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Tribunal do júri

Tribunal do júri

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Trata-se de ensaio sobre o Tribunal do Júri, em que são apresentados os aspectos históricos, as características, os princípios, forma de constituição e recrutamento de jurados etc., com destaque para o novo procedimento.

Resumo: Trata-se de um ensaio a respeito do Tribunal do Júri, em que são apresentados os aspectos históricos, as características, os princípios, forma de constituição e recrutamento de jurados etc., com destaque para o procedimento, que passou por grande alteração, através da Lei n. 11.689/08. Além de indicar os posicionamentos divergentes sobre determinados aspectos, procura-se posicionar a respeito de cada um, mas sem perder de vista a inevitável dose perplexidade em torno de algumas novidades introduzidas pela referida lei, a exigir observação e acompanhamento doutrinário e jurisprudencial sobre os rumos a serem tomados na vivência prática.

Palavras-chave: Constituição Federal, Processo Penal, Tribunal do Júri, procedimento e Lei n. 11.689/08.


1.ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI

Embora indicando outras versões sobre a origem Tribunal do Júri, Rogério Lauria Tucci (1999, pp. 11-67) [01] indica como verdadeiro embrião do tribunal popular o segundo período evolutivo do processo penal romano. Assim conclui por entender que a noção de tribunal popular, que consiste no julgamento de ser humano por seus pares, exige uma estruturação, ainda que rudimentar e, também a observância de regras previamente estabelecidas. Essa estruturação só teve lugar em Roma, "com a quaestio, órgão colegiado constituído por cidadãos, representantes do populus romano, presidido pelo pretor, e cujas constituição e atribuições — assim como os crimina determinantes da sua competência, e respectivas penas — eram definidos em leges, prévia e regularmente editadas". Cada quaestio era formada por um presidente (praetor) e, no máximo, cinqüenta cidadãos.

As listas oficiais continham cerca de mil nomes de jurados, e estes eram, individualmente, colocados numa urna, para serem oportunamente indicados; podia haver recusa do acusador (tacitamente, pela não-indicação), ou do acusado (pela rejeição). O presidente era o magistrado a quem incumbia examinar, preambularmente, a acusação; decidir sobre a competência, receber o juramento das partes, escolher e convocar os iudices iurati, presidir as discussões e fazer executar a sentença. E os demais jurados, uma vez indicados e não recusados, deviam participar de todo o procedimento, e, no final, pronunciar-se, por meio de votação, pela condenação do acusado, pela sua absolvição, ou, ainda, por um alargamento da instrução.

Quanto ao procedimento, recebida a acusação, o nome do acusado era publicado numa tábua, sendo cancelado somente após a sua absolvição. Em seguida, ele era citado; se não comparecesse, seus bens eram objeto de inscrição e, um ano depois, confiscados. Comparecendo, era interrogado sobre a acusação, como formulada. Confessando a accusatio, tudo terminava. Negando-a, o pretor determinava que o acusador e o acusado voltassem a juízo, em dia desde logo designado, com tempo suficiente à colheita dos elementos de prova. Nesse tempo, o acusador cuidava da investigação para comprovar a acusação, enquanto que o acusado tinha o direito de acompanhar toda a sua atividade ou indicar um preposto para controlá-la. Em juízo, após a composição do órgão julgador, passava-se aos debates. Primeiro, falava o acusador; em seguida, o acusado. Com o tempo, permitiu-se a constituição de patronos como oradores. As votações, no início, eram feitas oralmente, e, depois, passaram a ser por cédulas, com as inscrições: "A (absolvo), C (condemno), ou NL (non liquet)" cujo resultado era anunciado pelo quaesitor.

Além dessas características comuns, havia outras semelhanças entre o Júri brasileiro e as quaestiones perpetuas. A quaestio era formada por um magistrado (quaesitor), que a presidia, mas despido da função de votar, e jurados judices jurati, com o poder de julgar, num processo de natureza pública, contraditório e oral. Semelhantes, também, a forma de recrutamento dos componentes do órgão julgador e as peculiaridades do procedimento.

Outros autores apontam seu surgimento na Inglaterra, notadamente a partir da Magna Carta, de 1215, quando se propagou para o mundo ocidental o preceito "ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento por seus pares, segundo as leis do país" [02].


2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO JÚRI

É consensual, contudo, que a instituição do Júri é levada para as ilhas britânicas, onde se adaptou aos costumes ingleses, originando um órgão julgador diferenciado, de caráter misto. Tal foi o desenvolvimento do Júri na Inglaterra, que dali se irradiou pela Europa e pela América.

O Júri então era composto por vinte e quatro pessoas, escolhidas entre os vizinhos do acusado e os moradores do lugar em que cometida a infração penal. Essas pessoas, por terem conhecimento do fato e da pessoa do acusado, constituíam, ao mesmo tempo, o "Júri de acusação" e "Júri de julgamento". "A partir do século XVII, substituídos os duelos judiciários, as ordálias e os julgamentos de Deus pela declaração de doze cavaleiros, consolidou-se o Júri britânico com esse número de jurados". O procedimento passou a ter duas fases, a do Júri de acusação e a do Júri de julgamento; a discussão, a votação e o veredicto dos jurados são sigilosos e realizados em sala reservada [03].

Segundo Ruy Barbosa [04], com essas características, antes mesmo de irradiar-se no continente europeu, o Júri inglês estabeleceu-se na América do Norte. Primeiro, foi consagrado, formalmente, na Carta Régia outorgada ao primeiro grupo de imigrantes incumbido da civilização colonial, generalizando-se por toda a colônia, ainda no século XVII. Até hoje, a instituição do Júri é muito forte nos Estados Unidos da América do Norte.

O Júri sofreu influência da Revolução Francesa, porquanto a Assembléia Constituinte deliberou, em 1789 e 1790, a remodelação da justiça, consagrando o Júri criminal como instituição judiciária. Embora orientado, de início, pelo modelo inglês, a França conferiu-lhe caráter político: adotou-se a publicidade dos debates e na instrução da causa; estabeleceu-se que só o cidadão (eleitor) poderia ser jurado; e o processo passou a ter três fases: a) instrução preparatória; b) Júri de acusação, formado por oito membros, sorteados de um lista de trinta cidadãos; c) debates e Júri de julgamento, formado por doze membros, sorteados de uma lista de duzentos cidadãos, com direito de recusa de vinte, pelas partes.

Por último, ao contrário do que ocorria na Inglaterra, onde a condenação do acusado dependia da unanimidade de votos dos jurados, na França se admitiu o resultado por maioria, segundo Arthur Pinto da Rocha [05].


3.O JÚRI NO BRASIL

De acordo com o magistério de José Henrique Pierangeli [06], o Júri foi instituído no Brasil, em 1822, através de um Decreto sem número, datado de 18 de junho, que "crêa juízes do facto para julgamento dos crimes de abusos de liberdade de imprensa". Esse decreto fixava em 24 o número de jurados, sendo que os "réos" poderiam recusar até 16 desses jurados, ficando os 8 restantes encarregados pelo julgamento.

A Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, estabeleceu, no art. 151: "o Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os códigos determinarem". O art. 152 dispunha que "os jurados se pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei".

Uma Lei, também sem número, de 20 de setembro de 1830, no título III, dispondo sobre "a eleição dos jurados e promotores do jury", institui o "Jury de Accusação" e o "Jury de Julgação".

O Código do Processo Criminal do Império, de 29 de novembro de 1832, define a composição desses dois conselhos. O primeiro conselho, composto por 23 jurados (art. 238), tinha a incumbência de decidir sobre a existência ou não de base suficiente para a acusação (arts. 244 e 245). Quando o Júri de acusação decidia no sentido afirmativo, formava-se o segundo conselho, composto por 12 jurados (art. 259). Este era o conselho de sentença ou conselho de julgamento, encarregado de dar o veredicto, através de votação de quesitos, que lhes eram formulados pelo Juiz (art. 269).

A Lei n. 261, de 03.12.1841, reformando o Código de Processo Criminal, extinguiu o Júri de Acusação. Em seu lugar, foram encarregados de elaborar as sentenças de pronúncia (isto é, a decisão de encaminhamento do caso ao Tribunal do Júri) os Chefes de Polícia e os Juízes Municipaes (art. 54). Permaneceu apenas o Conselho de Sentença, com o mesmo número de jurados (12), cujas decisões eram tomadas por maioria. Em caso de empate, prevalecia a decisão mais favorável ao acusado. Essa Lei foi regulamentada, em sua parte especial, pelo Regulamento n. 120, de 31.01.1842.

Em 1871, foi editada a Lei n. 2.033, de 23 de setembro, regulamentada pelo Decreto n. 4.824, de 22.11.1871, com disposições legais sobre a Legislação Judiciária. Mas, não se registrou substancial modificação sobre o Júri. Após a proclamação da República, pelo Decreto n. 848, de 11.10.1890, foi criado o Júri federal, também composto por 12 jurados.

A Constituição Federal de 1891 dispõe, no art. 72, § 31: "é mantida a instituição do Júri". Assim, sucessivamente, aconteceu com as Constituições de 1934, de 1946, de 1967, e na EC de 1969. Embora não prevista na Constituição de 1937, o Júri foi regulado pelo Decreto-lei n. 167, de 5.01.1938, que retirou a soberania dos veredictos, permitindo a apelação sobre o mérito. A soberania dos veredictos foi restaurada pela Constituição de 1946, a qual conferiu à lei ordinária a tarefa de estruturar o Júri, mas vedou a manutenção de número par de jurados e fixou a competência mínima para os crimes dolosos contra a vida.

O texto constitucional de 1946, quanto ao Júri, foi regulamentado e complementado pela Lei n. 263, de 23.02.1948, cujo art. 1.° dispõe: "a organização do Tribunal do Júri e, igualmente, o processo dos crimes de sua competência continuam a ser regidos pelo Código de Processo Penal, com as modificações decorrentes do disposto no artigo 141, § 38, da Constituição, e constantes da presente Lei". Observe-se que o Código foi promulgado em 1941, entrando em vigor no ano seguinte; portanto, poucos anos depois, entra em choque com o texto da Constituição de 1946, de caráter mais democrático.

Assim, os artigos 74, § 1.°, 78, 466, 474, 484, 492, 564, 593 e 596, do CPP, tiveram suas redações modificadas pela Lei n. 263/48, justamente para se adequar à referida Constituição.

Atualmente, a instituição do Júri está prevista no art. 5.°, XXXVIII, da Constituição de 1988, que dispõe: "é reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida".

Por último, sobreveio a Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, que entrou em vigência em 9 de agosto do mesmo ano, alterando os dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.


