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A guinada ideológica do processo civil e sua influência na execução trabalhista

A guinada ideológica do processo civil e sua influência na execução trabalhista

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Promover o encontro das novas diretrizes idelológicas da tutela executiva civil com o processo laboral talvez seja o grande desafio dos juslaboralistas do século 21.

1. Delimitação do tema.

A sistematização normativa do direito processual do trabalho já é uma realidade há mais de sessenta anos. A promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 01 de maio de 1943, fez com que, pela primeira vez na história do direito brasileiro, fossem agrupadas normas procedimentais específicas para a solução judicial dos conflitos individuais e coletivos de trabalho. É certo que, mesmo antes do advento da Consolidação das Leis do Trabalho, havia normas esparsas destinadas ao regramento de alguns conflitos de índole laboral [01]. No entanto, a adoção de um sistema normativo específico, embora marcado pela incompletude, só foi possível com o advento da norma consolidada.

Ressalte-se, por outro lado, que o sistema originalmente concebido pela Consolidação contemplava um conjunto de normas processuais representativas de um grande avanço, diante das características do direito processual civil da época. Mesmo sem ostentar fundamentos doutrinários específicos, a gênese do processo do trabalho foi marcada por posições extremo de vanguardismo. A coragem dos consolidadores da legislação processual fez aflorar em nossa sistemática processual institutos viabilizadores de uma prestação jurisdicional rápida, flexível e efetiva. Esse papel inovador da CLT foi sempre destacado pela doutrina juslaboralista, conforme prelecionava o eminente José Martins Catharino: "...a CLT – que também codificou – é o mais importante texto trabalhista no Brasil. Divisor de águas, entre a fase encachoeirada das leis esparsas e a do seu represamento sistemático. É um marco do progresso técnico-legislativo brasileiro. Ainda hoje, apesar de retalhada, permanece como o texto básico, e, a partir do seu advento, a produção doutrinária brasileira aumentou consideravelmente, e foi ganhando consistência e elevação." [02]

Ora, sendo direito instrumental de um ramo jurídico ontologicamente protecionista, o novo processo do trabalho assimilou um conjunto de regramentos que, durante várias décadas, possibilitou uma prestação jurisdicional trabalhista bem mais efetiva que a cível. O tempo e as acomodações legiferante e doutrinária, entretanto, foram implacáveis com o vetusto direito processual do trabalho. Concebido antes do término da Segunda Grande Guerra Mundial, o nosso sistema normativo de índole trabalhista passou incólume por mais de cinqüenta anos de evolução de direito processual civil e, com um certa posição de arrogância, permaneceu "deitado em berço esplêndido" durante todas essas décadas. Não apenas a letargia no processo legislativo contribuiu para a acomodação do processo trabalhista. Nossa doutrina, talvez louvando-se de um vanguardismo cronologicamente deslocado, ignorou de forma solene os grandes avanços do direito processual civil.

Essa situação verdadeiramente paradoxal restou ainda mais nítida diante das inúmeras alterações promovidas na legislação processual civil desde o ano de 1994. Quando direcionamos a análise do problema para o campo da tutela executiva, podemos vislumbrar quão anacrônico e ultrapassados restaram os regramentos processuais laborais se comparados aos avanços da Lei n.º 11.232/2005 e 11.382/2006. Ignorar essas indiscutíveis discrepâncias normativas é desconhecer a importância de um direito processual do trabalho ágil o suficiente para concretizar uma prestação jurisdicional efetivamente concreta.

Demonstraremos nessa breve exposição a importância de se estabelecer uma aproximação dos avanços do processo civil com a dogmática do processo laboral, mesmo sem perder as características estruturais deste ramo do direito. É relevante mencionar que, as atualizações legislativas havidas na execução civil, não foram resultado de uma geração espontânea ou acidental. Pelo contrário, foram produto de um aprimoramento doutrinário e ideológico da execução cível que agora, mais do que nunca, se encontra explicitamente comprometida com a efetividade da prestação jurisdicional.

Promover o encontro das novas diretrizes idelológicas da tutela executiva civil com o processo laboral talvez seja o grande desafio dos juslaboralistas do século 21. O apego arrogante a um passado de glória e de ineditismo não pode significar o sacrifício do avanço do processo de execução trabalhista que sofre, hoje em dia, de uma síndrome de desapego à realidade. Resolver esse grande impasse, portanto, significa promover a inserção na execução trabalhista dos avanços ideológicos havidos no processo civil.

Nesse sentido, analisaremos o aprimoramento da tutela executiva cível e seus principais avanços normativos, para depois demonstramos a possibilidade de assimilação desses aprimoramentos ao processo do trabalho, mesmo sem qualquer alteração legislativa específica.


2. A nova diretriz ideológica da execução civil.

A questão relacionada com a implementação da tutela executiva no âmbito do direito processual nunca foi questão pacífica. Modificando estruturas construídas ainda no período medieval, os sistemas processuais modernos, especialmente aqueles estruturados na vertente romano-germânica, assimilaram a tese de que as sentenças condenatórias apenas declaram a vontade concreta e específica da norma. Tornava-se indispensável a realização de uma nova provocação jurisdicional destinada a autorizar a prática de atos executivos típicos.

Leibman, após realizar uma análise pormenorizada da evolução da chamada actio judicati e da posição dos glosadores medievais, finalmente concluiu que; "...o processo pode satisfazer a pura e simples missão de declarar direitos ou relações jurídicas incertas. Nesse caso, o só pronunciamento do juiz proporcionou a quem tinha razão a proteção jurídica invocada, e a esta não corresponde, conforme a opinião preponderante, eficácia executória." [03]

Esse posicionamento doutrinário, embora emanado de um dos grande expoentes do direito processual do século XX, revela uma clara influência do pensamento liberal-burguês na estrutura ideológica das sentenças condenatórias. Ora, ao negar a eficácia direta e imediata da sentença condenatória, o processo moderno criou uma barreira de proteção para o indivíduo e uma verdadeira relativização da submissão ao poder jurisdicional. Impunha-se, portanto, a necessidade de se aguardar a manifestação da vontade do réu, para só assim autorizar a prática de determinados e limitados atos de força. "Essa sistemática – que privilegiava a eficácia condenatória dos provimentos – dentre outros aspectos negativos, afastava o alcance do julgador de qualquer mecanismo ou instrumento apto a gerar satisfatividade ao titular do direito em meio ao processo de conhecimento. A impossibilidade de influir sobre a vontade do devedor retirava qualquer margem de executoriedade às decisões proferidas no processo de conhecimento." [04]

Nesse sentido, a noção de sentença condenatória pressupunha o cumprimento das obrigações de forma voluntária por parte do devedor. A atuação do Juiz, portanto, só se justificaria diante da recusa do réu no cumprimento da determinação judicial. Constatada essa inércia, o titular do direito disporia de uma nova provocação jurisdicional, inspirada na vetusta actio judicati, destinada exclusivamente ao cumprimento das sentenças condenatórias.

A estrutura processual, portanto, era construída sob dois sistemas fundamentais, entretanto, absolutamente incomunicáveis. Inicialmente teríamos uma sentença condenatória representativa de uma mera declaração específica quanto à titularidade do bem da vida. Diante do quase sempre inevitável descumprimento da determinação jurisdicional, desencadeava-se a possibilidade de outra tutela jurisdicional destinada a canalizar o cumprimento da obrigação reconhecida em juízo.

Essa característica do direito processual positivado na realidade representava uma postura ideológica de cunho excessivamente liberal, na medida em que tornava o patrimônio do indivíduo quase inexpugnável diante da tutela jurisdicional. Ou seja, essa forma de estruturar o processo, portanto, trazia ínsita a idéia de prevalência dos interesses individuais e patrimoniais em detrimento da concretização da prestação jurisdicional. Aliás, essa é a percuciente conclusão a que chegou Luiz Guilherme Marinoni, mesmo antes das recentes reformados do processo civil: "Como é fácil perceber, há uma associação muito íntima e evidente entre a ‘descoberta da verdade’, realização plena do princípio do contraditório, declaração, coisa julgada material e título executivo judicial. Atrás do princípio da nulla executio sine titulo está escondida a idéia de que a esfera jurídica do devedor não pode ser atingida sem a realização plena do princípio do contraditório." [05]

Na medida em que a atuação sobre o patrimônio do devedor só fosse justificada diante da prestação de uma tutela cognitiva, estabelecia-se uma verdadeira blindagem em relação aos recalcitrantes do cumprimento da decisões jurisdicionais. O direito processual, portanto, agregando uma já sofisticada estrutura formal, distanciava-se da realidade. Criava uma estrutura lógica, fundada apenas diante da estruturação dos institutos de direito processual, sem uma preocupação efetiva e concreta com o resultado dessa prestação. Mais uma vez seguindo a perspectiva doutrinária de Marinoni: "... a limitação dos poderes de execução tem um significado que ultrapassa o da intangibilidade da vontade humana. Se o art. 1.142 do Code Napoléon constitui uma evidente consagração da garantia da liberdade e da defesa da personalidade, característicos ao jusnaturalismo e ao racionalismo iluminista, não se pode esquecer o vínculo entre a ideologia liberal e a transformação do processo econômico, ou, em outras palavras, da estreita ligação entre a concepção liberal de contrato, a igualdade formal das pessoas e o ressarcimento do dano como sanção expressiva de uma determinada realidade de mercado, que necessitava simplesmente de meios de execução por sub-rogação." [06]

É nítida, portanto, a influência do pensamento liberal na formatação da execução cível. Essa inserção ideológica no âmbito da tutela executiva exerceu um papel bem abrangente no âmbito do processo civil brasileiro. A compartimentalização da tutela de execução trouxe problemas adicionais na concretização de uma prestação jurisdicional rápida e integral. O mito da satisfação por meio da sentença condenatória, fez com que naturalmente fossem esmorecidos os meios de pressão ao devedor contidos no antigo processo de execução. Nesse sentido, a execução cível poderia ser vislumbrada como um mero apelo formal e educado para o devedor cumprir as obrigações reconhecidas no âmbito do comando jurisdicional.

A mudança na perspectiva ideológica do direito processual tem início já no segunda metade do século XX, quando afloraram as primeiras idéias de concretização do acesso ao judiciário e de vinculação do exercício do direito de ação à própria relação jurídica tutelada. Essa tentativa de obter-se uma garantia de acesso efetivo ao judiciário, impôs a criação de mecanismos que possibilitassem não apenas a presença dos litigantes perante os órgãos jurisdicionais, mas também o oferecimento de mecanismos concretos de solução dos conflitos. Assim, a partir das conclusões referenciais de Mauro Cappelletti, o processo passa a ser observado sob a ótica de seus resultados efetivos, e não pelo seu conteúdo meramente formal. "O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais ‘burgueses’ dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos então vigorante ... Não é surpreendente, portanto que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular atenção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação." [07]

Finalmente, chegou-se à conclusão de que, a despeito de construções lógico-formais primorosas, o nosso processo civil não cumpria sua tarefa basilar, ou seja, a concreta e rápida composição dos conflitos inter-subjetivos. Essa conclusão, embora aparentemente simples, significou uma verdadeira ruptura com os dogmas tradicionalmente construídos no âmbito do secular direito processual civil.

A migração dessas construções lógicas para o direito positivado, entretanto, não é uma tarefa fácil. Os meandros e as vicissitudes do processo legislativo nem sempre facilitam a modernização da legislação processual. No caso do direito processual civil, muito embora tenhamos presenciado na última década uma verdadeira fúria legiferante, as alterações só foram viabilizadas por que foram tópicas e sucessivas. Abandonou-se o projeto de alteração integral do Código de Processo Civil e optou-se por modificações legislativas pontuais e intensas. Conforme lição de Humberto Theodoro Júnior: "Sem embargo de todos esses propósitos e mecanismos do CPC de 1973, o ideal de celeridade processual continuou inatingido e o clamor social contra a morosidade da justiça se avolumou, levando o legislador a inovar tanto por meio de alterações do Código como pela criação de outros remédios processuais disciplinados em leis extravagantes." [08]

De fato, desde o ano de 1994, foram promulgadas dezenas de leis ordinárias modificadoras do Código de Processo Civil as quais alteraram de maneira contundente a feição do nosso direito instrumental. É óbvio que essas alterações legislativas só foram possíveis porque houve uma modificação estrutural da maneira de visualizar o papel do direito processual na sociedade contemporânea. Abandonou-se, por conseguinte, a visão tradicional e formalista fortemente influenciada pelos ditames liberais e assimilou-se uma visão mais pragmática do modo de concretizar a prestação jurisdicional. De fato, sem prejudicar as diretrizes básicas do devido processo legal, criou-se um ambiente normativo mais receptivo para uma prestação jurisdicional mais sintonizada com as demandas dos novos tempos.

