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A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e suas inovações no âmbito do direito das mulheres vítimas de violência doméstica

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e suas inovações no âmbito do direito das mulheres vítimas de violência doméstica

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"A lei não pode forçar os homens a serem bons; mas pode impedi-los de serem maus."

(Autor desconhecido)


RESUMO

O presente trabalho monográfico tem por objetivo fazer uma análise da Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/2006) e suas inovações no âmbito do direito das mulheres, vítimas de violência doméstica. Para tanto, utilizou-se a pesquisa bibliográfica através de obras relacionadas ao assunto, artigos científicos, periódicos etc., utilizando-se o método dedutivo e analítico. A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha em homenagem à farmacêutica cearense que se tornou símbolo da luta contra a violência doméstica, veio criar mecanismos para coibir essa violência. Examina-se sua origem, ressalta seus aspectos relevantes, esclarece as alterações procedimentais e, principalmente, revela os pormenores das medidas protetivas de urgência necessárias ao maior amparo da mulher vítima de violência doméstica e familiar em geral. Concluiu-se que a Lei Maria da Penha trouxe instrumentos importantes para uma postura pró-ativa do Estado perante o problema da violência doméstica contra a mulher.

PALAVRAS-CHAVE: 1) Violência Doméstica, 2) Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), 3) Mulher, 4) Família.


ABSTRACT

This monographic work aims to make an analysis of Maria da Penha Law (Law no. 11.340/2006) and its innovations within the right of women, victims of domestic violence. For both, used to search through literature works related to the subject, scientific articles, journals etc., Using the method and deductive analysis. Law 11.340/2006, known as Law Maria da Penha in tribute to the pharmaceutical cearense that became symbol of the fight against domestic violence, has set up mechanisms to curb such violence. It shall their origin, emphasizes its aspects, explains the procedural changes and, especially, reveals the details of the measures protetivas of urgency needed to help more women victims of domestic violence and family in general. It was concluded that Law Maria da Penha brought important tools for pro-active stance of the state before the problem of domestic violence against women.

KEY-WORDS: 1) Domestic Violence, 2) Law No. 11.340/2006 (Law Maria da Penha), 3) Women, 4) Family.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 O TRATAMENTO LEGAL DISPENSADO À MULHER NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. 1.1 O Conceito de Família no Código Civil de 1916. 1.2 O Conceito de Família Pós-Constituição de 1988. 2 HISTÓRICO DA LEI Nº 11.340/06 E AS DEMAIS LEGISLAÇÕES PERTINENTES AO DIREITO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU FAMILIAR. 3 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA LEI 11.340/06. 4 AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI MARIA DA PENHA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Trata-se a presente pesquisa da análise da Lei Maria da Penha (Lei nº. 11.340/2006) e suas inovações no âmbito do direito das mulheres, vítimas de violência doméstica. Considerando a abrangência do tema, visto que possa ser analisado sob diversos aspectos, teve-se a preferência por analisá-lo sob o enfoque da violência doméstica e familiar em desfavor da mulher.

Por ser um tema de grande atualidade, importância e extremamente delicado, já que envolve aspectos jurídicos, morais, psicológicos e sociais, pretende-se, com esse trabalho, tecer algumas considerações, de forma que seja possível definir quais normas e princípios jurídicos deverão prevalecer nessa análise tão complexa. Desta forma, surge um grande questionamento: qual seria a contribuição dos institutos e medidas criadas com a Lei 11.340/2006 para efetivação dos direitos fundamentais de justiça à pessoa da mulher vítima de violência doméstica?

É essencial perceber que se precisa lutar pelo fim da impunidade, além disso, faz-se necessário o incentivo para que essas mulheres denunciem esses crimes tão cruéis. Neste ponto, encontra-se, a justificativa por escolher este tema sob um ponto de vista pessoal, pois incentivar essas mulheres é atingir um grande objetivo particular de contribuir para que muitas mulheres, ainda leigas sobre esse assunto, passem a fazer valer seus direitos.

A ação política dos movimentos de mulheres e feministas nos últimos 30 anos foi decisiva para a implantação, no Brasil, de uma política pública de prevenção e combate à violência contra as mulheres. A Lei nº. 11.340/2006, batizada com o nome de Lei Maria da Penha, surgiu após histórias de muitas lutas em busca de justiça contra atos de violência doméstica e familiar.

Considerando que, a legislação brasileira não respondia de forma satisfatória à realidade, por não oferecer proteção necessária às mulheres, nem tampouco punia o agressor adequadamente, e os resultados das pesquisas demonstravam que cada vez mais se agravava o quadro de violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil, fez-se necessária a criação de uma lei de enfrentamento a esse tipo de violência.

A Lei Maria da penha, sem dúvida, é uma legislação avançada e inovadora, por abordar aspectos relevantes como, por exemplo, a inclusão das ações de prevenção, proteção e assistência às mulheres em situação de violência; a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher; previsão de afastamento do agressor e sua punição, dentre outros aspectos.

A violência doméstica contra a mulher é um assunto de interesse público e que deve ser analisado de forma intensa, principalmente com relação à aplicação da lei Maria da Penha, porque tal análise pode trazer muitas contribuições, uma vez que essa Lei é capaz de abranger a complexidade das questões sociais e o grave problema da violência doméstica e familiar, além de pretender ser um instrumento de mudança política, jurídica, cultural e social.

Este trabalho destina-se aos alunos do curso de direito, profissionais de todas as áreas afetas ao tema bem como: saúde, educação, assistência social, psicologia, direito e segurança pública.

Para o desenvolvimento do tema, foi utilizada a pesquisa bibliográfica através de obras relacionadas ao assunto, artigos científicos, periódicos etc., utilizando-se o método dedutivo e analítico. Este, pelo fato de serem apresentadas posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre os institutos mais relevantes, no intento de corroborar ou criticar normas legais ou constitucionais. Aquele, pelo motivo de se iniciar o estudo pelo tratamento legal dispensado à mulher na legislação brasileira, para ao fim se adentrar propriamente nos novos institutos trazidos pela Lei Maria da Penha para a real efetivação dos direitos civis e sociais das mulheres vítimas, esmiuçando-se a legislação pertinente, sem qualquer pretensão de exaurir o tema.

Assim, trata-se o primeiro capítulo do tratamento legal dispensando à mulher na legislação brasileira, dando enfoque ao conceito de família no CC/1916 e pós-constituição de 1988; no segundo capítulo verifica-se o histórico da Lei nº 11.340/06 e as demais legislações pertinentes ao direito da mulher vítima de violência doméstica ou familiar; o terceiro capítulo explana-se os aspectos constitucionais da Lei 11.340/06; no quarto e último capítulo, analisa-se as principais inovações trazidas pela Lei Maria da Penha, e por fim, tece-se as considerações finais.


1 O TRATAMENTO LEGAL DISPENSADO À MULHER NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Para uma melhor compreensão do presente estudo, se faz necessário tecer algumas considerações sobre o conceito de família, para tanto neste capítulo será feita uma retrospectiva histórica, iniciando-se pelo Código Civil de 1916 até a Pós-Constituição de 1988, principalmente porque estas legislações abriram espaço para o surgimento da Lei nº. 11.340/06.

Deve-se reconhecer os avanços significativos para as mulheres, entre elas a substituição da expressão, "pátrio poder" por "poder familiar", pode ser vista como mais uma ruptura da ortografia sexista onde, no Código de 1916, o homem exerce este poder, com a colaboração da mulher, sendo que, em caso de divergência, prevalece a decisão do pai, tendo a mulher que recorrer ao judiciário, caso queira impor sua vontade. Todos os demais dispositivos referentes ao poder familiar explicitam a igualdade de direitos do pai e da mãe, em relação à prole.

Enquanto que, no Código de 1916 os direitos e deveres dos cônjuges são distintos em muitos pontos, o novo Código veio unificá-los. Naquele, "o marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher no interesse comum do casal e dos filhos" e neste, "a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos".

A exclusão do privilégio à "[...] mulher solteira, ou viúva, ainda capaz de casar..." com um "dote segundo as posses do ofensor", expresso no Capítulo Da Liquidação das Obrigações resultantes de Aos Ilícitos, do Código de 1916 é mais uma inovação não sexista do novo Código.

Outra inovação trazida é a introdução da questão do planejamento familiar na legislação civil. Praticamente reproduz o texto constitucional, entretanto restringe-se a um artigo inserido de forma solta no Capítulo "Da Eficácia do Casamento", deixando de lado seus desdobramentos, inclusive a questão da inseminação artificial (que aparece apenas no Capítulo Da Filiação). O desdobramento deste tema tão atual é visto por muitas pessoas como justificável por sua condição polêmica e falta de discussão na sociedade.

Alguns artigos que não entraram no novo Código e que representam uma ruptura do arcaico ordenamento legal são entre outros, a considerar "erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge", para anulação de casamento, "o defloramento da mulher, ignorado pelo marido", ou a deserdação dos descendentes por seus ascendentes, causado por "desonestidade da filha que vive na casa paterna". Estes artigos do Código de 1916 poderiam ser considerados inconstitucionais diante da isonomia entre homens e mulheres preconizada na Constituição de 1988, entretanto, enquanto um diploma legal não é revogado, é passível de ser utilizado e estes poderiam levar muitas mulheres a sofrer o constrangimento de uma ação judicial.

1.1 O Conceito de Família no Código Civil de 1916

Inúmeras são as influências do ambiente social para a formação da personalidade humana. Inegavelmente, a família é a mais importante de todas. É ela que proporciona as recompensas e punições, por cujo intermédio são adquiridas as principais respostas para os primeiros obstáculos da vida. É instituto no qual a pessoa humana encontra amparo irrestrito, fonte da sua própria felicidade.

Os membros integrantes da família (pais, irmãos, avós etc.) moldam o ser humano, contribuindo para a formação do futuro adulto.

