A Constituição e o meio-ambiente.
Limites à utilização de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente
A Constituição e o meio-ambiente. Limites à utilização de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente
Cláudia Maria Borges Costa Pinto
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Sumário:
1. Introdução. 2. O Meio Ambiente na Constituição. 3. Valores e Princípios Constitucionais. Princípios Vinculados a Valores. 4. Relações entre as Competências Tributária e Ambiental. Parâmetros Constitucionais para o uso de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o Meio Ambiente. 5. Conclusões. 6. Referências.RESUMO: Este artigo apresenta reflexões sobre os limites à utilização de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente. Embora seja um tema de grande importância, existem poucos trabalhos doutrinários e rara jurisprudência sobre o tema, o que dificulta o trabalho de pesquisa e, por conseguinte, a exata compreensão do assunto, o que, justifica, outrossim, o interesse e a relevância em aprofundar o seu estudo.
Palavras-chave: Constituição brasileira – sistema tributário brasileiro - princípios constitucionais - tributação ambiental.
ABSTRACT: This article presents reflections about the limits to the use of tax law as intervention instrument on the environment. Although it is a subject very important, there are few doctrinal works and rare jurisprudence about the subject, what it makes it difficult the research work and, therefore, the accurate understanding of the subject, what, justify the interest and the relevance in deepening the its study.
Word-key: Brazilian constitution - system brazilian tributary - principles constitutional - ambient taxation.
1 INTRODUÇÃO:
A preservação do meio ambiente passou a se inserir na pauta das preocupações da sociedade moderna. No entanto, a vertiginosa rapidez da evolução econômica e social não é acompanhada pelo Direito Positivo, o qual, com certa freqüência, tarda a disciplinar estes setores.
Todavia, ao nos debruçarmos sobre nossa Carta Magna, verificamos que tal não sucede com as interações entre o Direito Tributário e Ambiental, pois, embora seja forçoso reconhecer que os problemas que atualmente se põem aos juristas se situem num contexto diferente ao vivenciado quando do advento da Constituição de 1988, há, no Direito Constitucional positivo, instrumental jurídico suficiente para estruturar um corpus teórico apto à disciplinar as mudanças e transformações havidas nestes ramos do Direito [01] e cuja harmonização dá lugar a uma possível "tributação ambiental [02]" ou, em outros termos, "tributação ambientalmente orientada [03]".
Outrossim, buscando lançar luzes no verdadeiro "encontro das águas" entre o Direito Tributário e Ambiental [04] visa o presente trabalho, a partir de uma leitura do texto constitucional, estabelecer os parâmetros fixados pela Constituição para a possível utilização de normas tributárias como meio de intervenção sobre o meio ambiente.
2 O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO:
Segundo Edson Luiz PETERS a legislação ambiental brasileira é uma "colcha de retalhos", pois "nunca existiu e não existe um corpo legislativo único, isto é, um Código Ambiental Brasileiro" pois as "normas foram sendo editadas gradativamente na História Político-Jurídica brasileira" estando "dispersas em inúmeros textos legais [05]".
Não estando compreendido no escopo deste trabalho a sistematização da legislação ambiental, impõe-se um corte metodológico que limite o estudo dentro da própria Constituição Federal.
Neste âmbito, Paulo Affonso Leme MACHADO ensina que a "(...) Constituição de 1988 pela primeira vez no Brasil insere o tema ´meio ambiente´em sua concepção unitária" lecionando que a mesma "(...) garante o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. [06]"
Segundo José Afonso da SILVA há referências explícitas e implícitas ao meio ambiente na Constituição. Entre as referências expressas cita o artigo 5º, inciso LXXIII; o artigo 20, inciso II; art. 23; art 24, incisos VI, VII e VIII; art. 91, § 1º, inciso III; art. 129, inciso III; art. 170, inciso VI; art. 174, § 3º; art. 186, II c/c art. 184; artigo 200, inciso VIII; art. 216, inciso V; art. 220, § 3º, inciso II; art. 231, § 1º [07], figurando o núcleo da questão ambiental no Capítulo VI do Título VIII (Ordem Social - art. 225). As referências implícitas, por seu turno, inserem-se os dispositivos insertos no artigo 21, incisos XIX, XX; XXIII, XXIV, XXV; artigo 22, incisos IV, XII e XXVI; artigo 23, incisos II, III e IV; artigo 24, inciso VII; artigos 215 e 216; artigo 20, incisos III, V, VI, VIII, IX e X; artigo 26, inciso I; artigo 30, inciso VIII c/c art. 183; artigo 30 inciso IX; artigos 196 a 200.