Como o objeto de nosso estudo é a tutela executória, vamos concentrar nossos esforços na análise de três normas jurídicas básicas representativas da guinada ideológica por que passou a execução civil. Nesse sentido, as Leis n.º 10.444, de 07 de maio de 2002; 10.252, de 22 de dezembro de 2005; e 11.382, de 06 de dezembro de 2006 alteraram de forma contundente os instrumentos de pressão e efetivação dos comandos jurisdicionais. Algumas dessas características podem ser citadas, apenas como demonstração da alteração da estrutura ideológica do processo civil, como as que se seguem.

a) Eliminação da relação processual autônoma destinada ao cumprimento dos comandos condenatórios constantes dos títulos judiciais. Nesse caso, as sentenças [09] passaram a ser dotadas de eficácia executiva plena [10], não sendo necessária a concretização de uma relação processual autônoma (CPC, art. 461, 461-A e 475-I).

b) Ampliação do rol de títulos executivos judiciais e extrajudiciais mediante a criação de novas hipóteses de documentos dotados de eficácia executiva (CPC, art. 475-N, 585).

c) Relativização do efeito suspensivo para os meios de impugnação utilizados pelo devedor em face da prestação da tutela jurisdicional executiva. (CPC, art. 475-M, 739-A).

d) Aprimoramento dos meios de pressão destinados ao cumprimento de obrigações reconhecidas nos títulos judiciais, sejam concernentes a obrigações de fazer e não fazer (CPC, art. 461, §§ 4º e 5º), de entregar coisa (CPC, art. 461-A, §§ 2º e 3º) ou de pagar (CPC, art. 475-J).

e) Ampliação dos limites da execução provisória, com a atenuação das exigências para continuidade das atividades executivas mesmo sem o trânsito em julgado da decisão exeqüenda (CPC, art. 475-O).

f) Diversificação dos meios e forma de atos de expropriação, com a criação da alienação por iniciativa do credor e a possibilidade de adjudicação preliminar (CPC, art. 685-A e 685-C).

A enumeração acima obviamente é exemplificativa, tendo em vista a grande quantidade de modificações havidas no CPC em relação à aplicação da tutela de execução. A listagem, por outro lado, é capaz de demonstrar a alteração do norte ideológico da execução civil, pois a tessitura normativa encontra-se agora comprometida com a rápida solvabilidade das obrigações inseridas nos títulos executivos.

Abandonou-se definitivamente a postura abstencionista e pouco incisiva adotada pelo sistema anterior, tornando o pragmatismo executivo marca indelével da nova regulamentação. De fato, o cumprimento imediato das obrigações deixou de ser excepcionalidade ou deferência do devedor. O descumprimento dos comandos jurisdicionais passa a ser sancionado de forma indireta, por meio da imposição de multas, seja nas obrigações de pagar, seja nas obrigações de fazer e não fazer.

O juiz da execução abandona o papel tradicional de letargia e eqüidistância e passa a uma postura verdadeiramente proativa e de compromisso com a solvabilidade das obrigações reconhecidas em juízo. Deixando de ser um procedimento autônomo, as tutelas de execução passam a representar uma atividade jurisdicional teleologicamente definida como uma mera conseqüência ou complemento da tutela de cognição.

Ainda mais clara fica essa verdadeira guinada ideológica quando se observa a força que, indiretamente, adquiriu a sentença condenatória após as reformas acima citadas. Ao eliminar-se a necessidade de uma nova relação processual para dar cumprimento aos comandos condenatórios, as sentenças passaram a ter uma maior eficácia e concretude, tendo em vista serem dotadas genericamente ou de eficácia mandamental ou executiva lato sensu.

Há de se concluir, por conseguinte, que as alterações legislativas promovidas pelas sucessivas ondas de reforma, não significaram apenas modificações cosméticas ou pontuais do direito positivo. O papel que as reformas vêm exercendo no âmbito da processualística cível, especialmente em matéria de execução, é bem mais profundo e abrangente, pois significa uma verdadeira ruptura com o sistema anteriormente construído.


3. A absorção da guinada ideológica ao processo do trabalho mediante a releitura dos métodos de aplicação subsidiária do processo comum.

A evolução doutrinária e legislativa do processo civil, entretanto, não foi observada por nosso processo laboral. Sem nenhuma alteração legislativa mais audaciosa desde sua edição, a CLT contempla basicamente a mesma regulamentação processual de mais de sessenta anos. Essa postura letárgica do legislador teve reflexos diretos na doutrina que, especialmente em relação à tutela de execução, não foi capaz de fugir do discurso fácil do eterno e intocável vanguardismo. O temor de que o direito processual do trabalho seja contaminado pelo formalismo do processo civil não pode mais existir. É relevante a menção feita pelo grande mestre Mozart Victor Russomano no sentido de que "...desde que se reconheça, como reconhecemos, a especificidade do processo do trabalho, submetido a uma série de princípios doutrinários originais, não se pode, igualmente, deixar de reconhecer que essas remissões ao direito processual comum se podem tornar perigosas." [11]

Com efeito, toda a norma reguladora da aplicação subsidiária do direito processual civil ao direito processual do trabalho sempre foi edificada visando à preservação da autonomia da disciplina laboral. Partiu-se da premissa básica de que o texto da CLT, embora diminuto, enfeixava uma série de características passíveis de instrumentalizar o direito material de maneira bem mais efetiva que o direito processual civil. Via-se, portanto, a inserção do processo civil no âmbito da disciplina laboral, apenas como uma necessidade de ordem prática, tendo em vista o já reconhecido laconismo da codificação trabalhista.

Essa preocupação era ainda mais acentuada quando se vivenciava o problema da execução, pois o legislador celetista quis preservar a influência da execução civil e orientou pela observância da estrutura normativa mais incisiva em matéria de execução, ou seja, a lei dos executivos fiscais (CLT, art. 889).

Embora de forma absolutamente empírica, o sistema normativo da CLT, em relação ao direito processual, foi construído de forma aberta, admitindo a interação com outros sistemas normativos, todavia preservando alguns princípios básicos e fundamentais. Na confecção desses fundamentos imutáveis, o legislador de 1943 não poderia antever a evolução do direito processual civil, daí porque preservou a integridade do sistema normativo trabalhista, asseverando a aplicação do direito comum apenas diante da omissão expressa.

As bases ideológicas, nas quais foram construídas as regras de subsidiaridade, levaram em conta algumas premissas até então inquestionáveis no âmbito do direito processual civil, como por exemplo, a autonomia funcional do processo de execução e a necessidade de citação do devedor para o cumprimento das obrigações contidas no título judicial (CLT, art. 880). Esses conceitos, portanto, foram assimilados porque não havia elementos dogmáticos necessários para edificação de um sistema normativo mais eficaz e incisivo do ponto de vista do credor trabalhista. Acomodou-se o sistema normativo trabalhista com algumas premissas forjadas no âmbito do direito processual civil e inovou em outras questões pontuais, sempre na busca incessante por uma estrutura procedimental mais acessível para os trabalhadores.

A estrutura normativa das regras de subsidiaridade, portanto, foi edificada no âmbito de uma postura defensiva da autonomia do direito processual trabalhista e de um processo mais eficaz para a materialização das garantias do direito material respectivo. Ao se utilizar a expressão "...exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título" (CLT, art. 769, parte final), buscou o legislador preservar os elementos pontuais de otimização do processo e evitar uma invasão do formalismo típico do direito processual civil. Ora, cotejando o tradicional direito processual civil com o direito processual do trabalho, podemos verificar que essa preocupação era procedente. Os institutos trabalhistas apresentaram-se ao longo de décadas bem mais efetivos que os instrumentos processuais contemplados pelos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973, e a intromissão de direito processual, eivado de formalismo, certamente implicaria em um retrocesso incomensurável para o processo laboral [12]. A defesa da "purificação" do direito processual do trabalho apresentava-se, portanto, justificada na época, e a inserção das normas de direito processual civil não teria o condão de acelerar ou simplificar o trâmite processual.

Essa situação, no entanto, não existe mais. A dualidade representada por um processo civil formal, inflexível e obsoleto, e um processo laboral informal, flexível e vanguardista deixou de existir com o início da onda de reformas processuais a partir do ano de 1994. A postura do intérprete da norma de direito processual, portanto, não pode se afastar dessa premissa, bem como deve ser pautada nas bases sócio-políticas nas quais foram construídas as normas de subsidiaridade, como preleciona o eminente magistrado e professor Luciano Athayde Chaves: "Deixar de considerar tal aspecto metodológico apenas se escudando na blindagem retórica do princípio da especialidade é posição que, a meu ver, pode comprometer o prestígio da jurisdição trabalhista, em razão do possível descompasso entre o Direito Judiciário do Trabalho e o processo comum em relação a diversos aspectos procedimentais." [13].

Certamente se a Consolidação das Leis do Trabalho fosse aprovada nos dias atuais, as regras de subsidiaridade não seriam edificadas em termos idênticos aos atuais art. 8º, 769 e 889. A evolução do chamado "direito comum" fez com que alguns "avanços" trabalhistas perdessem todo o seu "encanto". Exemplo eloqüente dessa assertiva podemos encontrar no próprio direito do consumidor (capitaneado pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990), que contempla institutos protecionistas sofisticados e, verdadeiramente, impensáveis na época da promulgação da Consolidação.

Quebrou-se, por conseguinte, a visão maniqueísta entre o ordenamento trabalhista moderno e efetivo e um "direito comum" naturalmente conservador. Relativizada a postura vanguardista do direito processual do trabalho, altera-se a idéia de aplicação subsidiária do direito processual comum. É certo que todos os operadores do direito do trabalho almejam a criação e sistematização de normas procedimentais mais modernas e sintonizadas com a realidade vigente. No entanto, enquanto essas inovações legislativas se perdem no emaranhado do tormentoso caminhos de nossas casas legislativas, não pode o intérprete permanecer inerte diante dessa situação verdadeiramente paradoxal.

O fascínio do homem pelas normas positivadas fez com que criássemos em nosso subconsciente a ilusão da completude dos sistemas normativos. Em favor de uma "segurança jurídica", construímos os sistemas modernos de codificação na ilusão de que conseguiríamos todas as respostas para os nossos problemas. Nesse sentido, o apego exagerado ao texto explícito da norma escrita pode apresentar resultados verdadeiramente desastrosos em relação à efetivação do direito, tendo em vista que a antevisão do legislador não é capaz de abranger todas as variáveis do fenômeno jurídico. Daí porque os sistemas normativos são naturalmente incompletos e incapazes de fornecer todas as respostas para as demandas sociais. Nesse sentido é a clássica lição de Claus-Wilhelm Canaris, verbis: "De facto a formação de um sistema completo numa determinada ordem jurídica permanece sempre um objectivo não totalmente alcançado. Opõe-se-lhe, invencivelmente, a natureza do Direito e isso a dois títulos. Por um lado, uma determinada ordem jurídica positiva não é uma ratio scripta, mas sim um conjunto historicamente formado, criado por pessoas, apresentado como tal, de modo necessário, contradições e incompletudes, inconciliáveis com o ideal da unidade interior e de adequação e, assim, com o pensamento sistemático. Mas por outro lado, há na própria idéia do Direito um elemento imanente contrário do sistema e, designadamente a chamada ‘tendência individualizadora’ da justiça que contracenando com o pensamento sistemático – assente na tendência generalizadora! – tem como conseqüência o surgimento de normas que a priori se opõem à determinação sistemática. ‘Quebras no sistema’ e ‘lacunas no sistema’ são, por isso , inevitáveis." [14].