O grupo familiar tem sua função social e é determinado por necessidades sociais. Ele deve garantir o provimento das crianças, para que elas, na idade adulta, exerçam atividades produtivas para a própria sociedade, e deve educá-las, para que elas tenham uma moral e valores compatíveis com a cultura em que vivem. Tanto assim que a organização familiar muda no decorrer da história do homem, é alterada em função das mudanças sociais.

Nesse sentido, entende-se que a família não é apenas uma instituição de origem biológica, mas, sobretudo, um organismo com nítidos caracteres culturais e sociais.

Trata-se, em verdade, da célula mater da sociedade, do seu núcleo inicial, básico e regular. É um microssistema social, onde os valores de uma época são reproduzidos de modo a garantir a adequada formação do indivíduo.

Entretanto, o Código Civil de 1916, equivocadamente, pretendeu controlar a dinâmica social, pois tentou impor à sociedade um conceito único de família ao prever que apenas o casamento poderia legitimar a formação deste ente.

Assim, a única forma de criar a família legítima (e, conseqüentemente, legitimar os filhos comuns antes dele nascidos ou concebidos) era mediante o casamento (justas núpcias), o qual recebeu gracioso tratamento do Código Civil em nada menos que robustos 149 (cento e quarenta e nove) artigos (do 180 ao 329).

Além disso, o Código, tido como instrumento legislativo de consagração dos valores burgueses típicos do século XIX, ignorando que é no Direito de Família, mais do que em qualquer outra seara do Direito Privado, onde deve haver maior valorização da pessoa humana, deu contornos eminentemente patrimonialistas à família. Por conta disso, tal agrupamento era tratado no Código como um ente de produção de riqueza, perpetuado nas gerações seguintes através do Direito das Sucessões.

Logo, vale ressaltar que o casamento, a essa época, tinha finalidades de cunho eminentemente econômico, a exemplo do estabelecimento de vínculos patrimoniais (art. 230 – regime de bens), da mútua assistência (art. 231, III), entendida como um recíproco auxílio patrimonial, e do dever de educar e (principalmente) manter a prole (art. 231, IV).

A legalização das relações sexuais, exteriorizada a partir do dever de coabitação consagrado no art. 231, II, e a procriação eram outras finalidades do matrimônio, o que só revelava a quase completa ausência de interesses intrínsecos a esse instituto.

Ademais, o regime matrimonial de bens teve tratamento primordial do legislador, pois nada menos que 59 (cinqüenta e nove) artigos do Código foram responsáveis por essa disciplina.

Os institutos protetivos da tutela, curatela e ausência, por sua vez, que deveriam resguardar com absoluta prioridade os interesses do indivíduo enquanto pessoa humana constituíam verdadeiro estatuto legal de administração de bens.

Os impedimentos matrimoniais elencados no artigo 183 também tinham como fundamento a defesa do patrimônio e não das pessoas, como nos casos dos incisos XIII, XV e XVI.

A escolha do casamento como meio único de constituição da família deu-se por dois motivos essenciais. O primeiro foi o fato de, em decorrência da sociedade brasileira sempre ter tido a propensão de cultivar as tradições cristãs, tal instituto já se encontrar impregnado na cultura nacional. O segundo motivo reside na solenidade e publicidade inerentes ao rito matrimonial: essas características, por certo, gerariam uma segurança jurídica, a qual era favorável à manutenção do compromisso assumido pelos nubentes.

Face ao aludido modelo uno de família, as relações de fato surgidas fora do casamento não recebiam qualquer reconhecimento jurídico. Não havia família em relações concubinárias, mesmo no denominado concubinato puro (entre pessoas sem impedimentos matrimoniais). Além disso, filhos havidos fora do casamento eram considerados ilegítimos, não podendo ser reconhecidos pelos pais, mesmo que estes quisessem.

Dentro da própria relação matrimonial, notava-se certa ausência de preocupação com a felicidade dos membros da família, visto que era evidente o desequilíbrio entre os cônjuges. Aliás, por questão de coerência, não poderia ser diferente. Ora, se o Código era espelho de uma sociedade ainda patriarcal e, por isso mesmo, machista, onde o marido tinha a incumbência de sustentar economicamente a família e à esposa só restava o dever de cuidar da casa e dos filhos, por óbvio que a legislação iria estampar a superioridade masculina.

Prevalecia a figura do marido, uma das quatro figuras masculinas destacadas pelo Código, ao lado do proprietário, do contratante e do testador, e não necessariamente do amor, do afeto. Ao varão praticamente só eram conferidos pelo Código privilégios. O rol de seus direitos era extenso (artigos 233 a 239), incluindo, por exemplo, a chefia exclusiva da sociedade conjugal, a incumbência de representar a família, de administrar os bens comuns e os particulares da mulher (segundo o regime matrimonial eleito), de fixar o domicílio da família, além da exclusividade no exercício do pátrio poder sobre os filhos (art. 240).

A esposa, por outro lado, ocupava papel meramente secundário, já que quase só tinha deveres, como se via nos artigos 240 a 255. A chefia da sociedade conjugal, por exemplo, só era atribuída a ela em casos excepcionais, consubstanciados no artigo 251. Além disso, determinados atos da vida civil só poderiam ser por ela praticados caso o marido assim consentisse, nos termos do artigo 242.

Vale ainda ressaltar que, até o Estatuto da Mulher Casada de 1962 (Lei nº. 4.121/62), a esposa era considerada relativamente incapaz para os atos da vida civil. Ademais, somente com o citado Estatuto é que ela se tornou colaboradora do marido na chefia da sociedade conjugal, bem como adquiriu a titularidade do pátrio poder, apesar de continuar também como colaboradora no exercício deste direito-dever.

A desigualdade e o machismo ficavam ainda patentes quando se analisava o artigo 219, IV, que permitia a anulação do casamento por defloramento da mulher, ignorado pelo marido, hipótese esta tratada como erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, mas que não era (e nem poderia ser) aplicada ao varão. Além disso, só poderia ser exigido pelo homem, nunca pela esposa.

Em verdade, pouco importava se os membros da família estavam felizes ou não com aquela situação. A dignidade deles era um dado secundário. O que, de fato, se tornava relevante era a manutenção da paz doméstica, o equilíbrio, a segurança, a coesão formal da família, mesmo em detrimento da realização pessoal de cada um dos seus integrantes, principalmente a mulher.

A família era concebida como um instituto em prol da própria família, um fim em si mesma, porque o legislador entendia que aquele modelo fechado era o único correto; logo, assim teria que ser, a qualquer preço, independentemente do sacrifício pessoal de seus membros. Dessa forma, a subordinação e o sofrimento da mulher seriam recompensados com um valor de maior importância, a manutenção do vínculo familiar.

Como conseqüência de tudo isso, aquelas pessoas que preferiram viver à margem do Direito, pois não se casaram, receberam designações altamente discriminatórias, como "membros de uma família ilegítima" ou ainda "responsáveis pela formação de um concubinato" (no sentido pejorativo da palavra).

Os filhos provenientes das relações extraconjugais sofriam do mesmo fardo de serem tratados como "ilegítimos" e, por isso, não recebiam os direitos privativos dos chamados filhos "legítimos" (de pai e mãe casados). Aliás, a única forma de eliminar tamanha discriminação era através da legitimação dos filhos, o que ocorria, por óbvio, com o superveniente matrimônio dos seus respectivos pais. Do contrário, a criança já nascia com uma predisposição à infelicidade, ao menos no que concerne ao reconhecimento da sociedade do seu status de filho.

Em havendo uma das hipóteses insertas no art. 338 do Código de 1916, decorria naturalmente a presunção relativa de que o filho foi concebido na constância do casamento, mesmo se provado um adultério expressamente confessado pela mulher, nos termos dos artigos 343 e 346.

A presunção só poderia ser elidida em caso de propositura da excepcional ação de contestação de paternidade, a qual guardava restrições quanto à legitimidade (só o marido a tinha), ao prazo decadencial (exíguos dois meses, contados do nascimento, se o suposto pai era presente, ou três meses, na hipótese de ausência ou de ter-lhe sido ocultado o nascimento, contando-se então o prazo a partir de seu retorno ou da ciência do fato) e à causa de pedir (taxativamente limitada aos artigos 340 a 342).

Outro ponto a ser destacado do Código Civil de 1916 era a relação hierárquica existente entre pais e filhos, mesmo aqueles chamados de "legítimos": o pai ocupava o posto de senhor absoluto da razão, enquanto que o filho era seu mero obediente.

O processo educacional era extremamente rígido, autoritário e unilateral. O filho não tinha voz nem vez, restando a ele somente o privilégio de calar-se e obedecer, pois o patriarca sabia o que era bom para sua prole, ou melhor, para a família. Não era aberto espaço para o diálogo, para a troca de idéias e de conhecimentos, algo tão salutar em qualquer método educacional.

O pai do início do século XX tinha como seu principal papel nutrir financeiramente seus filhos, isso bastaria para que fosse proporcionada a felicidade da sua prole, e aí estava exaurido o seu dever. Logo, a paternidade não era inspirada na proteção da pessoa dos filhos, mas no patrimônio familiar.

Por outro lado, o pátrio poder era exercido pelo seu titular como se fosse um direito deste para com seus filhos, quando, na verdade, os poderes eram conferidos a ele no intuito de facilitar a realização do dever da paternidade responsável (guarda, educação e sustento da prole).

Diante o exposto, já é possível qualificar o modelo de família (im) posto pelo Código Civil de 1916, mas, para que não paire qualquer tipo de dúvida, trazemos as considerações de Gustavo Tepedino [01], in verbis:

A hostilidade do legislador pré-constitucional às interferências exógenas na estrutura familiar e a escancarada proteção do vínculo conjugal e da coesão formal da família, inda que em detrimento da realização pessoal de seus integrantes – particularmente no que se refere à mulher e aos filhos, inteiramente subjugados à figura do cônjuge-varão – justificava-se em benefício da paz doméstica. Por maioria de razão, a proteção dos filhos extraconjugais nunca poderia afetar a estrutura familiar, sendo compreensível, em tal perspectiva, a aversão do Código Civil à concubina. O sacrifício individual, em todas essas hipóteses, era largamente compensado, na ótica do sistema, pela preservação da célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e modelada sob o paradigma patriarcal.