4.PRINCÍPIOS OU REQUISITOS FUNDAMENTAIS

Em vez da expressão ampla defesa, para o Júri o legislador optou por prever plenitude de defesa. Para a grande parte dos doutrinadores a distinção não é levada em conta. Alguns, contudo, consideram que são distintos os efeitos das duas expressões, argumentando que a defesa no Júri há de ser mais abrangente. Guilherme de Souza Nucci [07], por exemplo, afirma que os próprios termos indicam dessemelhança, porque amplo significa vasto, largo, copioso, ao passo que pleno quer dizer completo, perfeito, absoluto. "O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos".

Para justificar a distinção Nucci exemplifica com a atuação do defensor que haverá de ser perfeita no Júri, podendo ser apenas satisfatória no processo comum; isto porque, no Júri são julgadores leigos, votam sem fundamentar a decisão e a má atuação da defesa pode resultar em condenação, enquanto que no processo comum o juiz terá condições de suprir a deficiência defensiva, absolvendo o réu.

A nosso ver, contudo, não é tão significativa a distinção. É certo que a defesa do réu no processo criminal deveria ser mesmo plena, isto é, perfeita, se fosse possível. No caso do Júri, o que propicia melhores condições de defesa é o próprio rito, que a isso conduz tendo em vista suas peculiaridades.

De fato, no procedimento do Júri, o acusado tem maiores oportunidades de defesa. Além das duas fases para se proferir juízos de admissibilidade, a primeira, quando se decide pelo recebimento da denúncia ou da queixa e, a segunda, por ocasião da pronúncia, haverá a oportunidade perante os jurados, onde a maior publicidade do julgamento exige, igualmente, mais empenho da defesa e, ao mesmo tempo, melhor fiscalização popular.

Observe-se que a Constituição Federal de 1946, que dentre outras qualidades unanimemente reconhecidas, resgatou a dignidade do Tribunal do Júri, não faz distinção: menciona plena defesa aos acusados em geral [08], e plenitude de defesa quando se refere ao Júri [09]. Ao comentar esses dispositivos, escreveu José Frederico Marques [10]:

No art. 141, § 25, a defesa plena é assegurada como garantia genérica envolvendo toda a contextura jurídica da ordem legal. No § 28, a amplitude de defesa do réu vem assegurada como consagração prévia de formas processuais que ao Júri se ligam com o caráter de normas pro defensionis. No § 25, a defesa é plena, bastando que se assegurem aos acusados "os meios e recursos essenciais a ela"; n § 28, a defesa é ampla, devendo, portanto, o legislador estatuir meios e recursos não essenciais ao direito de defesa, mas a este inerentes dentro da instituição do Júri. A recusa peremptória não é meio ou recurso essencial ao direito de defesa, mas se enquadra na defesa ampla perante o Júri, como elemento constitutivo das prerrogativas do réu.

Pelo que se nota, além do texto constitucional anterior (que foi repetido na Constituição de 1988) também na doutrina não se fazia distinção efetiva, senão quanto ao aspecto de se tratar de um procedimento especialíssimo, cujas peculiaridades ensejam defesa mais ampla ou plena.

No mesmo sentido, Antonio Alberto Machado [11] assevera.

É claro que o princípio da ampla defesa caracteriza todo o edifício processual, tanto no processo do Júri quanto nas demais formas de procedimento. Todavia, a sua afirmação específica em relação ao tribunal popular significa que a defesa deve ser exercida com todos os meios e recursos inerentes a ela, bem como a utilização de argumentos e teses que eventualmente possam refugir ao âmbito jurídico. É o caso, por exemplo, da utilização de argumentos morais, filosóficos, sociais, religiosos, políticos etc., que não são propriamente jurídicos e podem perfeitamente embasar as decisões dos jurados, já que estas não necessitam de motivação e podem muito bem se louvar em elementos que não constituem exatamente uma razão jurídica expressa num determinado dispositivo legal.

Não nos parece correto, contudo, a faculdade de nova manifestação da defesa, equivalente ao exercício de tréplica, sem que a acusação faça uso da réplica, como se defende, em nome da plenitude da defesa. Em primeiro lugar, não seria tréplica, que pressupõe a existência de réplica. Depois, configuraria inegável ferimento ao princípio da isonomia processual e do devido processo legal. Afinal, o direito de defesa, seja ela ampla ou plena, decorre do direito de ação, cujo exercício, por parte do órgão acusador, não pode ser restringida.

Ou, então, que a defesa possa inovar suas teses por ocasião da tréplica, cujo procedimento afetaria gravemente o contraditório, na medida em que o acusador já não disporá de oportunidade para se manifestar [12], a não ser por meio de ligeiros e, muitas vezes, conturbados apartes.

Também se costuma dizer que o juiz presidente estará obrigado a formular quesito sobre a tese apresentada pelo próprio réu, ainda que divergente do que a apresentada pelo defensor técnico, em virtude desse princípio. Contudo, essa postura pode ser prejudicial ao réu. Os jurados poderão entender como falta de sinceridade, de um ou de outro. A meu ver, a confiança do acusado em seu advogado é condição indispensável ao efetivo exercício de defesa, razão pela qual as duas participações – defesa técnica e autodefesa – devem ser convergentes e coerentes entre si.

4.2.O sigilo das votações

Desde a Constituição de 1946, se estabeleceu que a votação dos quesitos, pelos jurados, seria sigilosa, em relação ao público e ao réu. Para cumprimento dessa regra, prevê o Código que a votação ocorra em sala especial ou sala secreta onde ficarão apenas o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça (art. 485 caput); onde não houver essa sala, determina-se a retirada deste e de todos os circunstantes do plenário (art. 485, § 1.º), permanecendo as mesmas pessoas referidas.

Além disso, dispõe o § 2.º, do art. 485, que o juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente.

De acordo com o art. 486, antes de proceder-se à votação de cada quesito, o juiz presidente mandará distribuir aos jurados cédulas de papel, contendo 7 (sete) delas a palavra sim, 7 (sete) a palavra não. E visando assegurar o sigilo do voto, o oficial de justiça recolherá em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas (art. 487).

Anteriormente, todos os jurados deveriam depositar o seu voto, de forma que a decisão por unanimidade quebrava o sigilo das votações. Com a reforma introduzida pela Lei n. 11.689/08, a decisão será encerrada quando atingidos quatro votos.

A regra do sigilo se estende aos jurados entre si, para que um não influencie no convencimento do outro. Aliás, será causa de nulidade do julgamento se um jurado externar sua opinião, ainda que inconsciente ou inadvertidamente, por exemplo, por meio de pergunta. A confirmar a assertiva, o Código exige a incomunicabilidade dos jurados, entre si, quanto ao tema do processo (art. 466).

A esse respeito, preleciona Mauricio Antonio Ribeiro Lopes [13]:

A forma sigilosa, ou secreta, da votação – principalmente, mas também do restante da participação do jurado na sessão de julgamento – decorre da necessidade de resguardar-se a independência dos jurados (juízes leigos, destituídos de garantias, ao contrário dos juízes togados), no ato crucial do julgamento, que é a deposição dos votos, em sentido positivo ou negativo, dela resultando a sorte do veredicto e o destino dos acusados.

Em virtude da determinação constitucional da publicidade dos atos e das decisões judiciais, surgiu o entendimento de que o julgamento do Júri, também, deveria ocorrer a portas abertas, no mesmo local público onde houve os debates, abolindo-se, em conseqüência, a chamada "sala secreta". No entanto, a jurisprudência pacificou o entendimento de que não foi abolida a sala secreta [14].

Desse modo, o sigilo, no julgamento pelo Júri, se desdobra no sigilo das votações e na incomunicabilidade dos jurados.

4.3.Soberania dos veredictos

O princípio da soberania dos veredictos do Júri indica que suas decisões não podem ser substituídas por decisões de juízes togados. Por isso, a decisão proferida pelo juiz, na primeira fase do procedimento, não constitui decisão de mérito, nem deve conter expressões que possam sugestionar os jurados. Cumpre-lhe, nessa oportunidade, evitar que alguém seja, injustamente, submetido a julgamento popular. Sua função é a de verificar se estão presentes os elementos que justificam a pronúncia.

Mas, não é absoluta a soberania do Júri.

Em primeiro plano, o tribunal superior (togado), na sua competência funcional, quando acionado, verifica a regularidade do veredicto. Se for o caso, determina que outro julgamento seja realizado, pelo Tribunal do Júri. Segundo Frederico Marques [15], a Constituição não se refere a soberania de cada veredicto e sim do conjunto de veredictos. "Quer isto dizer que mais de um veredicto pode haver, embora o último, predominando sobre o primeiro, forçosamente o revogue".

Essa situação pode ocorrer na apelação (CPP, art. 593, § 3.°, d), em que o Tribunal togado, se der provimento ao recurso, o fará para que outro julgamento seja feito, pelo próprio Tribunal do Júri.

Mas, se na apelação não há quebra da soberania do Júri, o mesmo não se pode dizer da revisão criminal. Nesta, salvo a hipótese de nulidade, os casos de reconhecimento de erro judiciário provocam a substituição da decisão dos jurados leigos pelo técnico, em nova decisão de mérito.

4.4.Competência mínima

Após relembrar que as regras de competência funcional são fixadas em razão da fase do processo, do objeto do juízo e dos graus de jurisdição, Hermínio Marques Porto [16] destaca que os três critérios são identificados no procedimento do Júri. O primeiro critério se revela no fato de que este procedimento se desenvolve em etapas; o segundo consiste na fixação de atribuições diferentes para o juiz presidente e para os jurados; e o terceiro estabelece a competência dos tribunais de segundo grau, em fase de recurso.

A Constituição Federal, ao estabelecer a competência do Tribunal do Júri, indica que, no mínimo, lhe estão afetos os crimes dolosos contra a vida. Essa competência não poderá ser retirada. Mas, poderá ser ampliada, para incluir outros crimes. Como se sabe, na sua origem, o Júri não se restringia a julgamento apenas de crimes dessa natureza. E, mais recentemente, a Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que dispunha sobre os crimes contra a economia popular, atribuía competência ao Júri (art. 12).

Em decorrência disso, o art. 74, do CPP, relaciona os crimes previstos nos arts. 121, §§ 1.° e 2.°, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127, do CP, consumados ou tentados. Relembre-se, outrossim, que o Júri terá competência, também, nos crimes conexos e continentes, em razão do disposto no art. 78, I, do CPP.


5.CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

No Júri, a publicidade é ampla ou popular (CPP, art. 792), está acessível a todas as pessoas, sem restrição. Essa publicidade se verifica desde o sorteio anterior à convocação dos jurados, feito "a portas abertas" (art. 433), até o resultado final em relação a cada julgamento, com a publicação da sentença, na presença do réu, também a portas abertas (art. 493).

Além disso, confirma sua natureza pública o fato de ser formada a instituição por cidadãos, representantes do povo.