Ora, como magistralmente expõe Canaris, as rupturas e as lacunas representam uma realidade natural de qualquer sistema normativo, não sendo possível conceber qualquer conjunto regrador isento de falhas ou omissões. Sendo inerente ao sistema normativo, portanto, cai por terra a noção de completude, não sendo justificável a postura de repulsa do hermeneuta em conferir um sentido mais amplo do que aquele semanticamente aposto na norma escrita. Diante da constatação de que o sistema jurídico é incompleto, a atividade do intérprete não pode ser escravizada diante do contexto meramente gramatical da norma escrita. A solução da incompletude inata dos sistemas normativos passa por uma atitude proativa do intérprete, buscando contextualizar a norma jurídica no âmbito das demandas sociais apresentadas. "O processo interpretativo/hermenêutico tem (deveria ter) um caráter produtivo, e não, meramente reprodutivo. Essa produção de sentido não pode, pois, ser guardada sob um hermético segredo, como se sua holding fosse uma abadia do medievo. Isto porque o que rege o processo de interpretação do texto legal são as suas condições de produção, as quais, devidamente difusas e ocultas(da)s, aparecem – no âmbito do discurso jurídico dogmático permeado pelo respectivo campo jurídico – como se fossem provenientes de um ‘lugar virtual’, ou de um ‘lugar fundamental’." [15].

Libertando-se o intérprete das amarras do conteúdo semântico da norma escrita, deverá nutrir sua atividade com a mensuração das alterações sociais havidas após a concretização da atividade do legislador. Busca-se, portanto, harmonizar o texto legal com as necessidades correntes da sociedade, mesmo que a conclusão final possa parecer, em um primeiro momento, contrária ao "texto escrito". Não se trata de alterar a significação e a amplitude da norma jurídica, mas apenas contextualizá-la no âmbito das vigentes necessidades sociais.

A completude formal do texto normativo pode até servir de desculpa ou justificativa para frear a evolução dos institutos jurídicos, posto que se delegam integralmente ao parlamento as imperfeições do sistema normativo. Escudado na alegação da imperfeição inata da norma jurídica, o intérprete justifica sua omissão e letargia, aguardando que as "soluções" das incongruências do sistema sejam resolvidas por intermédio de um incerto e tormentoso processo legislativo. Essa árdua tarefa de adequação é conferida, de maneira mais contundente, aos intérpretes finais da norma, que são os Juízes e Tribunais. Nesse diapasão, o Poder Judiciário desempenha o papel de buscar a correção das inadequações do sistema normativo e sua atualização diante das novas demandas sociais. Com efeito, o superado dogma da completude do sistema normativo é, a nosso ver, uma mera desculpa para eximir do desempenho da função criadora do direito. Ao julgador é exigida a função de edificar o direito, estabelecendo um ambiente propício para a concretização da harmonia social. "...a função jurisdicional, quer seja ela de ‘subsunção’ do fato à norma, quer seja de ‘integração’ da lacuna, não é passiva, mas ativa, contendo uma dimensão nitidamente ‘criadora’, uma vez que os juízes dispendem se for necessário, os tesouros de engenhosidade, para elaborar uma justificação aceitável de uma situação existente, não aplicando os texto legais ao pé da letra, atendo-se, intuitivamente, sempre às suas finalidades, com sensibilidade e prudência, condicionando e inspirando suas decisões às balizas contidas no sistema jurídico, sem ultrapassar, por um instante, os limites de sua jurisdição." [16].

Essa "interpretação criadora" também pode ser identificada em sede de direito processual. As normas procedimentais também envelhecem e podem ser revigoradas pelo intérprete, mediante a busca de um sentido mais próximo da realidade vigente. As construções dogmáticas do direito processual se avultam, não sendo crível que o processo não seja dinamizado pela atividade do intérprete. A idéia de não completude dos sistemas também incide sobre as normas de caráter processual, sendo possível a utilização das técnicas e mecanismos de colmatação das normas em geral. Observe-se, por outro lado, que essa constatação não é recente ou mesmo vanguardista . Um dos maiores processualistas do século XX, Eduardo J. Couture, já preconizava: "Se chegarmos, entretanto, à conclusão de que os princípios são extraídos de uma harmonização sistemática de todos os textos, levando em consideração suas sucessivas repetições, suas obstinadas e constantes reaparições, a tarefa interpretativa, nesse caso, deverá realizar-se mediante o predomínio do princípio, já que ele constitui a revelação de uma posição de caráter geral, assumida ao longo de um conjunto consistente de soluções particulares." [17].

Esse choque do princípio com a norma de direito processual, muito bem ilustrado por Couture na transcrição acima, acontece, como já afirmamos anteriormente, em relação às regras de subsidiaridade do processo trabalhista. Essas normas (CLT, art. 769 e 889) foram construídas com fito de se evitar a aplicação do formalismo inerente ao direito processual civil, mediante a fixação de barreiras protetoras dos regramentos mais flexíveis e dinâmicos do direito processual do trabalho. Acontece que, ao longo de décadas de imobilismo do processo laboral, a situação fática sofreu modificações contundentes e, em muitos aspectos, o Código de Processo Civil apresenta uma regulação bem mais benéfica das normas de procedimento.

Sendo o objetivo da regulação processual da CLT criar um sistema eficaz e dinâmico para o processo laboral, não é razoável impedir a aplicação das normas de direito comum que atinjam esse objetivo perseguido. Do ponto de vista ideológico é inconcebível um processo civil mais simples que o processo laboral, tendo em vista que este ramo da processualística foi construído para concretizar um direito material de índole tuitiva. A atividade criadora do intérprete, portanto, deve incidir para afastar essa inaceitável contradição reinante em nossos dias.

Por outro lado, essa imposição não se pauta exclusivamente em relação às exigências e características internas do próprio direito processual do trabalho. A partir da edição da Emenda Constitucional nº. 45, de 08 de dezembro de 2004, o texto constitucional passou a ostentar como direito fundamental a garantia de uma "... razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." (CF, art. 5º, LXXVIII). Nesse sentido, a busca pela celeridade processual passa a integrar de forma essencial o nosso ordenamento constitucional, sendo, pois, diretriz obrigatória para o intérprete.

A busca por um processo rápido e efetivo não mais se resume às formulações de índole acadêmica e passa a integrar nosso ordenamento como diretriz ideológica básica e influenciadora de todos os ramos da processualística. Tratando-se, pois, de direito fundamental, a garantia da celeridade de tramitação do processo, vincula a atividade jurisdicional em todos os seus níveis. Como bem acentua o constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho, verbis: "Os diferentes tribunais (civis, laborais, constitucionais) devem considerar os direitos e liberdades e garantias como medidas de decisão dos casos concretos em primeira linha pela mediação legal dos direitos, liberdades e garantias, devem também dar operatividade prática à função de protecção (objectiva) dos direitos, liberdades e garantias." [18]. Quando o mestre de Coimbra se refere ao termo medidas de decisão, deixa clara a idéia de que a atividade jurisdicional não se reporta apenas ao texto normativo explicitado na ordem jurídica, mas, principalmente, aos direitos fundamentais reconhecidos pelo sistema político-jurídico vigente. Sem a autuação concreta do poder judiciário, os direitos fundamentais resumem-se a uma peça estritamente retórica, desprovida de concretude.

Ora, se o texto constitucional vigente impõe a busca de um processo célere e mais efetivo, porque o juiz do trabalho deve recusar a aplicação de uma norma de processo civil mais dinâmica e flexível? Admitir a inflexibilidade do conteúdo formal do art. 769 da CLT, significa, nos dias atuais, negar a própria eficácia de um direito fundamental. Essa negação, muitas vezes, pode ser justificada pela observância cega do princípio da legalidade [19], consubstanciando-se na assertiva segunda a qual a lei regula integralmente determinada matéria.

Essa pretensa ditadura do texto normativo infraconstitucional nunca teve prestígio entre os constitucionalistas. A prevalência dos direitos fundamentais é característica de todos os ordenamentos contemporâneos, inclusive o brasileiro. O regramento processual, portanto, deve ser norteado pela incidência direta e vinculadora dos direito fundamentais, principalmente na interpretação de suas normas. "O Estado passa a aparecer, assim, como o devedor de postura ativa, no sentido de uma postura integral e global dos direitos fundamentais, deixando de ocupar – na feliz formulação de Vieira de Andrade – a posição de ‘inimigo público’, ou pelo menos, não mais de inimigo número um (ou único) da liberdade e dos direitos dos cidadãos, como poderíamos acrescentar." [20].

Estabelece o texto constitucional apenas o direito a um processo célere e efetivo, não disciplinando de maneira expressa os caminhos para a concretização dessa garantia. Se assim o fosse, os direitos fundamentais se dirigiam apenas aos legisladores, que estariam encarregados de modernizar todo o arcabouço normativo infraconstitucional. Essa constatação, além de equivocada esbarraria na própria impossibilidade material de se modernizar periódica e rotineiramente as normas legais. Essa tarefa de adequação é precipuamente atribuída ao poder judiciário que, nesse aspecto, se apresenta como o verdadeiro devedor (utilizando a expressão de Ingo Sarlet) da efetivação dos direitos fundamentais.

Sob todas as óticas possíveis, é viável concluir que as regras tradicionais de aplicação subsidiária das normas de direito processo civil se revelam anacrônicas. A premissa básica de superioridade finalística das normas de processo do trabalho não é mais verificável e afigura-se, em muitos casos, absolutamente inverídica. Todo o ambiente sócio-jurídico atual conspira contra a vedação expressa da aplicação das normas de processo civil ao processo do trabalho, tendo em vista que aquelas, em muitas situações tornaram-se mais aptas para resolver os litígios de índole trabalhista.

Nessa situação, a comparação entre as normas de processo civil e processo laboral não leva em consideração apenas a expressa previsão textual, mas sim o grau de eficiência dentro do sistema processual.A ponderação leva em conta, por conseguinte, o resultado final da aplicação dos marcos normativos, e não apenas sua existência formal. Como bem observa Luciano Athayde Chaves, debruçando-se sobre o tema: "Os valores cultivados pela ciência jurídica, bem como a clara resistência da sociedade à continuidade de concessão dos privilégios a que ainda faz jus o Poder Público, em agressão permanente ao princípio da isonomia (de raiz constitucional), são elementos que indicam, claramente, a quebra da isomorfia que deve imperar entre os subsistemas que foram um dado ordenamento jurídico (fato, valor e norma), caracterizando, assim, quadro ontologicamente lacunoso no sistema processual do trabalho, passível, pois, de heterointegração." [21]

O contexto acima descrito, portanto, exige uma verdadeira reconstrução do método de aplicação subsidiária do processo comum ao processo do trabalho. Tal método, portanto, não é construído exclusivamente na análise formal da omissão legislativa, mas sim na aferição da possibilidade de a norma de processo comum apresentar-se mais adequada para promover uma tutela executiva mais rápida e efetiva. Nesse sentido é que propusemos de fato uma verdadeira releitura do sistema de aplicação subsidiária das normas de direito processo comum ao processo do trabalho.

Como vimos que a mera existência de norma trabalhista regulando as questões processuais não impede a aplicação do processo comum, resta-nos esmiuçar o método próprio para se proceder a esta aplicação. Nesse sentido, a atividade do intérprete não é mais norteada pela simples aferição formal da existência da norma, mas sim pela comparação das normas em relação à concretização da prestação jurisdicional. Esse método, portanto, envolve um número maior de operações por parte do intérprete, que se desapega da análise superficial da norma e vincula-se ao seu aspecto teleológico diante das necessidades modernas da sociedade por uma prestação jurisdicional rápida e efetiva.

A implementação desse método pressupõe a identificação de três situações decorrentes do confronto com as normas de direito processual comum. Na primeira situação, não existe regramento próprio da norma processual trabalhista. Trata-se da hipótese clássica das regras de subsidariedade, que, para efeito deste estudo, vamos denominar de hipótese de regulamentação inexistente.

Na segunda situação, o processo do trabalho limita-se a identificar o instituto processual, sem conferir-lhe uma regulamentação específica. Nesse caso, o direito processual do trabalho, embora não sendo omisso quanto ao instituto, não é capaz de estabelecer um regramento autônomo. Vamos denominar essa situação de hipótese de regulamentação referencial.