Para efeitos deste estudo, no entanto, importa esclarecer que a Constituição Federal consagra um sistema jurídico ambiental, que, na repartição de competências, adotou a regra geral para as entidades federativas, as quais, possuem., em matéria de meio ambiente, competência material comum (artigo 23) e competência legislativa concorrente (art. 24), cabendo a União - a qual ocupa uma posição de supremacia no que tange à proteção ambiental [08] - editar "normas gerais [09]", de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios.
O objeto da tutela - meio ambiente - aqui compreendido como a "interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas", na lição de José Afonso da SILVA [10], se dá a partir da instituição de um plexo de competências atribuídas pela Constituição aos entes da Federação, donde conclui-se que o legislador ordinário, na esfera de sua competência, poderá adotar as mais distintas e variadas políticas públicas e instrumentos técnicos para cumprir o dever constitucional de defesa e preservação do meio ambiente [11], inserindo-se, então, entre tantas medidas, a utilização da tributação ambientalmente orientada.
Apresentada a questão sob esse prisma, isto é, a tributação ambientalmente orientada como um – entre outros - dos instrumentos disponíveis para a persecução dos fins constitucionalmente previstos – defesa e preservação do meio ambiente – resta identificar algumas linhas da complexa interação entre o Direito Tributário e o Direito Ambiental, revelando e sistematizando alguns contornos teóricos já reconhecidos e estabelecidos pela doutrina.
3 VALORES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PRINCÍPIOS VINCULADOS A VALORES:
Ressalta o Prof. Roberto FERRAZ que a tributação ambiental é um tema que, freqüentemente é "tratado de forma confusa, equivocada e até enganosa [12]".
Assim, partindo-se da premissa que é necessário dissipar alguns equívocos nesta seara, a referência aos valores e princípios constitucionais impõe-se como um imperativo lógico preliminar à correta compreensão do tema.
Ricardo Lobo TORRES é pioneiro na investigação e sistematização das relações havidas entre valores e princípios constitucionais em matéria de tributação ambiental [13] e, em lapidar artigo doutrinário [14], explica como se operam as relações entre os valores e os princípios de Direito Tributário Ambiental.
Esclarece o citado autor que valores "são idéias absolutamente abstratas, supraconstitucionais e insuscetíveis de se traduzirem em linguagem constitucional", ao passo que os princípios "se situam no espaço compreendido entre os valores e regras, exibindo em parte a generalidade daqueles e a concretude das regras". Em conseqüência, os valores são desprovidos de eficácia imediata (ou seja, só se concretizam, se atualizam e se expressam através dos princípios) pois "os princípios tem caráter deontológico, enquanto os valores são axiológicos [15]".
Nos dizeres de Ricardo Lobo TORRES os princípios constitucionais não se confundem com os valores (mas vinculam-se ou decorrem de valores tais como a liberdade, justiça ou solidariedade), existindo princípios os quais, dada a sua magnitude, podem relacionar-se a diversos valores (v.g. princípios estruturais - Federação, Estado de Direito, etc) que simultaneamente se prestam à garantir a liberdade, justiça e segurança jurídica.
Interessa, no entanto, nos ocuparmos dos princípios de Direito Tributário Ambiental vinculado a valores. Para tanto, nos aproveitamos da excelente sistematização de Ricardo Lobo TORRES [16]:
Valores |
Princípios |
Liberdade |
Imunidade do mínimo ecológico |
Justiça |
Poluidor-pagador Usuário-pagador Capacidade contributiva Custo/benefício |
Segurança |
Prevenção Precaução Legalidade tributária Tipicidade tributária |
Solidariedade |
Capacidade contributiva solidária Solidariedade do grupo |
Ricardo Lobo TORRES, no já citado artigo doutrinário, disserta longamente sobre cada uma das interações entre os supracitados valores constitucionais e os princípios de Direito Tributário Ambiental.