Ao considerar como ideal o modelo de família por ele consagrado, o Código Civil vedava por absoluto o término definitivo do vínculo matrimonial, pois à época não era permitido no Brasil o divórcio, admitindo apenas o encerramento da sociedade conjugal, através da separação judicial, sendo que o culpado por esta separação era duramente punido com a perda automática da guarda judicial dos filhos e dos direitos ao nome de casado e aos alimentos.

Em virtude desse freio proporcionado pelo Código, é de se imaginar quantas famílias sofreram com o fato de terem que manter a fachada hipócrita da felicidade apenas em prol de um reconhecimento, um status dado pela sociedade, quando, no âmago de cada um dos seus membros, reinava a insuportabilidade da convivência, algo relativamente normal nos relacionamentos humanos, mas terrivelmente evitado em razão do medo da rejeição e dos preconceitos sociais.

Inúmeros casais digladiavam-se, sequer dormiam no mesmo leito, chegavam até as vias de fato, mas permaneciam juntos para que não fosse rompida a relação familiar.

A influência da Igreja Católica era ainda muito forte, projetando-se também no mundo jurídico. Assim, o sacramento do matrimônio decorria da vontade de Deus e, "como o que o Criador reuniu não poderia o homem separar", os cônjuges deveriam permanecer juntos "até que a morte os separasse".

Todo esse cenário perdurou por muito tempo, durante quase todo o século XX, mas, felizmente, a Constituição Federal de 1988, atendendo aos anseios sociais, veio a alterar radicalmente o paradigma da família.

1.2 O Conceito de Família Pós-Constituição de 1988

Invocando o princípio da dignidade da pessoa humana no seu art. 1º, III, a Carta Magna provocou uma autêntica revolução no Direito Civil como um todo, dando ensejo a um fenômeno conhecido como despatrimonialização ou personalização deste ramo do Direito. No campo específico do Direito de Família, verifica-se que a entidade familiar passa a ser encarada como uma verdadeira comunidade de afeto e entreajuda e não mais como uma fonte de produção de riqueza. É o âmbito familiar o local mais propício para que o indivíduo venha a obter a plena realização da sua dignidade enquanto ser humano, porque o elo entre os integrantes da família deixa de ter conotação patrimonial para envolver, sobretudo, o afeto, o carinho, amor e a ajuda mútua.

Nesse sentido, percebe-se que as relações familiares se tornam mais verdadeiras, porque são construídas (e não impostas) por quem integra o instituto (e não por um terceiro, um elemento estranho, como o legislador).

O relacionamento entre os familiares, portanto, ganha uma nova visibilidade. Passa a ser muito mais aberto, democrático e plural, permitindo que cada indivíduo venha a obter, de fato, a realização da sua felicidade particular. Isso porque, se a Constituição consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio, assim o fez por ter encontrado na família pós-moderna um forte (talvez o principal) meio de sua propagação, pois é no âmbito familiar que o indivíduo cresce e adquire suas habilidades para a convivência social.

Gustavo Tepedino [02] afirma que a maior preocupação da atualidade é com:

[...] a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social.

Desse modo, conclui-se que a família advinda da Constituição Federal de 1988 tem o papel único e específico de fazer valer, no seu seio, a dignidade dos seus integrantes como forma de garantir a felicidade pessoal de cada um deles. A construção de sonhos, a realização do amor, a partilha do sofrimento, enfim, os sentimentos humanos devem ser compartilhados nesse verdadeiro lar, Lugar de Afeto e Respeito.

Assim, é imperioso fazer a releitura de alguns dos institutos do Direito de Família, precipuamente o relacionamento entre os cônjuges.

O casamento deixa de ter importância tão-somente pelo vínculo em si para ser encarado como o melhor instrumento encontrado pelos nubentes (na visão deles) para compartilharem o desejo de alcançar a felicidade. Ficará muito mais fácil realizar este sonho junto da pessoa que se ama, pois desse sublime sentimento decorrerá uma mútua assistência verdadeira e autêntica, sem qualquer tipo de obrigação imposta por lei, até porque quem ama não se preocupa com o amado por dever, mas por desprendimento próprio.

É nesse cenário que os chamados deveres do casamento devem receber nova interpretação. A fidelidade, por exemplo, não envolve unicamente o aspecto sexual, mas também o respeito e o carinho mútuos, a confiança, a cumplicidade etc.

O dever de coabitação segue esse mesmo trilhar: não é mais suficiente a mera convivência sob o mesmo teto conjugal para que ele esteja sendo corretamente respeitado. A boa convivência entre quatro paredes, constante, ininterrupta, intensa e prazerosa, isso sim viabiliza a vida em comum. Com base nessa assertiva é que os Tribunais [03] vêm admitindo a existência de separação de fato entre cônjuges que residem no mesmo local, sustentam a imagem de casados perante a sociedade, mas vivem às turras dentro do lar, muitas vezes causando traumas inimagináveis nos seus filhos.

Verifica-se também uma nova roupagem do dever de sustento, guarda e educação dos filhos: o papel do pai (gênero) moderno não se limita apenas ao simples pagamento dos gastos da sua prole ao final do mês. É inegável que o pagamento das diversas despesas é indispensável à sobrevivência dos menores, mas ele não é a única função dos pais, sequer a mais importante, até porque poderia ser facilmente preenchida por um orfanato ou outra instituição de caridade qualquer, talvez até com maior eficiência.

É o acompanhamento psicológico, educacional e mesmo espiritual, o diálogo exercitado cotidianamente, a transferência de maturidade e de lições de vida, a participação efetiva na escolha do colégio, do esporte, da academia de balé, é estar sempre se renovando e se conhecendo para acompanhar as gradativas mudanças dos filhos, enfim, é preparar um ser humano intelectualmente equilibrado e certo dos seus valores para a vida em sociedade que define o verdadeiro papel do pai contemporâneo.

Os filhos, de outro lado, ganharam o espaço necessário à participação no processo educacional: saíram da condição de meros objetos deste processo para alcançarem o status de sujeitos com direito à voz naquilo que lhes interessava diretamente. Dessa forma, os filhos deixaram de ser simples repetidores de ordens dos seus pais, o que aumentou em muito o contato (verdadeiro) entre eles.

Continuando na releitura dos deveres do casamento, há de ser analisado neste momento o dever da mútua assistência. É certo que, à época do Código Civil de 1916, tal dever não tinha conotação personalística, já que se referia principalmente ao auxílio patrimonial entre os cônjuges. Mas, atualmente, com a nova interpretação que lhe é dada pela Constituição, a mútua assistência exerce papel relevante na consecução da dignidade humana.

Com a personalização do Direito Civil, é inevitável afirmar que a mútua assistência é o principal fim/dever do casamento. Por isso, o instituto do matrimônio pode ser resumido na comunhão de vida e de interesses.

A aproximação dos sexos e o natural convívio entre marido e mulher, ordinariamente, suscitam o desenvolvimento de sentimentos afetivos recíprocos, dos quais o dever de se prestarem assistência é mero corolário.

Conclui-se então, que a finalidade essencial de todos aqueles que contraem o matrimônio é a realização pessoal, sendo a mútua assistência o principal instrumento para que os cônjuges atinjam esse fim ou objetivo primordial.

Isso porque os seres humanos, originalmente limitados, buscam no casamento a superação de suas deficiências, para que se realizem e alcancem a felicidade, o que depende de uma conduta de mútuo auxílio e respeito, a qual é imposta, juridicamente, pelo dever recíproco de assistência imaterial entre os cônjuges.

A mútua assistência, portanto, não decorre do simples vínculo matrimonial em si, mas do sentimento de amor entre os cônjuges, o qual é o verdadeiro responsável pela criação e manutenção deste vínculo. Diante dessa releitura do dever da mútua assistência, constata-se uma autêntica transformação do instituto do casamento, que deixa de ser o único meio de formação da família para se constituir em um dos (ressalte-se, nunca o único) centros de realização da dignidade da pessoa humana. Se um homem e uma mulher escolhem formar uma família através do casamento é porque entendem que este instituto será a melhor alternativa para o desenvolvimento do amor que um sente pelo outro.

Por outro lado, não havia punição maior para duas pessoas do que continuarem casadas quando uma nutria pela outra o ódio. Se o casamento era meio de promoção da dignidade, ele só deveria continuar existindo caso estivesse cumprindo o seu papel, no momento em que deixa de cumpri-lo, não há mais qualquer motivo para sua manutenção, razão pela qual o legislador constitucional, sabiamente, ampliou as hipóteses de divórcio já discretamente reguladas pela Lei nº 6.515/77.

Assim, a Carta Magna, como conseqüência da dignidade humana e no intuito de promovê-la, não só retirou do casamento o monopólio na criação ou legitimação da família, como também permitiu outras formas de entidades familiares, quais sejam, a união estável e a família monoparental. Com isso, pessoas que antes não queriam ou não podiam contrair matrimônio e, por isso mesmo, recebiam tratamento discriminatório, passaram a ter a oportunidade de constituir uma entidade familiar, pelo menos aos olhos da lei, já que na realidade fática tudo isso já existia.

O art. 226, parágrafo 4º, da Constituição Federal, reza que: "Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes", segundo Paulo Luiz Netto Lobo [04], este artigo, acabou criando uma cláusula geral de inclusão da família, no sentido de que esta entidade, antes reconhecida pela lei, se constituída unicamente pelo casamento, agora deve ser sempre reconhecida pelo ordenamento jurídico se restar caracterizado seu solitário elemento caracterizador, o afeto.

Em outras palavras, a família deixa de ser constituída pelo vínculo jurídico, para ser reconhecida pelo afeto como elemento de vontade de sua formação. Por isso, passa-se a conferir maior importância à dignidade de cada um dos membros da família e ao relacionamento afetivo existente entre eles do que propriamente à instituição em si mesma.

