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Litisconsórcio necessário ativo: uma ficção legal

Litisconsórcio necessário ativo: uma ficção legal

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I - Introdução

Sabe-se que o processo é o meio pelo qual as pessoas movem o Estado-juiz na busca de provimento jurisdicional pelo qual possam ter seus conflitos dirimidos, razão por que é tido como um instrumento pelo qual se exerce o direito subjetivo de ação. Constituindo-se ma relação jurídica, é composto por três elementos principais, a saber: autor (pólo ativo), réu (pólo passivo) e Estado-juiz, este último na pessoa do magistrado competente para a causa. Presentes estes componentes, a relação se reveste de caráter tríade, que culminará num processo dialético, pois o autor apresenta a tese (seu pedido), o réu a antítese (sua defesa), e o juiz a síntese, ao prolatar sua sentença.

Comumente, cada pólo (ativo e passivo) é ocupado por uma só pessoa. Entrementes, pode acontecer que o direito discutido no processo não pertença exclusivamente a uma só pessoa, mas a duas ou mais, tal como se dá com os cônjuges em relação a direitos sobre bens imóveis. Nesses casos, todos os que têm direito comum sobre um bem devem agir, processualmente, em conjunto, posto que, isoladamente, um não poderá pleitear direito que não é somente seu. Quando isso ocorre, o pólo ativo ou passivo, ou ambos, passa a ser assumido por mais de uma pessoa, fenômeno ao qual a doutrina e o próprio Código de Processo Civil denominam litisconsórcio. Nesse sentido, tem-se a lição exímia do mestre baiano Fredie Didier, que entende ser litisconsórcio "uma reunião de duas ou mais pessoas assumindo, simultaneamente, a posição de autor ou de réu. " Não é demais acrescer que o litisconsórcio é uma pluralidade de partes.


II - Breve classificação

A doutrina tem classificado este instituto processual civil da seguinte forma:

-Inicial e ulterior – inicial é aquele que se dá logo no início do processo, isto é, contemporaneamente à formação da relação jurídica processual. Ex. : quando duas ou mais pessoas promovem a ação em face de somente uma (litisconsórcio ativo); quando somente uma promove a ação em desfavor de duas ou mais pessoas (litisconsórcio passivo); ou quando no mínimo duas demandam contra duas ou mais (litisconsórcio misto). Ulterior é o que surge logo após a formação do processo, podendo ocorrer em três hipóteses, a saber: por intervenção de terceiros, tal como se dá com a denunciação da lide e com o chamamento ao processo; pela sucessão processual, v. g. , quando os herdeiros assumem o lugar da parte falecida no processo; pela conexão, se for imprescindível a reunião das causas para que sejam processadas simultaneamente.

-Unitário e simples – esta classificação é feita tendo em conta os efeitos da decisão em relação aos litisconsortes. Assim, ter-se-á litisconsórcio unitário quando o decisum (provimento jurisdicional) resolver de modo igual a situação dos litisconsortes ou, nas palavras de Didier, quando "o provimento jurisdicional tem que regular de modo uniforme a situação jurídica dos litisconsortes, não se admitindo, para eles, julgamentos diversos. O julgamento terá se de ser o mesmo para todos os litisconsortes. " Por outro lado, o litisconsórcio simples configura-se quando a decisão judicial pode ser diferente para cada litisconsorte. Segundo Didier, "cada litisconsorte é tratado como parte autônoma", vale dizer, diferentemente do que ocorre com o litisconsórcio unitário, em que vários litisconsortes são considerados um só, o que, consoante o festejado autor, revela uma unidade da pluralidade.

- Necessário e facultativo – entende-se por necessário aquele em que é exigida a presença de duas ou mais pessoas num dos pólos do processo, seja em virtude da natureza da relação, a exemplo do que ocorre com os cônjuges, seja em por imposição da lei. Segundo Fredie Didier, "o litisconsórcio necessário está ligado mais diretamente à indispensabilidade da integração do pólo passivo por todos os sujeitos (.. . ). A necessariedade atua, por isso, na formação do litisconsórcio (.. . ). " Veremos que no litisconsórcio necessário, a prolação de uma decisão de mérito estará condicionada à presença de todos os sujeitos no pólo da demanda. Facultativo, por sua vez, é aquele cuja formação depende da vontade dos sujeitos, que podem promover a ação sozinhos ou em conjunto, a exemplo do que se dá com familiares de vítimas de um acidente aéreo, posto que cada um poderá demandar sozinho contra a empresa, ou, se preferirem, poderão se unir para pleitear a indenização num só processo, em que o pólo ativo estará formado por inúmeras pessoas.