Na última situação, o direito processual do trabalho regula de forma sistematizada o instituto, em concorrência com o processo comum. Denominemos essa hipótese de regulamentação concorrente.

Passemos à análise individualizada das hipóteses acima enumeradas.

3.1 Hipóteses de regulamentação inexistente.

Nessa situação, conforme já afirmamos acima, o direito processual do trabalho não se debruça sobre o instituto processual, revelando-se formalmente omisso em relação ao tema. Trata-se de hipótese clássica regulada de forma direta pelos artigos 769 e 889 da CLT.

Essas situações corriqueiras demandam uma solução simples do ponto de vista teórico, mas de difícil operacionalização do ponto de vista prático. A inserção das normas de direito processual não se aperfeiçoa de forma automática, posto que pressupõe a compatibilidade ideológica com o processo do trabalho. Essa aferição de compatibilidade, no entanto, é que causa os grandes problemas de construção do direito processual do trabalho no âmbito jurisprudencial.

Exemplos de hipóteses de regulamentação inexistente são as questões relativas à intervenção de terceiros, reconvenção, antecipação genérica dos efeitos da tutela jurisdicional, processo cautelar, ação de consignação em pagamento, entre outras situações recorrentes no quotidiano forense. Em todas elas a legislação processual trabalhista apresenta-se absolutamente omissa, restando a absorção, quando possível, das diretrizes normativas próprias do direito processual, desde que compatíveis com os fundamentos ideológicos da disciplina laboral. O método para a colmatação dessa modalidade de lacunas não é objeto de maiores controvérsias entre os autores, mas sim as soluções apontadas para cada uma das hipóteses.

3.2 Hipóteses de regulamentação referencial.

Tradicionalmente a doutrina não se debruça sobre a situação na qual a norma trabalhista, embora se refira expressamente ao instituto processual, não nos oferece um regramento sistematizado. Nessa situação não existe uma omissão formal da legislação trabalhista, mas, tão-somente, a inexistência de um regramento próprio.

Tomemos como exemplo, para fins de esclarecimento da hipótese, o problema da liquidação no âmbito do processo trabalhista. O caput do art. 879 da CLT faz referência expressa a três modalidades de liquidação: por cálculos, por arbitramento e por artigos. Os parágrafos subseqüentes regulamentam apenas a liquidação por cálculos, inexistindo qualquer tratamento sistêmico para as liquidações por arbitramento e por artigos. Nessa situação não há uma omissão formal CLT, no entanto o instituto carece de regulamentação específica, demandando a absorção das normas de direito processual.

É lógico que a assimilação dessas normas de direito processual comum pressupõe uma adequação ideológica com o direito laboral, posto que esse é o requisito indispensável para a aplicação subsidiária. É imperioso, entretanto, demonstrar que, nessas situações, as remissões feitas pela norma de direito processual do trabalho são meramente referenciais, caracterizando a incompletude do sistema normativo.

Várias são as situações que podem ser tipificadas como hipóteses de regulamentação referencial: ação rescisória (CLT, art. 836), conexão e continência (CLT, art. 842), litisconsórcio (CLT, art. 843, caput – denominado de reclamações plúrimas), execução provisória (CLT, art. 899) [22], adjudicação de bens pelo devedor (CLT, art. 888, § 3º), entre outros.

Nesse caso, a concretização do método pressupõe a identificação da falha no sistema normativo trabalhista e sua solução por intermédio da absorção das normas de direito processual comum. Essa transposição, é óbvio, respeita as bases ideológicas do direito processual do trabalho.

É óbvio que, pelas dimensões do presente trabalho, não se busca exaurir todas as situações de adequação procedimental nas hipóteses de regulamentação referencial. Entretanto, é indispensável destacar que, em tais hipóteses, a postura do intérprete não se resume a identificar topologicamente a remissão feita pela norma trabalhista, mas sim caracterizá-la como de índole meramente referencial e promover a colmatação da lacuna mediante a aplicação das normas de processo comum, observada a construção ideológica do processo laboral.

3.3 Hipóteses de regulamentação concorrencial.

Pode acontecer que, embora a legislação processual trabalhista regule integral e sistemicamente a matéria, a norma de direito processual civil se apresente mais apta a promover uma prestação jurisdicional rápida e efetiva. Pela aplicação da literalidade do disposto na CLT, arts. 769 e 889, a existência de norma trabalhista expressa implicaria na impossibilidade de se transpor o normativo comum ao processo laboral. Ao longo de nosso trabalho, pontificamos a tese de que a interpretação meramente gramatical dos textos referenciados não exprime de forma clara a real vocação do direito processual trabalhista.

Esse ramo da processualística deve ser célere, posto que é instrumental em relação a um direito de caráter protecionista. A autonomia do processo do trabalho só se justifica diante da possibilidade de implementar um trâmite processual mais dinâmico e efetivo do que aquele previsto pelas normas de direito comum. Como bem assevera Guillermo Cabanellas: "La lentitud de la justicia ordinária y lo costoso de los procesos seguidos ante ella son argumentos de plena eficacia para um poder judicial laboral distinto, que resulve com la urgencia precisa los problemas de carácter alimentario que se plantean em los más de los pleitos del trabajo para el trabajador, que se vê disminuidos arbitrariamente sus derechos salariales o se encuentra privado em absoluto de su fuente de ingresos, por um despido sin causa." [23].

A situação em que a norma de direito processual civil se afigure mais simples e efetiva do que a de processo do trabalho não foi cogitada pela doutrina tradicional. Sempre se partiu da premissa de que a normatização trabalhista, embora lacônica, seria mais acessível do que aquele contida no processo comum. Nos dias atuais, conforme exaustivamente exposto, essa assertiva não é necessariamente verdadeira. Ou seja, é possível o confronto das normas processuais, com uma nítida vantagem para o processo comum. São, portanto, situações desse jaez que traduzem o dilema do intérprete nas hipóteses de regulamentação concorrencial. Nesse caso seria muito cômoda a posição de apenas lamentar o anacronismo da legislação trabalhista e recomendar a adoção das soluções de lege ferenda . De fato, o próprio direito processual do trabalho nos fornece elementos necessários para a transposição dessa situação paradoxal. Basta que se reconheça a superioridade do processo comum na comparação com o processo do trabalho, e se adaptem os normativos daquela disciplina aos ambientes deste ramo da ciência do direito.

Nesse sentido, o método proposto para as chamadas hipóteses de regulamentação concorrencial envolve uma atividade cognitiva adicional do intérprete. Enquanto nas outras hipóteses, a atividade inicial do intérprete se limitava à aferição topológica da omissão, na regulamentação concorrencial, a análise preliminar pressupõe uma ponderação de ordem valorativa. Em outras palavras, no cotejo entre as normas apresentadas, o hermeneuta deve avaliar o "envelhecimento" da norma trabalhista e eventual preponderância da norma de processo civil. Essa análise deve ser procedida de forma a se projetarem os efeitos concretos da norma no âmbito da dinâmica processual. Afigurando-se o processo civil mais apto para disciplinar os conflitos de índole laboral, abre-se a possibilidade de sua aplicação subsidiária ao processo laboral.

Vejamos de maneira mais detalhada o exemplo decorrente da aplicação da Lei nº. 11.232/2005. Como já dissemos, a referida norma criou um sistema regulador da tutela executiva proveniente de títulos judiciais, onde se dispensou a formação de nova relação processual executiva e a expedição de mandado citatório, além de cominar pena pecuniária para o cumprimento de obrigação de pagar (CPC, art. 475-J). No confronto com o direito processual do trabalho, vê-se que a mesma matéria é referenciada e regulamentada pela consolidação nos seus artigos 880 e seguintes. Ou seja, o direito processual do trabalho positivo permaneceu, pelo menos do ponto de vista formal, com a obrigatoriedade da formação de nova relação processual e , conseqüentemente, a necessidade de expedição de mandado de citação e abertura de prazo para indicação de bens a penhora. Utilizando-se do método tradicional, poderíamos afirmar que não existe lacuna a ser suprida, sendo inaceitável a aplicação do direito processual comum.

No entanto, observando o problema à luz dos fundamentos do direito processual do trabalho, vê-se que o objetivo maior do regramento laboral não foi atingido. Nesse sentido, a comparação valorativa entre os dois ordenamentos jurídicos conduz à conclusão inequívoca de que a norma de processo comum prepondera, sob o ponto de vista de dinâmica e efetividade, sobre a norma de direito processual do trabalho.

Trata-se, portanto, da primeira operação a ser implementada pelo intérprete, que, no entanto, não prescinde das demais etapas destinadas a analisar as hipóteses de regulamentação. Ou seja, não basta apenas a realização da análise valorativa da norma. Deverá o intérprete verificar se todos os aspectos desse conjunto normativo adaptam-se ao direito processual do trabalho, tendo em vista a necessidade de respeito de suas diretrizes ideológicas.

No âmbito da regulação da tutela executiva, a concretização das hipóteses de regulação concorrencial se apresenta de forma mais visível e concreta. Conforme já afirmamos, o direito processual do trabalho não foi capaz de formular uma dogmática própria da tutela executiva, limitando-se a adaptar as normas processuais já em vigor no âmbito do Código de Processo Civil de 1939. Por outro lado, o processo do trabalho sempre se revestiu do caráter tutelar, na medida em que se apresenta como instrumento de realização de um subsistema jurídico de índole inegavelmente tuitiva.

Ora, não tendo o direito processual do trabalho uma estrutura dogmática própria da tutela de execução, não existe qualquer justificativa lógica para que se defenda a manutenção de um sistema ideológico que o próprio processo civil rejeita. Nesse sentido, em grande parte dos regramentos relacionados com a tutela executiva trabalhista, encontram-se inegavelmente em posição de inferioridade quando comparados aos seus congêneres cíveis.

No âmbito da tutela de execução, portanto, vislumbramos um terreno extremamente fértil para a aplicação concorrencial das normas de processo comum. Reiteramos que esse aplicação, por outro lado, não implica na eliminação da autonomia epistemológica do direito processual do trabalho, mas sim no realce dos princípios basilares e na simplicidade, efetividade e rapidez que sempre nortearam essa disciplina jurídica.


4. Da casuística da aplicação das inovações do processo civil à execução trabalhista.

Assimilar todos os aspectos da guinada ideológica do direito processual civil significa, em última análise, a verdadeira reconstrução da execução trabalhista. É a completa releitura das bases dogmáticas e a apresentação de um novo roteiro da execução laboral, mediante a eliminação da maior parte de seus entraves formais. É óbvio que, diante das dimensões do presente estudo, essa hercúlea tarefa se apresente inexequível. Por tal motivo, destacamos apenas quatro eixos centrais na análise casuística do tema, que, entretanto têm a capacidade de apresentar uma visão geral da importância da inserção das novas diretrizes ideológicas do processo civil. Os quatro eixos centrais da temática são, portanto, os seguintes: a) execução provisória; b) citação, nomeação de bens à penhora e aplicação de multa nas execuções de obrigações de pagar; c) relativização da suspensividade dos meios de impugnação do devedor; d) diversificação dos meios de expropriação.

Passemos à análise de cada um dos eixos dogmáticos propostos.

4.1 Execução provisória.

Restringiu-se a Consolidação a referenciar a possibilidade de ocorrência da execução provisória no âmbito da normatização relativa aos recursos feita no art. 899, afirmando laconicamente que é "...permitida a execução provisória até a penhora".

Trata-se, portanto, da única menção que a Consolidação das Leis do Trabalho fez em relação ao instituto da execução provisória. Não há qualquer tipo de regulamentação do instituto nos tímidos limites da legislação processual trabalhista. Observe-se que o laconismo da consolidação nesse assunto é, de certa forma, justificável, tendo em vista que o diploma regulador do direito processual civil, na época da aprovação da Consolidação, pouca importância dispensava ao tema da execução provisória. O Código de Processo Civil de 1939 dispunha, no seu art. 883, III, que, no âmbito da execução provisória, era proibida a prática de atos de "...alienação de domínio", sendo condicionado o levantamento de dinheiro à prestação de caução idônea. Como a prestação de caução para a prática de atos processuais não é procedimento facilmente acomodável na realidade do direito processual do trabalho, deve-se supor que o regramento previsto na parte final do art. 899 da CLT parecesse suficiente.