Os exemplos desse novo paradigma são citados pela própria Constituição Federal, ao reconhecer como entidade familiar também a união estável (art. 226, parágrafo 3º) e a família monoparental (art. 226, parágrafo 4º). Mas, seguindo a linha de raciocínio do Professor Paulo Luiz Netto Lôbo, esses não são os únicos exemplos a serem dados. É por isso que já se verifica na doutrina e na jurisprudência, uma forte tendência em reconhecer como entidade familiar (e não mais como sociedade de fato, Súmula nº. 380 do STF) a união entre homossexuais (chamadas de uniões homoafetivas), reconhecimento este que implica na fixação da competência da Vara de Família (não mais Vara Cível) para apreciar feitos a ela relacionados.

A título de ilustração, relacionamos os seguintes julgados:

HOMOSSEXUAIS. UNIAO ESTAVEL. POSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. E POSSIVEL O PROCESSAMENTO E O RECONHECIMENTO DE UNIAO ESTAVEL ENTRE HOMOSSEXUAIS, ANTE PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CONSTITUICAO FEDERAL QUE VEDAM QUALQUER DISCRIMINACAO, INCLUSIVE QUANTO AO SEXO, SENDO DESCABIDA DISCRIMINACAO QUANTO A UNIAO HOMOSSEXUAL. E É JUSTAMENTE AGORA, QUANDO UMA ONDA RENOVADORA SE ESTENDE PELO MUNDO, COM REFLEXOS ACENTUADOS EM NOSSO PAIS, DESTRUINDO PRECEITOS ARCAICOS, MODIFICANDO CONCEITOS E IMPONDO A SERENIDADE CIENTIFICA DA MODERNIDADE NO TRATO DAS RELACOES HUMANAS, QUE AS POSICOES DEVEM SER MARCADAS E AMADURECIDAS, PARA QUE OS AVANCOS NAO SOFRAM RETROCESSO E PARA QUE AS INDIVIDUALIDADES E COLETIVIDADES, POSSAM ANDAR SEGURAS NA TAO ALMEJADA BUSCA DA FELICIDADE, DIREITO FUNDAMENTAL DE TODOS. SENTENCA DESCONSTITUIDA PARA QUE SEJA INSTRUIDO O FEITO. APELACAO PROVIDA. (TJRS, APELAÇÃO CÍVEL Nº 598362655, 8a CAMARA CIVEL, RELATOR: DES. JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 01/03/2000).

RELACOES HOMOSSEXUAIS. COMPETENCIA DA VARA DE FAMILIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO EM SOCIEDADE DE FATO. A COMPETENCIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO DE SOCIEDADE DE FATO DE CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO, E DAS VARAS DE FAMILIA, CONFORME PRECEDENTES DESTA CAMARA, POR NAO SER POSSIVEL QUALQUER DISCRIMINACAO POR SE TRATAR DE UNIAO ENTRE HOMOSSEXUAIS, POIS E CERTO QUE A CONSTITUICAO FEDERAL, CONSAGRANDO PRINCIPIOS DEMOCRATICOS DE DIREITO, PROIBE DISCRIMINACAO DE QUALQUER ESPECIE, PRINCIPALMENTE QUANTO A OPCAO SEXUAL, SENDO INCABIVEL, ASSIM, QUANTO A SOCIEDADE DE FATO HOMOSSEXUAL. CONFLITO DE COMPETENCIA ACOLHIDO. (TJRS, CCO Nº 70000992156, 8a CAMARA CIVEL, RELATOR: DES. JOSE ATAIDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 29/06/2000).

De outra forma, identifica-se que o Superior Tribunal de Justiça, analisando questões atinentes ao bem de família, já reconheceu como entidade familiar a pessoa solitária e a comunidade formada por variados parentes, principalmente entre irmãos, como se vê dos seguintes julgados:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MÓVEIS GUARNECEDORES DA RESIDÊNCIA. IMPENHORABILIDADE. LOCATÁRIA/EXECUTADA QUE MORA SOZINHA. ENTIDADE FAMILIAR. CARACTERIZAÇÃO. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI 8.009/90, ART. 1º E CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 226, § 4º. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O conceito de entidade familiar, deduzido dos arts. 1º da Lei 8.009/90 e 226, § 4º da CF/88, agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que, como na hipótese, é separada e vive sozinha, devendo o manto da impenhorabilidade, dessarte, proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. (STJ, REsp n. 205.179-SP, DJ de 07.02.2000).

EXECUÇÃO. Embargos de terceiro. Lei nº 8.009/90. Impenhorabilidade. Moradia da família.Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei nº 8.009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. (STJ, REsp n. 159.851-SP, DJ de 22.06.98).

Após o exposto, resta demonstrado que a família deixou de ser um instituto fechado e individualista para ser definida modernamente como uma comunidade de afeto e entreajuda, local propício à realização da dignidade da pessoa humana e, por isso mesmo, caracterizada como um ente voltado para o próprio homem, plural como ele mesmo é, democrática, aberta, multifacetária, não discriminatória, natural e verdadeira.

Por conseqüência, os modelos de família são sempre sugeridos pela Constituição e nunca impostos pelo ordenamento jurídico com outrora ocorria no Código Civil de 1916.

Não obstante a consolidação deste conceito moderno sobre a família, certo é que, no plano infraconstitucional, não se via o reconhecimento expresso de tal conceito, o que, muitas vezes, causava insegurança aos magistrados no julgamento dos casos concretos, principalmente nas lides envolvendo uniões homoafetivas, optando eles, no vazio legislativo, pelo não reconhecimento de outro tipo de entidade familiar além daquelas 3 (três) já previstas na Constituição Federal.

Portanto, a figura da família pós-constituição de 1988 exigiu um tratamento diferenciado em relação à mulher, e assim o fez o legislador. Muito recentemente, em 07 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei no 11.340/2006 (conhecida como Lei Maria da Penha), que, apesar de ter como finalidade primordial a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, acabou trazendo em seu bojo importantes inovações para o ordenamento jurídico nacional, como por exemplo, o seu artigo 5º, II e parágrafo único, que amplia o próprio conceito de família. Dessa forma, no próximo capítulo visualiza-se essa nova situação da mulher, para tanto será feita uma análise histórica da Lei nº 11.304/06 e das demais legislações pertinentes ao direito da mulher vítima de violência doméstica ou familiar.


2 HISTÓRICO DA LEI Nº 11.340/06 E AS DEMAIS LEGISLAÇÕES PERTINENTES AO DIREITO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU FAMILIAR

Este capítulo destina-se à análise da legislação brasileira para o combate da violência doméstica contra a mulher. Nesse contexto serão apresentados os antecedentes históricos à vigência da Lei nº 11.304/06, a então Lei "Maria da Penha".

A Lei nº 11.340/06 [05], em seu artigo 5º reza que:

Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Com efeito, o conceito de violência doméstica passa a estar restrito à violência praticada contra a mulher, no âmbito da unidade doméstica, da família ou de uma relação íntima de afeto.

Em conseqüência, o seu art. 7º amplia este conceito no tocante às formas de violência, trazendo para a definição além da violência física, a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria [06].

Até o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica contra a mulher não havia recebido a devida importância por parte da sociedade, do legislador e nem tão pouco do Judiciário. As situações de agressões sofridas pela mulher, durante pouco mais de dez anos (e até 22 de setembro, quando entrou em vigor a Lei Maria da Penha), eram de competência dos Juizados Especiais Criminais, enquadrando-se tais casos de violência como delitos de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima era de dois anos de detenção, com possibilidade de comutação desta pena em restritiva de direito, tais como o pagamento em dinheiro, em cestas básicas, não previa a prisão preventiva para os crimes de violência doméstica, e também não fazia a prisão em flagrante do agressor.

Saudada como um dos maiores avanços da legislação brasileira por sua proposta despenalizante, ao introduzir importantes mudanças na política criminal brasileira, como a aplicação das penas não privativas de liberdade, a adoção de rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena antes do oferecimento da acusação, a lei 9.099/95, representou verdadeira revolução no sistema processual brasileiro, desafogando o judiciário, emprestando-lhe maior celeridade. Segundo a melhor doutrina:

Para a maioria dos penalistas brasileiros a lei recepciona o paradigma da mínima intervenção penal traduzido pelo discurso da despenalização, ou da não aplicação da pena de prisão aos delitos menores. A Aplicação de penas consideradas alternativas ou substitutivas significa uma vitória do movimento criminológico moderno, que há muito vem demonstrando a falência da pena de prisão em todo o mundo, e em especial, nos países latino-americanos [07].

No entanto, não obstante uma consciente tentativa de acabar com a impunidade, deixou o legislador de priorizar a pessoa humana, preservar sua vida e sua integridade física, como salienta Maria Berenice Dias. Segundo a autora [08], o legislador, na ânsia de agilizar o procedimento, ao condicionar à representação da vítima as lesões corporais leves e as culposas, olvidou-se que não é possível condicionar a ação penal à iniciativa da vítima quando existe desequilíbrio entre agressor e agredido. Apesar da igualdade entre os sexos estar ressaltada na Constituição Federal, é secular a discriminação que coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação frente ao homem. Ao representar contra o agressor, a mulher vítima temia sofrer ainda mais agressões, pois ao retornar ao lar via-se obrigada, literalmente, a dormir com o inimigo.

Injustificável a falta de consciência do legislador de que a violência intrafamiliar merecia um tratamento diferenciado. Infelizmente, esse tipo de violência continuou acumulando estatísticas; afinal, a questão continuava sob o pálio dos Juizados Especiais Criminais e sob a incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95.

