Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/1326
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O encargo de 20% instituído pelo Decreto-Lei nº 1025/69 e as execuções fiscais da União

O encargo de 20% instituído pelo Decreto-Lei nº 1025/69 e as execuções fiscais da União

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: 1. Apresentação do tema. 2. O que são encargos? 3. O encargo de 20% previsto no Decreto-lei nº 1025/69 como honorários advocatícios. Visão crítica da jurisprudência. 4. Natureza jurídica. Correntes. 5. Nosso posicionamento.


1. Apresentação do tema.

Nas execuções fiscais da União, além dos encargos relativos aos juros e multa moratórios, incide sobre o principal da dívida outro encargo denominado encargo de 20% instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69. Inicialmente o referido encargo remunerava os servidores públicos que funcionassem na cobrança da Dívida Ativa, constando do art. 1º daquele decreto, que possuí a seguinte dicção: "Art. 1º É declarada extinta a participação de servidores públicos na cobrança da Dívida Ativa da União, a que se referem os artigos 21 da Lei nº 4.439, de 27 de outubro de 1964, e 1º, inciso II, da Lei nº 5.421, de 25 de abril de 1968, passando a taxa, no total de 20% (vinte por cento), paga pelo executado, a ser recolhida aos cofres públicos, como renda da União".

Essa norma sofreu diversas alterações, como se observa da Lei nº 7.711/88: "Art. 3º A partir do exercício de 1988 fica instituído programa de trabalho de "Incentivo à Arrecadação da Dívida Ativa da União", constituído de projetos destinados ao incentivo da arrecadação, administrativa e judicial, de receitas inscritas como Dívida Ativa da União, à implementação, desenvolvimento e modernização de redes e sistemas de processamento de dados, no custeio de taxas, custas e emolumentos relacionados com a execução fiscal e a defesa judicial da Fazenda Nacional e sua representação em Juízo, em causas de natureza fiscal, bem assim diligências, publicações, "pró-labore" de peritos técnicos, de êxito, inclusive a seus procuradores a ao Ministério Público Estadual e de avaliadores e contadores, e aos serviços relativos à penhora de bens e à remoção e depósito de bens penhorados ou adjudicados à Fazenda Nacional. Parágrafo único. O produto dos recolhimentos do encargo de que trata o artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, modificado pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, artigo 3º do Decreto-Lei 1.645, de 11 de dezembro de 1978, e artigo 12 do Decreto-Lei nº 2.163, de 19 de setembro de 1984, será recolhido ao Fundo a que se refere o artigo 4º, em subconta especial, destinada a atender a despesa com o programa previsto neste artigo e que será gerida pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional, de acordo com o disposto no artigo 6º desta Lei".

Pelos diplomas legais suso-referidos, constata-se que o encargo cobrado a taxa de 20%, visa custear os serviços despendidos com a arrecadação de créditos da Fazenda Nacional inscritos em Dívida Ativa.

A Dívida Ativa é o conjunto de valores devidos à Fazenda Pública em virtude do inadimplemento de tributos e de outros créditos cuja natureza não seja tributária, mas seja cobrada por alguns dos legitimados à inscrição, previstos no art. 1º da Lei 6.830/80, a qual trata da cobrança judicial destes créditos através de procedimento próprio e de rito célere. (1)

Como supra salientado, a problemática surge quando contextualizamos o referido encargo com a atual ordem constitucional e com a carga tributária vigente no País, embora o tema não seja novo, posto que deveras apreciado pelos nossos tribunais, com decisões nem sempre coerentes.

Para o desenrolar do presente trabalho e para que situemos a problemática que envolve o citado encargo previsto no art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69, mister se faz primeiro enunciar as diversas questões que a doutrina traz à lume quanto ao tema; segundo, identificar a natureza do instituto e em terceiro lugar analisar nossas conclusões, confrontando-as com o entendimento vigorante nos tribunais.


2. O que são encargos?

A linguagem do direito positivo, fruto do labor do legislador, é vertida numa linguagem técnica, não científica, cabendo ao operador do direito dissecá-la para obter o verdadeiro conteúdo, alcance e sentido dos enunciados normativos. (2)

Para o objetivo a que nos propomos, mister definirmos o que se entende e o que entendemos sobre o termo "encargos". Este passo é fundamental para identificarmos a natureza jurídica do instituto e sua amoldação ao sistema de direito positivo.