Assim, em apertada síntese, ao se pronunciar sobre as relações entre o valor "liberdade" e o princípio "imunidade do mínimo ecológico" defende o citado mestre que a imunidade é a forma pela qual, no Direito Tributário, se dá a proteção aos direitos fundamentais. O art. 225 da CF/88, ao dispor que todos "têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", consagra o direito de viver em um ambiente sadio e ver respeitada a natureza que cerca o indivíduo como um dos direitos integrantes do rol dos direitos fundamentais [17].
Deste modo, continua o raciocínio de Ricardo Lobo TORRES, conquanto no âmbito do Direito brasileiro a imunidade do direito ao meio ambiente não seja explícita, decorre do conceito de "bens públicos de uso comum do povo" (diferenciados de bens de uso especial ou dominial), a idéia da intributabilidade de bens de fruição gratuita, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças (embora o Estado - ou seus concessionários - estejam autorizados a cobrar remuneração - preço público - pelo direito de uso, observado o princípio do poluidor-pagador).
Nas relações entre o valor "justiça" e os princípios do "poluidor-pagador", "usuário-pagador", "capacidade contributiva" e "custo/benefício" Ricardo Lobo TORRES leciona que decorre do princípio do "poluidor-pagador" a idéia de que potenciais poluidores devem arcar com a responsabilidade pelo pagamento de despesas estatais relacionadas com a precaução e a prevenção dos riscos ambientais [18].
Em igual sentido opinam Anderson Orestes Cavalcante LOBATO e Gilson César Borges de ALMEIDA, para os quais o "princípio do poluidor-pagador procura justamente promover a responsabilidade privada pela degradação inevitável ao meio ambiente [19]".
Luis Eduardo SCHOUERI, por seu turno, reproduzindo a idéia de Glenn P. JENKIS e Ranjit LAMECH, registra que no princípio do "poluidor-pagador" se "resume na idéia de que aquele que causa danos ao meio-ambiente deva suportar, economicamente, tanto os custos para a recuperação ambiental, quanto as perdas sofridas pela coletividade [20]".
Cristiane DERANI afirma que o "princípio do poluidor-pagador (Verursacherprinzip) visa à internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental. Tal traria como conseqüência um maior cuidado em relação ao potencial poluidor da produção, na busca de uma satisfatória qualidade do meio ambiente. Pela aplicação deste princípio, impõe-se ao ´sujeito econômico´ (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ou afastamento do dano". Na seqüência opina que a determinação de quem seja o poluidor-pagador é uma "decisão política", pois "poluidores são todas aquelas pessoas – integrantes de uma corrente consecutiva de poluidores – que contribuem com a poluição ambiental, pela utilização de materiais danosos ao ambiente como também pela sua produção (inclusive os produtores de energias) ou que utilizam processos poluidores. O endereçamento de medidas a um integrante desta ´comunidade de poluidores´ não pode ser deduzido automaticamente do princípio do poluidor-pagador, porém precisa (e pode) ser deduzido de pontos de vista políticos (por exemplo, efetividade de objetos, eficiência econômica, gastos administrativos, etc). [21]"
A Lei 6.938/81 estatui que a Política Nacional do Meio Ambiente visará "à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos" (art. 4º, VII). Será considerado poluidor-pagador aquele que puder controlar as condições que ocasionam a poluição, mediante adoção de medidas que previnam ou evitem sua ocorrência.
Como decorrência do princípio do poluidor-pagador, aponta também Ricardo Lobo TORRES o princípio do "usuário pagador", o qual sinaliza no sentido de que aquele que usufrui bens de uso comum do povo deve pagar por eles (consubstanciando-se, na orbe tributária, especialmente pela cobrança de preços públicos decorrentes da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais e também pelas tarifas de uso de recurso hídricos - pagos não só pelo consumidor final, mas também pelas empresas autorizadas a captar e extrair água de mananciais mediante a outorga).