Nesse sentido, pelo menos na vigência do CPC de 1939, a execução provisória trabalhista encontrava-se circunscrita aos atos de apreensão do patrimônio do devedor, sendo remotas as possibilidades de transferência patrimonial. Essa situação perdurou com o advento do Código de Processo Civil vigente que, em sua redação original, manteve praticamente a mesma sistemática adotada pela legislação anterior [24].

A partir da edição da Lei nº. 10.444, de 07 de maio de 2002 [25], a regulação da execução provisória no âmbito do processo civil modificou de maneira contundente os impedimentos outrora expostos, trazendo: a) a possibilidade de desencadeamento da execução provisória sem a necessidade de caucionamento; b) a exigência do caucionamento apenas para a prática de atos de transferência de domínio; c) a possibilidade de dispensa da prestação de caução quando a obrigação, objeto da execução, fosse inferior a sessenta salários mínimos e o exeqüente demonstrasse se encontrar em "estado de necessidade".

As mudanças, no entanto, não pararam por ai. A nova sistemática da tutela de execução trazida pela Lei nº. 11.232/2005, manteve os avanços da norma anterior e possibilitou a dispensa de caução para as transferências de domínio pendente agravo de instrumento em face de recurso extraordinário ou especial (CPC, art. 475-O, § 2º, II).

Vê-se, portanto, que a sistemática da execução provisória vigente difere substancialmente daquela em curso quando do advento da consolidação de 1943. Não é aceitável, portanto, partir-se da premissa de que o diploma consolidado apresenta-se auto-suficiente quanto à regulação da execução provisória. De fato, o contido no art. 899 da CLT resume-se a identificar no âmbito do direito processual do trabalho a possibilidade de manejo do instituto da execução provisória. Ao se reportar à locução "até a penhora", não se estabelece um limite instransponível para a continuidade do procedimento executório. O texto limitou-se a adotar a sistemática vigente quando de sua edição, não sendo possível visualizar, no nosso entender, a fixação de qualquer elemento normativo definidor ou limitador da prática dos atos relativos à execução provisória. Trata-se inegavelmente de uma hipótese de regulação referencial que deve ter seu conteúdo preenchido pela normas de direito processual civil.

A expressão "até a penhora" teve apenas a finalidade de esclarecer o conteúdo da execução provisória e a impossibilidade, na época, de permitir a prática de atos de transferência patrimonial. Nesse sentido, o marco normativo a ser observado é aquele presente na legislação processual civil, fonte subsidiária do processo do trabalho. É lógico que a observância desse marco normativo não afasta as peculiaridades próprias do direito processual do trabalho, o que significa dizer que o disposto no CPC, art. 475-O é plena e totalmente aplicável ao direito processual do trabalho, ressalvando apenas as diretrizes ideológicas próprias.

Nessa estruturação interpretativa da execução provisória trabalhista, entretanto, algumas adaptações devem ser promovidas. Em primeiro lugar, nada impede que a execução provisória seja iniciada de ofício pelo próprio Juiz do Trabalho. No âmbito do direito processual civil, a execução provisória tem início pela provocação da parte interessada, não sendo possível a provocação de ofício pelo juiz (CPC, art. 475-O, I). Esse viés procedimental, no entanto, não pode ser transmitido ao direito processual do trabalho. É característica marcante e indelével do processo do trabalho a postura inquisitorial do Juiz do Trabalho, podendo adotar as medidas que entenda necessárias para a concretização da tutela jurisdicional (CLT, art. 765). Esse caráter dinâmico e proativo da prestação jurisdicional trabalhista apresenta-se de maneira ainda mais contundente quando nos deparamos com a tutela executiva. É que, em se tratando de desencadeamento dessa fase procedimental, há previsão expressa de atuação de ofício do Juiz, não só para iniciar o procedimento de liquidação (CLT, art. 879), como também da própria prática dos atos executivos (CLT, 878). Segundo preleciona Manoel Antônio Teixeira Filho, "...quando a norma processual trabalhista (CLT, art. 878, caput) atribui ao juiz o poder-faculdade de promover a execução, não se deve pensar que essa iniciativa judicial se esgota no ato de dar início a esse processo, se não se estende ao conjunto dos atos integrantes do procedimento executivo – exceto se , em dado momento, a atuação da parte for indispensável." [26]

Por outro lado, as alterações mais contundentes promovidas no âmbito da execução provisória podem ser assimiladas sem qualquer problema. A legislação processual civil descreve duas situações em que, a despeito da provisoriedade da execução, é possível concretizarem-se integralmente os atos executórios, mesmo sem garantia dada pelo credor.

Trata-se de medida extremamente lúcida e sintonizada com uma realidade processual que necessita se apresentar dinâmica e efetiva. Ao se impedir a implementação integral dos atos executórios com a finalidade de se aguardar o pleno exaurimento das instâncias recursais, estar-se-ia atribuindo exclusivamente ao credor o ônus pelo retardo processual. O direito processual contemporâneo busca, de certa forma, ratear entre o autor e o réu os contratempos pela demora na prestação jurisdicional que, na maioria das vezes, ocorre pelo manejo desnecessário de medidas defensivas.

Assim, ao se tornar relativa a exigência de garantia para a continuidade da execução provisória, o direito processual faz com que o retardo na obtenção da coisa julgada não seja situação beneficiadora apenas do executado. Distribuem-se, de forma equânime, entre credor e devedor os resultados indesejados da manipulação excessiva e irracional dos meios recursais. Generalizar essa possibilidade é, portanto, medida que visa a integralizar o ideal de efetividade da prestação jurisdicional em relação a todos os envolvidos na relação processual. Essa constatação ganha ainda mais pujança quando nos defrontamos com a tutela executiva decorrente de título judicial, já devidamente referendado pelo poder judiciário. Permitir que apenas venham a ser prevenidos os danos causados ao devedor é, no mínimo, solapador do princípio da isonomia tão eloqüentemente descrito no caput do art. 5º da CF.

Nesse sentido, a legislação processual civil permite que sejam praticados todos os atos executivos de desapossamento e de conversão quando o devedor prestar caução (CPC, art. 475-O, III). No entanto, admite a legislação processual civil que, mesmo sem a garantia oferecida pelo exeqüente, os atos executivos possam envolver ações relativas à alienação do patrimônio penhorado, bem como o próprio levantamento, por parte do exeqüente, dos valores depositados. Essa dispensa do caucionamento só poderá ser observada em duas situações bem delimitadas pelo legislador (CPC, art. 475-O, §2º).

A primeira hipótese diz respeito à própria natureza do crédito objeto da condenação. Tratando-se de obrigações de caráter alimentar ou decorrentes da reparação de atos ilícitos, é dispensada a prestação da caução para continuidade da execução provisória. Nessa situação não é bastante que a natureza do crédito seja alimentar, devendo ainda não ultrapassar o montante de sessenta salários mínimos e demonstrar que o exeqüente se encontra em situação de necessidade (CPC, art. 475-O, §2º, I).

A segunda hipótese apresenta-se bem mais simples e objetiva. Basta que a execução provisória seja promovida na pendência de agravo de instrumento no qual se discute a admissibilidade de recurso extraordinário e especial (CPC, art. 475-O, § 2º, II).

A assimilação, portanto, dessas duas hipóteses autorizadoras para a continuidade da execução, mesmo na pendência do trânsito em julgado permitem combater de forma inteligente a avalanche de recursos manejados pelo devedor e, que, de certa forma invertem o ônus do tempo processual.

4.2 Citação, nomeação de bens à penhora e aplicação de multa nas execuções de obrigações de pagar.

Mesmo na época em que prevalecia na processualística comum a obrigatoriedade da formação de uma relação processual executiva autônoma, a ocorrência e a obrigatoriedade da citação do devedor apresentava-se como uma anomalia. Com efeito, a ficção criada pelo sistema moderno de desmembrar a tutela executiva da tutela de conhecimento, fez com que surgisse a necessidade da realização de uma nova citação do devedor. Nesse sentido, a existência da citação na execução apresentava-se como necessidade de índole puramente formal, tendo em vista que o devedor, integrando a relação processual cognitiva, já tinha pleno conhecimento da obrigação que lhe fora imputada. É certo que a citação do devedor ainda se apresenta indispensável no âmbito da execução fundada em títulos extrajudiciais (CPC, art. 652; CLT, art. 876, caput, in fine), bem como em algumas modalidades de execução de títulos judiciais, preconizados pelo CPC, art. 475-N, II a VII. Nessas situações, a operacionalização do mandado citatório afigura-se indispensável tendo em vista que o devedor não tem conhecimento, pelo menos oficial, de que o aparato do poder judiciário foi movimentado para fazer cumprir as obrigações preconizadas no título. Sem a citação nas hipóteses anteriormente elencadas, não se abriria a possibilidade de o devedor cumprir voluntariamente a obrigação contida no título.

No caso da execução da sentença, a utilização do instituto da citação não apresenta qualquer justificativa de ordem prática para sua utilização. É certo que devemos destacar a vetusta construção doutrinária, que nos legou uma execução de título judicial como procedimento autônomo e independente, integrador de outra relação processual. Consagramos em nosso direito processual moderno a idéia de que as sentenças condenatórias não poderiam ser efetivadas no âmbito de uma mesma relação processual, sendo necessária a formulação de nova ação, agora de feição executiva. Com bastante precisão, a questão é resumida pelo processualista Humberto Theodoro Júnior: "Assim, depois de séculos e séculos de informalidade no cumprimento das sentenças, voltava este a se submeter à velharia ultrapassada e injustificável da actio iudicati. Tal como há quase dois mil anos antes, a parte voltou a submeter-se à inexplicável obrigação de propor, sucessivamente, duas ações para alcançar um único objetivo: a realização do crédito inadimplido pelo réu; ou seja, uma ação cognitiva, que terminava pela sentença, e outra executiva, que começava depois da sentença e nela se fundava." [27] .

Com efeito, apenas anos de acomodação e letargia da processualística poderiam justificar a permanência por tanto tempo de um instrumento de comunicação dos atos processuais destinado exclusivamente a "pedir" ao devedor para cumprir a obrigação perfeitamente delimitada no âmbito de um exaustivo processo de conhecimento. Frise-se que a citação executiva nunca representou uma forma de se abrir ou estabelecer o contraditório em favor do devedor. Pelo contrário. A única finalidade palpável da citação executória consistia na comunicação do devedor para o cumprimento da obrigação e a possibilidade de oferecimento da garantia da execução para o manejo dos meios de tutela respectivos.

A chamada "integração" da relação processual executiva sempre soou como algo artificial e desprovido de finalidade prática. De fato, todos aqueles que militam no âmbito do Poder Judiciário sempre tiveram a constatação empírica da total inutilidade da citação executória. No caso do direito processual do trabalho essa incômoda adaptação da citação ao processo executório ainda se apresentava com mais pujança. Com efeito, o processo de execução trabalhista fundado em título judicial nunca foi autônomo, mas apenas adaptou-se à sistemática da execução civil vigente à época da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho. Frise-se que a referida opinião já foi defendida com brilhantismo (embora posteriormente tenha modificado seu ponto de vista), pelo eminente processualista Manoel Antônio Teixeira Filho: "Sob certo aspecto, a situação ora trazida à balha nos fornece razoáveis subsídios em prol da opinião – pela qual estamos a bater-nos desde as primeiras linhas deste livro – de que a execução trabalhista, de acordo com as disposições legais que a estruturam, foi projetada para servir como simples fase subseqüente ao processo de conhecimento, destituída, por isso, de autonomia ontológica, embora não se lhe possa negar independência finalística. No plano de sua realização prática, essa execução não se dispõe de maneira diversa da que foi legalmente idealizada." [28]

É até estranho pensar em uma citação com a finalidade de integralizar a relação processual executiva, que é iniciada de ofício pelo próprio Poder Judiciário (CLT, art. 878). Inexiste, por conseguinte, justificativa plausível para defender a tese de que o devedor precisa ser comunicado para cumprir a obrigação expressamente contida no título judicial. Mesmo quando se parte da necessidade de se defender a autonomia da relação processual executiva, podemos ver que a citação não é elemento indispensável para concretizar essa citada independência.