Encargos, sob a ótica do uso comum do povo, numa perspectiva vulgar do conceito, pode ser definido como "1. Responsabilidade, incumbência, obrigação. 2. Ocupação, cargo. 3. Sentimento de culpa; remorso. 4. Condição onerosa, ou restritiva de vantagem; peso". (3) Abstraindo dos sentidos nº 2 ,3 e 4, podemos entender o referido encargo como uma obrigação/imposição de recolher aos cofres públicos o percentual de 20% calculado sobre a totalidade da quantia devida inscrita em dívida ativa.

Já adentrando no campo da linguagem técnica poder-se-ia definir o termo "encargo" como aquilo que adere a algo que lhe é substancial, como por exemplo, os juros indenizatórios e a multa moratória aderem ao principal da dívida onerando-a, cada um com uma função específica, qual seja, os juros indenizam o credor pela não disponibilização no tempo acordado do numerário que já lhe pertence e a multa é penalidade pelo inadimplemento da obrigação civil, comercial, tributária etc., no tempo acordado ou instituído. (4) Será que podemos identificar o encargo de 20% instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69 como acessório de uma obrigação? Se afirmativa a resposta, tratar-se-ia de indenização, remuneração, ou penalidade? Antes de respondermos a este questionamento, válido é situarmos a compreensão do instituto ora estudado no âmbito da linguagem da ciência do direito, a que se pretende, como toda ciência, foros de univocidade.

Os conceitos, institutos e formas de direito privado, salvo se para definir e limitar a competência impositiva, podem ser modificados pela legislação tributária. (5) Assim, pode-se entender o termo "encargo" como "... toda soma de tributos ou impostos que pesam à responsabilidade de uma pessoa ou de uma firma comercial.... Encargos, aí, tem, pois, o sentido de ônus" .(6)

Destarte, cremos que o conteúdo e o sentido do termo "encargo", a que o legislador de antanho fez referência, é o de imposição que nasce com o inadimplemento da obrigação tributária, refletindo toda a carga tributária incidente sobre dado contribuinte sem as características de remunerar o capital, e.g., empréstimo contraído a juros, indenizar o credor (juros moratórios) e de penalizar o inadimplente (multa de mora), pois estas "verbas" já possuem previsão em leis esparsas e a sua cobrança concomitante com estes acessórios (juros e multa) configura anatocismo (juros sobre juros) e bis in idem penalizatório, o que é vedado pela Ordem Jurídica. Assim, responde-se às suso-referidas indagações.


3. O encargo de 20%, previsto no Decreto-lei nº 1.025/69, como honorários advocatícios.

Há decisões que, a despeito das alterações legislativas operadas no instituto, entendem que o encargo de 20% previsto no art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69, é verba recolhida a título de honorários de advogado. Assim, por exemplo (7), Agravo de Instrumento nº 102790, DJU 15.3.2000 (8) e a Súmula nº 168 do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR. (9)

Entendido o citado encargo como verba honorária, surge o problema de compatibilizá-lo com o Código de Processo Civil e com os princípios que regem o estatuto de rito, mormente com o princípio da igualdade das partes e do juiz natural, previstos respectivamente no art. 5º, caput e inciso XXXVII, da Constituição Federal de 1988.

Segundo o CPC, em seu art. 20 "A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios...". Da primeira parte do dispositivo transcrito constata-se que é de competência do juiz da causa arbitrar os honorários de advogado, atendendo às circunstâncias de que trata as alíneas do art. 20.