A exceção ocorre no momento da votação, verificada em sala secreta, conforme se comentou linhas acima.

5.2.A oralidade e seus corolários

Pelo sistema ou princípio da oralidade do procedimento, as declarações são feitas através da palavra oral. Em decorrência da oralidade, aparecem os princípios da concentração, imediatidade ou imediação e identidade física do juiz.

No procedimento do Júri, a palavra tem grande importância, pois seus atos mais destacados, que são os debates, não são escritos na integralidade. São apenas registrados na ata os dados essenciais (CPP, art. 495, XIV). No entanto, Frederico Marques [17] criticou o fato de que, praticamente, apenas os discursos da acusação e da defesa sejam efetivamente sob a forma oral, pois muitas vezes não se faz prova em plenário. Os depoimentos são lidos, desnaturando o Júri, na medida em que o jurado não tem contato direto com a prova. A leitura deveria restringir-se às provas periciais.

Também nesse aspecto, a reforma implementada pela Lei n. 11.689/08 deverá provocar alteração de posturas, pois será limitada a leitura de peças, no plenário. Conforme dispõe o art. 473, § 3º, as partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis.

De outro lado, na fase de julgamento, realizada em plenário, os atos são concentrados, sob pena de nulidade. Uma vez instalada a sessão de julgamento, não haverá interrupção, salvo pelo tempo necessário para realização de diligências (art. 497, VII). Se estas não puderem ser realizadas imediatamente, será dissolvido o Conselho de Sentença (art. 481), devendo o julgamento ser reiniciado e não retomado do ponto em se interrompeu.

A imediatidade é constatada pela presença indeclinável e permanente dos jurados e do próprio juiz presidente, durante todo o julgamento, que não podem se ausentar do julgamento.

Pela identidade física, o juiz deve lavrar a sentença ato contínuo, segundo o veredicto dos jurados (CPP, art. 492).

5.3.Procedimento escalonado ou bifásico

O procedimento do Júri se desenvolve em etapas ou fases. Inicialmente, há uma fase preliminar, preparatória, anteriormente denominada de sumário de culpa ou juízo de acusação, que é feita no juízo singular. Com a reforma, essa etapa é designada de instrução preliminar. Após essa fase, o juiz profere um juízo de admissibilidade. Sendo positivo esse juízo, isto é, sendo pronunciado o réu, inicia-se a segunda etapa, a fase de julgamento (judicium causae), que se desenrola no plenário, perante os jurados.

Não se pode esquecer que, em regra, já terá ocorrido a fase do inquérito policial, que, no sistema brasileiro, corresponde a uma das etapas da persecução penal.

Para Nucci [18], o procedimento deve ser considerado trifásico: a) fase de formação de culpa (da denúncia à decisão de pronúncia); b) fase de preparação do plenário (Seção III, capítulo II); e c) fase de julgamento da causa (em plenário).


6.ORGANIZAÇÃO DO JÚRI

De acordo com o art. 425, anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população.

Mas, nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial (art. 425, § 1.º).

Para localização desses cidadãos alistáveis, o juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado (art. 425, § 2.º).

Nos termos do art. 426, essa lista geral de prováveis jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri.

Fala-se em probabilidade de inclusão, porque a lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva (art. 426, § 1.º). Aquele que possui os requisitos legais é alistável, um jurado virtual, isto é, "de pessoa com capacidade para ser membro do corpo de jurados" [19].

Se essa reclamação ao juiz não surtir efeito, está previsto recurso no sentido estrito contra a decisão que incluir ou excluir jurado da lista (art. 581, XIV), no prazo de vinte dias (art. 586, parágrafo único).

Representantes do Ministério Público, da Seção local da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Públicas poderão acompanhar a seleção de jurados. Após o alistamento e resolvidas eventuais impugnações, os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após serem verificados na presença desses representantes, permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a responsabilidade do juiz presidente (art. 426, § 3.º).

Essa lista geral deverá ser completada anualmente (art. 426, § 5.º), tendo em vista que, além de outras causas que podem provocar exclusão do nome, a lei veda a participação do jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação (art. 426, § 4.º).

Assim, existem quatro categorias de jurados: os alistáveis, os alistados, os vinte e cinco sorteados para compor o Tribunal e os sete que compõem o Conselho de Sentença.

6.1.1.As condições para o alistamento e a função do jurado.

O jurado é o órgão leigo, não permanente, do Poder Judiciário, investido legalmente de atribuições jurisdicionais, para integrar juízo colegiado heterogêneo a que se dá o nome de Júri. Esse órgão exerce sua atribuição através do veredicto, que é o ato decisório por ele proferido, a respeito da existência do crime e a autoria [20].

Trata-se de serviço obrigatório, para os maiores de 18 anos, possuidores de notória idoneidade (art. 436). É certo que não é possível aferir, com exatidão, o critério de idoneidade, por se tratar de termo vago e impreciso. Deve-se, contudo, verificar, pelo menos, se o alistando não possui maus antecedentes criminais. Outrossim, não se pode alistar o jurado analfabeto, que não apenas terá dificuldade de compreensão do que ouvir, como lhe será impossível conferir qualquer texto e até mesmo expressar-se corretamente.

Assim como a do analfabeto, outras situações, também não mencionadas pela lei, são apontadas pela doutrina como incompatíveis com a função de jurado. Tal é o caso, por exemplo, do surdo-mudo e do cego. Whitaker, referido por Frederico Marques [21], diz que o surdo-mudo, "privado como se acha de ouvir as ocorrências do plenário que tanto elucidam o processo, é inapto para a função de juiz". E, quanto ao cego, o mesmo se dá devido à privação de realizar exame das provas.

Fora isso, nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do Júri ou deixar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução (art. 436, § 1.º). Também não poderá recusar, injustificadamente, o serviço do Júri, sob pena de incorrer em multa no valor de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado (art. 436, § 2.º).

De outro lado, dispõe o art. 438, que a recusa ao serviço do Júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.

Esse serviço consiste no exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada, fixado pelo juiz, atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (art. 438, §§ 1.º e 2.º).

6.1.2.Isenção e impedimentos

O art. 437 dispõe sobre os isentos do serviço do Júri. São eles:

I – o Presidente da República e os Ministros de Estado;

II – os Governadores e seus respectivos Secretários;

III – os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais;

IV – os Prefeitos Municipais;

V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública;

VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública;

VIII – os militares em serviço ativo;

IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa;

X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.

Na verdade, isentas realmente são os maiores de 70 anos e aquelas pessoas que demonstrarem justo impedimento, a ser analisado individualmente. Os demais constantes da relação revelam incompatibilidade com a função de jurado, por isso não podem ser incluídos sequer na lista geral.

Também estará impedido aquele que integrou o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista (art. 426, § 4.º). Esse impedimento, na verdade, constitui o que se denominou de jubilação, cuja palavra tem o sentido de aposentadoria. Anteriormente, estava prevista a jubilação, isto é, a substituição do jurado que comparecesse durante seis dias consecutivos de julgamento [22].

6.2.A Formação do Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento (art. 447). Dispõe o art. 448 que são impedidos de servir no mesmo Conselho:

I – marido e mulher;

II – ascendente e descendente;

III – sogro e genro ou nora;

IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;

V – tio e sobrinho;

VI – padrasto, madrasta ou enteado.

Com a reforma foi estendido o impedimento em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar (art. 448, § 1.º).

E, nos termos do § 2.º, do mesmo dispositivo, aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados. Portanto, devem ser observados, ainda, os artigos 252 a 254, do CPP.

Considera-se suspeito o juiz quando tem algum interesse em relação a qualquer das partes (CPP, art. 254). Impedimento significa obstáculo ou proibição para funcionar no processo ou intervir em ato judiciário em virtude da existência ou ocorrência de determinado motivo, como são aquelas situações retratadas no art. 252, com as modificações introduzidas ao direito familiar pela Constituição de 1988, especialmente o art. 226 e seus parágrafos. Impedido é o juiz e não o juízo. E as incompatibilidades dizem respeito a cargos ou funções que não podem ser desempenhados juntos ou simultaneamente pela mesma pessoa ou no mesmo processo [23].

Hélio Tornaghi indicou o critério para distinguir entre impedimento e suspeição: o juiz é impedido quando tem interesse no desfecho da causa e suspeito quando se interessa por qualquer das partes [24]. Além dessas situações já previstas na legislação a reforma, através do art. 449, aduziu que não poderá servir o jurado que:

I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior;

II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado;

III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado.

As duas primeiras situações, em que pese tratarem-se de inovação em termos específicos, estão relacionadas com o art. 252, II, além de referidas no art. 607, § 3.º (que a reforma revogou) e na Súmula n. 206, do STF ("É nulo o julgamento ulterior pelo Júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo"). Ademais, são situações comprováveis no próprio processo.

A última hipótese, todavia, pode decorrer de manifestação em qualquer local ou veículo, cumprindo ao interessado levar ao conhecimento do juiz presidente, ao impugnar o jurado, o que deverá ser feito em plenário, por ocasião do sorteio.

A ordem de preferência entre os impedidos é disciplinada pelo art. 450, mantendo o jurado que houver sido sorteado em primeiro lugar.

Além disso, como a questão de número jurados é de suma importância, sendo previsto número mínimo para que o julgamento seja iniciado, os excluídos por impedimento, suspeição ou incompatibilidade serão considerados para a constituição do número legal exigível para a realização da sessão (art. 451).

Por último, o art. 452 dispõe que o Conselho de Sentença poderá conhecer de mais de um processo, no mesmo dia, se as partes o aceitarem, hipótese em que seus integrantes deverão prestar novo compromisso.

6.2.1.As prerrogativas e os deveres dos jurados

A lei confere alguma vantagem pessoal ao jurado que tenha efetivamente exercido a função. Isto é, para aquele que tenha sido convocado, sorteado e, de fato, integrado o Conselho de Sentença.

O art. 439 declara o exercício efetivo da função de jurado serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral e assegura prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

Constitui também direito do jurado, na condição do art. 439, preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária (art. 440). E nenhum desconto será feito nos vencimentos ou salário daquele que comparecer à sessão do Júri (art. 441).

Mas, em contrapartida, ao jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no dia marcado para a sessão ou retirar-se antes de ser dispensado pelo presidente será aplicada multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a sua condição econômica (art. 442).

Somente será aceita escusa fundada em motivo relevante devidamente comprovado e apresentada, ressalvadas as hipóteses de força maior, até o momento da chamada dos jurados (art. 443). O jurado somente será dispensado por decisão motivada do juiz presidente, consignada na ata dos trabalhos (art. 444).

O jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados (art. 445).