Ademais, como ressalta Stela Cavalcanti, a restrição conceitual das infrações de menor potencial ofensivo aos crimes em que a pena cominada não exceda a dois anos, deixa de considerar a gravidade objetiva do dano em várias hipóteses típicas, a exemplo da violência psicológica sofrida pela mulher. Veja o que diz a autora [09]:

Exemplificando, a mulher poderia ser espancada, torturada e ficar à beira da morte, mas, se recuperasse a saúde no prazo de 30 dias e não apresentasse seqüelas, o delito era considerado de menor potencial ofensivo com pena que variava de seis meses a um ano de reclusão, sujeito ao rito dos juizados especiais, pena restritiva de direito ou multa, facilmente convertido em prestação de serviços à comunidade ou pagamento de cestas básicas. O que era incoerente e verdadeiro absurdo. Ademais, as seqüelas psicológicas que essas agressões acarretavam às vítimas não eram observadas na aplicação da pena, bem como o fato de as agressões serem, geralmente, habituais.

Vê-se logo que os Juizados Especiais criminais, criados para desafogar a justiça brasileira e evitar a estigmatização do sistema penal, não foram pensados a partir das relações de gênero, não obstante venham julgando, em sua maioria, conflitos conjugais que envolvam violência contra a mulher, levando à sua completa banalização, à inobservância da participação da vítima e dos seus direitos e ao arquivamento maciço dos autos operados pela renúncia do direito da vítima de representar criminalmente. Dessa forma, as palavras da jurista Stela Cavalcanti [10]:

A proposta despenalizante dos juizados especiais criminais é positiva na perspectiva do autor do fato e negativa na perspectiva da vítima da violência doméstica. Significa dizer que esta lei é imprópria para o julgamento da violência conjugal. O desconhecimento e o despreparo de alguns juízes que atuam nos juizados especiais sobre o fenômeno da violência doméstica têm contribuído para uma postura banalizante dessa violência. As inúmeras idas e vindas (tanto nas delegacias, como nos juizados), as várias tentativas de reconciliação, de rompimentos e reatamentos, a impunidade são parte integrante do chamado ciclo da violência doméstica. Conhecer melhor o funcionamento desse ciclo e as seqüelas que a violência provoca é absolutamente necessário para uma melhor atividade jurisdicional.

Diante dessa conceituação dos delitos de menor potencial ofensivo, baseada unicamente na pena aplicada ao delito, a lei dos juizados criminais não reconhecia todas as implicações dessa forma específica de violência, como o grau de comprometimento emocional a que as mulheres submetiam-se por se tratar de comportamento reiterado por parte de seus agressores, o medo paralisante que as impedia de romper a situação violenta frente ausência de medidas que a protegessem após a denunciação da agressão sofrida, entre outras violações de direitos humanos que geralmente acompanham a violência doméstica e que fugiam à incidência da lei.

Tendo-se em vista que o modelo dos Juizados Especiais Criminais, não tanto por suas regras, mas principalmente por sua operacionalização, mostrou-se ineficiente e inadequado para o enfrentamento de um problema que, lamentavelmente, ocorre com freqüência, alguma coisa precisava ser feita. Imperiosa se fazia uma autêntica ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica a desafiar a igualdade formal de gênero na busca de restabelecer entre eles a igualdade material.

A inadequação da lei nº. 9.099/95 era justificativa suficiente para que se começasse a pensar em uma legislação específica que retirasse a violência doméstica do rol dos crimes de menor potencial ofensivo em conformidade com as necessidades das vítimas. Todavia, os avanços legais ainda pareciam tímidos.

Com o advento da lei nº 10.455/02 foi acrescido um parágrafo único ao artigo 69 da lei dos juizados criminais criando uma medida cautelar, de natureza penal, ao permitir que o juiz decretasse o afastamento do agressor do lar conjugal nas hipóteses de violência doméstica, e posteriormente, a lei nº 10.886/04, acrescentou um subtipo à lesão corporal decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para seis meses de detenção. Veja as pequenas alterações legislativas:

Art. 69, § único da Lei nº 9.099/95: "Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência familiar com a vítima". [11]

Art. 129, § 9 do CP: Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hostilidade: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. [12]

Não obstante tais alterações, nenhuma das mudanças empolgou, como assevera Marcelo Lessa Bastos [13], em sua obra "Violência doméstica e familiar contra a mulher – Lei Maria da Penha", ao constatar que a violência doméstica continuava a acumular maiores estatísticas já que submetidas ao trâmite do Juizado Especial Criminal e sob a incidência dos institutos despenalizadores da lei.

Diante destas estatísticas alarmantes, em boa hora entrou em vigor, em 22 de setembro de 2006, a Lei nº 11.340, de 07.08.2006, com o nome de Maria da Penha, que institui mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, como ensina Stela Cavalcanti [14], ao entender a violência doméstica como um fenômeno que merece tratamento diferenciado:

A recente Lei nº 11.340/06 que retirou a competência dos juizados especiais para processar e julgar os delitos de violência doméstica veio ao encontro dos anseios populares, bem como faz cumprir os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro em diversas convenções e pactos de direitos humanos, criando mecanismos eficientes de proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar.

Como dito, durante pouco mais de dez anos, até quando entrou em vigor a Lei Maria da Penha, os Juizados Especiais Criminais eram as instâncias competentes para receber maior parte dos casos de violência doméstica, no caso dos delitos enquadrados entre os puníveis com pena máxima de dois anos de detenção e possibilidade de comutação desta pena pelo pagamento de multa ou em cestas básicas, não previa a prisão preventiva para os crimes de violência doméstica, e também não utilizava a prisão em flagrante do agressor.

Ao aumentar esta pena para três anos, a Lei Maria da Penha retira dos Juizados Especiais a competência para julgar os crimes de violência doméstica e determina a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que, enquanto não existirem, deverão ser substituídos pelas varas criminais, em razão do que dispõe o art. 14 desta lei [15], in verbis:

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

É que, se por um lado, a Lei 9.099/95 foi inovadora nas medidas despenalizantes, não se mostrou capaz de responder satisfatoriamente aos casos de violência conjugal. Deste modo, a partir da vigência da lei nº 11.340/06, os crimes de violência doméstica física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral passam a ser submetidos ao procedimento comum em varas especializadas ou juizados de violência doméstica supra mencionado.

A conciliação, a transação penal e a suspensão condicional do processo também passam a não mais serem possíveis para tais crimes, tendo em vista que a lei vedou terminantemente a utilização da lei 9.099/95 para esses delitos. Os motivos que levaram o legislador ordinário a retirar da competência dos juizados especiais a violência doméstica são inúmeros, como salienta a jurista Stela Valéria [16]:

O grande número de arquivamentos dos procedimentos demonstrava, por si só, que a conciliação não era realizada ou porque não estavam envolvidos danos patrimoniais ou porque o agressor não tinha condições econômicas de ressarcir o prejuízo. Na verdade, a conciliação que ocorria não era para o ressarcimento dos danos, mas para o arquivamento dos autos. Esse arquivamento (ou desistência da vítima) em geral, era induzido pelo magistrado ou conciliador, através da insistência feita à vítima de aceitar o compromisso (verbal e não expresso) do agressor de não mais cometer o ato violento, renunciando ao direito de representar. Em 90% dos casos, os processos eram arquivados.

Diante dos escritos da jurista, vê-se que o induzimento à renúncia do direito de representação feria expressamente o direito da vítima de ver aplicada a pena ou até mesmo, de ser o conflito resolvido conforme o seu interesse. O espírito conciliatório da lei é, na realidade, um espírito renunciatório das vítimas.

Sobre a impossibilidade da transação penal e sursis processual aos crimes de violência doméstica, continua a autora [17] a expor as razões de tal vedação:

A transação penal, medida de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade sem os danos advindos da culpabilidade, proposta pelo Ministério Público, também era um instituto que excluía a vítima, bem como a suspensão condicional do processo, pois consideravam unicamente os interesses do autor do fato. A mulher não podia opinar sobre o tipo de pena a ser aplicada ao agressor ou sobre a conveniência da medida.

Como se percebe, a aplicação da pena de multa ou de prestação de serviços à comunidade não surtia o efeito desejado nos casos de violência doméstica. Em geral, como ressalta a jurista, as vítimas saíam frustradas da audiência porque não lhes era dada a oportunidade de opinar e, porque a pena imposta não era compatível com a gravidade do delito que chegava ao Judiciário.

Dessa forma, é importante ressaltar a origem da nomenclatura dada à Lei nº 11.340/06. Como acentua Maria Berenice Dias [18], a justificativa é dolorosa, e deveu-se à história verídica de violência doméstica sofrida pela farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, em Fortaleza, no Ceará. Conta à jurista:

Maria da Penha foi mais uma das vítimas de violência doméstica deste país. Como muitas outras mulheres, ela reiteradamente denunciou as agressões que sofreu. Por duas vezes o seu marido, o professor universitário e economista M.A.H.V, tentou mata-la. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um assalto fazendo uso de uma espingarda. Como resultado ela ficou paraplégica. Após alguns dias, nova tentativa, buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho.

E continua:

As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade, ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e seis meses após os fatos, em 2002, é que M.A.H.V. foi preso. Cumpriu apenas dois anos de prisão.

Essa é a história de Maria da Penha. Em face da inércia da justiça, Maria da Penha escreveu um livro, "Sobrevivi, posso contar", e se uniu ao movimento de mulheres vítimas de violência doméstica. A repercussão foi de tal ordem que se formalizou uma denúncia à Comissão Internacional dos Direitos Humanos da OEA, que concluiu que o Estado Brasileiro não cumpriu o previsto no Pacto de São José da Costa Rica pelo fato de que havia se passado mais de 19 anos sem que o autor do crime de tentativa de homicídio de Maria da Penha fosse levado a julgamento; culminando na condenação do Estado Brasileiro internacionalmente em 2001, impondo-se além do pagamento de indenização no valor de 60 mil dólares em favor de Maria da Penha, na sua responsabilização por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando-se a adoção de várias medidas, dentre elas, simplificar os procedimentos judiciais penais.