Nos executivos fiscais ajuizados pela Fazenda Nacional, o Decreto-lei nº 1.025/69 subtrai do juiz este dever-poder para fixá-lo sempre no percentual máximo arbitrado, qual seja 20% (CPC, art. 20, §3º), pela simples razão do ajuizamento da ação, ou seja, se o executado paga o débito logo após a citação, deverá acresce-lo de 20% a título de "honorários advocatícios", criando um juízo de exceção. Segundo preleciona Humberto Theodoro Jr: "Toda origem , expressa ou implícita do poder jurisdicional só pode emanar da Constituição, de modo que não é dado ao legislador ordinário criar juízes ou tribunais de exceção, para julgamento de certas causas, nem tampouco dar aos organismos judiciários estruturação diversa daquela prevista na Lei Magna". Resumindo a idéia do insígne mestre mineiro, o princípio do juiz natural é a garantia do cidadão de submeter-se ao poder, conferido pela Constituição ao juiz, de exercer a jurisdição segundo as determinações daquela. Assim, fixando o Decreto-lei nº 1.025/69 o encargo de 20% e sendo este entendido como honorários advocatícios, a competência para o julgamento da qualidade do serviço prestado, do grau de dificuldade da causa etc., está sendo transposta para o legislador ordinário e não para a instância judiciária, a qual é a competente para a apreciação da matéria, posto que envolve a composição de interesses em litígio, objeto do processo.

Destarte, ao meu sentir, subtrair do juiz a competência de tal arbitramento para fixá-lo sempre no maior percentual possível é não só malferir a citada norma acima veiculada, como também privilegiar (dentre tantos outros privilégios) um ente estatal (a Fazenda Nacional) em detrimento dos contribuintes e dos demais entes estatais que não fazem jus a tal percentual (como, v.g., o Instituto Nacional de Seguro Social).

Ademais, fere, outrossim, o art. 125 do CPC, que ordena o tratamento igualitário das partes, materializando o princípio da isonomia no processo. Neste sentido, digno de nota, por sua singularidade, é o voto proferido na Apelação Cível nº 187.229/SP, da lavra do Juiz Homar Cais, verbis: "Quer se chame de taxa (DL 1.025), quer se mascare como encargo (DL 1.645), o percentual de 20% que penaliza o executado nas execuções fiscais – e só desta – não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, já que nenhuma razão especial existe que possa servir de fundamento à desparificação da Fazenda Pública em geral (...). A prévia estipulação de percentual que substitui, na execução fiscal da União, os honorários, subtrai ao Poder Judiciário, com infringência do princípio do juiz natural, sua competência para decidir sobre o cabimento e o arbitramento do percentual relativo aos honorários de advogado. Ao determinar o Código de Processo Civil que a sentença condenará o vencido ao pagamento da verba honorária impõe amplo exame da causa pelo juiz, que estará atrelado, na sua fixação, à observância dos parâmetros contidos nos §§ 3º e 4º do art. 20 (...). Incompatibilidade manifesta do art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69, com a alteração contida no art. 3º do Decreto-lei nº 1.645/78, com a Constituição Federal, que não o recepcionou" (TRF, 3ª Região, 4ª Turma, Apelação Cível nº 187.229/SP (94.03.052304-2), rel. Juiz Homar Cais, com retificação de voto da Juíza Lúcia Figueiredo, j. 25-9-1996). Entretanto, este posicionamento, para não dizer único, encontra-se quase que isolado no seio da jurisprudência pátria.

Como salientado acima, os tribunais superiores têm entendido o encargo de 20%, previsto no art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69 como devidos em substituição aos honorários advocatícios. Há, todavia, decisões que contrariam a própria idéia a que se propõem transmitir, como se observa do acórdão no Resp. nº 190.937/SP, DJ 22.3.1999, p. 96, verbis:

"DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Extinta a participação de servidores na cobrança da dívida ativa da União, foi estabelecida a taxa de 20% (vinte por cento) a ser paga pelo executado. A taxa é reduzida a 10% (dez por cento) se o débito for pago antes do ajuizamento. O juiz não pode reduzir o percentual da lei. Recurso provido".

Da ementa retrotranscrita observa-se a incoerência do posicionamento dos que defendem a cobrança do encargo de 20% a título de honorários de advogado: como pode ser devido honorários de advogado se não houve sequer a formação da relação processual com a citação do devedor para solver a dívida ? Ou ainda, se não pode o juiz reduzir o percentual da lei, como aceitar a tese de que antes do ajuizamento da ação a taxa reduzir-se-á a 10%? Na verdade, a meu ver, existe uma certa complacência institucional para com a Fazenda Pública que, no intuito de alimentar os cofres do estado, subverte os princípios básicos e a lógica do sistema, pelos quais os cientistas do direito busca atribuir uma base palpável para compreender o fenômeno normativo. Entretanto, a questão parece estar pacificada no seio do STJ com o julgamento dos EDResp nº 124.263/DF, onde a 1ª Seção pacificou o entendimento de que a natureza do encargo previsto no art. 1º do Decreto-lei nº1025/69 não era unicamente de substitutivo dos honorários advocatícios, mas que se destinava a cobrir todas as despesas relativas à arrecadação de tributos. (10)