6.3.As reuniões do Júri e a ordem dos julgamentos

O Tribunal do Júri não é um órgão permanente. Ele se reúne periodicamente, quando os jurados são convocados, de acordo a situação de cada localidade e conforme a necessidade, desde que esteja prevista a realização de sessões. Cada período é denominado de reunião, na qual pode ocorrer uma ou mais sessões.

A esse respeito, dispõe o art. 453, do CPP, com a redação da Lei n. 11.689/08: o Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária.

No Estado de São Paulo, seu Código Judiciário (Decreto-lei complementar 3/69) dispõe: a) nas comarcas de primeira e segunda entrâncias, o Júri reunir-se-á quatro vezes ao ano, nos meses de março, junho, setembro e dezembro; b) nas comarcas de terceira entrância, haverá seis reuniões ao ano, nos meses pares, funcionando permanentemente quando houver Vara Privativa; c) na Capital, os Tribunais do Júri funcionarão permanentemente, salvo nos domingos e feriados, na Semana Santa, e entre os dias 23 de dezembro a 2 de janeiro [25].


7.PROCEDIMENTO DO JÚRI

7.1.1.Disposições preliminares

A lei processual, ao disciplinar o processo e o julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, estabeleceu procedimento bifásico ou escalonado, no qual se distinguem duas etapas: a instrução preparatória, realizada perante um juiz de direito, com a garantia do contraditório, em que se objetiva verificar a admissibilidade da acusação a ser submetida ao Júri; assim, somente depois de constatada a presença de certos requisitos será possível a segunda fase, do julgamento em plenário, ocasião em que será examinado mérito da causa pelo tribunal popular [26].

A reforma do CPP, introduzida pela Lei n. 11.689/08, prevê um rito próprio para os processos de competência do Tribunal do Júri, com início no art. 406.

De conformidade com esse dispositivo, o juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias (art. 406, caput), contado a partir do cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor constituído, no caso de citação inválida ou por edital (art. 406, § 1.º).

Não é demais recordar que o juízo de admissibilidade sobre a acusação, no Júri, não difere de qualquer outro tipo de procedimento, podendo ser negativo ou positivo, isto é, o juiz recebe ou rejeita a inicial.

De fato, segundo o art. 394, § 4.º, do CPP, com a redação dada pela Lei n.11.179, de 20 de junho de 2008, as disposições dos arts. 395 a 398 aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados no Código. Na verdade, o art. 398 foi revogado expressamente por aquela lei, mas, no momento, interessa destacar o art. 395, que prevê a rejeição da denúncia ou queixa quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Assim como no rito ordinário, a acusação poderá arrolar até 8 (oito) testemunhas, na denúncia ou na queixa (art. 406, § 2.º).

O acusado, na resposta, poderá argüir preliminares e alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas até o mesmo limite (406, § 3.º).

Se forem opostas exceções processuais, serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112, do Código (art. 407).

Se a resposta não for apresentada no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em até 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos (art. 408). Sendo apresentado, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias, de acordo com o art. 409.

Na seqüência, o juiz determinará a inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas partes, no prazo máximo de 10 (dez) dias (art. 410). Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate (art. 411).

O interrogatório passa a ser o último ato, ao contrário do sistema anterior, em que o acusado respondia sobre o fato imputado, mas sem o conhecimento da prova testemunhal que ainda seria produzida perante o Juiz, em ofensa à garantia do contraditório e da ampla defesa [27].

Como se sabe, em geral, os pareceres periciais são apresentados em laudos, mas sendo necessário, podem prestar esclarecimentos orais, em juízo, caso em que dependerá de prévio requerimento e de deferimento pelo juiz (art. 411, § 1.º).

Como a reforma privilegiou os princípios da concentração, visando maior celeridade, essas provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (art. 411, § 2.º). Todavia, conforme assinalamos nos comentários ao rito ordinário [28], é preciso conciliar a pretendida celeridade com o direito à prova, evitando-se indevido cerceamento, que poderá ensejar impugnação.

Pela mesma razão de imprimir maior celeridade processual, na própria audiência, encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 do CPP; portanto, havendo possibilidade de se alterar a classificação legal do crime, o juiz somente poderá decidir pela nova imputação mediante aditamento da inicial, pelo Ministério Público e conseqüente promoção de vista ao defensor (art. 411, § 3.º). Ficam assegurados os princípios acusatório, ampla defesa e contraditório.

De outro lado, tendo em vista a adoção do princípio da concentração dos atos processuais, também nessa fase, as alegações serão orais, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez), para a acusação e para a defesa (art. 411, § 4.º). Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual (art. 411 § 5.º). Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10 (dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa (art. 411 § 6.º).

A propósito da audiência concentrada, manifestou-se René Ariel Dotti [29]:

... é importante observar a radical mudança da instrução judicial que antecede o juízo de admissibilidade da acusação para submeter o réu ao Tribunal do Júri. Como é sabido, uma das usinas de prescrição nos procedimentos dos crimes dolosos contra a vida consiste na irrazoável demora da instrução judicial, que é a mesma do processo comum. Com o novo diploma, há sensível redução de prazos, em especial para a audiência concentrada da instrução, que colherá, se possível, as declarações do ofendido; as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa; esclarecimentos dos peritos, acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas.

Como disposições derradeiras sobre a audiência, estabelecem os §§ 7.º, 8.º e 9.º, do mesmo artigo 411, respectivamente: a) nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer; b) a testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo; c) encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.

O procedimento dessa instrução preliminar deverá ser concluído no prazo máximo de noventa (art. 412), excluindo-se a fase de investigação.

Trata-se de prazo bem razoável, mas em virtude dos problemas estruturais já conhecidos, não será de fácil cumprimento, na maioria dos casos. A conseqüência de eventual descumprimento desse prazo será o relaxamento ou revogação de prisão cautelar, por excesso de prazo, o que configura constrangimento ilegal, passível, inclusive de impetração de habeas corpus.

7.2.Juízo de admissibilidade

Ao juiz que presidiu a instrução preliminar compete proferir a decisão, podendo pronunciar ou impronunciar o acusado, desclassificar a infração ou absolver sumariamente.

7.2.1.Impronúncia

"A impronúncia consiste num juízo de inadmissibilidade que, tendo como inviável a proposição acusatória, obsta ao encaminhamento da imputação para o julgamento pelo Tribunal do Júri" [30].

De fato, segundo o art. 414, não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.

A impronúncia sempre foi classificada pela doutrina como decisão interlocutória e não decisão definitiva. Trata-se de uma decisão interlocutória mista terminativa. Ela encerra o processo, mas não contém julgamento do mérito da pretensão punitiva. Inclusive o recurso anteriormente previsto conduzia a tal entendimento, pois se tratava do recurso em sentido estrito.

O art. 416, com redação reformada, passou a prever o recurso de apelação, que é utilizado contra decisões definitivas. Em conseqüência, de alguma forma tem-se que promover uma adaptação: ou se entende que o legislador admitiu apelação para decisão interlocutória ou se considera a impronúncia como sentença, para que haja coerência com o sistema recursal. Conquanto não seja tecnicamente mais acertado, a segunda opção deve ser escolhida, apenas com vistas ao estudo dos recursos, cuja teoria geral tem como base a classificação das decisões judiciais.

Essa opção de considerar a impronúncia como decisão definitiva, contudo, não altera uma situação que lhe é peculiar: a de não receber os efeitos da coisa julgada material, podendo ser rediscutida em outro processo, conforme dispõe o parágrafo único do art. 414: Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.

Parte da doutrina considera que a justificativa para tal posicionamento é encontrada no sistema; se a impronúncia fosse julgamento de improcedência da ação penal, a absolvição sumária não teria razão de existir.

"Ademais, a asseverada possibilidade de instauração de outro processo, ‘se houver novas provas’, indica, indubitavelmente, a não abordagem do meritum causae, podendo, por isso, ser repristinada a persecução penal, sem ofensa à coisa julgada material" [31].

Entretanto, esse entendimento encontra oposição, a que se filia este trabalho. Afirma Vicente Greco [32] que a possibilidade de instauração de novo processo, pelo mesmo fato, é inconstitucional, por violar o princípio de que ninguém pode ser processado duas vezes pelo menos fato.

Para Eugênio Pacelli de Oliveira [33], o parágrafo único, do art. 409, configura revisão pro societate; se o objetivo fosse o de respeitar a competência do Tribunal do Júri, não deveria ser admitida a absolvição sumária pelo juiz singular, que, da mesma forma, afasta a competência daquele Tribunal.

7.2.3.Desclassificação

Nessa chamada "fase de pronúncia" outra alternativa é a desclassificação do crime contido na inicial acusatória. É o que dispõe o art. 419 e seu parágrafo: Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à disposição deste ficará o acusado preso.

Como se vê, o juiz pode entender que os fatos apurados na fase preparatória não se enquadram em um daqueles crimes de competência do Tribunal do Júri. Confirma que ocorreu o fato criminoso, mas não se trata de crime doloso contra a vida e sim de caso de competência do juiz singular.

Esta hipótese de desclassificação [34] tem a natureza de uma decisão interlocutória mista não-terminativa. É uma decisão que não encerra o processo e também não analisa o mérito da pretensão punitiva. Ela apenas declara que a instrução criminal indicou a ocorrência de crime diverso daquele capitulado na inicial e que não se insere no rol dos crimes de competência do Tribunal do Júri, devendo prosseguir perante outro juízo. Ou seja, ela constitui, também, declaração de inadmissibilidade da pronúncia diversa da absolvição sumária e da impronúncia. Em conseqüência, a decisão da causa é transferida completamente ao juízo singular.

Essa desclassificação enseja o recurso no sentido estrito, na hipótese do art. 581, II, uma vez que se trata de reconhecimento de incompetência do juízo. Além de eventual recurso da parte, o juiz que receber os autos poderá discordar de sua competência e inclusive suscitar conflito negativo de competência, exceto se a questão da competência tiver sido solucionada pelo tribunal, em razão daquele recurso [35].

Depois de definida a nova classificação, no juízo destinatário, o rito a ser seguido dependerá da pena para o novo crime, conforme art. 394 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08.

7.2.4.Absolvição sumária

A absolvição sumária está prevista no art. 415, segundo o qual o juiz, fundamentadamente, absolverá o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

É uma típica decisão de mérito e, portanto, uma sentença definitiva. É uma decisão que encerra o processo, analisa o mérito da pretensão punitiva, absolvendo o acusado. Por se tratar de uma verdadeira sentença, o recurso oponível é a apelação, como previsto no art. 416 e, transitada em julgado, não cabe mais discussão a respeito. Ocorre o efeito da coisa julgada material.

Essa decisão se constitui em verdadeiro julgamento antecipado da lide "pois o juiz natural da causa é o Tribunal do Júri, porém, neste caso, o juiz singular (presidente do Tribunal do Júri, que dirige o processo), verificando a presença dos requisitos previstos no art. 411 do CPP (da antiga redação), antecipa o julgamento e dá ao réu o status libertatis" [36].