O advento da Lei nº. 11.232/2005 afastou da sistemática processual civil esse entulho burocrático, que nunca contribuiu para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Desapareceu, por conseguinte, a base ideológica para a manutenção da citação dentro do processo do trabalho. O art. 880 da CLT contempla norma processual trabalhista que destoa com o objetivo de uma prestação jurisdicional rápida e flexível, devendo, portanto, ser admitida a aplicação subsidiária da norma de processo comum, consubstanciando-se assim em hipótese de regulamentação concorrencial.

Transcorrido o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação preconizada no título judicial, o devedor, na forma do CPC, art. 475-J, incorrerá em uma multa de dez por cento sobre o valor executado, independentemente de prévia cominação na sentença. Essa alteração, isoladamente, não garante o sucesso das execuções [29] , no entanto significa um rompimento importante de uma tradição no âmbito da tutela executiva. Normalmente, as execuções de obrigações de pagar eram baseadas em atos sub-rogatórios, tendo em vista única e precipuamente o patrimônio do devedor. Essa modalidade executória sempre se operou por intermédio de meios diretos de ataque ao conjunto patrimonial de devedor. Os meios indiretos de execução buscando o cumprimento das obrigações por parte do devedor, sempre foram utilizados para a efetivação de obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa.

Conforme lição de Araken de Assis: "Os meios que abstraem a participação do executado, genericamente designados de ‘sub-rogatórios’, e a execução em que atuam, chamada de direta, ostentam, todavia determinadas diferenças no modo de penetração na esfera patrimonial do devedor." [30]. A diferença entre a execução direta e a indireta, repousa apenas na possibilidade ou não de responsabilização do patrimônio do devedor, no entanto, o direito brasileiro, no regime anterior ao da Lei nº. 11.232/2005, optou pela adoção quase que exclusiva dos meios sub-rogatórios para a concretização das execuções de obrigação de pagar [31]. Essa opção do legislador, por outro lado, não significa a exclusão a priori dos meios indiretos para a concretização dos comandos jurisdicionais consistente em obrigações de pagar. Trata-se apenas de opção do sistema normativo e não incompatibilidade dogmática dos institutos.

Com efeito, o que se busca da tutela executiva em relação às sentenças condenatórias é a obtenção de um resultado prático que possa concretizar a determinação contida no título judicial. A natureza da obrigação executada não é elemento determinante da natureza das medidas a serem adotadas pelo Poder Judiciário para a concretização de seus comandos. "...a execução por coerção é modalidade de tutela jurisdicional executiva, nada impedindo que esta modalidade de execução ocorra em decorrência da sentença condenatória. Não é a modalidade de sentença que permite distinguir a medida executiva que será realizada, mas sim, o bem devido que se pretenda obter com tal atividade jurisdicional." [32].

O sistema normativo vigente é que colocará à disposição do magistrado e dos credores os meios executórios destinados à obtenção do resultado prático e objetivo da tutela executiva. A atividade jurisdicional, portanto, deverá ser operada no âmbito da autorização legal para a prática das medidas de força, sejam elas de caráter coercitivo ou sub-rogatório. Existe, por conseguinte, uma postura finalística da atividade executiva, que só será exaurida mediante a entrega ao credor do bem reconhecido no plano material. Segundo Teori Albino Zavascki:"A atividade jurisdicional executiva consiste, assim, em efetivar, coativamente, no plano dos fatos, o resultado previsto no ordenamento jurídico, exigível em razão do fenômeno da incidência, que deveria ter sido alcançado, mas não foi, pelo atendimento espontâneo por parte do sujeito obrigado." [33].

As medidas para se obter a concretização da prestação jurisdicional, portanto, representam, tão-somente, o caminho e não a finalidade da tutela executiva. Desde que referendadas pelo ordenamento jurídico, revelam-se aptas para a concretização das obrigações reconhecidas jurisdicionalmente. Essa mudança de enfoque pode muito bem ser detectada no âmbito da previsão da multa de dez por cento preconizada pelo art. 475-J do CPC. É, induvidosamente, o meio de pressão indireto infligido ao devedor, com o escopo de cumprir voluntariamente a obrigação. Serve como instrumento cominatório e sancionatório pelo descumprimento, sem integrar, por outro lado, o núcleo da obrigação executada.

Nesse caso, o legislador modificou a postura habitualmente ostentada para a execução de obrigação de pagar e atribuiu ao juiz uma forma adicional de pressão para o seu cumprimento. A medida, portanto, não pode ser taxada de ilegal, inconstitucional ou incongruente do ponto de vista dogmático, mas sim uma salutar inovação legislativa que amplia o espectro de instrumentos de pressão à disposição do Poder Judiciário. Revela-se, por conseguinte, um meio adicional de pressão em face do devedor, a fim de tornar não atraente o descumprimento das obrigações reconhecidas no título judicial. Como preleciona Athos Gusmão Carneiro: "A multa de dez por cento, prevista no texto legal, incide de modo automático caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei. Visa, evidentemente, compeli-lo ao pronto adimplemento de suas obrigações no plano de direito material, desestimulando as usuais demoras ‘para ganhar tempo. Assim, o tardio cumprimento da sentença, ou eventuais posteriores cauções, não livram o devedor da multa já incidente..." [34]

O caráter instrumental da multa preconizada pelo CPC, art. 475-J facilita sobremaneira a sua aplicabilidade ao direito processual do trabalho. Embora a vetusta legislação processual trabalhista não traga nenhuma disposição acerca do tema, não se pode afastar a sua aplicabilidade. Com efeito, conforme exposto anteriormente, a penalidade em análise visa a pressionar o cumprimento das obrigações reconhecidas pelo órgão jurisdicional. Não se trata da imposição de qualquer tipo de conduta ao devedor, mas sim da utilização de um instrumento de pressão adicional para a concretização da tutela jurisdicional.

Observe-se que a utilização dessas medidas coercitivas por parte do direito processual do trabalho sempre foi assimiladas de maneira unânime por parte da doutrina e da jurisprudência. Nunca se questionou a aplicação das penas pecuniárias diárias (astreintes) para o descumprimento das obrigações de fazer e não fazer, conforme preceituado pelo art. 461 do CPC. No caso das obrigações de fazer e de não fazer, assimilou-se integralmente todo o conjunto normativo concernente aos instrumentos de pressão do devedor. Não se impôs ao devedor trabalhista de obrigação de fazer ou não-fazer nenhum tipo de dever não previsto em lei, mas apenas municiou-se o judiciário trabalhista de mais um instrumento de pressão para o cumprimento de tais obrigações.

Atualmente vamos nos deparar com situação idêntica àquela motivada pela assimilação astreintes no âmbito do direito processual do trabalho. Ou seja, o direito processual civil criou novos mecanismos de pressão em face do devedor, objetivando o cumprimento das obrigações. Quebrou-se, como já foi afirmado anteriormente, o monopólio das medidas sub-rogatórias como meios executivos das obrigações de pagar. Inexiste, por conseguinte, qualquer óbice legal ou dogmático para absorção de tais medidas no âmbito do direito processual do trabalho.

É certo que a doutrina trabalhista não tem se apresentado muito receptiva à assimilação da multa preconizada pelo atual art. 475-J do Código de Processo Civil. O argumento basilar dos opositores da assimilação dessa regra ao direito processual do trabalho reside no fato de inexistir previsão legal de multa na nossa legislação, sendo, portanto, inviável sua oposição sob pena de ferimento do princípio da legalidade [35]. Na verdade é necessário que seja estabelecida a natureza jurídica do instrumento imposto pela norma processual civil, para só assim ser avaliada a compatibilidade ao direito processual do trabalho. Tratando-se de simples medida de coerção, proveniente da atividade executiva do juiz, não se pode dar ao referido instituto a pecha de verdadeira "pena" a ser prevista de forma expressa pela legislação.

Como já expusemos, a assimilação das normas de direito processual comum ao processo do trabalho revela-se em função, principalmente, do seu grau de concretização de uma prestação jurisdicional rápida e flexível. Não há dúvidas de que esta medida de pressão estatuída pela legislação processual civil cumpre nobremente esta finalidade, sendo plenamente possível sua aplicação ao direito processual do trabalho.

Observe-se que, com a eliminação do mandado de citação, subtrai-se igualmente a possibilidade de o devedor proceder à indicação de bens à penhora. A dicção do art. 475-J do CPC é extremamente clara, no sentido de que, constatada a relutância do devedor em cumprir voluntariamente a obrigação, "..expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.".

A opção trazida pela Lei nº. 11.232/2005 foi no sentido de vedar o atraso ou prolongamento da prática dos atos executivos, determinando a expedição automática da ordem de expropriação. Desapareceu de nosso direito a esdrúxula prerrogativa de nomeação de bens à penhora, que tantos dissabores trouxe para a atividade executiva. Surge, portanto, prerrogativa inversa, ou seja, de o próprio devedor proceder à indicação dos bens do devedor que deseja que sofram a penhora (CPC, art. 475-J, § 3º). Como ressalta, Athos Gusmão Carneiro: "Se o devedor não paga, porque não quer ou porque não pode satisfazer seu débito, a atual citação ‘para, no prazo de 24 horas, pagar ou nomear bens à penhora’, é substituída pela expedição, desde de logo, de mandado de penhora e de avaliação, a requerimento do credor (guarda-se o princípio dispositivo, cuja observância é conveniente pois o credor pode, inclusive, não ter interesse na imediata constrição de bens do devedor)." [36].

Nesse ponto, é imperioso destacar a existência de forte resistência por parte da doutrina em assimilar a eliminação da possibilidade de nomeação de bens à penhora por parte do devedor. O argumento principal (e, no entender de muitos, mais avassalador) reside no fato de que a legislação processual trabalhista trata da questão de forma expressa e preconiza no âmbito da CLT, art. 880: a) a obrigatoriedade da expedição de mandado de citação; b) a concessão de prazo de quarenta e oito horas para o cumprimento da obrigação prevista no título; c) a possibilidade de indicação de bens à penhora, segundo a ordem preferencial do CPC, art. 655 [37] (CLT, art. 882).

Conforme expusemos, as regras de subsidariedade do processo do trabalho apresentam-se extremamente anacrônicas, sendo incapazes de acompanhar a velocidade do aprimoramento das normas de direito processual civil. Nesse sentido, dentro das diretrizes estabelecidas para as hipóteses de regulamentação concorrencial, é forçoso concluir que o critério básico para formatação do processo lógico de aferição de compatibilidade da norma de processo comum, não é apenas o vazio normativo do direito processual do trabalho. A busca por um processo do trabalho mais dinâmico e flexível faz com que a atividade de intérprete passe necessariamente pela aferição ideológica da compatibilidade, sempre analisando qualitativamente as inovações do direito comum. Nesse sentido, utilizando-se de nosso processo lógico de aplicação subsidiária da norma de processo comum, devemos analisar, em primeiro lugar, se existe compatibilidade lógica em relação aos fundamentos ideológicos do direito processual do trabalho.

Na hipótese vertente, a eliminação da expedição de mandado de citação e do incidente de nomeação de bens à penhora por parte do devedor adequa-se perfeitamente à busca de uma norma processual de caráter flexível e dinâmico. Por outro lado, o contido no CPC, art.475-J não fere nenhum dos fundamentos ideológicos sob os quais foi construído o nosso direito processual do trabalho. Pensando de maneira mais crítica, do ponto de vista sistêmico, o regramento do CPC, art. 475-J é bem mais compatível com um modelo de execução que se inicia por provocação do próprio juiz, do que pelo vetusto e insólito art. 880 da CLT.

Não há qualquer racionalidade em se manter um sistema de manejo da tutela executiva, simplesmente pelo fato de que não houve o competente procedimento de atualização legislativa em relação à CLT. Vislumbra-se, por conseguinte, a plena compatibilidade de todas as medidas executivas preconizadas pelo artigo acima mencionado. Embora se vindique a assimilação desses instrumentos ao direito processual do trabalho, é imperioso que se promova a competente adaptação do referido instituto aos paradigmas daquela disciplina.

Como se sabe, o direito processual do trabalho apresenta como uma das suas diretrizes ideológicas a postura inquisitorial do juiz, conforme eloqüentemente estatui a CLT, art. 878, em se tratando de tutela executiva. Nesse ponto, há uma nítida discrepância entre o normativo do processo civil que estabelece, de maneira expressa, a necessidade de provocação do credor para o início da prática dos atos de expropriação. Essa condição é inequivocamente considerada diante da expressão "...a requerimento do credor..." contemplada no âmbito caput do art. 475-J.