Na esteira do precedente normativo aberto pelo Decreto-lei nº 1.025/69, a Lei nº 7.940, de 20 de dezembro de 1989, que institui a Taxa de Fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários, assim dispôs no art. 5º, § 1º, alínea "c": "§ 1º. A taxa não recolhida no prazo fixado será atualizada na data do efetivo pagamento, de acordo com o índice de variação da BTN Fiscal, e cobrada com os seguintes acréscimos: c) encargos de 20% (vinte por cento), substitutivo da condenação do devedor em honorários de advogado, calculados sobre o total do débito inscrito como Dívida Ativa, que será reduzido para 10% (dez por cento) se o pagamento for efetuado antes do ajuizamento da execução". Aqui, calha à fiveleta todas as críticas opostas ao acórdão supratranscrito.

Em se considerando o instituto de que ora se trata como honorários de advogado, pode-se impugná-lo pela revogação tácita operada pelo Código de Processo Civil de 1973 ou pela não-recepção do multicitado diploma normativo pela Constituição Federal, uma vez que fere os princípios do juiz natural e da isonomia das partes.


4. Natureza jurídica.

A doutrina diverge na caracterização da natureza do instituto que ora nos ocupa a atenção, podendo-se afirmar que possuem duas teorias, a saber: configuraria honorários advocatícios ou tributo da espécie taxa. A questão dos honorários advocatícios já mereceu nossa atenção no item anterior, agora nos cumpre analisar o tema sob a ótica dos tributos. Tributo é toda prestação pecuniária não decorrente de ato ilícito instituída por lei. (11) Pode-se subsumir o conceito de tributo ao encargo instituído pelo Decreto-lei nº 1025/69. Cabe-nos, agora, identificar a espécie tributária a qual o encargo corresponde, para daí, verificarmos se o mesmo ofende ou não o Sistema Tributário Nacional. Aqui, adotaremos a divisão polipartida das espécies tributárias defendida por Luciano da Silva Amaro que identifica os impostos, as taxas, as contribuições e o empréstimo compulsório. (12)

Assim, impostos são classificados como tributos não vinculados a uma atuação estatal específica em relação ao contribuinte; as taxas pela sua vinculação à prestação de um serviço público específico e divisível em relação ao contribuinte; a contribuição de melhoria pela valorização de um bem do contribuinte pela realização de obra pública e, as contribuições sociais, embora seja ainda intensa a controvérsia acerca de sua classificação, são tributos caracterizados pela sua destinação específica (13) e o empréstimo compulsório pela sua restituibilidade.

O encargo de 20% previsto no Decreto-lei nº 1025/69 não reflete a valorização de um bem do particular por obra da administração pública. Também não se destina a custear a seguridade social. Não é resultado da intervenção do estado na economia, nem no interesse de categorias sociais ou econômicas e não configura exercício do poder de polícia, nos termos do art. 98 do CTN.

Há quem entenda que o encargo de 20% configura imposto por não ser cobrado em virtude do oferecimento de um serviço público específico e divisível relacionado ao contribuinte, mas sim de uma situação fática legitimadora de sua cobrança, qual seja, o inadimplemento de uma obrigação tributária.

Nesta linha de pensamento encontramos o magistério de Yussef Said Cahali, verbis: "... as despesas com a inscrição da dívida são gerais da administração, e aquela inscrição é condição para a cobrança do crédito fiscal; hão de ser atendidas, conseqüentemente, pelos impostos gerais; por outro lado, a teor do art. 201 do CTN, não pode o Fisco incluir, como dívida tributária, tal acréscimo, que só incide, segundo a lei que o previu, após esgotado o prazo para pagamento, posterior à notificação, ou nos termos da lei fiscal ...". (14)

Outros defendem sua inclusão na espécie tributária das taxas. (15) Como principal argumento que se colaciona para defender a inclusão do encargo previsto no Decreto-lei nº 1025/69, tem-se que a atividade de arrecadação e cobrança dos débitos tributários da União não configura serviço público, se tomado o termo no sentido que lhe é dado pelo direito administrativo. Seriam, portanto, tributos não vinculados que se prestam a custear uma atividade estatal: a arrecadação de tributos e as despesas com a inscrição dos créditos inadimplidos efetuadas pelo Estado. Este entendimento encontrou guarida com a promulgação da Lei 7711/88, diante do enunciado normativo do art. 3º deste diploma legal que destina os recursos provenientes da cobrança do encargo de 20% a aparelhar o Programa de Incentivo à Arrecadação.