Foi então que em razão da pressão internacional sofrida pelo Brasil que, finalmente, cumpriram-se as convenções e tratados do qual nosso país é signatário. A partir daí as organizações não governamentais brasileiras e estrangeiras com sede no Brasil iniciaram discussões entre si, com a finalidade de elaborar o texto da proposta de lei que incluísse políticas públicas de gênero, medidas de proteção às mulheres vítimas e punição mais rigorosa aos agressores. Todavia, a iniciativa legislativa partiu do próprio Poder Executivo. Encaminhando ao Congresso Nacional, o projeto de lei encontrou ambiente favorável para tramitar e ser aprovado.

Satisfazendo às expectativas das entidades de defesa dos Direitos das Mulheres e em cumprimento ao preceito do §8º do art. 226 da Constituição Federal e das demais convenções e pactos internacionais sobre os direitos das mulheres, finalmente, sancionou-se a lei nº 11.340/06; atendendo-se ao clamor contra a sensação de impunidade pela aplicação da lei dos Juizados Especiais Criminais aos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Felizmente, a Lei nº 11.340/06, introduziu modificações dentro do ordenamento jurídico brasileiro, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. E nos faz pensar que dias melhores virão.

No próximo capítulo, aborda-se a questão da constitucionalidade da Lei 11.340/06, tema no qual a doutrina muito se tem discutido acerca de eventual inconstitucionalidade da então Lei Maria da Penha.


3 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA LEI 11.340/06

A Constituição Federal de 1988 [19] instituiu como um dos princípios fundamentais do Estado a "dignidade da pessoa humana". A importância da dignidade da pessoa humana já emana da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, das Nações Unidas [20], pela qual: "Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo [...]", bem como da Convenção Americana dos Direitos Humanos Pacto de San José de Costa Rica. Trata-se a dignidade da pessoa humana de uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, isto é, daqueles direitos que servem de fundamento e fim da atividade pública. Destarte, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana é o valor supremo da Constituição.

Importa ainda a este estudo o princípio da igualdade, no qual prescreve o caput do art. 5º da nossa Constituição Federal de 1988 [21]: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, [...]". Dentro da garantia de que todos são iguais, sem distinção alguma, proibindo, inclusive, diferença salarial, diferença de critérios de admissão por motivo de sexo, dispositivos que deixam clara a posição de combate à discriminação.

Assim, na lição de Silva [22], a igualdade constitui o signo da democracia e é reforçada em outras normas, como no inciso I do art. 5º, que assegura a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações.

Tanto a Constituição Federal de 1988 como as outras Constituições tratam de forma expressa tão somente a igualdade perante a lei, no sentido de que as normas devem ser elaboradas e aplicadas indistintamente a todos os indivíduos. É a denominada isonomia formal. Entretanto, tal isonomia não leva em conta a existência de grupos ditos minoritários ou hipossuficientes, que necessitam de uma proteção especial para que alcancem a igualdade não apenas normativa, mas baseada em ideais de justiça (isonomia material).

Moraes [23] afirma que o que a lei veda, são as diferenciações arbitrárias e as discriminações absurdas. Tal elemento discriminador só será válido se estiver a serviço de alguma finalidade acolhida pelo Direito, como por exemplo, na busca da igualdade de condições sociais.

As ações afirmativas são medidas imprescindíveis no Estado Democrático de Direito para fazer mais curta à espera de milhões de pessoas que almejam sentir-se parte da sociedade, fruindo da igualdade de pontos de partida. Só uma ação positiva que seja suficientemente proporcional e que não produza dano desproporcional a terceiros será constitucional e poderá implantar-se com êxito na sociedade atual.

Nesse contexto, a Lei Maria da Penha é um exemplo de ação afirmativa. Em favor da mulher vítima de violência doméstica, a desafiar a igualdade formal de gênero, na busca de restabelecer entre eles a igualdade material. Implementada no Brasil para a tutela do gênero feminino, justificável pela situação de vulnerabilidade e hiposuficiência em que se encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar.

Alguns operadores do direito têm questionado a sua constitucionalidade, tanto em seu conjunto, como em alguns de seus artigos, ao fundamento de que suas disposições violam a "isonomia" prevista no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 que estabelece que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] [24]".

O Desembargador mineiro Fernando Starling, ao relatar conflito negativo de jurisdição a respeito desta lei, nos autos do Processo 1.0000.07.458339-4/000(1), manifestou-se especificamente sobre essa questão, com muita propriedade afastando a inconstitucionalidade da lei, com resguardo na mais moderna hermenêutica jurídica constitucional e nas apropriadas lições de Alexandre de Moraes [25]:

[...] Lado outro, constato que os dispositivos legais retromencionados não são inconstitucionais. O artigo 98, I, da Constituição Federal dispõe que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais para julgar e executar as infrações penais de menor potencial ofensivo. Todavia, o artigo 22, I, do mesmo Codex estabelece que compete privativamente à União legislar sobre direito penal e processual penal. Desse modo, é possível que uma lei ordinária federal, in casu, a Lei nº 11.340/2006, determine a criação de juizados especializados para conhecer e julgar as causas decorrentes da violência doméstica e familiar, instituindo mecanismos para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Vale ressaltar, ainda, que a ‘Lei Maria da Penha’ se harmoniza com o princípio da igualdade, descrito no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, uma vez que trata desigualmente os desiguais. Não se pode olvidar a fragilidade da mulher perante o homem, no que toca a sua estrutura física, colocando-a em situação de desvantagem em casos de agressões. Portanto, a violência perpetrada contra a mulher merece ser abordada com mais rigor, principalmente porque representa um grave problema social, exigindo-se uma melhor proteção do Estado e maior reprovação da conduta do agressor no ambiente familiar e doméstico.

A respeito do tratamento isonômico entre homens e mulheres, regulamentado no artigo 5º, I, da Constituição Federal, a oportuna doutrina Moraes:

‘A correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis. Conseqüentemente, além de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela própria Constituição (arts. 7º, XVIII e XIX; 40, § 1º; 143, §§ 1º e 2º; 201, § 7º), poderá a legislação infraconstitucional pretender atenuar os desníveis de tratamento em razão do sexo’ (Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 34).

É possível haver divergências sobre a constitucionalidade da lei se a mesma incidisse sobre qualquer caso de violência contra a mulher, e não apenas a doméstica. A Lei Maria da Penha visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em qualquer ação ou omissão baseada no gênero. Seria errôneo, por exemplo, aplicar a Lei Maria da Penha no caso de uma mulher que foi agredida na rua por um desconhecido (homem), uma vez que esta Lei deve ser aplicada dentro do vínculo familiar. Este caso, não se trata de infrações penais que se enquadrem no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, sob os auspícios do Juizado Especial Criminal (termo circunstanciado, transações civil e penal, representação, etc).

A Lei visa à proteção das mulheres em relação aos membros da sua comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc), civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (primo ou tio do marido, por exemplo) ou afetividade (amigo que mora na mesma casa).

Isto é, assegura maior proteção frente àqueles indivíduos que deveriam proporcionar à vítima (mulher) um mínimo de amor, respeito e dignidade, valores que devem estar presentes em qualquer entidade familiar ou de proximidade.

Ademais, no âmbito doméstico e familiar, dentre os casos de violência doméstica, é quase absoluto se tratar de violência cometida contra mulheres e crianças. É raro alguém presenciar ou noticiar um caso de violência doméstica em que a vítima era o companheiro/marido e a mulher, a agressora.

Muito se tem discutido acerca de eventual inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, em razão de ter como foco apenas a mulher vítima de violência doméstica.

Os que sustentam a sua inconstitucionalidade alegam que a Lei criou a desigualdade na entidade familiar, atribuindo à mulher um tratamento diferenciado, promovendo a sua proteção de forma especial em detrimento do homem, também, vítima de violência doméstica. Sobre esse argumento, Maria Berenice Dias [26] aborda bem os argumentos utilizados pelos defensores de sua inconstitucionalidade:

A alegação é que, no mesmo contexto fático, a agressão levada a efeito contra uma pessoa de um sexo ou de outro pode gerar conseqüências diversas, a partir do exemplo: na mesma oportunidade, o genitor ocasiona, no âmbito doméstico, lesões leves em um filho e uma filha. Além de haver dois juízos competentes, as ações seguiriam procedimentos distintos. A agressão contra o menino, encontra-se sob a égide do Juizado especial, fazendo jus o agressor a todos os benefícios por o delito ser considerado de pequeno potencial ofensivo. Já a agressão contra a filha constituiria delito doméstico no âmbito da Lei Maria da Penha. Assim, parece que a agressão contra alguém do sexo masculino é menos grave do que a cometida contra uma pessoa do sexo feminino.

Damásio de Jesus [27] complementa:

Em se tratando de violência doméstica contra a mulher, portanto, não se aplicariam os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Daí a sugestão para que se troque a expressão "violência doméstica ou familiar contra a mulher" por "violência doméstica ou familiar contra a pessoa", respeitando assim o princípio da igualdade.

Um outro argumento sobre a inconstitucionalidade da lei é que se um pai, por exemplo, em uma mesma situação, agride a esposa e o filho, causando lesões corporais leves em ambos, o tratamento dado ao agressor seria mais severo em relação à esposa (amparada pela Lei Maria da Penha).

E em relação ao filho, a persecução penal seguiria o procedimento da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Porém, não é assim que acontece, estando uma das vítimas protegidas pela Lei 11.340/06, a competência é deslocada para o âmbito do Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher [28].

Pelo exposto, a Lei Maria da Penha não é inconstitucional. Muito pelo contrário, ela necessita ser aplicada em todos os seus termos, pois só assim será dado um passo significativo na luta contra a violência doméstica no Brasil.

Deve-se ainda, cobrar dos Estados à criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar ou de Varas especializadas, a fim de oferecer atendimento humanizado às vítimas e tratamento aos agressores, rompendo, assim, com o nefasto ciclo da violência.

O próximo capítulo irá tratar das principais inovações advindas com a promulgação da Lei 11.340/06, que trouxe instrumentos importantes perante o problema da violência doméstica contra a mulher.