A absolvição sumária já constava do texto anterior, mas referia-se apenas às causas excludentes da ilicitude e de culpabilidade, isto é, questões de direito apenas. Agora, a lei contempla hipóteses relativas ao fato e à autoria.

E, por isso, já recebe a crítica doutrinária. Eugênio Paccelli de Oliveira [37] considera inconstitucional a possibilidade de absolvição, pelo juiz togado, nos termos do art. 415, I e II, tendo em vista que "os aspectos acerca da inexistência do fato e da prova da não-autoria ultrapassam, e muito, a fronteira do Direito, implicando julgamento da matéria unicamente de fato, e, por isso, suprimindo a competência do Tribunal do Júri".

7.2.6.Pronúncia

7.2.6.1.Conceito, natureza jurídica e conteúdo

De acordo com o art. 413, o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Como se vê, há exigência de certeza do crime e probabilidade da autoria. A pronúncia é, em síntese, a decisão pela qual o juiz declara que o réu será submetido a julgamento pelos jurados.

Tecnicamente, e segundo a classificação das decisões jurisdicionais, trata-se de uma decisão interlocutória mista não terminativa. Por ela, o juiz declara viável, admissível, o julgamento pelos jurados. Portanto, é, também, uma decisão declaratória de admissibilidade da acusação.

Não possui a pronúncia natureza de uma sentença. Pelo menos, não no sentido de sentença de mérito, como definido pelo CPP. De acordo com a doutrina de Frederico Marques, trata-se de uma "sentença processual", de natureza declaratória, pela qual o juiz proclama admissível a imputação e encaminha para julgamento pelo Tribunal do Júri.

O § 1.º, do art. 413, complementa a regulamentação desse ato processual, asseverando: "a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena".

Por conseguinte, embora o juiz deva indicar as razões de seu convencimento, inclusive cumprindo a norma prevista no art. 93, IX, da Constituição Federal, a fundamentação deve ser concisa, para não exercer influência sobre o convencimento dos jurados. "Nessa decisão, tipicamente processual, o juiz não realiza uma cognição exauriente a respeito dos temas de fato e de direito discutidos na causa, até porque isso significaria invadir indevidamente a competência constitucional que é do tribunal popular...". O juiz deve limitar-se a uma cognição sumária a respeito dos pressupostos exigidos pela lei, isto é, "uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical...". Assim deve ser porque a decisão versa apenas sobre a presença de certos requisitos mínimos, sem os quais seria improvável uma condenação pelo Júri. Essa avaliação antecipada e provisória sobre os fundamentos do pedido condenatório constitui uma garantia de inocência do cidadão contra acusações infundadas ou temerárias [38].

Com sua prolação, fica encerrada a fase de formação da culpa, passando-se à segunda fase, a do julgamento do mérito, em plenário.

7.2.6.2Classificação legal do fato

Ao pronunciar o acusado, o juiz deve declarar o dispositivo legal em que estiver incurso o réu (art. 413, § 1.°); por não ficar adstrito à classificação do crime constante da denúncia ou na queixa, o juiz pode dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave. É o que dispõe o art. 418.

Embora não conste, é certo que, também nesse momento, deve ser aplicada a regra do art. 384, pelos mesmas razões e em cumprimento aos mesmos fins referentes ao art. 411, § 3.º, comentado linhas acima.

Anteriormente, a doutrina já alertava que a redação (do art. 408 § 4.º, ora substituído pelo 418) poderia sugerir que o juiz estaria autorizado, por exemplo, a pronunciar por homicídio qualificado quem foi denunciado por homicídio simples, ou por homicídio em caso de imputação por infanticídio. Nessas condições é necessário aditamento. "O artigo citado permite tão-somente mudança na classificação do crime, na forma preconizada pelo art. 383, do CPP" [39].

Da mesma forma, se houver indícios de autoria ou de participação de outras pessoas não incluídas na acusação, o juiz, ao pronunciar ou impronunciar o acusado, determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, por 15 (quinze) dias, aplicável, no que couber, o art. 80 do Código [40] (art. 417).

7.2.6.3.Efeitos da pronúncia: prescrição e prisão cautelar

A pronúncia interrompe a prescrição (CP, art. 117, II); a interrupção prevalece mesmo que o Tribunal do Júri desclassifique o crime, conforme Súmula n. 191, do STJ.

De acordo com o § 3.º, do art. 413, o juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer outras medidas de natureza cautelar.

Com a reforma, passou-se a exigir expressa decisão judicial sobre a necessidade, ou não, de que o réu pronunciado aguarde o julgamento preso. Reafirma-se que a prisão em decorrência da pronúncia não é automática, como ainda consta da redação dos arts. 282, 408, § 1.º e 585, não recepcionados pela Constituição Federal de 1988, os quais ficam definitivamente revogados.

Na verdade, o art. 408, § 2.°, com redação dada pela Lei n. 5.941/73, já dispunha "se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso", representando um abrandamento em relação ao que dispunha originalmente o CPP.

Contudo, o sistema constitucional não admite a prisão preventiva obrigatória, nesses casos de prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Esse tipo de prisão, por ter caráter provisório, somente será admissível como medida cautelar. E, como tal, não pode subsistir ou ser decretada se não houver necessidade, concretamente fundamentada.

Devido ao estado de inocência, ninguém pode sofrer antecipadamente as conseqüências que são próprias de uma decisão condenatória. Desse modo, não se pode falar em prisão em virtude da pronúncia, mas em prisão por ocasião da pronúncia, se e quando estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva (art.312).

7.2.6.4.Recurso e despronúncia

A decisão de pronúncia pode ser impugnada pelo recurso no sentido estrito, conforme dispõe o art. 581, IV, do CPP.

Se for acolhida a pretensão recursal, pode haver alteração de seu conteúdo ou, então, ocorrer a despronúncia, que consiste na modificação da decisão, podendo surgir uma das três outras alternativas possíveis: desclassificação, impronúncia ou absolvição sumária.

7.2.6.5.Preclusão da decisão de pronúncia e preparação para o julgamento

Sendo proferida a pronúncia, devem ser expedidas as intimações: I – pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público; II – ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público, na forma do disposto no § 1.º do art. 370 do Código. Será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado (art. 420 e parágrafo único).

De acordo com o art. 421, preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri. Corrigiu-se a forma equivocada de se referir ao trânsito em julgado, como fazia a legislação anterior, pois, na verdade, não se verifica o trânsito em julgado, mas sim uma preclusão pro judicato. A decisão não pode ser modificada pelo juiz, salvo na situação definida pela própria lei, no § 1.º, que dispõe: Ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público.

Ora, se ainda que excepcionalmente, é possível se modificar uma decisão, então não se pode dizer que tenha transitado em julgado. Essa possibilidade de modificação ocorrerá, por exemplo, se pronunciado o réu por homicídio tentado, a vítima venha a falecer antes do julgamento definitivo. De outro lado, a classificação contida na pronúncia é provisória e será objeto de reavaliação pelos jurados. Também por isso não recebe os efeitos da coisa julgada formal.

7.2.7.Preparação para o julgamento

Estabilizando-se a decisão de pronúncia, os autos serão conclusos ao juiz para decisão (art. 421, § 2.º). Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência (art. 422).

Com a supressão do libelo e, consequentemente, sua contrariedade, este é o momento adequado que as partes possuem para indicação de provas a serem produzidas em plenário. A necessidade se torna maior em virtude da limitação imposta pela lei sobre o que deverá ser lido em plenário. Como se sabe, anteriormente, quase todo o processo era lido, agora não mais. As peças a serem lidas estão indicadas no art. 473, § 3.º.

Segundo o art. 423, deliberando sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no plenário do Júri, e adotadas as providências devidas, o juiz presidente: I – ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa; II – fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri.

Se o juiz presidente deferir, serão realizadas na seqüência as diligências requeridas pelas partes. A redação anterior do art. 423 se referia a justificações e perícias requeridas pelas partes. Embora não haja mais previsão expressa, ambas as providências podem ser utilizadas.

A primeira hipótese poderá ocorrer no caso de testemunha residente fora da Comarca, que não tem a obrigação de comparecer ao julgamento. Nesse caso, é ouvida por Carta Precatória, que será juntada ao processo em forma de justificação.

A possibilidade de perícia é mais remota, uma vez que todas as necessárias já deverão ter sido providenciadas. Mas, excepcionalmente, poderá ser requerida alguma complementação ou esclarecimento. É certo que, na maioria das vezes, tais esclarecimentos poderão vir através de depoimentos, pelos peritos, cujas oitivas devem ser requeridas ou determinadas pelo juiz.

Realizadas as diligências e sanadas as irregularidades, considera-se preparado o processo para entrar em pauta de julgamento, que será designado pelo juiz, salvo se houver pedido de desaforamento. Antes, o juiz prepara o relatório a que se refere o inciso II, do art. 423.

O relatório em questão tem como objetivo cientificar os jurados sobre os aspectos principais do processo, uma vez que é o primeiro contato deles com a causa. Bem por isso, o juiz deve acautelar-se para não exercer qualquer influência no julgamento. O juiz goza de maior credibilidade perante os jurados leigos, tendo em conta a presunção de imparcialidade, ao passo que, não raro, as partes são vistas com manifesta intenção de confundi-los e impressioná-los, com mero exercício de retórica.

Como última disposição a respeito da fase de preparação do julgamento, dispõe o art. 424: Quando a lei local de organização judiciária não atribuir ao presidente do Tribunal do Júri o preparo para julgamento, o juiz competente remeter-lhe-á os autos do processo preparado até 5 (cinco) dias antes do sorteio a que se refere o art. 433.

7.2.8.Desaforamento e reaforamento

O desaforamento é a alteração da competência jurisdicional, consistente na transferência do julgamento para outra comarca; está previsto nos arts. 427 e 428. O art. 427 arrola as seguintes razões: a) por interesse da ordem pública; b) se houver dúvida sobre a imparcialidade do Júri; c) se houver risco para a segurança pessoal do acusado.

A primeira hipótese diz respeito ao risco de que a comoção criada pela ocorrência possa perturbar a tranqüilidade do julgamento. Ela está, de certa forma, relacionada com a terceira, pois não são raras as tentativas de ataques ao acusado, logo após o crime ou durante os julgamentos.

A segunda hipótese configura uma verdadeira recusa motivada de jurados, sobre os quais se lança a suspeita de parcialidade. As partes podem recusar o jurado, motivada ou imotivadamente. Aqui se trata de uma recusa motivada e coletiva, ou seja, a própria coletividade posta sob suspeita. É verdade que o desenvolvimento tecnológico permite que as informações sejam transmitidas em tempo real a qualquer parte do mundo; com isso, tal medida poderá resultar inócua, quando a opinião pública for levada por grande influência dos meios de comunicação de massa. De qualquer modo, em local distinto, os jurados terão mais tranqüilidade e menor pressão.