A transposição da referida normatização para o direito processual do trabalho elimina a necessidade de requerimento do credor para se desencadear a prática dos atos de natureza executiva. Independentemente de provocação da parte, o juiz condutor da execução trabalhista deverá determinar os atos próprios necessários à concretização dos atos sub-rogatórios.

Observe-se que a lei determina a expedição de mandado de penhora e avaliação, no entanto não se pode conceber essa remissão legal como imperativa no sentido de se expedir a respectiva ordem judicial. Como se sabe, o poder judiciário, nos dias atuais, dispõe de mecanismos alternativos de incursão no patrimônio do devedor, sem que seja necessária a expedição de qualquer mandado formal. Um exemplo eloqüente desses novos mecanismos é a possibilidade de bloqueio de contas-correntes dos devedores por intermédio do sistema BACEN-JUD [38], atualmente referendado por nosso direito positivo na forma do CPC, art. 655-A. Sendo assim, a expedição do mandado de penhora só ocorrerá quando for absolutamente necessária a atuação do oficial de justiça na busca de bens integrantes do patrimônio do devedor.

Frise-se, por outro lado, que na nova diretriz processual o devedor poderá indicar patrimônio do credor que seja objeto da penhora, conforme diretriz estabelecida no CPC, art. 475-J, § 3º e 652, § 2º. Trata-se, portanto, de uma mera faculdade a ser exercida pelo credor que não fere o caráter inquisitorial da execução trabalhista. Tendo conhecimento o credor de que existe patrimônio do devedor passível de ser penhorado, poderá ele indicá-lo ao juiz, a fim de que se prossiga na prática dos atos expropriatórios.

4.3 Relativização da suspensividade dos meios de impugnação do devedor.

No período anterior à vigência da Lei nº. 11.232/2005, a interposição dos embargos do devedor implicava na automática suspensão do curso do processo executivo. Era irrelevante o conteúdo da matéria trazida nos embargos, pois, enquanto não fossem julgados, não poderia a execução seguir o seu curso normal. Tratava-se de regra cruel, mas eloqüentemente prevista na antiga redação do CPC, art. 739, § 1º. O direito processual do trabalho, como não dispunha de regra especifica sobre a questão, acomodou-se placidamente à idéia de suspensão automática do curso da execução quando do ajuizamento dos extintos embargos do devedor.

Hoje em dia, no entanto, não mais prevalece a regra da suspensividade ope legis, tendo em vista que o direito processual não mais a estabelece para nenhuma das modalidades de execução. Em todas as hipóteses de execução, a suspensão em decorrência do manejo dos embargos depende de deliberação judicial, conforme se vê do CPC, arts. 475-M e 739-A. Inexiste, portanto, em nosso ordenamento jurídico qualquer norma prevendo a suspensão imediata da execução em função do manejo da impugnação ou dos embargos [39].

Essa alteração, promovida no âmbito da processualística brasileira, representou um dos mais significativos avanços em nosso direito instrumental. A relativização do efeito suspensivo da impugnação e dos embargos é instrumento de inibição do manejo de incidentes desnecessários e procrastinatórios na execução.

No caso do direito processual do trabalho, mesmo para aqueles mais apegados à literalidade da norma processual, não existe qualquer fundamento dogmático que impeça a relativização da suspensão da execução em face do ajuizamento da impugnação. Aplicar-se-á, por conseguinte, integralmente no contido no CPC, art. 475-M.

Para que possa se cogitar a suspensão da execução é indispensável que o juiz declare, de forma expressa, no despacho que recebe a impugnação com esse efeito. A concessão do efeito suspensivo à impugnação não decorre da mera discricionariedade do juiz, sendo indispensável a existência do perigo concreto que a continuidade da execução possa ocasionar "...ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.". Sem a demonstração inequívoca de que sérias seqüelas possam advir da prática dos atos executórios, não se concederá a suspensão da execução.

Acrescente-se, por outro lado, que não é simplesmente a possibilidade de ocorrência de danos ao devedor que determinará a concessão do efeito suspensivo. Deverá existir um mínimo de plausibilidade nas alegações formuladas pelo devedor para que se cogite a concessão do efeito suspensivo. "Os requisitos estabelecidos pelo art. 475-M do CPC para a atribuição de efeito suspensivo à impugnação são os seguintes: a relevância da fundamentação e risco de dano grave de difícil ou incerta reparação. Ambos os requisitos devem estar presentes para que se atribua efeito suspensivo à impugnação." [40]. Sendo assim, a análise concreta dos potenciais danos atribuíveis ao devedor depende da aferição da plausibilidade das alegações formuladas no âmbito da impugnação. Caso os fundamentos apresentados pelo devedor não se afigurem plausíveis, sequer o juiz se debruçará sobre as alegações de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação.

Mas como aquilatar a nocividade da execução em face do devedor? As expressões utilizadas pela norma processual foram dotadas de um alto grau de subjetividade na avaliação. Mesmo assim, a probabilidade de dano a ser causado ao executado deve ser mensurada exclusivamente em função da probabilidade de êxito no âmbito da impugnação. Não se trata de aferir a possibilidade concreta de reversibilidade prática do julgado, mas sim verificar se existe um mínimo de procedência nas alegações formuladas pelo devedor. Observe-se que, embora a norma estabeleça critérios aparentemente subjetivos para a concessão do efeito suspensivo da impugnação, não existe discricionariedade na análise do juiz quanto à concessão do benefício ao devedor. Conforme assevera Araken de Assis: "Perante conceitos jurídicos indeterminados, na verdade, a atividade do juiz não se afigura discricionária no sentido exato e preciso do termo, mas vinculada à única resolução correta que lhe cabe tomar em razão do seu ofício: ou bem se verificam os elementos de incidência, hipótese em que suspenderá a execução;ou não se verificam tais elementos, caso em que a lei proíbe suspender a marcha da execução." [41].

A decisão de deferimento da suspensão da execução, portanto, deverá ser fundamentada com a indicação do cumprimento dos requisitos expressos na legislação. Não se admite, diante dessa nova dinâmica processual implementada, que o juiz suspenda a execução apenas por cautela ou receio da ocorrência de um dano. A possibilidade do dano deverá ser concreta, sob pena da decisão do juiz ferir direito líquido e certo do credor à continuidade da execução.

4.4 Diversificação dos meios de expropriação.

A fase de expropriação é a mais importante na condução da execução de obrigação de pagar. Nela os bens penhorados são retirados de maneira definitiva do patrimônio do devedor e convertidos em dinheiro ou entregues ao devedor. Tradicionalmente a fase de expropriação envolvia diversas fases não necessariamente subseqüentes: a penhora, a arrematação, adjudicação, o usufruto de bem ou empresa e a entrega de dinheiro ao devedor. Conforme assevera Araken de Assis: "...expropiar, a teor do art. 647, significa individualizar bens, no patrimônio, para em seguida, na hipótese de apreensão de bens diversos de dinheiro, dar-lhes justo preço e convertê-los em moeda na alienação coativa (art. 647, I). Incidentalmente, na contingência de a alienação frustrar-se, o próprio credor poderá adquirir o bem adjudicando-o (art. 647,III)." [42].

Sendo assim, o processo civil fundamentou a concretização do procedimento de expropriação com o oferecimento público dos bens penhorados, por intermédio da arrematação, e sendo esta infrutífera, admitir-se-ia a quitação da obrigação pelo recebimento in natura do bem penhorado.

Essa estrutura básica é adotada pelo direito processual do trabalho, onde, embora de maneira extramente resumida, existe previsão da arrematação e adjudicação dos bens penhorados (CLT, art. 888). Mesmo com diferenças pontuais, o regramento trabalhista quanto aos atos de expropriação segue as mesmas diretrizes do processo civil. Conforme assevera José Augusto Rodrigues Pinto: "Dentro de um estudo sistemático da estrutura da execução trabalhista, os atos de alienação são todos os abrangentes do preparo e da efetivação da transferência de patrimônio tornado indisponível ao devedor, através da garantia direta ou da penhora, para satisfazer, com o produto da venda, a obrigação imposta pela sentença exeqüenda." [43].

Nesses dois ramos da processualística, vamos encontrar o ápice da fase de expropriação vinculado à prática de dois atos: a alienação judicial, por intermédio de procedimento formalizado por solenidade pública (arrematação) e, facultativamente, a entrega do bem penhorado como quitação da obrigação executada (adjudicação). Os dois ramos regulam essa respectiva fase de maneira quase que idêntica, sendo que a principal diferença consiste na concretização da fase adjudicatória. Enquanto a adjudicação no processo civil só se implementava diante do insucesso da arrematação (CPC, art. 714, redação anterior à Lei nº. 11.382/2006 [44]), no processo do trabalho o ato adjudicatório é praticado durante a própria arrematação (CLT, art. 888, § 1º).

O advento da Lei nº. 11.382/2006, entretanto, modificou essa estrutura lógica até então construída na processualística. Em primeiro lugar, afastou-se a obrigatoriedade da realização de hasta pública para a conversão em dinheiro do bem penhorado. É possível que se proceda imediatamente à adjudicação do bem penhorado pelo devedor, nos precisos termos do CPC, art. 647, I; 685-A, caput. Nesse caso, é suficiente que o devedor requeira ao Juiz a adjudicação do bem penhorado, que sempre será deferida pelo valor não inferior ao da avaliação (CPC, art. 685-A, caput). No âmbito do direito processual do trabalho, observando a preponderância da postura inquisitorial do juiz, é plausível não se aguardar a iniciativa do exeqüente quanto à adjudicação. Nesse caso, poderá o juiz intimar o credor a fim de questionar quanto ao seu interesse de adjudicar o bem penhorado.

Quando não houver interesse do exeqüente na adjudicação, é possível adotar-se o instituto da alienação por iniciativa particular. Essa modalidade de expropriação é novidade em nosso direito processual, que certamente contribuirá para o aprimoramento dos métodos de alienação judicial dos bens penhorados. Nela não há a necessidade de formalização de hasta pública ou mesmo da expedição de editais. Trata-se de procedimento flexível e dinâmico no qual o juiz "...fixará o prazo em que a alienação deve ser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo (art. 680), as condições de pagamento e as garantias, bem como, se for o caso, a comissão de corretagem."(CPC, art. 685-C, § 1º). Em termos práticos, poderá o próprio exeqüente angariar adquirentes para os bens penhorados, ou mesmo terceiro que possa intermediar a venda respectiva (CPC, art. 685-C, caput). De toda forma, a proposta será apresentada ao juiz, que, se acolhê-lha, determinará a expedição da carta de alienação ou do mandado de entrega ao adquirente (CPC, art. 685-C, § 3º). É lícito aos Tribunais a expedição de provimentos para detalhar o procedimento de alienação por iniciativa particular, bem como o credenciamento de corretores para a intermediação da venda (CPC, art. 685-C, § 3º).

A novidade apresentada é de extrema importância para o aprimoramento dos processos de alienação judicial de bens perante o judiciário brasileiro. A possibilidade de intermediação da alienação por pessoas conhecedoras do mercado, certamente tornará a execução mais efetiva e aproximará o poder judiciário da realidade e o do dinamismo do mercado. Nesse sentido, é possível vaticinar que esse procedimento, no futuro, venha a substituir quase que integralmente nosso vetusto e ineficaz procedimento de arrematação judicial.

Muito embora essa arrematação seja absolutamente anacrônica, permanece regrada perante o nosso direito processual. Diante da nova normatização, no entanto, só haverá a arrematação judicial nos moldes tradicionais caso seja inviável a adjudicação e a alienação por iniciativa particular, conforme enuncia de forma eloqüente o CPC, art. 686.

A Lei nº. 11.382/2006, entretanto, impôs ao procedimento de alienação judicial de bens uma feição mais moderna, admitindo sua realização por meios eletrônicos (CPC, art. 689-A, caput), de conformidade com procedimentos a serem regulados pelos próprios Tribunais de Justiça ou pelo Conselho da Justiça Federal. Embora não exista regramento próprio para o processo do trabalho, não é difícil inferir que essa regulação, no âmbito da Justiça do Trabalho, possa ser feita por intermédio do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CF, art. 111-A, § 2º, II).