III – Apresentação do problema

Tendo procedido a essa classificação, enfrentaremos o problema proposto, qual seja, demonstrar que o litisconsórcio necessário ativo somente pode ser concebido no plano abstrato, uma vez que na prática a ausência de meio jurídico idôneo a compelir alguém ao exercício do direito de ação acaba por deixar a formação dessa modalidade de litisconsórcio a mercê do sujeito, que pode optar entre se unir ou não a quem deseja pleitear um direito que também pertence àquele, como é o caso dos cônjuges, que têm direito comum em relação a bens imóveis, podendo ocorrer que o cônjuge varão se nega a demandar, enquanto o cônjuge virago pretenda fazê-lo contra alguém que, por exemplo, esteja cometendo uma turbação à posse que eles, cônjuges, têm sobre um terreno. Pergunta-se: poderá o juiz obrigar o cônjuge varão a participar do processo, no pólo ativo, já que a natureza da relação jurídica exige isso, e porque sem ele o mérito da causa não poderá ser julgado, em virtude de haver, no caso, legitimação ad causam conjunta?


IV - Desenvolvimento

Inicialmente, impende destacar o tratamento que o Código de Processo Civil dá ao litisconsórcio necessário e ao facultativo. Assim, tem-se que neste último será indiferente para o juiz se a parte pleitear sozinha ou conjuntamente, posto que de qualquer modo não haverá óbice algum à prolação de uma decisão de mérito, já que qualquer delas terá legitimidade, mesmo sozinha, enquanto no primeiro, isto é, o necessário, aquele que decorre da exigência legal ou da natureza da relação jurídica, é importante para o juiz se a parte está promovendo de per si a ação ou se o está conjuntamente. Na primeira hipótese não haverá decisão de mérito, pois por uma irregularidade no pólo ativo da demanda, o juiz intimará o autor para que proceda à dita regularização, sob pena de extinção sem apreciação da matéria meritória, por ser imprescindível a presença de todos os "potenciais" litisconsortes ativos, sendo que só na segunda hipótese poder-se-á resolver o mérito, já que as partes serão legítimas.

No que tange à exigência legal no sentido de que as partes demandem conjuntamente, é inconteste que o litisconsórcio necessário existe, pois se fosse de outro modo, a propositura da ação por somente um dos "possíveis" litisconsortes ativos não implicaria na extinção do processo sem julgamento de mérito, por carência de ação, haja vista a falta de legitimidade de parte, como bem pontificam Humberto Theodoro Júnior e Cândido Rangel Dinamarco, sob o argumento de que no litisconsórcio necessário ativo há uma legitimação ad causam conjunta ou complexa, o que redunda em dizer que a legitimidade de parte não se dará, se só um dos litisconsortes demandar. Legalmente há previsão do litisconsórcio ora vergastado, mas na prática a sua configuração ficará a mercê de qualquer das partes, já que se uma delas se recusar, ao juiz não será dado qualquer meio pelo qual possa trazê-la, compulsoriamente, ao pólo ativo.

