o imposto. Para tanto, o CTN determina que o crédito tributário deve ser constituído pelo lançamento, que é uma atividade privativa da autoridade fiscal, representada pelo procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível (CTN, art 142).

Se considerado apenas esse dispositivo legal, somente haveria tributo exigível após o lançamento pela autoridade administrativa. O CTN, entretanto, ao dispor sobre a constituição do crédito tributário, estabelece a modalidade de lançamento sujeito à homologação, realizado pelo contribuinte, nos seguintes termos:

"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento". (g.n.).

"§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação".

O caput e § 4º do art. 150 do CTN versam sobre o lançamento, pela autoridade administrativa, mediante homologação (expressa ou tácita) da atividade realizada pelo contribuinte.

A referida atividade do contribuinte equivale à da autoridade administrativa no procedimento do lançamento, de que trata o art. 142 do CTN, ou seja, de verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável e calcular o montante do tributo devido e, se for o caso, os acréscimos legais, para, então, antecipar o seu pagamento ou recolhimento, constituindo, na prática, um lançamento, que se pode denominar de "lançamento provisório", em face da condição resolutória da ulterior homologação pela autoridade administrativa de que se reveste.

No lançamento por homologação o contribuinte tem o dever de antecipar o pagamento do tributo. O descumprimento, parcial ou total, desse dever, entretanto, não impede a homologação tácita ou expressa do "lançamento provisório", nos casos em que a legislação tributária exige a apresentação de declaração dando conta da atividade de apuração do crédito tributário.

O pagamento ou recolhimento, contudo, é indispensável à homologação quando não é exigida a apresentação de declaração, tendo em vista que, nessa hipótese, o Fisco somente toma conhecimento da atividade apuratória do sujeito passivo se o tributo for pago ou recolhido.

A propósito da denominação aqui adotada de "lançamento provisório", verifica-se que o próprio CTN, nos dispositivos abaixo reproduzidos, expressamente denomina essa atividade do contribuinte de lançamento:

"Art. 150. (...)".

"§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento". (g.n.).

"§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação". (g.n.).

"Art. 156. Extinguem o crédito tributário:"

"VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;"

A homologação tácita apesar de constituir efetivamente o crédito tributário não tem implicações no prazo decadencial e, por isso, não torna "definitivo" o lançamento, o que somente ocorre após o decurso do prazo decadencial (CTN, art. 173, I), ou seja, após 5 anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

O art. 149, inc. V e parágrafo único, do CTN, corrobora expressamente o exposto ao estabelecer que o lançamento por homologação pode ser revisto de ofício enquanto não decorrido o prazo decadencial (CTN, art. 173, I), que vai além dos 5 anos da ocorrência do fato gerador que delimitam o prazo para a homologação tácita (CTN, art. 150, § 4º).

A homologação tácita, por ser uma forma de constituição do crédito tributário, não se confunde com decadência, que é uma modalidade de extinção do crédito tributário. Esses institutos são, inclusive, tratados em capítulos distintos do CTN, que não contem disposições literais que admitam a figura adotada pela jurisprudência administrativa de um suposto "deslocamento" do prazo decadencial do art. 173 para prazo de homologação tácita do lançamento estabelecido pelo art. 150, e deste para aquele, na hipótese de dolo, fraude ou simulação.

Na hipótese de dolo, fraude ou simulação, a única conseqüência é a não-homologação, fato esse que autoriza o Fisco a exigir de ofício o total do crédito tributário devido com aplicação da multa qualificada de 150%, sem prejuízo da compensação, por ocasião da cobrança, do imposto pago antecipadamente e não homologado.

O prazo para pagamento ou recolhimento do imposto é relevante para fins da decadência, porque delimita a data a partir da qual o lançamento de ofício poder ser efetuado no caso de inadimplência, e, por conseguinte, o primeiro dia do exercício seguinte, que constitui o marco inicial do prazo decadencial (CTN, art. 173, I).