Ocorrendo uma dessas hipóteses, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

O procedimento é disciplinado pelos parágrafos do art. 427, a saber: § 1.º: O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente; § 2.º: Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo Júri; § 3º: Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.§ 4.º: Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado.

Além desses casos, o art. 428 diz que o desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa (§ 1.º). Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento (§ 2.º).

Frederico Marques considerava definitivo o desaforamento, mesmo se desaparecessem as causas que motivaram a alteração de competência. Com apoio em Espínola Filho, ele não admitia o reaforamento. Entretanto, Rogério Lauria Tucci [41] afirma: "ordenado o desaforamento, porém não realizado o julgamento no Foro indicado, nada obsta, uma vez desaparecidos os motivos que o determinaram, se proceda ao reaforamento, mediante assemelhado procedimento, a ser desenrolado perante a mesma Corte judicante estadual ou federal".

7.2.9.Organização da pauta de julgamento e reuniões do Tribunal do Júri

Nos termos do art. 429, e incisos, do CPP, salvo motivo relevante que autorize alteração na ordem dos julgamentos, terão preferência:

I – os acusados presos;

II – dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão;

III – em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.

O § 1.º dispõe que antes do dia designado para o primeiro julgamento da reunião periódica, será afixada na porta do edifício do Tribunal do Júri a lista dos processos a serem julgados, obedecida a ordem prevista no caput. E o § 2.º aduz que o juiz presidente reservará datas na mesma reunião periódica para a inclusão de processo que tiver o julgamento adiado.

É certo que a prisão do réu pronunciado não é mais obrigatória ou automática, como ainda consta do art. 282. Como referido no tópico efeitos da pronúncia, a prisão, nesse caso, deve ser devidamente fundamentada em critério de necessidade. Tratando-se, pois, de situação excepcional, o processo com réu preso terá preferência sempre.

Estando o processo em ordem, o juiz presidente mandará intimar as partes, o ofendido, se for possível, as testemunhas e os peritos, quando houver requerimento, para a sessão de instrução e julgamento, observando, no que couber, o disposto no art. 420 do Código (art. 431).

O Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária (art. 453).

Até o momento de abertura dos trabalhos da sessão, o juiz presidente decidirá os casos de isenção e dispensa de jurados e o pedido de adiamento de julgamento, mandando consignar em ata as deliberações (art. 454).

7.3.Fase de julgamento

7.3.1.Sorteio e convocação dos jurados

Consoante o art. 432, em seguida à organização da pauta, o juiz presidente determinará a intimação do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública para acompanharem, em dia e hora designados, o sorteio dos jurados que atuarão na reunião periódica.

O sorteio, presidido pelo juiz, far-se-á a portas abertas, cabendo-lhe retirar as cédulas até completar o número de 25 (vinte e cinco) jurados, para a reunião periódica ou extraordinária (art. 433). O sorteio será realizado entre o 15.º (décimo quinto) e o 10.º (décimo) dia útil antecedente à instalação da reunião (§ 1.º). A audiência de sorteio não será adiada pelo não comparecimento das partes (§ 1.º). O jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído para as reuniões futuras (§ 3.º).

Os jurados sorteados serão convocados pelo correio ou por qualquer outro meio hábil para comparecer no dia e hora designados para a reunião, sob as penas da lei (art. 434). No mesmo expediente de convocação serão transcritos os arts. 436 a 446 do Código.

Serão afixados na porta do edifício do Tribunal do Júri a relação dos jurados convocados, os nomes do acusado e dos procuradores das partes, além do dia, hora e local das sessões de instrução e julgamento (art. 435).

7.3.2.Abertura da sessão de julgamento

7.3.2.1.Pregão das partes e do acusado

Dentre as primeiras providências que antecedem o julgamento, cumpre verificar-se o comparecimento dos encarregados pela acusação e pela defesa e demais envolvidos.

Se o Ministério Público não comparecer, o juiz presidente adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, cientificadas as partes e as testemunhas. Se a ausência não for justificada, o fato será imediatamente comunicado ao Procurador-Geral de Justiça com a data designada para a nova sessão (art. 455 e parágrafo único).

No tocante aos acusadores particulares, dispõe o art. 457: o julgamento não será adiado pelo não comparecimento, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado. Atente-se que, de acordo com o art. 430, o assistente somente será admitido se tiver requerido sua habilitação até 5 (cinco) dias antes da data da sessão na qual pretenda atuar.

Quanto ao querelante, anteriormente a lei distinguia. Sendo justificada a ausência, o julgamento seria adiado, assim em caso de ação penal privada, como na pública subsidiária. Entretanto, se injustificada a falta, o representante do Ministério Público assumiria a acusação, tratando-se de ação privada subsidiária. Mas, no caso de crime de ação penal de iniciativa privada, conexo ao do Júri, ocorreria a perempção (art. 60, III).

Embora não seja feita mais a distinção, nada impede, antes até se mostra aconselhável que o juiz leve em consideração a justificativa, adiando o julgamento, desde que os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento sejam previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri, conforme determina o § 1.º, do art. 457.

Com relação à defesa, consta do art. 456: Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão.

Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente (§ 1.º). Nesse caso, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de dez dias (§ 2.º).

Com relação ao acusado, existem duas regras: a primeira consta do art. 457, caput, segundo o qual o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto; a segunda se refere ao acusado preso, que deverá ser conduzido, sob pena de ser o julgamento adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor (art. 457 § 2.º).

Portanto, não mais se exige a presença do acusado, sequer em crime inafiançável, como ocorria anteriormente. Em trabalho anterior, já nos posicionávamos sobre a facultatividade da presença do acusado, em plenário [42]. Nesse mesmo sentido, também, o magistério de Rogério Lauria Tucci [43].

7.3.2.2.Quanto às testemunhas

Se a testemunha, sem justa causa, deixar de comparecer, o juiz presidente, sem prejuízo da ação penal pela desobediência, aplicar-lhe-á a multa prevista no § 2.º do art. 436 (art. 458).

Além disso, determina a lei que sua falta importará o adiamento apenas quando arrolada como imprescindível, porque, de acordo com o art. 461, o julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização ("cláusula de imprescindibilidade").

Todavia, nos parece que, independentemente de haver constado a imprescindibilidade, a tentativa de localização e deveria ser esgotada, se a parte indicar razão relevante para sua oitiva. É a postura que melhor se coaduna com a busca da verdade, tão propalada.

Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspenderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução (art. 461, § 1.º), mas o julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha não ser encontrada no local indicado, se assim for certificado por oficial de justiça (art. 461, § 2.º).

Antes de constituído o Conselho de Sentença, as testemunhas serão recolhidas a lugar onde umas não possam ouvir os depoimentos das outras (art. 460).

7.3.2.4.Formação do Conselho de Sentença

Antes da abertura da sessão de julgamento, também será verificado o comparecimento do número mínimo de quinze jurados, caso contrário o julgamento será adiado (art. 463). O oficial de justiça fará o pregão, certificando a diligência nos autos (§ 1.º), sendo certo que os jurados excluídos por impedimento ou suspeição serão computados para a constituição do número legal (§ 2.º). Não havendo o número legal, proceder-se-á ao sorteio de tantos suplentes quantos necessários, e designar-se-á nova data para a sessão do Júri (art. 464).

Ultimadas essas providências preparatórias, será efetuado o sorteio dos sete jurados, para a formação do Conselho de Sentença (art. 467). Mas, antes dele, o juiz fará aos jurados a seguinte advertência: "são impedidos de servir no mesmo conselho marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado" (art. 466).

Registrando-se uma das situações referidas no parágrafo anterior o próprio jurado poderá solicitar ao juiz sua dispensa. Caso não o faça, a parte poderá argüir a circunstância, que será decidida de plano pelo juiz (CPP, art. 106). De qualquer modo, esta será uma forma de recusa motivada do jurado, que pode ser, ou não, deferida pelo juiz [44].

Além dessa possibilidade, a lei prevê a recusa peremptória, limitada a três jurados para a acusação e três para a defesa. Para tanto, à medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz presidente as lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados sorteados, até três cada parte, sem motivar a recusa. O jurado recusado imotivadamente por qualquer das partes será excluído daquela sessão de instrução e julgamento, prosseguindo-se o sorteio para a composição do Conselho de Sentença com os jurados remanescentes ((art. 468 e parágrafo).

Se forem dois ou mais os acusados, as recusas poderão ser feitas por um só defensor (art. 469). Se, nesse caso, não houver coincidência de recusas, pelos respectivos defensores, haverá separação do julgamento se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de sete jurados para compor o Conselho de Sentença (art. 469 § 1.º).

Se, em conseqüência do impedimento, suspeição, incompatibilidade, dispensa ou recusa, não houver número para a formação do Conselho, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido, após sorteados os suplentes (art. 471).

Determinada a separação dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, aplicar-se-á o critério de preferência disposto no art. 429 (art. 469, § 2.º).

7.3.2.5.Incomunicabilidade dos jurados e juramento

Também antes do sorteio, os jurados são advertidos de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa (art. 466, § 1.°), sendo que a incomunicabilidade será certificada nos autos pelo oficial de justiça (art. 466, § 2.º).

Conforme mencionado no tópico sobre os princípios constitucionais do Júri, a incomunicabilidade constitui uma das facetas do sigilo que envolve a função do jurado, em sentido amplo. A esse respeito, explica Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, "nosso sistema legal traz a regra da incomunicabilidade adjunta ao princípio da imparcialidade". Entretanto, não é absoluta a incomunicabilidade, "vez que poderão os jurados – desde que não externem opinião ou convicção – dirigir perguntas e solicitar esclarecimentos ao juiz e por intermédio deste às partes (...). Limita-se à essência da causa" [45].

Assim, "a incomunicabilidade que a lei quer assegurar diz respeito ao mérito do julgamento e tem como objetivo impedir que o jurado exteriorize sua forma de decidir e venha a influir, quer favorecendo, quer prejudicando, qualquer das partes" (TJSP, Rel. Weiss de Andrade, RT 432/299) [46].

Os jurados aceitos e confirmados para o julgamento ocupam os lugares destinados aos membros componentes do Conselho de Sentença, passando-se ao juramento; para tanto, com todos de pé, o juiz lhes faz a seguinte exortação "em nome da lei, concito-vos a examinar com imparcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça"; em seguida, mediante chamada nominal, cada jurado declara: "assim o prometo" (art. 472).