Deve-se frisar, ainda, que se não existisse esta exigência da lei em razão da natureza da relação jurídica, o autor não deveria, como alguns preferem, ser intimado para regularizar o pólo ativo da demanda, sob pena de ver quedar extinto o processo nos termos do art. 47,§ único c/c art. 267, XI ou, até mesmo, ex vi (por força) do art. 267, III, por caracterizar abandono de causa, decorrente do não cumprimento, por sua banda, de diligência que lhe competia, pois seria facultativo e, assim sendo, pouco importaria se o pleito fosse feito de per si ou em conjunto, de modo que o autor obteria a satisfação de sua pretensão através de uma sentença de procedência do pedido ou, pelo menos, teria uma definição acerca da lide, pois, mesmo desfavorável a si próprio, teria, para o seu caso, uma sentença de mérito e, por corolário, idônea a fazer coisa julgada material, o que, indubitavelmente, não ocorreria em relação àquele processo cuja análise do meritum causae estaria condicionada à presença de todos os "litisconsortes necessários no pólo ativo", já que seria inevitável a prematura extinção do feito. Como diria o Ministro Marco Aurélio, "não se pode altercar o apodíctico". É o caso, de modo que não se deve confundir o tratamento legal dado ao litisconsórcio necessário e ao facultativo. Penso que é um ponto que não se pode desprezar, pois é imprescindível para se definir em relação a que existe ou não litisconsórcio necessário ativo, já que, se olharmos do ponto de vista legal, teórico, se é assim que posso dizer, existe. Nunca prático.

O problema que surge quanto ao litisconsórcio necessário ativo é no tocante à possibilidade da outra parte, potencial litisconsorte ativo, recusar-se a integrar o pólo ativo. É onde repousa a celeuma. Indaga-se se, por ser ação um direito e não um dever, o litisconsorte pode ser constrangido ao seu exercício e, no mesmo passo, se é razoável que o outro litisconsorte seja privado de seu direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF), que tem predicamento constitucional. A resposta para tal questionamento talvez esteja, em parte, contida no seguinte excerto do REsp. 956. 136 – SP julgado pelo STJ em 14/08/2007, sob a relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho:

"Somente há que se falar em litisconsórcio ativo necessário em situações excepcionais, uma vez que ninguém pode ser compelido a comparecer nos autos como autor. "

Relativamente ao segundo questionamento, tem-se o escólio de Nelson Nery Júnior e Rosa Mª de Andrade Nery, para os quais:

"Quando, pelo direito material, a obrigatoriedade da formação do litisconsórcio deva ocorrer no pólo ativo da relação processual, mas um dos litisconsortes ativos não quiser litigar em conjunto com o autor, esta atitude potestativa não pode inibir o autor de ingressar com a ação em juízo, pois ofenderia a garantia constitucional do direito de ação. " (p. 224, Código de Processo Civil Comentado, 2006).

Ocorre, todavia, que em razão da natureza do direito material ou da relação jurídica, o Código de Processo Civil não dispensa a presença do litisconsorte necessário, tanto que em seu art. 47, § único prevê a possibilidade de extinção do processo, sem apreciação da questão de fundo, caso a parte autora, após ingressar sozinha, não consiga a adesão de seu litisconsorte, no prazo assinado pelo juiz para esse fim. A explicação para isso é o fato de, em sede de litisconsórcio necessário ativo, haver "legitimidade ad causam conjunta", como bem preleciona Cândido Rangel Dinamarco, a fim de ensinar que "a legitimidade ordinária de cada co-legitimado está chumbada à dos demais, de modo a só se completar com o concurso de todos os legitimados", daí afirmar a possibilidade de extinção sem resolução de mérito, por carência de ação, o que, aliás, também é o posicionamento de Humberto Theodoro Júnior, que, nesse ínterim, sustenta:

"Embora não se possa ordenar a citação de litisconsorte ativo, o juiz, reconhecendo que o autor não teria legitimidade para intentar a ação sozinho, pode-lhe assinar prazo para obter a adesão do co-interessado necessário. Não vindo o consorte para o feito, o processo será extinto, sem apreciação do mérito" (p. 127).

A razão da extinção, a meu ver, não tem muita importância, seja por irregularidade no pólo ativo, seja por carência de ação. Contudo, é imperioso salientar que o Código de Processo Civil não é claro quanto à solução, pois, se seguido à risca, inviabiliza inevitavelmente a prolação de decisão de mérito nos casos em que exige pluralidade de partes no pólo ativo, sempre que a outra parte se recusar a integrar tal pólo.