Para configurar o encargo de 20% instituído pelo Decreto-lei nº 1025/69 um imposto, deve-se, necessariamente, entender que o custeio da máquina estatal arrecadadora não configura serviço público, ou por outras palavras, deve o serviço público ter conotação de contraprestatividade, entendida esta expressão como uma retribuição, um benefício concedido pelo Estado ao usuário do serviço, tal qual as taxas funerárias, de saneamento básico etc.

Odete Medauar sustenta o caráter prestacional do serviço público que deve propiciar algo necessário à coletividade, algo que propicie diretamente uma utilidade aos administrados. (16)

A doutrina tributária, porém, parece uníssona em concordar que para os fins constitucionais da imposição de taxas, não precisa haver a conotação de contraprestacionalidade. O serviço público para estes autores caracterizam uma atividade estatal relacionada a alguém, e por isto (pela prestação da atividade) torna-se este alguém contribuinte da taxa correspondente. (17)

Os doutrinadores, que proclamam a natureza jurídica de taxa para o encargo de 20% previsto no art. 1º do Decreto-lei 1025/69, defendem que a cobrança do crédito inadimplido caracteriza serviço público específico e divisível e sua subsunção aos enunciados dos arts.77 do CTN e 145, II, da CF.

Pode-se albergar ainda a tese de que o encargo de 20% caracteriza sanção por ato ilícito, pois inadimplir uma obrigação tributária configura ilícito tributário; sendo o fato gerador do encargo, ou da taxa, ou do imposto o inadimplemento (fato que torna possível a inscrição em Dívida Ativa e seu ajuizamento) do contribuinte, estar-se-ia cobrando pelo descumprimento da norma impositiva.

Há, entretanto, concordância unânime que, seja a que título for, o encargo de 20% é ilegal e afronta a ordem jurídica.


5. Nosso posicionamento.

Consideramos que o encargo de 20% instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 1025/69 é penalidade administrativa pelo inadimplemento voluntário da obrigação tributária, com o que não concorda Sacha Calmon Navarro Côelho (18), para quem o contribuinte tem o dever subjetivo de resistir ao pagamento de tributo. Assim, inadimplir uma obrigação tributária não consistiria num ato ilícito, pois não teria tipicidade.

Não concordamos com a inclusão do encargo na categoria das taxas pois não acreditamos que a cobrança administrativa ou judicial da Dívida Ativa se caracterize como serviço público, posto dever este refletir um caráter de prestacionalidade ao contribuinte, o que não ocorre pelo ajuizamento de uma execução fiscal. Ademais, o valor do serviço deve guardar relação eqüitativa com a taxa cobrada, fato este não encontrado no instituto de que tratamos, levando-o a transplantar-se para a categoria dos impostos (19).

Da mesma forma, cremos não assistir razão aos que o vêm como imposto, pois um tributo não pode ter como fato gerador um ato ilícito, mas incidir sobre atos, bens, situações lícitas como prescreve o art. 3º do CTN. Mesmo como imposto melhor sorte não assiste ao indigitado encargo, posto que, à mingua de previsão constitucional para a hipótese fática do encargo com a atribuição de competência tributária à União, deveria o mesmo ser veiculado por lei complementar, posto que assim restaria compreendido na competência residual da União (art. 154, I, da CF).

O encargo de 20% instituído pelo Decreto-lei nº 1025/69 e alterado por vários diplomas normativos consiste, verdadeiramente, em medida punitiva ao devedor recalcitrante (20). Se o devedor satisfaz o débito antes da cobrança judicial, diminui-se o percentual devido a 10%; ajuizada a ação fiscal, eleva-se o encargo a 20% do montante da dívida consolidada (principal, multa e juros). Como multa que é, constatamos o exercício de uma ilegalidade a agravar o quadro tributário no Brasil: a incidência de encargos dos mais variados tipos e gostos a onerar o contribuinte, e entre eles, a burla ao princípio geral de direito da proibição de bis in idem, caraterizado pela cobrança de uma multa (encargo de 20%) sobre uma outra multa (multa de mora), esta que muitas vezes atinge o percentual de 100% sobre o valor do débito.