A instituição de procedimentos (ajustes) para determinação da base de cálculo e apuração de imposto complementar, que pode, inclusive, resultar em restituição, e a fixação de prazo para o seu pagamento, acabaram por gerar interpretações como as abaixo citadas, da Câmara Superior de Recursos Fiscais e do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (os grifos não são do original), considerando que o fato gerador do IRPF seria "complexivo" e ocorreria no dia 31 de dezembro do ano-calendário, data em que na maioria das vezes sequer existe aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, para, ao mesmo tempo, afirmar que o IRPF é devido mensalmente, ou seja, antes da data em que considera que ocorre o fato gerador:

DECADÊNCIA – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – TERMO INICIAL – PRAZO. No caso de lançamento por homologação, o direito de a Fazenda Nacional constituir o crédito tributário extingue-se no prazo de cinco anos, contados da data de ocorrência do fato gerador que, em se tratando de Imposto de Renda Pessoa Física apurado no ajuste anual, considera-se ocorrido em 31 de dezembro do ano calendário. (Acórdão CSRF/04-00.333).

IRPF – DECADÊNCIA. Por determinação legal o imposto de renda das pessoas físicas será devido mensalmente, à medida que os rendimentos forem sendo percebidos, cabendo ao sujeito passivo a apuração e o recolhimento independentemente de prévio exame da autoridade administrativa, o que caracteriza a modalidade de lançamento por homologação, cujo fato gerador ocorre em 31 de dezembro de cada ano, tendo o fisco cinco anos, a partir dessa data, para efetuar eventuais lançamentos, nos termos do § 4º do art. 150, do Código Tributário Nacional. (Acórdão nº 104-21716).

DECADÊNCIA - O fato gerador do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física é complexivo anual, completando-se apenas em 31 de dezembro de cada ano, devendo ser esse o termo inicial para contagem do prazo decadencial, na hipótese do artigo 150, § 4º do CTN. (Acórdão 104-20277).

(...) O lançamento do imposto de renda da pessoa física é por homologação, com fato gerador complexivo, que se aperfeiçoa em 31/12 do ano-calendário. (...). (Acórdão 106-16809).

DECADÊNCIA - OCORRÊNCIA - O imposto de renda pessoa física é tributo sujeito ao regime de lançamento por homologação, cujo prazo decadencial para a constituição de créditos tributários é de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, nos termos do artigo 150, § 4°, do CTN, que ocorre em 31 de dezembro de cada ano, por se tratar de fato gerador complexivo anual. (Acórdão 104-22401).

Feitas essas considerações, passa-se, a seguir, a discorrer sobre algumas espécies de rendimentos que se enquadram nas exceções e na regra geral de ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal do imposto de renda definidas pelo CTN, de modo a demonstrar que o fato gerador do IRPF, ao contrário do que consta da jurisprudência administrativa, ocorre sempre no momento da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, ou, como diz a legislação ordinária, à medida em que os rendimentos forem sendo percebidos, ainda que sejam submetido a ajustes mensal e anual.


IV – Rendimento oriundo do exterior. Fato Gerador.

No tocante à receita ou rendimento oriundo do exterior, o art. 25 da Lei nº 9.249/95, que instituiu o sistema de tributação em bases universais, estabeleceu que o momento em que se considerava ocorrida a disponibilidade econômica ou jurídica da renda (lucro) auferida no exterior por sociedades brasileiras, direta ou indiretamente, por meio de filiais, sucursais, coligadas ou controladas, era a data do balanço.

Posteriormente, a Lei nº 9.532/97 diferiu esse momento para a data da realização financeira do lucro, mediante a distribuição de dividendos pela subsidiária estrangeira. Considerou também que, nos eventos abaixo relacionados, se consideram ocorridos os respectivos fatos geradores do imposto de renda nas datas que se lhes seguem (os grifos não são do original):

Lei nº 9.532, de 10/12/97

"Art. 1º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.

§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, os lucros serão considerados disponibilizados para a empresa no Brasil:

a) no caso de filial ou sucursal, na data do balanço no qual tiverem sido apurados;

b) no caso de controlada ou coligada, na data do pagamento ou do crédito em conta representativa de obrigação da empresa no exterior.

c) na hipótese de contratação de operações de mútuo, se a mutuante, coligada ou controlada, possuir lucros ou reservas de lucros;

d) na hipótese de adiantamento de recursos, efetuado pela coligada ou controlada, por conta de venda futura, cuja liquidação, pela remessa do bem ou serviço vendido, ocorra em prazo superior ao ciclo de produção do bem ou serviço.