A Jurisprudência afirma que, por se tratar de uma limitação ao direito constitucional de ação, o autor, interessado na prestação jurisdicional, não pode dela ser privado, e o "possível" litisconsorte ativo, só excepcionalmente, pode ser compelido a integrar o pólo ativo da demanda. Senão vejamos como Superior Tribunal de Justiça, em 2006, se posicionara, consoante parte do REsp. 803. 217- SP, de relatoria da Ministra Denise Arruda:

"PROCESSO CIVIL. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO. EXCEÇÃO AO DIREITO DE AGIR. OBRIGAÇÃO DE DEMANDAR. HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. RECURSO PROVIDO.

I - Sem embargo da polêmica doutrinária e jurisprudencial, o tema da admissibilidade ou não do litisconsórcio ativo necessário envolve limitação ao direito constitucional de agir, que se norteia pela liberdade de demandar, devendo-se admiti-lo apenas em situações excepcionais.

II - Não se pode excluir completamente a possibilidade de alguém integrar o pólo ativo da relação processual, contra a sua vontade, sob pena de restringir-se o direito de agir da outra parte, dado que o legitimado que pretendesse demandar não poderia fazê-lo sozinho, nem poderia obrigar o co-legitimado a litigar conjuntamente com ele.

III - Fora das hipóteses expressamente contempladas na lei, a inclusão necessária de demandantes no pólo ativo depende da relação de direito material estabelecida entre as partes. Antes de tudo, todavia, é preciso ter em conta a excepcionalidade em admiti-la, à vista do direito constitucional de ação.

Interessante é que se diz: "só excepcionalmente". Porém não se traz à baila a hipótese em que, compulsoriamente, o "potencial" litisconsorte ativo seria trazido à relação processual, no pólo ativo. Destarte, cabível é dizer que não há, ao que tudo indica, meio jurídico para que o dito litisconsorte venha à relação processual para integrar o pólo ativo, mesmo contra a sua vontade.

O professor Cândido Rangel Dinamarco ensina que o constrangimento, por parte do juiz, no sentido de que a parte passe a integrar, contra sua vontade, o pólo ativo, após uma "citação", vai também de encontro a preceito constitucional (princípio da legalidade) pelo qual se assegura a liberdade e se garante que, tão-só em virtude de lei, alguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo. A lição é a seguinte:

"(.. . ) compelindo o co-legitimado a aderir a um pedido que não quis fazer, estaria o juiz, com violação perpretada contra sua liberdade de agir, afrontando a garantia de liberdade e legalidade estabelecida no art. 5º, inc. II, da Constituição Federal. Considerá-lo integrado na relação processual a partir de quando citado (podendo, inclusive, fazer-se revel e amargar as conseqüências disso) violaria de maneira grave as normas de um sistema solidamente apoiado na iniciativa da parte (CPC, arts. 2º, 128, 262, 460) e, com isso, a garantia constitucional do due process of law. "

A guisa de precaução, é necessário dizer que a expressão "tão-somente em virtude de lei" não pode ser entendida como fundamento para que se diga que o litisconsorte ativo poderia, portanto, ser compelido a participar, no pólo ativo, da relação processual. Penso que se deve atentar ao fato de que o art. 47, quer no caput, quer no § único, não traz qualquer determinação ao litisconsorte ativo no sentido de que ele, mesmo não querendo, passe a integrar o pólo ativo. Pelo contrário, a determinação é dirigida àquele que, sozinho, propõe a ação, e é no sentido de que providencie a adesão do outro litisconsorte, sob pena de extinção. Portanto, a lição do decantado mestre não pode servir de argumento contra o seu próprio propósito, que é negar a possibilidade de litisconsórcio necessário, justamente por não ser dado ao juiz, muito menos à outra parte, poderes para trazer ao processo, a fim de que integre o pólo ativo, o litisconsorte, sem a espontânea vontade deste.