Quanto ao princípio da capacidade contributiva, Ricardo Lobo TORRES não outorga grande importância, pois entende que o mesmo conflita com o princípio do poluidor-pagador, que, por definição, independe da situação econômica do contribuinte (o que já não ocorre com o princípio "custo/benefício [22]", aplicável aos tributos contraprestacionais - in casu, no âmbito do Direito Tributário Ambiental se amolda às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia - pois o princípio mede os aspectos quantitativos da taxa e, portanto, se compagina inteiramente com o princípio do poluidor-pagador, que define quem deve pagar o tributo ambiental) [23].
Ao dissecar os princípios relacionados ao valor "segurança" Ricardo Lobo TORRES explica a idéia da segurança na "Sociedade de Risco [24]", concluindo que o clima de insegurança atual postula a adoção de novos princípios éticos e jurídicos: a transparência, a responsabilidade, a precaução, a solidariedade social e de grupo, que passam a fundamentar as exações necessárias ao financiamento das garantias de segurança.
Assim expõe o princípio da precaução, o qual aponta no sentido de que devem ser tomadas medidas que evitem ofensas futuras ao meio ambiente, não se tratando de prevenir prejuízos iminentes, mas acautelar interesses ecológicos contra riscos futuros. Cristiane DERANI explica a íntima relação da política ambiental e as normatizações de prática econômica, para concluir que "precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica [25]".
O princípio da prevenção, por seu turno, aproxima-se da idéia da precaução, mas caracteriza-se pelo dever de prevenir o risco, quando, pela experiência, seja possível estabelecer uma relação de causalidade. No âmbito do Direito Tributário Ambiental pode ensejar a cobrança de taxas com base do exercício do poder de polícia [26].
Ainda no valor "segurança", prossegue Ricardo Lobo TORRES para explicar o princípio legalidade tributária e taxas ambientais sob a perspectiva da Sociedade de Riscos, afirmando que a legalidade tributária passa a ter outro enfoque, diante do novo relacionamento entre Estado e Sociedade e a reaproximação entre direito e ética, conduzindo a legalidade no amplo contexto de equilíbrio entre segurança e justiça.
Na seara da legalidade tributária Ricardo Lobo TORRES sustenta que as taxas apresentam uma "larga faixa de indeterminação", principalmente aquelas vinculadas ao poder de polícia, o qual, na sociedade contemporânea, é de difícil definição. Entende o citado autor que as taxas de fiscalização ambiental decorrem do poder de polícia ambiental (que se exerce preventivamente, para evitar danos ambientais e não de prestação de serviços) [27].
Luís Eduardo SCHOUERI, por seu turno, ao se pronunciar sobre a legalidade, na esteira do seu pensamento da norma tributária indutora [28], propugna a inserção de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, como uma forma de amenizar o rígido regime imposto pelo citado princípio em matéria tributária e, assim, permitir que "o texto legal se curve às peculiaridades do caso concreto [29]" observado que os limites a seu emprego (ou "até que grau são eles admissíveis") encerra-se no postulado da proporcionalidade e a "partir da ponderação dos princípios e valores constitucionais, onde pesará, de um lado, a segurança jurídica, a requerer maior grau de determinação e, de outro, os valores concernentes à proteção do meio ambiente, demandando agilidade e versatilidade" [30].
Ainda na vinculação ao valor "segurança", segundo Ricardo Lobo TORRES a tipicidade tributária assume reforçada importância, especialmente no que concerne à "edificação do tipo poluidor pagador", que, existindo na realidade, se conceptualiza nos regulamentos referentes às taxas. Neste tópico, Ricardo Lobo TORRES utiliza o exemplo do SAT, cujos riscos de acidentes de trabalho é regulamentada por decreto, riscos estes que devem ser cobertos por empresas que expõem seus empregados a atividades que os provoque. A constitucionalidade deste esquema formal foi posta à prova perante o STF, que declarou constitucional o exercício do poder regulamentar, baseado, in casu, na situação do regulamento delegado, intra legem, condizente com a ordem jurídico constitucional.