§ 2º Para efeito do disposto na alínea "b" do parágrafo anterior, considera-se:

a) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada no exterior;

b) pago o lucro, quando ocorrer:

1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controladora ou coligada no Brasil;

2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;

3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;

4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior."

"§ 7º  Considerar-se-á disponibilizado o lucro:

a) na hipótese da alínea "c" do § 1º:

1. na data da contratação da operação, relativamente a lucros já apurados pela controlada ou coligada; 

2. na data da apuração do lucro, na coligada ou controlada, relativamente a operações de mútuo anteriormente contratadas;

b) na hipótese da alínea "d" do § 1º, em 31 de dezembro do ano-calendário em que tenha sido encerrado o ciclo de produção sem que haja ocorrido a liquidação."

Atualmente essa matéria está regida pela Medida Provisória nº 2.158-35/2001, que voltou a considerar que a renda auferida no exterior fica disponível no momento da apuração do resultado, ou seja, na data do balanço.

O fato gerador do imposto de renda referente a esses rendimentos, por expressa disposição de lei, considera-se ocorrido nas referidas datas, independentemente do momento da efetiva disponibilização ou recebimento.


V – Renda apurada por período certo de tempo. Fato gerador.

Relativamente às hipóteses de exceção à regra geral de ocorrência do fato gerador em epígrafe pode-se citar, entre outras, a tributação do resultado da atividade rural exercida por pessoa física e do ganho líquido nas aplicações em renda variável, que são apurados anualmente, o primeiro, e mensalmente o segundo.

O resultado da atividade rural, de acordo com a Lei nº 8.023/90, é a diferença entre os valores das receitas recebidas e das despesas pagas no período certo de tempo de um ano-calendário, apurada no último dia desse período (31/12), data em que a legislação considera a renda disponível e ocorrido o fato gerador. Esse resultado, se não for negativo, poderá ser compensado com prejuízos apurados em anos-calendário anteriores, e o saldo remanescente, se positivo, integrará a base de cálculo do imposto de renda na Declaração de Ajuste Anual do imposto de renda da pessoa física (DIRPF), que deve ser pago até o último dia útil do mês de abril do ano-calendário subseqüente, data em que também se encerra o prazo para a entrega da referida declaração (Lei nº 9.250/95, arts. 8º, 9º, 13 e 19).

O resultado da atividade rural exercida no Brasil por residente ou domiciliado no exterior, será apurado por ocasião do encerramento do ano-calendário e constituirá a base de cálculo do imposto, que deverá ser pago na data da ocorrência do fato gerador, ou seja, em 31 de dezembro (Lei nº 9.250/95, art. 20, § 2º).

O ganho líquido no mercado de renda variável é representado pelo resultado positivo auferido em um conjunto de operações efetuadas em um ou mais mercados de bolsa e em operações com ouro, ativo financeiro, realizados fora de bolsa, apurado no período certo de tempo de um mês, de modo a possibilitar a dedução das despesas efetivamente pagas (corretagens, taxas de custódia, etc.), bem assim a compensação, no próprio mês ou nos meses subseqüentes, das perdas ocorridas nessas operações (IN SRF nº 25/2001, art. 23).

O fato gerador do imposto nessas atividades ocorre, por expressa disposição de lei, no último dia dos respectivos períodos, quando se apura o resultado, que é considerado renda disponível, sendo irrelevante, no caso, a data do efetivo recebimento das receitas ou rendimentos do período.

Na apuração do resultado por período certo de tempo, diferentemente do que ocorre na tributação efetuada à medida em que os rendimentos vão sendo recebidos, como é o caso dos rendimentos da pessoa física submetidos à Declaração de Ajuste Anual, a lei, além de admitir a compensação de prejuízos do próprio período e de períodos anteriores, não exige ajustes e pagamento ou recolhimento antecipado de imposto, relativamente às receitas percebidas no período.