Não obstante o posicionamento de Cândido Dinamarco, há quem, equivocadamente, considere, possível e constitucional o constrangimento de uma parte em prol da defesa do direito constitucional de ação de outra, que estaria ofendido (o direito), caso aquela não compusesse o pólo "necessariamente" ativo. Entre eles estão, como disse, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery, que em face da dúvida entre dever ou não um dos litisconsortes mover a ação, entendem:

"O autor deve movê-la, sozinho, incluindo aquele que deveria ser seu litisconsorte ativo, no pólo passivo, como réu, pois existe lide entre eles, porquanto esse citado está resistindo à pretensão do autor, embora por fundamento diverso da resistência do réu. Citado, aquele que deveria ter sido litisconsorte necessário passa a integrar de maneira forçada a relação processual. Já integrado no processo, esse réu, pode manifestar sua vontade de: a) continuar no pólo passivo, resistindo à pretensão do autor; b) integrar o pólo ativo, formando o litisconsórcio necessário ativo reclamado pelo autor. " (p. 224. Grifei)

É necessário, mais uma vez, diferenciar litisconsórcio necessário e litisconsórcio facultativo, mas no que tange à alternativa que tem a parte litisconsorte de participar ou não da relação processual. Assim, sabe-se que o primeiro ocorre por exigência legal ou da natureza da relação jurídica, não tendo a parte litisconsorte outra opção senão a de participar do processo ou, por sua inércia, sofrer os efeitos da sentença. No litisconsórcio facultativo, pelo próprio nome se nota que a parte tem a faculdade de optar entre, sozinha ou acompanhada, vindicar tutela jurisdicional. Noutras palavras, no litisconsórcio facultativo, diferentemente do necessário, o juiz não pode, compulsoriamente, trazer a qualquer pólo o outro litisconsorte, já que sua presença é dispensável. Sumariamente, no litisconsórcio necessário não há possibilidade de ficar ausente da relação processual, no pólo exigido, e não sofrer seus efeitos, de modo que o litisconsorte acaba levado a participar, pois para ele os efeitos seriam como "sanção" face à sua inércia.

É válido ressaltar, neste ponto, que entendo esta como uma importante diferença, pois se for perguntado: do ponto de vista da opção que o litisconsorte tem entre participar ou não da demanda, no pólo ativo, há litisconsórcio necessário ativo? A resposta não pode ser outra senão a negativa, posto que embora alguns autores vejam como possível compelir o litisconsorte a demandar no pólo ativo, os meios não parecem realmente capazes de "forçá-lo". Ora, quando Nelson Nery afirma: "O autor deve movê-la sozinho, incluindo aquele que deveria ser seu litisconsorte ativo, no pólo passivo, como réu (.. . )", com a devida vênia, além de estar sendo flagrantemente redundante, pois diz ''incluindo no pólo passivo, como réu'', acaba revelando que não haveria, na hipótese, litisconsórcio ativo, mas passivo, já que além do réu "originário" - se é assim que posso individualizar -, o autor da ação lançaria no pólo passivo mais alguém, que é aquele que seria o seu litisconsorte ativo. Na solução de Nelson Nery, não haveria, como é cediço, litisconsórcio ativo, já que em tal pólo estaria somente o autor que, por não ter a adesão do litisconsorte ativo, lançar-lhe-ia no pólo contrário. O que é importante entender é que, se fosse necessariamente ativo, a solução seria capaz de incluir, no pólo ativo, aquele que se recusasse. Ocorre que, segundo Nelson Nery, a inclusão seria no pólo passivo, implicando em concluir que o pólo ativo estaria ocupado por somente uma pessoa, aquela que incluiu aquele que seria seu litisconsorte ativo no diverso. Realmente o respeitado autor dá solução parcial, pois ela logra trazer o recalcitrante à relação processual, o que é importante, haja vista a natureza da relação jurídica, mas não a traz para o pólo ativo.

No tocante à possibilidade que, segundo Nelson Nery, é dada ao "réu" - que poderia ser litisconsorte ativo – de optar entre permanecer no pólo passivo ou vir integrar o ativo, o Mestre Fredie Didier formula a seguinte crítica:

"É no mínimo estranho que um sujeito, uma vez demandado possa, se quiser, tornar-se litisconsorte do autor (.. . ). Essa situação revela que nenhum pedido lhe foi dirigido, pois ninguém pode, por vontade própria, deixar de ser réu". (p. 313)

