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Da necessária distinção entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto

Da necessária distinção entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto

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O dia-a-dia forense demonstra a ocorrência de reiterados equívocos em torno das modalidades de decisões possíveis em sede de controle da constitucionalidade das normas, em especial quanto à errônea equiparação de duas figuras: a interpretação conforme à Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Nas palavras de GILMAR FERREIRA MENDES, “oportunidade para interpretação conforme à Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição” (Jurisdição Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 222). Assim, dada a presunção de constitucionalidade das normas, deve prevalecer a interpretação constitucional. Da mesma forma, o MIN. MOREIRA ALVES na Rp. nº 1.417: “a interpretação da norma sujeita a controle deve partir de uma hipótese de trabalho, a chamada presunção de constitucionalidade, da qual se extrai que, entre dois entendimentos possíveis do preceito impugnado, deve prevalecer o que seja conforme à Constituição” (RTJ 126/53).

Por outro lado, conforme as lições clássicas de LÚCIO BITTENCOURT, “...se uma lei pode ser interpretada em dois sentidos, um que a torne incompatível com a Lei Suprema, outro que permite a sua eficácia, a última interpretação é a que deve prevalecer”. Mas segundo o mesmo autor, não há que falar em uma “presunção de constitucionalidade”, a obrigar a aplicação da norma. Aduz o mestre que a lei, “desde que se apresente formalmente perfeita, há de ser considerada boa, firme e válida, como qualquer outro ato do poder público, ou qualquer ato jurídico, na órbita privada, até que a sua ineficácia ou nulidade seja reconhecida ou declarada pelos tribunais (...) A lei, enquanto não declarada inoperante, não se presume válida: ela é válida, eficaz e obrigatória” (O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, Rio, Forense, 2ª edição, 1968, p. 95-96). No mesmo sentido a opinião de JORGE MIRANDA (Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1988, p. 232-233).

O fato é que, efetuada no bojo de uma argüição de inconstitucionalidade (incidental ou direta), a interpretação conforme à Constituição leva à improcedência da argüição. É o que se conclui pela seguinte passagem do voto do Min. Moreira Alves na Rp. nº 948: “Em conclusão, e com a interpretação que dou ao caput do art. 156. da Constituição do Estado de Sergipe, julgo improcedente a presente Representação” (RTJ nº 82/56).

Segundo Gilmar Mendes, a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto “refere-se, normalmente, a casos não mencionados no texto, que, por estar formulado de forma ampla ou geral, contém, em verdade, um complexo de normas” (ob. cit. p. 196-197 - é dita “parcial” pois fulminará apenas uma - ou algumas - hipóteses de incidência do ato normativo). Tal modalidade redunda na procedência da argüição de inconstitucionalidade. Nessa linha decidiu o STF no RE nº 183.119/SC, relatado pelo MIN. ILMAR GALVÃO:

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DECORRENTE DE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS. EXPRESSÃO: "CORRESPONDENTE AO PERÍODO-BASE DE 1989", CONTIDA NO CAPUT DO ART. 1º DA LEI Nº 7.988, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1989, ENQUANTO REFERIDA AO INC. II DO MESMO DISPOSITIVO. Inconstitucionalidade que se declara, sem redução de texto, por manifesta incompatibilidade com o art. 195, § 6º, da Constituição Federal (princípio da anterioridade mitigada). Recurso não conhecido”

(DJ 14.02.97).

Assim, como na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto há efetivo juízo de desvalor da norma, surgindo a quaestio juris incidentalmente em um órgão fracionário de Tribunal, o incidente deverá ser processado por seu Plenário ou Órgão Especial (art. 97. da CRFB/88 - “full bench”). Por sua vez, a interpretação conforme à Constituição, por ser técnica hermenêutica que visa à preservação do texto inquinado, pode (e deve) ser procedida por todo e qualquer juízo, monocrático ou colegiado, não necessitando, nesse último caso, de provocação do Plenário.

É fundamental ter em conta que a interpretação conforme à Constituição deve limitar-se ao exercício hermenêutico; ultrapassado o mesmo, o que se tem, em verdade, será uma efetiva declaração de inconstitucionalidade, com ou sem redução de texto. Ilustrativas as palavras do Min. Moreira Alves na ementa da Rp. nº 1.417: “...o STF - em sua função de Corte Constitucional - atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo Poder Legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme à Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo” (RTJ nº 126/48). Nesses casos, mostra-se inevitável a declaração de inconstitucionalidade. Procedê-la no seio de órgão fracionário, sem a devida provocação plenária (arts. 480. a 482 do CPC) e sob o nome de “interpretação conforme à Constituição”, é burlar o art. 97. da CRFB/88. Ofendida a regra do “full bench”, cabe recurso extraordinário com fulcro no art. 102, III, “a”, da CRFB/88.

Tais métodos de controle da constitucionalidade - via de regra abordados tão-somente sob a ótica do controle em abstrato das normas - não podem ser negados ao controle difuso, máxime quando procedidos no âmbito dos Tribunais, uma vez que, por força do art. 97. da CRFB/88, o até então controle difuso acaba por concentrar-se no Pleno do Tribunal ad quem. Diga-se mais: com a remessa da quaestio juris constitucional para o Plenário, o caso concreto hipotetiza-se, quase que desencadeando verdadeiro controle em abstrato da constitucionalidade. Isso ao menos no sentido de que o incidente desvincula-se do caso concreto que o ensejou, pois o Pleno só conhecerá da questão de constitucionalidade. Mas essa já é outra questão, sem lugar entre essas breves considerações.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Da necessária distinção entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1898, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/132. Acesso em: 16 abr. 2024.