VI – Rendimento do trabalho assalariado recebido de pessoa jurídica.

Em face da definição do CTN de que o fato gerador ocorre no momento da aquisição da disponibilidade econômica da renda, a legislação ordinária, ressalvadas as referidas exceções, dispõe apenas sobre datas ou prazos em que o imposto se considera devido (crédito tributário constituído) e deve ser pago ou recolhido; modalidades de pagamento (antecipação, exclusivamente na fonte, tributação definitiva ou na declaração) e condições (isenções, deduções, compensações, etc.) de apuração, que variam conforme o tipo de rendimento.

No tocante ao rendimento do trabalho assalariado pago por pessoas jurídicas, o art. 7º, da Lei nº 7.713/88, estabelece que ficam sujeitos ao imposto de renda retido na fonte por ocasião de cada pagamento ou crédito, com base na tabela progressiva mensal, ou seja, o imposto passa a ser devido a partir do momento em que for recebida a remuneração. O inc. II, do art. 52, da Lei nº 8.393/81, com a redação dada pela Lei nº 8.850/94, dispõe que o pagamento do imposto de renda retido na fonte (IRRF) deve ser efetuado até o último dia do mês subseqüente ao de ocorrência do fato gerador.

No caso, percebe-se inequivocamente que o fato gerador do imposto ocorre no dia da percepção do rendimento, ainda que este seja posteriormente submetido aos ajustes mensal e anual determinados pela legislação. A data do fato gerador também não se altera em virtude do imposto ser calculado com base numa tabela progressiva mensal e nem pelo fato de seu recolhimento ser efetuado até último dia útil do mês subseqüente.

Se houver mais de um pagamento no mês pela mesma fonte pagadora, o § 1º, do art. 7º, da Lei nº 7.713/88, dispõe que se aplicará a alíquota correspondente à soma dos rendimentos pagos ou creditados à pessoa física no mês, a qualquer título. Esse procedimento de apuração do imposto complementar, que constitui um "ajuste mensal", também não altera a data de ocorrência do fato gerador, que continua sendo a do dia de cada recebimento. Na hipótese, haverá tantos fatos geradores quantos forem os pagamentos.

Se o sujeito passivo receber, no mês, pagamentos de pessoas jurídicas distintas, a lei não o obriga a informar à cada fonte pagadora o que recebeu das outras, de modo a possibilitar a soma dos rendimentos para fins do referido "ajuste mensal" e tributação pelo montante recebido no mês. No caso, será efetuado somente o ajuste anual no final do ano-calendário, já que o "ajuste mensal" pelo sujeito passivo (carnê-leão) é exigido apenas dos rendimentos recebidos de pessoa física.

A retenção na fonte, apesar de denominada antecipação do imposto de renda devido na declaração de ajuste anual, é, como se constata, imposto lançado e pago, ainda que os respectivos rendimentos sejam submetidos a ajustes e o lançamento dependa de posterior homologação da Administração Tributária.

De acordo com o CTN, o crédito tributário somente passa a ser devido após a sua constituição. Assim, para que o imposto seja devido e possa ser retido e recolhido, deve haver um "lançamento", ainda que "provisório", que constitua o respectivo crédito tributário, efetuado pela fonte pagadora, em substituição ao sujeito passivo, ou pelo próprio sujeito passivo, se o rendimento for recebido de pessoa física (carnê-leão).

A data do lançamento provisório é irrelevante para o Fisco, principalmente quando a legislação tributária não exige a apresentação de declaração mensal do IRPF, pois, nessa hipótese, a Administração Tributária somente toma conhecimento da atividade do sujeito passivo por ocasião do pagamento ou recolhimento.

A data que interessa ao Fisco é a do término do prazo para recolhimento do imposto, tendo em vista que, após essa data, se a obrigação tributária não tiver sido cumprida, o imposto poderá ser exigido de ofício, fato esse que fixa o elemento temporal que permite determinar o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, para fins de contagem do prazo decadencial.