Desacolhida a argüição de impedimento, de suspeição ou de incompatibilidade contra o juiz presidente do Tribunal do Júri, órgão do Ministério Público, jurado ou qualquer funcionário, o julgamento não será suspenso, devendo, entretanto, constar da ata o seu fundamento e a decisão (art. 470).

7.3.3.Instrução no plenário

Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação (art. 473). Para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo (§ 1.º). Os jurados poderão formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente (§ 2.º).

A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I do Código, com as alterações introduzidas nesta Seção (art. 474). O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado (§ 1.º). Os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente (§ 2.º).

A respeito dessa sistemática de oitivas, diretamente pelas partes, escreveu René Ariel Dotti [47]:

A possibilidade deferida ao acusador, ao defensor e ao jurado, de interrogarem o réu na forma direta, é uma das inovações do novo procedimento. Como é elementar, o interrogatório não é somente um ato de defesa; é, também, um meio de prova vinculado aos princípios da investigação e da verdade material. É certo que muitos Juízes de Direito já adotam essa orientação mas assim o faziam por liberalidade e compreensão da dinâmica da instrução. Agora, a regra é estabelecida formalmente.

Também é prevista a inquirição direta das testemunhas (direct and cross examination) pelas partes após colhido o depoimento pelo Juiz de Direito.

O sistema proposto - e na prática já adotado por muitos magistrados, na correta aplicação do art. 467 do Código - procura atender ao princípio da imediação, definido como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, permitindo a melhor colheita do material de convicção.

As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis (art. 473, § 3.º).

Ainda no tocante à instrução e, particularmente sobre as testemunhas, diferindo do que ocorre no processo desenvolvido perante o juízo singular, a dispensa de uma testemunha, pela parte que arrolou, depende de anuência da parte contrária. Esse posicionamento é sustentado pela doutrina e pela jurisprudência [48].

O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos (art. 475, parágrafo único).

Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes (art. 474 § 3.º).

A questão do uso de algemas é sempre controvertida, tanto que o Supremo Tribunal Federal acabou por editar a Súmula Vinculante n. 11, com o seguinte teor:

Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

7.3.4.Os debates

Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante (art. 476).

Essas decisões posteriores poderão surgir em caso de recurso ou mesmo em razão de fato superveniente, como, por exemplo, a morte da vítima após a pronúncia.

O assistente falará depois do Ministério Público (§ 1.º). Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro lugar o querelante e, em seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a titularidade da ação, na forma do art. 29 do Código (§ 2.º). Finda a acusação, terá a palavra a defesa (§ 3.º). Se o promotor quiser, poderá fazer uso da réplica, caso em que a defesa terá direito à tréplica (§ 4.º).

O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica (art. 477). Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo. Na falta de acordo, o tempo será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado (§ 1.º). Havendo mais de um acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido de uma hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica (§ 2.º).

O ponto alto do procedimento do Júri é aquele em que as partes processuais – acusação e defesa – debatem a causa. É a expressão máxima do julgamento popular. Trata-se de ato imprescindível, como garantia dos princípios constitucionais do processo, especialmente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Essa importância se realça pelo fato de que os oradores se dirigem diretamente aos julgadores, os quais, além de leigos, não examinam as provas com profundidade; os jurados terão nas manifestações a oportunidade de aferir o conjunto probatório explicitado pelos debatedores, que normalmente indicam o local onde se encontra a prova comentada, podendo, inclusive, serem instados a isso.

Aliás, todos os envolvidos podem solicitar ao orador a localização da peça processual por ele referida, nos exatos termos do art. 480: A acusação, a defesa e os jurados poderão, a qualquer momento e por intermédio do juiz presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça por ele lida ou citada, facultando-se, ainda, aos jurados solicitar-lhe, pelo mesmo meio, o esclarecimento de fato por ele alegado.

Acrescente-se que a lei considera a falta de manifestação, nessa fase, passível de nulidade (art. 564, III, l), que no caso é insanável.

De conformidade com o art. 478, está vedado às partes, durante os debates, sob pena de nulidade, fazer referências:

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;

II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.

Além disso, durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Compreende-se na proibição a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados (art. 479 e parágrafo).

Normalmente, os oradores não podem ser interrompidos ou importunados durante sua manifestação. Nem o juiz poderá intervir durante a fala, exceto para regular o tempo de debates, se não houver entendimento entre as partes (art. 477, § 1.°).

No entanto, a reforma regulamentou o direito de apartes. Antes, eles eram admitidos pela tradição do Júri. Agora, consta expressamente como um das funções do presidente do Tribunal do Júri a de regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até três minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última (art. 497, XII).

7.3.5.Elaboração do questionário

Concluídos os debates, o presidente indagará dos jurados se estão habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos (art. 480, § 1º). Se houver dúvida sobre questão de fato, o presidente prestará esclarecimentos à vista dos autos (§ 2º). Os jurados, nesta fase do procedimento, terão acesso aos autos e aos instrumentos do crime se solicitarem ao juiz presidente (§ 3º).

Se a verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial para o julgamento da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o Conselho, ordenando a realização. Se a diligência consistir na produção de prova pericial, o juiz presidente, desde logo, nomeará perito e formulará quesitos, facultando às partes também formulá-los e indicar assistentes técnicos, no prazo de cinco dias (art. 481 e parágrafo).

O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes (art. 482 e parágrafo).

De acordo com o art. 483, os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

I – a materialidade do fato;

II – a autoria ou participação;

III – se o acusado deve ser absolvido;

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

Como se vê, o questionário, no tocante à acusação, tem como fonte a decisão de pronúncia ou decisão posterior que a tenha modificado, em caso de recurso. Posteriormente, a acusação somente poderá articular em plenário alguma circunstância agravante (art. 476). Relativamente à defesa, serão verificadas as teses apresentadas durante os debates, pelo defensor, incluindo-se eventuais atenuantes, além do próprio interrogatório do acusado, no caso de haver alguma divergência entre a defesa técnica e a autodefesa.

Por melhor técnica, deve-se verificar a materialidade, ou seja, a prova da existência do fato lesivo, desdobrando-se o fato principal em três enfoques: na primeira questão, indaga-se acerca da ocorrência de lesão corporal contra a vítima, cometida por pessoa determinada; na segunda, o questionamento relaciona-se com o nexo causal entre a lesão provocada e o resultado morte. Assim fazendo, possibilita-se, ao Conselho de Sentença, o reconhecimento progressivo do evento criminoso [49].

Nesse caso, a negativa da prática da lesão implica na absolvição, porque foi negada a própria existência do fato. Noutra hipótese, se os jurados respondem afirmativamente ao primeiro quesito, mas negam o segundo a respeito do nexo de causalidade, estarão indicando a desclassificação do crime de homicídio para lesão corporal. Porque o resultado morte não adveio da lesão provocada ou porque não teve o agressor a intenção de matar. Em qualquer caso, o julgamento passará a ser feito pelo Juiz presidente.

Visando evitar que o resultado da votação seja causa de quebra do sigilo da votação, dispõe o § 1.º, do mesmo art. 483, que a resposta negativa, de mais de três jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado.

Todavia, de acordo com o § 2,º, se não houver absolvição, será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?

Esse quesito representa uma simplificação, no que toca às teses de defesa. Anteriormente, a legítima defesa exigia a submissão aos jurados de diversos quesitos, tornando muito complexo o julgamento. Portanto, a indagação sobre se o jurado absolve o acusado é quesito obrigatório, exceto se esse resultado já tiver sido alcançado pela resposta negativa ao fato principal, referente à autoria ou à participação do acusado.

Mas, sendo os primeiros quesitos respondidos afirmativamente, impõe-se a formulação da pergunta ("O jurado absolve o acusado?). "Evidencia-se, desse modo, a necessidade de ter a defesa, em todas as situações, uma tese subsidiária – ainda que a principal seja a negativa de autoria. Afinal, se os jurados afirmarem a autoria por parte do réu, o juiz perguntará se este deve ser absolvido. Ora, para tanto, torna-se imperiosa a sustentação de qualquer tese pelo defensor que, ao menos em teoria, propicie o acolhimento dessa proposição" [50].

E, conforme o § 3.º, decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:

I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

Nesse caso, devem ser formuladas primeiramente as causas de diminuição de pena, como previsto na Súmula n. 162, do STF: "É absoluta a nulidade do julgamento pelo Júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes". Em seguida, poderão ser votadas as causas de aumento, se rejeitadas as teses defensivas ou se forem compatíveis com elas (ex. homicídio qualificado-privilegiado).

Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o segundo ou terceiro quesito, conforme o caso (§ 4.º).

Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito (§ 5.º). Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas (§ 6.º).

É possível que um mesmo processo e julgamento envolvam mais de um acusado, por um só crime ou por crimes distintos. Estes podem ser originalmente da competência do Tribunal do Júri ou em decorrência de conexão. Pode, inclusive, haver dois legitimados para figurar no pólo ativo, na hipótese de conexão entre crime doloso contra a vida, de ação penal pública e crime cuja ação dependa de iniciativa privada. Assim, haverá uma denúncia e uma queixa, simultaneamente, estabelecendo-se um litisconsórcio ativo entre o órgão estatal da acusação e o querelante. E, também, uma acusação pode ser dirigida contra vários acusados (litisconsórcio passivo).

Em qualquer desses casos, devem ser elaboradas séries distintas de quesitos, julgando-se, em primeiro lugar, o crime doloso contra a vida, que determina a competência do Tribunal do Júri para os demais.

7.3.6.A votação do questionário em sala secreta

Após a elaboração do questionário, o presidente lerá os quesitos e indagará das partes se têm requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão, constar da ata. Ainda em plenário, o juiz presidente explicará aos jurados o significado de cada quesito (art. 484 e parágrafo).

Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação (art. 485). Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas (§ 1.º). E o juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente (§ 2.º).

Como se discorreu no início deste trabalho, ficou superada a discussão a respeito da votação sob publicidade restrita, em ambiente não aberto ao público. A sala secreta ou esvaziamento do plenário para a cerimônia da coleta dos votos e sem quaisquer novos comentários ou observações sobre o que votar ou como votar tem como foco "evitar influências nocivas à liberdade de expressão do voto e os esclarecimentos insinuantes" [51]. Portanto, a restrição não afronta a regra da publicidade dos atos processuais.

Antes de proceder-se à votação de cada quesito, o juiz presidente mandará distribuir aos jurados pequenas cédulas, feitas de papel opaco e facilmente dobráveis, contendo sete delas a palavra sim, sete a palavra não (art. 486).

Em seguida, para assegurar o sigilo do voto, o oficial de justiça recolherá em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas (art. 487). Portanto, são recolhidas, primeiro, as cédulas que contém os votos, depois as não utilizadas (descarte), sendo dessa forma obtido o resultado do julgamento (o veredicto), que é lançado no termo próprio (art. 488). Relembre-se que a votação será interrompida ao atingir-se a maioria de votos.