Por fim, Ricardo Lobo TORRES examina os princípios relacionados ao valor "solidariedade", afirmando inicialmente que da reaproximação da ética com o direito nas últimas décadas recuperou-se a idéia de solidariedade (valor fundante do Estado de Direito que já comparecia na trilogia da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade).
Relacionam-se a este valor os princípios da capacidade contributiva solidária (aqui a solidariedade se torna mais importante, pois, como visto alhures, ao se reaproximarem ética e direito, procura-se ancorar a capacidade contributiva nas idéias de solidariedade ou fraternidade.
Em outras palavras, a solidariedade entre os cidadãos deve fazer recair a carta tributária sobre os mais ricos, dispensando os que estão abaixo do nível mínimo de sobrevivência [31]. In casu, a solidariedade amalgamada à capacidade contributiva não tem grandes consequências para o Direito Tributário Ambiental, já que relacionada a impostos, os quais possuem reduzida importância para questões ecológicas) e o princípio da solidariedade do grupo (o qual não se relaciona com a capacidade contributiva, mas se ocupa de criar o sinalagma não apenas entre o Estado e o indivíduo que paga a contribuição, mas também o grupo social ao qual o contribuinte pertence - v.g., grupo de trabalho; situações existenciais - velhice, doença, gravidez, morte, etc).
No âmbito da CF/8 a solidariedade do grupo é princípio de justiça que fundamenta as contribuições sociais de natureza previdenciária sobre a folha de salários, vinculando a cobrança de contribuições sociais as quais passam a exibir natureza causal, isto é, se não houver laços de solidariedade entre os que pagam o ingresso e os que recebem o beneficio estatal, a contribuição será inconstitucional.
4 RELAÇÕES ENTRE AS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIA E AMBIENTAL. PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS PARA O USO DE NORMAS TRIBUTÁRIAS COMO INSTRUMENTO DE INTERVENÇÃO SOBRE O MEIO AMBIENTE.
Como visto anteriormente, em matéria de meio ambiente, a Constituição discrimina aos entes federados competência material comum (artigo 23) e competência legislativa concorrente (art. 24), cabendo a União editar "normas gerais" de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios.
Já a competência tributária, entendida como "uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos [32]" vem definida no Título VI da Constituição Federal. Não é demasiado lembrar que nossa Constituição foi exaustiva no trato da matéria tributária, sendo, nos dizeres de Roque CARRAZZA "a lei tributária fundamental, por conter diretrizes básicas aplicáveis a todos os tributos [33]".
Luis Eduardo SCHOUERI opina que o "limite do emprego de normas tributárias em matéria ambiental: apenas será possível, em nosso sistema constitucional, uma vez confirmada a confluência da competência tributária (arts. 153 a 156 da Constituição Federal) e da competência material (de regra, concorrente, observadas algumas competências privativas) [34]".
Uma vez verificada tal confluência, forçoso concluir que se aplicarão às normas instituidoras de tributos ambientalmente orientados, tal como em relação aos demais tributos, as limitações constitucionais ao exercício da competência tributária [35], sob o influxo, no entanto, dos princípios de Direito Ambiental.
De igual modo sinaliza Silvio Alexandre FAZOLLI, o qual acrescenta que, além dos "princípios tradicionais do direito tributário (legalidade; anterioridade; capacidade contributiva; proibição de confisco; irretroatividade; isonomia; uniformidade geográfica; e outros), para o completo atendimento aos interesses ambientais, devem ser conjugados a outras bases teóricas, afetas ao campo da extrafiscalidade e do direito ambiental, entre as quais se pode citar: função socioambiental da propriedade; seletividade e essencialidade; progressividade e princípio do poluidor-pagador [36]".
No entanto, mister evitar raciocínios redutores ou fórmulas simplistas, pois, embora a interação dos sistemas ambiental e tributário seja um imperativo para o atendimento ao fim constitucionalmente posto - defesa e preservação do meio ambiente [37] - não se pode negar a complexidade de nosso sistema tributário e, portanto, a preponderância dos limites constitucionais [38] que se impõem ao Estado na formulação de leis que possam implicar a criação de tributos (ainda que a título de preservação ambiental), evitando-se que sob tal rubrica sejam criados (mais) tributos com mera finalidade arrecadatória.