Quando a legislação exige a apresentação de declaração e esta for apresentada, considera-se efetuado o "lançamento provisório" e, assim, o imposto declarado e não pago será cobrado de ofício, acrescido dos juros e da multa de mora de 0,33% ao dia, limitada a 20%.

Se a declaração não for apresentada ou não houver obrigação de apresentá-la, e o pagamento ou recolhimento do imposto não for efetuado no prazo fixado pela legislação, o tributo será exigido mediante lançamento de ofício acrescido dos juros e da multa de 75%, ressalvando que, na hipótese de apropriação indébita do imposto retido na fonte, o sujeito passivo da obrigação principal não responde pelo tributo não recolhido.


VII – Rendimento recebido de pessoa física - "Carnê-leão".

O art. 8º da Lei nº 7.713/88 dispõe que está sujeito ao pagamento do imposto, mediante aplicação da tabela progressiva mensal, a pessoa física que receber de outra pessoa física ou de fontes situadas no exterior, rendimentos e ganhos de capital que não tenham sido tributados na fonte, no País. É o denominado Carnê-Leão, cujo imposto deve ser pago até o último dia útil do mês subseqüente àquele em que os rendimentos ou ganhos foram percebidos (Lei nº 8.383/91, art. 6º, inc. II).

De acordo com a legislação, esses rendimentos devem ser tributados a medida em que forem sendo percebidos. Entretanto, a partir do segundo recebimento no mês, a legislação determina que se faça um "ajuste", mediante a soma dos rendimentos anteriores, de modo a submeter à tabela progressiva mensal o montante até então recebido. Para simplificar essas apurações, o imposto é calculado apenas no final do mês sobre o montante dos rendimentos recebidos, depois de consideradas as deduções permitidas.

Relativamente a essa obrigação tributária, o "lançamento provisório" é efetuado pelo próprio sujeito passivo e o valor recolhido é tratado pela legislação como imposto efetivamente pago, sendo irrelevante, portanto, a denominação de antecipação, bem assim o fato de poder se apurar restituição ou imposto complementar na Declaração de Ajuste Anual.

O fato gerador do imposto recolhido no Carnê-leão ocorre por ocasião de cada recebimento, ainda que o rendimento esteja sujeito aos ajustes mensal e anual, pois esses procedimentos não se confundem com a apuração de resultado por período certo de tempo, cujo fato gerador ocorre no último dia útil do período, quando se apura o resultado da atividade econômica.


VIII – Do ajuste mensal facultativo denominado recolhimento complementar ou "mensalão"

A Lei nº 7.713/88, nos arts. 23 e 24, abaixo transcritos parcialmente, instituiu um ajuste mensal facultativo para os recebimentos de várias fontes, sem a exigência de apresentação de declaração mensal, denominado recolhimento complementar (mensalão), reafirmado pelo art. 7º da Lei nº 8.383/91, revogado pelo art. 33 da Lei 8.134/90 e reinstituído pelo art. 7º da Lei nº 8.383/91:

"Art. 23. Sem prejuízo do disposto nos arts. 7º e 8º, o contribuinte que tenha percebido, de mais de uma fonte pagadora, rendimentos e ganhos de capital sujeitos à tributação, deverá recolher mensalmente, a diferença de imposto calculado segundo o disposto no art. 25 desta lei.

.............................................................................................................................

§ 3º A diferença de imposto de que trata este artigo poderá ser retida e recolhida por uma das fontes pagadoras, pessoa jurídica, desde que haja concordância, por escrito, da pessoa física beneficiária."

"Art. 24. O contribuinte submetido ao disposto no artigo anterior poderá optar por recolher, anualmente, a diferença de imposto pago a menor no ano-calendário." (g.n.)

A realização ou não do ajuste do "mensalão" não interfere na data da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária dos rendimentos que a ele poderiam ser submetidos. Essa constatação é uma demonstração incontroversa de que os demais ajustes obrigatórios (mensal e anual) também não interferem na data de ocorrência do fato gerador, que se verifica sempre no dia da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda.