7.3.7.Sentença

Após a votação dos quesitos, o juiz lavrará sentença, de conformidade com o veredicto dos jurados, com observância do art. 492, surgindo três alternativas:

1) No caso de condenação: a) fixará a pena-base; b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates; c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo Júri; d) observará as demais disposições do art. 387 do Código; e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva; f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação;

2) No caso de absolvição: a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso; b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas; c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível.

3) Mas, em vez de condenar ou absolver, as respostas dos jurados poderá ensejar a desclassificação, por duas formas:

I) desclassificação própria: respondendo negativamente ao quesito referente ao nexo causal ou à tentativa de homicídio, os jurados estarão dizendo que não se trata de um crime doloso contra a vida, mas outra infração de competência do juiz singular. Nesse caso, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida, conforme dispõe o art. 492, § 1.°.

O presidente do Tribunal do Júri decide integralmente, podendo condenar por outro delito ou até mesmo absolver o réu. Além disso, passa para a competência desse juízo também os crimes conexos, atraídos para o Júri (art. 492, § 2.º). Enfim, cessa a competência do Júri, definitivamente.

II) desclassificação imprópria: decorre do acolhimento de uma tese formulada pela defesa, por exemplo, alegando a ocorrência de crime culposo, cujo quesito deve ser formulado logo após os que tratam do fato principal (v. art. 483, § 4.º). Aqui os jurados afastaram o crime doloso contra a vida, mas reconhecem a prática de um outro delito determinado.

Sobre tal hipótese há dois posicionamentos distintos. Pelo primeiro, o juiz estaria vinculado à decisão dos jurados, não podendo senão proferir sentença pelo novo crime. Aos jurados, compete, ainda, prosseguir na votação dos quesitos, inclusive dos crimes conexos, pois decidiram o mérito do crime principal; é a posição sustentada por Hermínio Porto [52], aqui adotada [53]. Em sentido contrário, Guilherme Nucci [54] entende que a conseqüência será a mesma, nas duas formas de desclassificação, sendo irrelevante o momento em que ocorrem; em ambos os casos, os jurados declararam-se incompetentes, devendo retomá-la o juízo singular, isto é, o juiz presidente, que passa a decidir sem qualquer vinculação.

Em apoio à segunda corrente, afirma Eugênio Pacelli de Oliveira [55] que a vinculação do juiz presidente à decisão dos jurados se refere apenas à afirmação, pelo Conselho de Sentença, de que não se trata de um crime doloso contra a vida. "Assim, se, na desclassificação, o tribunal afastar o dolo, o juiz presidente não poderá reconhecê-lo na nova definição jurídica que der ao fato", mas não estará impedido de absolver o acusado, desconsiderando que os jurados haviam respondido afirmativamente aos quesitos de autoria e materialidade. Isto porque "o reconhecimento posterior da incompetência do Júri afasta qualquer efeito que se queira atribuir à referida decisão".

Em qualquer caso, porém, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, aplica-se o disposto nos arts. 69 e seguintes, da Lei n. 9.099/95, cessando o debate doutrinário a esse respeito.

Também é pacífico o entendimento no sentido de que, no caso de os jurados absolverem o acusado pelo crime doloso contra a vida, continuam competentes para a votação dos crimes conexos.

7.3.8.Ata do julgamento e atribuições do juiz presidente

A sessão de julgamento é registrada numa ata, lavrada pelo escrivão e subscrita pelo juiz e pelo representante do Ministério Público (art. 494), cuja feitura é considerada indispensável, tanto que sua falta acarretará sanções ao responsável (art. 496). Segundo o art. 495, a ata descreverá fielmente todas as ocorrências, mencionando, especialmente: I – a data e a hora da instalação dos trabalhos;

II – o juiz que os presidiu e os jurados presentes;

III - os jurados que deixaram de comparecer, com ou sem escusa legítima, e os correspondentes comunicados e requerimentos, apresentados e arquivados;

IV– os jurados dispensados e as multas impostas;

V – o sorteio dos suplentes;

VI – o adiamento da sessão, se houver ocorrido, com a declaração do motivo;

VII – a abertura da sessão e a presença do órgão do Ministério Público;

VIII – o pregão das partes e das testemunhas, seu comparecimento, ou não, e as penas impostas a estas, se faltaram;

IX – as testemunhas dispensadas de depor;

X – recolhimento das testemunhas a lugar de onde não pudessem ouvir os debates, nem as respostas umas das outras;

XI – a verificação das cédulas pelo juiz;

XII – a formação do Conselho de Sentença, com indicação dos jurados sorteados e das recusas feitas pelas partes;

XIII – o compromisso, simplesmente com referência ao termo;

XIV – o interrogatório, também com simples alusão ao termo;

XV – o relatório e os debates orais;

XVI – os incidentes;

XVII – a divisão da causa; e

XVIII – a publicação da sentença, na presença do acusado, a portas abertas.

Finalizando o procedimento do Júri, a lei relaciona as atribuições do juiz presidente (art. 497, incisos I a XI):

I – regular a polícia das sessões e mandar prender os desobedientes;

II – requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva autoridade;

III – regular os debates;

IV – resolver as questões incidentes, que não dependam da decisão do Júri;

V – nomear defensor ao réu, quando o considerar indefeso, podendo, neste caso, dissolver o conselho, marcado novo dia para o julgamento e nomeado outro defensor; VI – mandar retirar da sala o réu que, com injúrias ou ameaças, dificultar o livre curso do julgamento, prosseguindo-se independentemente de sua presença;

VII – suspender a sessão pelo tempo indispensável à execução de diligências requeridas ou julgadas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados;

VIII – interromper a sessão por tempo razoável, para repouso ou refeição dos jurados; IX – decidir de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a requerimento de qualquer das partes, a preliminar da extinção da punibilidade;

X – resolver as questões de direito que se apresentarem no decurso do julgamento;

XI – ordenar de ofício, ou a requerimento das partes ou de qualquer jurado, as diligências destinadas a sanar qualquer nulidade, ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade.


Notas

  1. TUCCI, Rogérgio Lauria. Tribunal do Júri: estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. Rogério Lauria Tucci (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 11-67.
  2. Nesse sentido, NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 664. MACHADO, Antonio Alberto. Curso de processo penal. Ribeirão Preto: Legis Summa, 2007. p. 457.
  3. TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 27.
  4. Apud TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 28.
  5. Apud TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 30.
  6. PIERANGELLI, José Henrique. Processo penal: evolução histórica e fontes legislativas. Bauru-SP: Jalovi, 1983. p. 87.
  7. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 24-27.
  8. CF, 1946, art. 141 § 25. É assegurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e recursos essenciais a ela...
  9. CF, 1946, art. 141 § 28. É mantida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número de seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu...
  10. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997. p. 488.
  11. Curso de processo penal. Ribeirão Preto: Legis Summa, 2007. p. 461
  12. Nesse sentido, MARREY, Adriano et. al. Júri, teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 173 e PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri: procedimento e aspecto do julgamento. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 127.
  13. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Do sigilo e da incomunicabilidade no Júri: In. TUCCI, Rogério Lauria (Coord). Tribunal do Júri: Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 259.
  14. Nesse sentido: LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit., pp. 272-273 e DOTTI, René Ariel. Um novo e democrático Tribunal do Júri (VII). Disponível em: <http://www.migalhas. com.br>. Acesso em 29.jul. 2008.
  15. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1. Campinas-SP: Bookseller, 1997.
  16. PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri – Procedimento e Aspectos do Julgamento – Questionários, 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
  17. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1. Campinas-SP: Bookseller, 1997. p. 86.
  18. NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 46.
  19. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1. Campinas-SP: Bookseller, 1997.
  20. MARQUES, José Frederico. Op. cit.
  21. Op. cit., p. 154.
  22. PORTO, Hermínio Marques. Op. cit., p. 117.
  23. BORGES DA ROSA, Inocêncio. Processo penal brasileiro, Porto Alegre: Globo, 1942. p. 309.
  24. TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 154.
  25. NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 702.
  26. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães e FERNANDES, Antonio Scarance. Nulidades no processo penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 292.
  27. DOTTI, René Ariel. Um novo e democrático Tribunal do Júri (II). Disponível em: <http://www.migalhas. com.br>. Acesso em 24.jul. 2008.
  28. BARROS. Antonio Milton de. A reforma do CPP em relação aos procedimentos. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11584>. Acesso em: 9.set.2008.
  29. DOTTI, René Ariel. Op. e locs. cits.
  30. TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 42.
  31. TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 48.
  32. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 416.
  33. Curso de processo penal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
  34. Outra desclassificação poderá ocorrer na sessão de julgamento, em decorrência do pronunciamento dos jurados, a teor do art. 492, § 1.°, do CPP, como será comentado oportunamente.
  35. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op. cit., p. 572.
  36. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2004. p. 542.
  37. Op. cit., p. 570.
  38. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 231.
  39. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães e FERNANDES, Antonio Scarance. Nulidades no processo penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 255.
  40. CPP, art. 80: "Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação".
  41. Op. cit., p. 51.
  42. BARROS, A Condução coercitiva do acusado, segundo o artigo 260 do Código de Processo Penal reinterpretado. Revista da Associação de Pós Graduandos da PUC, ano VIII, n. 17, mai. São Paulo: PUC, 1999. pp. 141 e ss.
  43. Op. cit., p. 84.
  44. Também devem ser observadas as questões constantes dos artigos 252 a 254, que se referem ao impedimento, incompatibilidade e suspeição dos juízes togados, que se aplicam aos jurados.
  45. Op. cit., p. 260.
  46. Apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Op. cit., p. 260
  47. Um novo e democrático Tribunal do Júri (IV). Disponível em: <http://www.migalhas. com.br>. Acesso em 26.jul. 2008.
  48. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 174.
  49. NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 218.
  50. NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 218.
  51. Um novo e democrático Tribunal do Júri (VII). Disponível em: <http://www.migalhas. com.br>. Acesso em 29.jul. 2008.
  52. PORTO, Hermínio Alberto Marques. Op. cit., p. 139
  53. Nesse sentido se posicionam, também, DEMERCIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 446. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 634.
  54. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 746.
  55. Op. cit., p. 588

Autor

  • Antonio Milton de Barros

    Antonio Milton de Barros

    promotor de Justiça aposentado, mestre e doutorando em Direito pela PUC/SP, professor de Processo Penal na Faculdade de Direito de Franca (SP), fundador-coordenador do Núcleo de Aperfeiçoamento e Crítica de Ciências Criminais (NACCRIM) da Faculdade de Direito de Franca (SP)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Antonio Milton de. Tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1943, 26 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11896. Acesso em: 19 abr. 2024.