5. Síntese conclusiva.

É inegável que o direito processual civil passa por um momento de profunda alteração de suas bases ideológicas. Nesse sentido, as recentes alterações legislativas promovidas no âmbito do Código de Processo Civil não podem ser vistas de maneira isolada ou pontual. Devem ser entendidas como uma mudança radical em toda a base teórica na qual foram construídos os postulados da ciência processual nos primórdios do século XX.

Mais importante do que as modificações no âmbito do direito positivo, a alteração da mentalidade dos processualistas cíveis fez com que montássemos um sistema dogmático extremamente sintonizado com as demandas sociais de uma prestação jurisdicional rápida, efetiva e abrangente. É certo que a eliminação do problema da dificuldade de concretizar a tarefa do Poder Judiciário não se concretiza pela simples alteração do perfil ideológico do processo, tendo em vista envolver variáveis de cunho social, econômico e também político. A mudança de mentalidade dos juristas, entretanto, é condição sine qua non para o atigimento desse objetivo.

Esse debate, infelizmente, não se instaurou no âmbito do direito processual do trabalho que, mesmo sem vivenciar alterações legislativas profundas nos últimos sessenta anos, não apresenta um movimento verdadeiramente destinado à adequação da prestação jurisdicional às novas demandas sociais. É urgente, portanto, que sejam assimiladas as novas diretrizes ideológicas formatadas pelo processo civil, principalmente em matéria de tutela de execução. O fato é que o nosso processo do trabalho não acompanhou os novos tempos e não foi capaz de formular novas soluções trazidas por esses paradigmas emergentes.

Embora ostentemos um credor hipossuficiente, manuseamos uma legislação processual bem mais anacrônica do que aquela que pode ser utilizada pelos grandes credores na esfera cível. A inserção da nova ideologia da tutela execução cível é, portanto, indispensável para que o processo do trabalho resgate seu papel de inovador e vanguardista, enquanto aguarda uma reforma legislativa (ainda sem agenda definida) mais profunda e estrutural.


Notas

  1. A própria Justiça do Trabalho, embora sem integrar inicialmente a estrutura do Poder Judiciário, foi primitivamente organizada por meio do Decreto-lei n.º 1.237, de 02 de maio de 1939. Mesmo antes da referida data já haviam sido criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento por meio do Decreto n.º 22.132, de 25 de novembro de 1932. A estruturação normativa do processo do trabalho, entretanto, só se concretizou com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho.
  2. In: Compêndio de direito do trabalho, 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1981, p. 26.
  3. LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado – Oposição de mérito no processo de execução. Campinas, Bookseller, 2003, p. 139.
  4. TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. O art. 461 do CPC e a ruptura do paradigma conhecimento-execução. In: Revista de Processo, v. 137 – Ano 32. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 57.
  5. In: Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, 3ª ed. São Paulo, Revista do Tribunais, 1999, p. 23.
  6. MARINONI, Luiz Guilherme. Controle do poder executivo do juiz. In: Revista de processo, v. 127 – Ano 31. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 56.
  7. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 9-11.
  8. In: Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. In: Revista de processo, v. 125, Ano 30. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 67
  9. Nesse aspecto as reformas foram paulatinas. Primeiro conferiu-se às sentenças condenatórias de obrigação de fazer, não-fazer e de entregar coisa a eficácia executiva latu sensu (CPC, arts. 461 e 461-A, alterados pela Lei nº. 10.444/2002). Posteriomente essa carcaterística foi migrada para as sentenças condenatórias de obrigações de pagar (CPC, art. 475-J e segs., incluído pela Lei n.º 11.232/2005
  10. Há uma séria controvérsia doutrinária no sentido de se admitir a eficácia executiva direta das sentenças condenatórias, a partir da últimas reformas processuais. José Carlos Barbosa Moreira pontifica que: "...A exigência capital, a que não nos podemos furtar, está em não enfiar no mesmo saco, sob a etiqueta despistadora e equívoca de ‘setenças executivas lato sensu’, figuras substancialmente díspares como são as sentenças do tipo previsto no art. 641 do CPC, que se bastam a si mesmas como instrumento de tutela, e outras que ainda reclamam, para satisfação concreta do vencedor, atividade jurisdicional complementar, a realizar-se – pouco importa aqui – por esta ou aquela forma, no mesmo processo ou em processo subseqüente."(In: Sentença executiva. In: Revista de processo, v. 114, ano 29. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 162).
  11. In: Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, v. 2, 15ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 850.
  12. Essa distância abissal entre os dois ramos da processualística pode muito bem ser ilustrada com a assimilação de muitos institutos do processo do trabalho ao processo civil. Por exemplo, a estrutura procedimental dos chamados Juizados Especiais Cíveis (Lei nº. 9.099 , de 29 de setembro de 1995), segue fielmente as disposições trabalhista em matéria de processo, com a concentração dos atos em audiência, comunicações impessoais dos atos processuais, simplificação na representação das pessoas jurídicas, entre outras medidas.
  13. In: A recente reforma no processo comum e seus reflexos no direito judiciário do trabalho., 2ª ed. São Paulo, LTr, 2006, p. 33.
  14. In: Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 3ª ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 199-200.
  15. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise – uma exploração hermenêutica da construção do Direito, 2ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 79-80.
  16. DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1981, p. 256.
  17. In: Interpretação das leis processuais, 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 44.
  18. In: Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed. Coimbra, Almedina, 1999, p. 1.210-1.211.
  19. Infelizmente o discurso de prevalência da norma de processo do trabalho, mesmo que flagrantemente anacrônica, é vindicado por juslaboralistas de escol. É o caso do eminente Manoel Antônio Teixeira Filho que asseverou o seguinte: "Uma coisa, portanto, é adotar-se, ocasionalmente, em caráter, supletivo, normas do processo civil para suprir omissões existentes no do trabalho;outra, substituir-se, por meio de construção doutrinária ou jurisprudencial, as disposições da CLT (concernentes ao procedimento da liquidação e ao processo de execução) por outras, componentes do sistema do processo civil. No primeiro caso, há integração legal; no segundo, arbitrariedade manifesta."(In: As novas leis alterantes do processo civil e sua repercussão no processo do trabalho. Revista LTr, Ano. 70, nº. 03, São Paulo, LTr, março de 2006, p. 274-299 (275).
  20. SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: Ingo Wolfgang Sarlet (org.) A constituição concretizada – construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 107-164 (118).
  21. Op.cit. p. 249.
  22. Quanto à execução provisória, diversos doutrinadores defendem a idéia de que a CLT estabelece limites para a atuação do credor. Não é aceitável, portanto, partir-se da premissa de que o diploma consolidado apresenta-se auto-suficiente quanto à regulação da execução provisória. De fato, o contido no art. 899 da CLT resume-se a identificar no âmbito do direito processual do trabalho a possibilidade de manejo do instituto da execução provisória. Ao se reportar à locução "até a penhora", não se estabelece um limite instransponível para a continuidade do procedimento executório. O texto limitou-se a adotar a sistemática vigente quando de sua edição, não sendo possível visualizar, no nosso entender, a fixação de qualquer elemento normativo definidor ou limitador da prática dos atos relativos à execução provisória.
  23. In: Compendio de derecho laboral, tomo II, 4ª ed. Buenos Aires, Heliasta, 2001, p. 762.
  24. Assim dispunha o Código de Processo Civil em sua redação vigente

    Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observados os seguintes princípios:

    I - corre por conta e responsabilidade do credor, que prestará caução, obrigando-se a reparar os danos causados ao devedor;

    II - não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro;

    III - fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto da execução, restituindo-se as coisas no estado anterior.

    Parágrafo único. No caso do nº. III, deste artigo, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.

  25. Com a edição da mencionada lei, o art. 588 do CPC passou a ter a seguinte redação:

    "Art. 588. A execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

    I - corre por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a sofrer;

    II - o levantamento de depósito em dinheiro, e a prática de atos que importem alienação de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução idônea, requerida e prestada nos próprios autos da execução;

    III - fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior;

    IV - eventuais prejuízos serão liquidados no mesmo processo.

    § 1o No caso do inciso III, se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.

    § 2o A caução pode ser dispensada nos casos de crédito de natureza alimentar, até o limite de 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar em estado de necessidade. "

  26. In:Execução no processo do trabalho, 7ª ed. São Paulo, LTr, 2001, p. 141-142.
  27. In: As vias de execução do Código de Processo Civil brasileiro reformado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 294 (284-329)
  28. In: Execução no processo do trabalho, 2. ed. São Paulo, LTr, 1991, p. 80.
  29. O cotidiano forense tem demonstrado que não é o aumento do montante da execução que garante a efetividade dos atos executórios.O devedor contumaz e inescrupuloso lança mão de atitudes ardilosas para descumprir as obrigações, pouco importando o montante da dívida. A alternativa implementada pelo atual art. 475-J do CPC é apenas mais uma medida em busca da efetividade da execução.
  30. In: Manual do processo de execução, 5.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 111.
  31. Tradicionalmente o direito processual prevê uma medida de pressão especifica para as obrigações de pagar alimentos, onde se corrompeu moderadamente o sistema de prevalência das medidas sub-rogatórias nessas modalidades de execução. Trata-se, portanto, da prisão civil do devedor, preconizada exclusivamente para o descumprimento involuntário de pensão alimentícia (CF, art. 5º, LXVII ; CPC, art. 733).
  32. MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil – teoria geral e princípios fundamentais, 2. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 403.
  33. In: Processo de execução – parte geral, 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 29.
  34. In: Do "cumprimento da sentença", conforme a Lei nº. 11.232/2005. Parcial retorno ao medievalismo? Por que não? São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 69 (51-91).
  35. Trata-se de orientação propugnada por Manoel Antônio Teixeira Filho (vide Processo do trabalho – embargos à execução ou impugnação à sentença? - A propósito do art. 475-J, do CPC. In: Revista LTr, v.70, nº. 10, p. 1179-1182. São Paulo, LTr, out. 2006); Edilton Meireles (vide A nova execução cível e seus impactos no processo do trabalho. In: Revista LTr, v. 70, nº. 03, p. 347-351. São Paulo, LTr, mar. , 2006); José Augusto Rodrigues Pinto (vide Execução trabalhista, 11. ed. São Paulo, LTr, 2006, p. 39); entre outros.
  36. Op. cit. p. 69.
  37. É relevante a menção de que a redação originária do art. 655 do CPC endereçava a ordem preferencial de indicação de bens ao devedor. Como eliminação da prerrogativa de nomeação por parte do devedor, inclusive nas execuções fundadas em títulos extrajudiciais, por força da Lei nº. 11.382, de 06 de dezembro de 2006, a ordem preferencial é dirigida ao juízo da execução.
  38. O sistema BACEN-JUD nada mais é do que uma forma de centralizar as solicitações de bloqueio de ativos financeiros emitidos pelos juízes. Adotando um mecanismo ágil de comunicação e distribuição das ordens judiciais , o sistema, disponível para todo o poder judiciário, permite o bloqueio de qualquer ativo financeiro do devedor, mediante a veiculação do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ ou do Castrado de Pessoas Físicas – CPF. Nesse caso, não há a necessidade de expedição de qualquer tipo de mandado ou ofício, bastando a utilização de senha pelo juiz devidamente cadastrado.
  39. No caso dos embargos à execução em face da Fazenda Pública, a suspensividade é subentendida em função da atipicidade dos meios executórios utilizados contra o Estado devedor, mas inexiste dispositivo que se refira a tal técnica de forma expressa.
  40. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit. p. 412.
  41. In: Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro, Forense, 2006.
  42. In: Manual do processo de execução, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 432.
  43. In: Execução trabalhista – Estática – Dinâmica – Prática, 11. ed. São Paulo, LTr, 2006, p. 296.
  44. Assim dispunha o revogado art. 714 do CPC: "Finda a praça sem lançador, é lícito ao credor, oferecendo preço não inferior ao que consta do edital, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados."

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CORDEIRO, Wolney de Macedo. A guinada ideológica do processo civil e sua influência na execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1975, 27 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12016. Acesso em: 23 abr. 2024.