IX – Do ajuste anual obrigatório na Declaração de Rendimentos

De acordo com o art. 7º da Lei nº 9.250/95, a pessoa física deverá apurar o saldo do imposto a pagar ou o valor a ser restituído, relativamente aos rendimentos percebidos no ano-calendário, e apresentar anualmente, até o último dia útil do mês de abril do ano-calendário subseqüente, declaração de rendimentos em modelo aprovado pela Secretaria da Receita Federal.

A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, inclusive o resultado da atividade rural, se positivo, exceto os isentos, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva, e das deduções permitidas pela legislação tributária, (Lei nº 9.250/95, arts. 8º e 9º).

O imposto devido é calculado mediante utilização da tabela anual, sendo que do valor apurado poderá ser deduzido o imposto retido na fonte ou o pago a título de recolhimento complementar ou de carnê-leão, correspondentes aos rendimentos incluídos na base de cálculo. O montante do imposto assim determinado constituirá, se positivo, saldo do imposto a pagar e, se negativo, valor a ser restituído. Se apurado imposto devido este deverá ser pago até o último dia do mês fixado para a entrega da declaração de rendimentos, podendo ser parcelado em até 6 (seis) quotas iguais, mensais e sucessivas (Lei nº 9.250/95, arts. 11 a 14).

O ajuste anual, a exemplo dos ajustes mensais, apesar de poder resultar em restituição ou imposto complementar a pagar, não altera da data do fato gerador dos rendimentos recebidos ao longo do ano-calendário e incluídos na respectiva Declaração de Rendimentos, que ocorre na data da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda.


X – Considerações finais

O reconhecimento de que os ajustes mensal e anual não interferem na data do fato gerador do IRPF, que ocorre nos exatos termos definidos pelo CTN, ou seja, na data da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, resulta numa antecipação da data atualmente considerada como de início do prazo decadencial.

Para aqueles que entendem que o prazo para homologação tácita equivale ao ao prazo decadencial, que se contaria da data do fato gerador da obrigação tributária, o início do prazo decadencial retroagirá do último dia do ano-calendário para o dia da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda.

Para fins da decadência estabelecida expressamente pelo CTN (art. 173, I), também haverá uma antecipação da data de início do prazo decadencial em relação ao atualmente considerado, isto porque o lançamento do imposto poderá ser efetuado a partir do primeiro dia seguinte ao encerramento do prazo para pagamento ou recolhimento mensal do tributo, que, ressalvados os prazos que vencem no ano seguinte, ocorre no próprio ano-calendário em que o rendimento for recebido.

Essa antecipação se visualiza melhor através de um exemplo. Vejamos a hipótese de um rendimento recebido no dia 15 de abril de 2007, cujo imposto deveria ter sido recolhido até o dia 31 de maio de 2007. Não sendo recolhido o imposto, o lançamento de ofício pode ser efetuado a partir do dia 1º de junho de 2007, ou seja, no próprio ano-calendário do recebimento do rendimento. Assim, o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado é o dia 1º de janeiro de 2008, o que faz com que o prazo decadencial se encerre em 31 de dezembro de 2012.

Nesse exemplo, se considerado que o fato gerador ocorre no dia 31 de dezembro de 2007 e que o prazo para pagamento do tributo se encerra em 30 de abril de 2008, tem-se que o lançamento para exigir o imposto não pago somente poderia ser efetuado a partir do dia 1º de maio de 2008. Logo, o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado é o dia 1º de janeiro de 2009, o que faz com que o prazo decadencial se encerre em 31 de dezembro de 2013.

No exemplo existem dois prazos para recolhimento do imposto. Um que se encerra no último dia útil do mês seguinte ao do recebimento do rendimento, referente a retenção na fonte ou Carnê-Leão, e outro, relativo ao imposto complementar apurado no ajuste anual, que se encerra no dia 30 de abril do ano subseqüente. Assim, para o recolhimento mensal o prazo decadencial encerra-se um ano antes daquele referente ao imposto complementar apurado no ajuste anual.

Finalizando, consigna-se que todo o exposto apenas reafirma o disposto literalmente no art. 43 do CTN de que o imposto de renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLESKOVICZ, José. O fato gerador do IRPF ocorre sempre na data da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda. Reflexos na decadência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1825, 30 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11440. Acesso em: 24 abr. 2024.