Neste sentido, impõe-se ter presentes as palavras de Roberto FERRAZ, o qual, em matéria de tributação ambientalmente orientada diagnostica que há "(...) quem confunda tributo com punição, quem propugne tributos orientados que esbarrariam em impeditivos constitucionais e, até mesmo, quem apresente tributos, lançados com finalidade puramente arrecadatória e sem qualquer orientação ambiental efetiva, como um grande esforço e exemplo na preservação do meio ambiente. [39]"
Assim, nos dizeres de Heleno Taveira TÔRRES "a competência tributária, como o poder de legislar em matéria tributária, somente pode ser exercida com observância de todos os seus contornos constitucionais, a partir das limitações e princípios ali constantes [40]."
Em outras palavras, as competências tributárias serão exercidas dentro dos próprios contornos para legislar em matéria ambiental, ou seja, somente é permissível incluir na esfera da chamada "tributação ambientalmente orientada" as normas que sobressaiam da interação de ambas as modalidades de competência, excluída a possibilidade da utilização de tributos como sanção para atividades poluidoras (ou que os mesmos elejam ditas atividades como hipótese de incidência [41]) dado que "tributo não é pena", na lição de Roberto FERRAZ [42].
Heleno Taveira TÔRRES identifica no "núcleo ambiental" o elemento que qualifica a espécie tributária, afirmando ser imprescindível a presença do "reflexo do motivo constitucional na estrutura da regra-matriz do tributo [43]".
Destarte, o referido autor apresenta uma proposta que visa demarcar o objeto de estudo possível do Tributário Ambiental, visando identificar e separar o objeto de tentativas espúrias de tributação pretensamente ambientais, definindo-o como "o ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com o exercício de competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia, promoção ou preservação de bens ambientais [44]".
Nos ensinamentos de Heleno Taveiro TÔRRES destacamos dois pontos importantes: a) no domínio ambiental há espaço propício para o emprego das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, como garantia da "VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170, redação dada pela EC 42/2003)", pois o "motivo constitucional" que justifica a edição do tributo deve ser mantido na regra matriz de incidência e com aplicação limitada ao grupo de sujeitos relacionados com os danos causados mesmo que potenciais, o que se compagina com a espécie tributária em foco e; b) a "a competência tributária não poderá tomar atividades do homem em relação ao seu meio ambiente como hipótese de incidência de norma tributária, porque isso não caracteriza manifestação de capacidade contributiva, para os fins de instituição ou majoração de ´impostos´ [45].
6 CONCLUSÕES:
A tributação ambientalmente orientada é tema que atualmente ganha relevância na sociedade moderna, inserindo-se como um - entre outros - instrumentos disponibilizados pelo legislador constituinte para que o legislador ordinário possa implementar uma política eficaz de defesa e preservação ao meio ambiente, nos termos traçados pela Constituição Federal.
Nossa Constituição Federal - pródiga (senão exaustiva) - em disciplinar a matéria tributária, encerrou dispositivos constitucionais suficientes para a adequada interação entre os sistemas jurídico tributário e ambiental, devendo o jurista buscar os limites para a almejada tributação ambientalmente orientada no próprio texto magno.
Em outras palavras, não há necessidade da inserção de novas normas para a instituição de uma tributação ambientalmente orientada, tampouco se extrai da interação entre o Direito Tributário e Ambiental uma nova espécie ou modalidade tributárias, que, por isto, venham a ensejar incremento na arrecadação.
No que toca à repartição de competências entre as unidades da federação, a Constituição adotou a regra geral para as entidades federativas, segundo as quais as mesmas possuem competência material comum e competência legislativa concorrente (competindo à União editar "normas gerais", de cunho nacional, vinculante para Estados e Municípios). Assim, incumbe ao legislador ordinário, na esfera de suas atribuições, adotar as políticas públicas e instrumentos técnicos para cumprir o dever constitucional de defesa e preservação do meio ambiente, entre elas inserida a tributação ambientalmente orientada.