Isto no tocante à opção dada aos litisconsortes, o que leva a crer que, como o litisconsorte ativo não pode, por ser atentatório ao seu direito constitucional consignado no art. 5, inc. II, da CF, ser constrangido, até mesmo porque não há sequer uma "sanção" por sua resistência ou por sua inércia, como ocorre com o réu e a revelia, de fato não pode haver litisconsórcio necessário ativo, a menos por "ficção" de lei, que exige a presença, mas não dá meios para que juiz imponha a pessoa a demandar como autora. Não pode haver necessariedade, se é dado ao litisconsorte em potencial a alternativa de vir ou não aos autos como autor. Aliás, Nelson Nery fala em necessidade, tão-somente, de o litisconsorte renitente estar no processo, participando, portanto, da relação processual, independentemente do pólo, tudo no afã de que a sentença possa lhe atingir e o faz nos seguintes termos:

"O que importa para que se cumpra a lei e se atenda aos preceitos do sistema jurídico brasileiro é que os litisconsortes necessários – isto é, todos os partícipes da relação jurídica material discutida em juízo – integrem a relação processual, seja em que pólo for". (p. 224).

Merece atenção a assertiva do renomado processualista em tela. A ele, em parte, assiste razão, por vislumbrar a necessidade da presença de todos no processo. Porém, deve-se entender que mais uma vez o autor dá a entender que não haverá litisconsórcio necessário ativo. Relembre-se que antes ele dissera que o autor moveria sozinho a ação, colocando no pólo passivo o litisconsorte renitente. Agora ele afirma que não importa em que pólo os litisconsortes estejam, ou seja, a parte que deveria formar litisconsórcio ativo com o autor estaria no pólo passivo, junto com o outro réu, pois seria a única forma pela qual ela poderia ser trazida compulsoriamente ao processo, já que como autora, ela viria se quisesse. Impende indagar: haveria quantas pessoas, nesse caso, no pólo ativo? Ora, é óbvio que não há litisconsórcio necessário ativo. Há a necessidade, sim, de que, como diz o autor, todos os partícipes da relação jurídica material discutida em juízo estejam na relação processual, não no pólo ativo. Frise-se: a necessidade é no sentido de que todas estejam presentes, a fim de que a sentença incida sobre todos e que, pela natureza da relação jurídica ou pela exigência da lei, não haja qualquer irregularidade processual.

Ademais, repise-se o seguinte: Nelson Nery não diz que o "reú" - aquele que seria litisconsorte ativo - seria "obrigado" a integrar o pólo ativo. Ele é claro ao dizer: "pode manifestar sua vontade de: (.. . ) integrar o pólo ativo (.. . )". Deveras, aquele que seria litisconsorte ativo viria ao processo não como autor, mas como réu, e se tivesse vontade de integrar o pólo ativo, o faria, mas porque quereria, não por lhe haver imposição. Mais uma vez ser-lhe-ia participar ou não do pólo ativo. Caso permanecesse no pólo passivo, não haveria sequer litisconsórcio, haja vista que o pólo ativo contaria com somente com aquele autor originário – aquele que teria proposto a ação contra o litisconsorte renitente e o outro réu.

Resta claro, portanto, que a composição do pólo ativo por mais de uma pessoa ficará a mercê de um dos "potenciais" litisconsortes, não tendo o ordenamento jurídico via pela qual ele possa se obrigado a atuar nos autos, como autores. Repito, o ordenamento jurídico viabiliza que aquele que se negar a integrar o pólo ativo seja trazido à relação processual, compulsoriamente, mas como réu, justamente por sua recalcitrância, o que implica em dizer aquele outro pólo (o ativo) não terá duas pessoas, mas somente aquela que insiste em, mesmo sozinha, pleitear a prestação jurisdicional, exercendo o seu direito de ação de per si.

Urge, pois, concluir que o litisconsórcio necessário ativo não passa de construção doutrinária e que, pela análise de como se desenvolve a relação processual na prática, é de se dizer que o litisconsórcio ativo somente se constitui pela vontade das partes.


Referência bibliográfica

Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante: atualizado até o dia 1º de março de 2006/Nelson Nery Júnior, Rosa Maria de Andrade Nery – 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

DIDIER JÚNIOR, Fredie, Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 7 ed. JusPODIVM.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

JÚNIOR, Humberto Theodoro, Curso de Direito Processual Civil, 47 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Jefferson Domingues. Litisconsórcio necessário ativo: uma ficção legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1986, 8 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12058. Acesso em: 19 abr. 2024.