4 AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI MARIA DA PENHA

Sobre os grandes avanços da nova lei, Maria Berenice Dias [29], ao dispor sobre o assunto, faz um apanhado das principais modificações no procedimento. Segundo a autora:

Os avanços da nova lei são muito significativos. Devolvida à autoridade policial a prerrogativa investigatória, cabe-lhe instalar o inquérito. A vítima estará sempre acompanhada de advogado (art. 27), tanto na fase policial como na judicial, sendo-lhe garantido o acesso aos serviços da Defensoria Pública e da assistência Judiciária Gratuita (art. 28). Não pode ser ela portadora da notificação ou da intimação do agressor (art. 21, § único). (Grifo nosso)

E continua, ao dissertar, especialmente, sobre as novas medidas de proteção contra as mulheres, antes inexistentes. Veja:

Também deve a vítima ser pessoalmente cientificada, quando o agressor for preso ou liberado da prisão, sem prejuízo da intimação de seu procurador constituído ou defensor (art. 21). Mas, deve o juiz adotar medidas que façam cessar a violência, por exemplo: determinar o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que se aproxime da casa; vedar o seu contato com a família (art. 22). Também tem o dever de encaminhar a mulher e os filhos a abrigos seguros, garantindo-lhe a mantença do vínculo de emprego (art. 9º, II). Além disso, pode decretar a separação de corpos, fixar alimentos, bem como adotar medidas outras como suspender procuração outorgada ao agressor a anular a venda de bens comuns (art. 24). A Lei proíbe a aplicação de pena pecuniária, multa ou a entrega de cesta básica (art. 17) e permite a prisão preventiva do ofensor (art. 20). O último dispositivo da Lei é dos mais salutares, ao permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (art. 45). (Grifos nossos)

Diante o exposto, reconhece-se que o esforço da lei é propiciar uma mudança de comportamento naquele que pratica o crime, fazendo-o entender o caráter criminoso do seu agir. A adoção destes mecanismos de proteção que colocam a mulher a salvo do seu agressor, é também um mecanismo de que dispôs a lei para dar uma maior efetividade à nova legislação de proteção da mulher, a então Lei Maria da Penha.

Merece ainda destaque o artigo 5º da lei 11.340/06, que apresenta, pela primeira vez no Brasil, uma conceituação jurídica para o problema da violência doméstica e familiar, ao considerar como tal, qualquer ação ou conduta que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial (inovações da lei) quando praticadas no âmbito das relações domésticas ou familiares. É que anteriormente à lei Maria da Penha, apenas a sociologia e a psicologia tinham conceitos sobre o que enfim poderia ser considerado violência contra a mulher; de forma, que hoje, pós lei Maria da Penha, essa nova conceituação ampliou as formas de violação dos direitos humanos das mulheres.

Sobre essa nova conceituação, pertinente o comentário de Stela Valéria Cavalcanti [30]:

Esta inclusão constitui um grande avanço para a proteção dos direitos das mulheres, em face da ampliação da definição de violência doméstica contra a mulher contida em seu texto, bem como pelo reconhecimento explícito da violência doméstica como violação dos direitos humanos. Anteriormente à edição da lei "Maria da Penha" só era considerada violência doméstica a lesão corporal que ocasionasse dano físico ou à saúde da mulher. Após a entrada em vigor desta nova lei qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à mulher é considerada violência doméstica.

Não obstante o grande avanço, Marcelo Lessa alerta sobre o papel dos juízes e operadores do direito quando da interpretação de tais dispositivos legais, que não obstante inovadores, são vagos e abertos, podendo ocasionar uma banalização do instituto. Veja o que diz o autor [31]:

Caberá ao Juiz, diante do caso concreto, podar eventuais excessos interpretativos, de modo a não permitir, por exemplo, que se queira aplicar a Lei ao marido que simplesmente não cumpra regularmente com suas obrigações sexuais para com sua esposa, rejeitando, se for o caso, por atipicidade material, eventual queixa que, neste sentido, por absurdo, imagine tal comportamento como capaz de configurar crime de injúria. A definição conceitual do que seja violência doméstica e familiar contra a mulher e a prudência que se espera dos operadores do Direito, em especial Juízes e Promotores, no mister de restringir sua incidência diante de normas tão abertas, é vital em se levando em conta que qualquer crime previsto no Código Penal ou em Leis Especiais, que tutelem as integridades física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher, podem, em tese, estar sujeitos às prescrições da Lei "Maria da Penha". Neste sentido, são alvos de preocupação específica os crimes que, pela pena, conformar-se-iam na definição de infração penal de menor potencial ofensivo, por conta, principalmente, no caso de atraírem a aplicação desta Lei, do afastamento da incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, das limitações à aplicação de determinadas penas restritivas de direitos e da previsão excepcional de prisão preventiva. (Grifos nossos).

Outro aspecto a ser destacado acerca da nova Lei é a questão da "renúncia" à representação, de que trata o art. 16 [32], in verbis:

Art. 16: Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Em primeiro lugar, como alerta Marcelo Lessa [33], cumpre lembrar que o dispositivo em comento não está endereçado à lesão corporal fruto de violência doméstica e familiar contra a mulher porque, como já dito acima, neste caso, por força do art. 41 da Lei "Maria da Penha", que afastou a incidência da Lei nº 9.099/95 em casos tais, a ação penal voltou a ser pública incondicionada. Resta, portanto, cogitar do dispositivo para outros crimes, como a ameaça, estupro e atentado violento ao pudor com vítima pobre, etc, se praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Portanto, não é possível ao juiz ou ao promotor de justiça recusar a renúncia da vítima. Na falta de autorização dela, não pode o promotor denunciar e nem o juiz aceitar o início do processo criminal, por ausência de condição de procedibilidade para o exercício da ação penal (art. 43, III, CPP).

De fato, no sistema processual criminal brasileiro, a representação é faculdade exclusiva da vítima, somente ela pode autorizar o Estado a agir. Sem seu consentimento, não haverá processo, uma vez que o Estado não pode agir por ela. Se assim fosse, qual o sentido de exigir autorização das vítimas para o processamento de algumas infrações penais?

A discriminação legal das ações penais é coerente com esse sistema, uma vez que a regra é a atuação obrigatória do Ministério Público, independentemente de autorização de eventuais vítimas. Num Estado Democrático de Direito, a garantia dos direitos humanos e a repressão à criminalidade é encargo estatal, quando presente o interesse público em ver devidamente apurada uma infração penal, que certamente não afeta somente a pessoa vitimada, mas toda a comunidade, interessada em que não se deixe impune o autor.

A exigência da representação é reservada a excepcionalíssimas infrações - geralmente de pouca gravidade ou em que o dano ao bem jurídico depende de constatação subjetiva, cuja repercussão processual (e pública) deva atender à conveniência exclusiva da vítima. É o caso dos crimes cometidos com a palavra, como os de ameaça ou aqueles contra a honra, em que algumas vítimas podem sentir-se ameaçadas ou humilhadas.

Em segundo lugar, cumpre destacar a completa ausência de técnica legislativa, como revela a leitura do art. 16 da Lei que utilizou de forma errônea o termo "renúncia", quando o correto seria o instituto da "retratação", uma vez que, tecnicamente, se dando a renúncia antes do exercício do direito de representação, não se poderia renunciar a ela antes do recebimento da denúncia se esta pressupõe que a representação tivesse sido oferecida para deflagrar a ação penal.

Do contrário, a se considerar como sendo mesmo renúncia o instituto versado no art. 16, estar-se-ia a criar uma espécie de "representação compulsória", como bem definiu Marcelo Lessa, na obra supramencionada, uma vez que, ocorrido o crime, se a vítima não manifestasse o desejo de exercer o direito de representação, o Delegado seria obrigado a endereçar o expediente ao Juiz, para que fosse designada audiência especial com a finalidade de colher sua renúncia expressa, o que iria contrariar, com obviedade, o espírito da ação penal de iniciativa pública condicionada, que é deixar a vítima livre para decidir se quer ou não representar.

Enfim, o que a Lei quis dizer é que a representação é retratável somente em juízo e até o recebimento da denúncia, com o intuito de evitar que a vítima fosse de algum modo pressionada, na Delegacia de Polícia ou em outras instâncias (serviços sociais, família, trabalho), a retirar a "queixa" contra o agressor, como ocorria, constantemente, antes da vigência desta lei.

Diante o exposto, pode-se afirmar que as inovações trazidas pela Lei 11.340 foram:

No processo judicial: o juiz poderá conceder, no prazo de 48h medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima dentre outras), dependendo da situação; o juiz do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher terá competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (pensão, separação, guarda de filhos, etc.); o Ministério Público apresentará denúncia ao juiz e poderá propor penas de 3 meses a 3 anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final.

Na questão da autoridade policial: possui um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher; permite à autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica contra a mulher; registra o boletim de ocorrência e instaura o inquérito policial (composto pelos depoimentos da vítima, do agressor, das testemunhas e de provas documentais e periciais); remete o inquérito policial ao Ministério Público; pode requerer ao juiz, em 48h, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência; solicita ao juiz a decretação da prisão preventiva com base na nova lei que altera o Código de Processo Penal.

A Lei, antes e agora: não existia lei específica sobre a violência doméstica contra a mulher; hoje, tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher; não tratava das relações de pessoas do mesmo sexo; agora, determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual; aplicava-se a lei dos juizados especiais criminais (lei 9.099/95) para os casos de violência doméstica, estes juizados julgam os crimes com pena de até dois anos (menor potencial ofensivo); após a lei, retirou dos juizados especiais criminais (Lei nº 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher; permitia a aplicação de penas pecuniárias como as de cestas básicas e multa. Agora, proíbe a aplicação destas penas; a mulher podia desistir da denúncia na delegacia. Agora, a mulher somente poderá renunciar perante o juiz; a lei não utilizava a prisão em flagrante do agressor. Após o advento da lei, possibilita a prisão em flagrante; não previa a prisão preventiva para crimes de violência doméstica, com a nova lei que alterou o código de processo penal, passou a possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher; a mulher vítima de violência doméstica, em geral, ia desacompanhada de advogado ou defensor público nas audiências, após a nova lei, a mulher deverá estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais; a pena para crime de violência doméstica era de 6 meses a 1 ano, após a promulgação da lei, a pena do crime de violência doméstica passou a ser de 3 meses a 3 anos; a violência doméstica contra mulher portadora de deficiência não aumentava a pena, agora, se a violência doméstica for cometida contra mulher portadora de deficiência, a pena será aumentada em 1/3.