O estudo das relações entre valores e princípios constitucionais vinculados a valores ganha utilidade em matéria de tributação ambientalmente orientada na medida que faz interagir logicamente princípios e valores postos própria Constituição, eliminando equívocos frequentes nesta área e fornecendo um arcabouço interpretativo seguro, que permite ao intérprete identificar os valores e extrair os respectivos princípios diretamente da Constituição Federal.
No que concerne às relações entre as competências tributária e ambiental, importa esclarecer que a análise não deve ser reduzida a esquemas formais que consideram a mera enumeração de competências tributária e ambiental constitucionalmente previstas, pois, em que pese a tributação ambientalmente orientada ter por traço distintivo o "motivo constitucional" (de natureza ambiental) inserido na própria regra matriz de incidência do tributo, esta é, sobretudo, tributação e, por conseguinte, não escapa às limitações constitucionais impostas a toda e quaisquer espécies tributárias.
No entanto, enfatize-se, até mesmo para reforçar a intenção constitucional de obstruir o estabelecimento de tributos alcunhados de "ambientais" mas com fins meramente arrecadatórios, que deve ser excluída a possibilidade da criação de tributos que sancionem a atividades realizadas pelo contribuinte e relativas ao meio ambiente, pois, nos termos do art. 3º do CTN, tributo não é - nem pode ser - pena, na citada lição de Roberto FERRAZ, não sendo a tributação o meio adequado para tornar ilícita - indiretamente - a conduta do contribuinte.
Ou seja, na interpretação dos possíveis empregos da tributação para a persecução dos propósitos ambientais deve ser evitado o erro (bastante comum) de creditar à tributação ambiental um uso punitivo ou proibitivo da conduta ambientalmente incorreta ou indesejada.
Outra barreira a ser levantada, também com o fim de bloquear a tributação meramente arrecadatória - disfarçada de ambiental - é a impossibilidade da eleição de hipóteses de incidência que descrevam a realização de condutas ambientalmente poluidoras, já que as mesmas não são fatos-signos presuntivos de riqueza e não revelam índices de capacidade contributiva, gerando distorção na aplicação do princípio do "poluidor-pagador".
Saliente-se que a confluência entre as competências tributária e ambiental sofre o influxo dos princípios de Direito Ambiental (daí porque a importância científica no estudo das relações entre valores e princípios constitucionais, como mencionado anteriormente), e, em consequência, particularizam a forma da tributação, tornando as contribuições de intervenção sobre o domínio econômico instrumentos preferenciais (não únicos, saliente-se) na política de tributação ambientalmente orientada.
Em conclusão, portanto, a importância da tributação ambiental não cria novas modalidades tributárias, tampouco serve de justificativa para o abandono das regras constitucionais já estabelecidas para a instituição de quaisquer tributos, devendo ser respeitados os limites postos em nosso sistema tributário constitucional, os quais são suficientes para se evitar o uso abusivo, senão distorcido da tributação "pretensamente" ambiental.
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Notas
, Vladimir Passos de Freitas (org), 2ª edição, Curitiba: Juruá, 2002, p. 303 e também "Apontamentos Sobre a Tributação Ambiental no Brasil". in Direito Tributário Ambiental, organizado por Heleno Taveira Torres, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 312.Nas conclusões do seu artigo "Municípios e Meio Ambiente: A Necessidade de uma Gestão Urbano-Ambiental", Vanêsca Buzelato Prestes analisa criticamente a evolução histórica da legislação ambiental brasileira, afirmando que "Historicamente, a legislação ambiental tratou da questão ambiental de forma esparsa e diluída, versando sobre itens ambientais na ´´exata medida atender sua exploração pelo homem". PRESTES. Vanêsca Buzelato. Municípios e Meio Ambiente: A Necessidade de uma Gestão Urbano-Ambiental. in Revista Interesse Público. Ano 8, n. 36, março/abril de 2006, Porto Alegre: Notadez. p. 336.
45.op. cit. p. 101.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)
PINTO, Cláudia Maria Borges Costa. A Constituição e o meio-ambiente. Limites à utilização de normas tributárias como instrumento de intervenção sobre o meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2032, 23 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12229. Acesso em: 21 maio 2024.