Diante, pois, dessas inovações e da análise minuciosa dos artigos da lei, percebe-se que a Lei Maria da Penha é uma lei que possui não só o cunho repressivo como também educativo, pois traz em seu texto várias medidas de proteção, assistência às vítimas, diretrizes de atuação dos órgãos da polícia judiciária, do próprio judiciário e propostas de implementação de políticas públicas, cuja finalidade maior é promover ampla proteção e salvaguardar os direitos humanos das vítimas, por meio de uma maior atenção do Estado.

A Lei apresenta uma estrutura adequada e específica para atender a complexidade do fenômeno da violência doméstica, representando um marco indelével na história de proteção legal conferida às mulheres.

Antes do advento da Lei Maria da Penha, somente a lesão corporal recebia uma pena mais severa quando praticada em decorrência de relações domésticas (CP, art. 129, § 9º). As demais formas de violência perpetradas em decorrência das relações familiares geravam no máximo um agravamento de pena (CP, art. 61, II, letra "f").

A partir da vigência da nova lei, a violência doméstica não guarda correspondência com qualquer tipo penal. Primeiro é identificado o agir que configura violência doméstica ou familiar contra a mulher (art. 5º): qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Depois são definidos os espaços onde o agir configura violência doméstica (art. 5º, incisos I, II e III): no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação de afeto. Finalmente, de modo didático e bastante minucioso, são descritas as condutas que configuram a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

As formas de violência elencadas deixam evidente a ausência de conteúdo exclusivamente criminal no agir do agressor. A simples leitura das hipóteses previstas em lei mostra que nem todas as ações que configuram violência doméstica constituem delitos. Além do mais, as ações descritas, para configurarem violência doméstica, precisam ser perpetradas no âmbito da unidade doméstica ou familiar ou em qualquer relação íntima de afeto.

Assim, é possível afirmar que a Lei Maria da Penha considera violência doméstica as ações que descreve (art. 7º) quando levadas a efeito no âmbito das relações familiares ou afetivas (art. 5º). Estas condutas, no entanto, mesmo que sejam reconhecidas como violência doméstica, nem por isso configuram crimes que desencadeiam uma ação penal.

De qualquer modo, mesmo não havendo crime, mas tomando conhecimento a autoridade policial da prática de violência doméstica, deverá tomar as providências determinadas na lei (art. 11): garantir proteção à vítima, encaminhá-la a atendimento médico, conduzi-la a local seguro ou acompanhá-la para retirar seus pertences. Além disso, deverá a polícia proceder ao registro da ocorrência, tomar por termo a representação e remeter a juízo expediente quando a vítima solicitar alguma medida protetiva (art. 12).

Todas estas providências devem ser tomadas diante da denúncia da prática de violência doméstica, ainda que – cabe repetir – o agir do agressor não constitua infração penal que justifique a instauração do inquérito policial. Dita circunstância, no entanto, não afasta o dever da delegacia de tomar as providências determinadas na lei. Isso porque, é a violência doméstica que autoriza a adoção de medidas protetivas, e não exclusivamente o cometimento de algum crime.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvidas que a Lei Maria da Penha trouxe instrumentos importantes para uma postura pró-ativa do Estado perante o problema da violência doméstica contra a mulher, dando-lhe instrumentos de atuação mais eficientes para a realização da justiça em seu significado mais profundo, não apenas como a aplicação fria e cega de regras, mas como um instrumento de mudança social em prol da emancipação do ser humano em sua completude.

A Lei 11.340/06 só pode ser interpretada como diploma que pretende resgatar de forma principiológica a política pública de proteção à família e de combate à desigualdade, sem espaço para alegação de inconstitucionalidade.

Constituindo-se a Lei Maria da Penha em uma quebra de paradigma, só funcionará, efetivamente, se pelo Estado houver a implementação dos serviços multidisciplinares previstos no microssistema criado. Por parte dos atores do processo, dentre os quais juízes e membros do Ministério Público.

É dever do Estado assegurar não somente a igualdade formal, em que os indivíduos, abstratamente, devem ser tratados do mesmo modo, sem qualquer tipo de distinção, mas também, a igualdade material ou substancial, em que os indivíduos devem ser tratados de modo desigual se for constatado, no plano sócio-econômico, igualdade entre eles. É justamente o que se dá com a implementação, pela Lei Maria da Penha, de políticas discriminatórias positivamente estabelecidas, diante da ocorrência de violência praticada contra a mulher.

As medidas públicas e privadas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e a neutralização dos efeitos nocivos da discriminação de gênero são fundamentais neste aspecto.

O tratamento legal diferenciado em favor da mulher em situação de violência doméstica está em consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, como a cidadania e dignidade da pessoa humana, impondo a intervenção do Estado, voltada para erradicar a violência de gênero e promover a igualdade material entre os homens e mulheres.

Não é somente a integridade física da mulher que é protegida, mas a sua própria dignidade. Nesta situação específica de violência contra a mulher, a lei especial é necessária, bem como é legítima a atuação do Estado. A racionalidade e a justiça estão presentes na intervenção estatal.

A violência histórica perpetrada contra a mulher, a discriminação sofrida e a desigualdade material manifesta justificam a intervenção penal do Estado, porque a sociedade não é mais conivente com a violência de gênero, é uma necessidade social que a violência cesse.

Por último, as medidas protetivas de urgência, quer obrigacionais do agressor ou protetivas das vítimas, somadas à possibilidade de decretação de prisão preventiva (mecanismo criado pela lei para garantir a efetividade dessas medidas), se revelam instrumentos processuais e penais úteis para coibir e prevenir a famigerada violência doméstica e familiar praticada contra a mulher.

Eles são necessários, porque não há no ordenamento jurídico, outros meios hábeis que venham garantir a dignidade da mulher em situação de violência doméstica. Os mecanismos anteriores à edição da lei, em especial as disposições da Lei 9.099/1995 e outros instrumentos processuais, como as existentes medidas cautelares de separação de corpos ou de afastamento do cônjuge do lar, se mostraram ineficazes para coibir ou cessar a violência praticada contra a mulher.

O juízo de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher possui, agora, à sua disposição, instrumentos processuais suficientes para proporcionar integral proteção às vítimas dessa violência de gênero. Era imprescindível a implementação de medidas com o fim de resgatar, em essência, a cidadania e a dignidade da mulher; marginalizada pela sociedade machista e patriarcal.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 351-352.
  2. IBDEM, p. 328.
  3. O julgado STF-RT 574/271 permitiu a concessão de alimentos para o cônjuge que vivia sob o mesmo teto do seu par, pois reconheceu a separação de fato entre eles.
  4. LOBO, Paulo Luiz netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus, in JusNavigandi, Teresina, ano 6, n. 53, janeiro 2002, Disponível em http://jus.com.br/artigos/2552,. Acesso em: 21 Set. 2008.
  5. BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Anne Joyce Angher (org). 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
  6. IBDEM.
  7. CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da Lei Maria da Penha, nº 11.340/06. 2. ed. ampliada e atualizada. Bahia: Jus Podivm. 2008. p. 172.
  8. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/06 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 22.
  9. CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. op. cit, p. 174.
  10. IBDEM, p. 176.
  11. BRASIL. Lei nº. 10.455, de 13 de maio de 2002. Modifica o parágrafo único do Art. 69 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 195. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Anne Joyce Angher (org). 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
  12. BRASIL. Lei 10.886, de 17 de junho de 2004. Acrescenta parágrafos ao Art.129 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Anne Joyce Angher (org). 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
  13. BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei Maria da Penha. Alguns comentários. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/9006. Acesso em: 05 de maio de 2008.
  14. CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. op. cit, p. 178.
  15. BRASIL. Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais, e dá outras providências. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Anne Joyce Angher (org). 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
  16. CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. op. cit, p. 180.
  17. IBDEM, p. 180.
  18. DIAS, Maria Berenice. op. cit, p. 13-14.
  19. BRASIL. Constituição Federal. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Anne Joyce Angher (org). 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
  20. ONU. Declaração dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acesso em: 14 set. 2008.
  21. BRASIL. Constituição Federal. op. cit., 2007.
  22. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 154.
  23. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 68.
  24. BRASIL. Constituição Federal. op. cit., 2007.
  25. CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI MARIA DA PENHA - CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 33 E 41 DA LEI 11.340/2006 - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA O JULGAMENTO. Processo: 1.0000.07.458339-4/000(1) MG. 2007. Disponível em: http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=0000&ano=7&txt_processo=458339&complemento=000&sequencial=&pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=. Acesso em: 02.09.2008.
  26. DIAS, Maria Berenice. op. cit, p. 57.
  27. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios; JESUS, Damásio. A inconstitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/06 (Lei da violência doméstica ou familiar contra a mulher). Complexo Jurídico Damásio de Jesus, São Paulo, out.2006. Disponível em: www.damasio.com.br. Acesso em: 24.04.2008.
  28. DIAS, Maria Berenice. op.cit, p. 57.
  29. IBDEM, p. 25.
  30. CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. op. cit, p. 195.
  31. BASTOS, Marcelo Lessa. op. cit. 2008.
  32. BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. In: Vade Mecum acadêmico de direito. Anne Joyce Angher (org). 4. ed. São Paulo: Rideel, 2007.
  33. BASTOS, Marcelo Lessa. op. cit. 2008.

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GUERRA, Christiane Silva. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e suas inovações no âmbito do direito das mulheres vítimas de violência doméstica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2090, 22 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12451. Acesso em: 18 abr. 2024.