Portanto, vislumbra-se, a despeito da denominação que lhe der, a ilegalidade do encargo de 20% instituído pelo Decreto-lei nº 1025/69, pois o mesmo grava o patrimônio do executado com uma sanção, já prevista e duplamente cobrada, sob o roupagem de custear a máquina arrecadatória estatal.


NOTAS

  1. O art. 1º da Lei 6830/80 está assim redigido, verbis: "Art. 1º. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil ".
  2. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9. ed. rev. São Paulo: Forense, 1997, p. 4-5.
  3. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico de Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 244.
  4. " Multa fiscal: toda prestação pecuniária compulsória, instituída em lei, em prol do Estado ou de pessoa sua, que seja sanção de ato ilícito em matéria fiscal, assim entendido o descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória (deveres principais secundários numa linguagem mais apurada). Juros: são calculados sobre o principal da dívida (o tributo não pago), a título de compensar o Estado pela não disponibilidade do dinheiro, representado pelo crédito tributário, desde o dia previsto para o seu pagamento " (grifos do autor) ( COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 76-77).
  5. O art. 110 do CTN está assim disposto, ipsis litteris: " Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias ".
  6. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 11. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 163).
  7. Passou-se a entender que o encargo de 20%, do art. 1º, do Decreto-lei 1025/69, tratava-se de honorários de advogado com a edição do Decreto-lei 1645/78 que em seu art. 3º dispunha: "Art. 3º. Na cobrança da Dívida Ativa da União, a aplicação do encargo de que tratam o art. 21 da Lei nº 4439, de 27 de outubro de 1964,... o art 1º do Decreto Lei nº 1025/69, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1569, de 8 de agosto de 1977, substitui a condenação do devedor em honorários de advogado e o respectivo produto será, sob esse título, recolhido integralmente ao Tesouro Nacional ".
  8. Revista Dialética de Direito Tributário. nº 56, p. 167
  9. A Súmula nº 168 tem a seguinte dicção, verbis: "O encargo de 20%, do Dec.-lei 1.025, de 1969, é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios".
  10. O referido acórdão tem a seguinte ementa, verbis: "Processo Civil. Execução Fiscal. Encargo Previsto no art. 1º do Decreto-lei 1.025/1969. Precedentes do STJ. Embargos de Divergência acolhidos. I – É legítima a cobrança do encargo de 20% previsto no art. 1º do Decreto-lei 1.025/1969, o qual serve para cobrir todas as despesas (inclusive honorários advocatícios) relativas à arrecadação dos tributos não recolhidos, não sendo mero substituto da verba honorária. II – Embargos de divergência acolhidos". (STJ. 1ª Seção. EREsp nº 124263/DF, rel. Min. Adhemar Maciel, unânime, DJ 10.8.1998, p. 07).
  11. O art. 3º do CTN está desta forma versado, litteris: "Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade plenamente vinculada".
  12. Cf. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 79-86.
  13. Cf. AMARO, Luciano. idem, p. 74-79.
  14. CAHALI, Yussef Said. Apud in BACHO, Renato Lopes. Honorários Advocatícios nos Executivos Fiscais da Fazenda Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº. 43, 1999, p. 117.
  15. Cf. BACHO, Renato Lopes. Honorários Advocatícios nos Executivos Fiscais da Fazenda Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 43, p. 122; CARDOSO, Alessandro Mendes. Do encargo instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 56., pp.7-18.
  16. "Serviço público, como um capítulo do direito administrativo, diz respeito a atividade realizada no âmbito do das atribuições da Administração, inserida no Executivo. E refere-se à atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como por exemplo: água, energia elétrica, transporte urbano. As atividades-meio, por exemplo: arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições, vigilância de repartições, não se incluem na acepção técnica de serviço público ". E mais adiante: "Em essência serviço público significa prestações; são atividades que propiciam diretamente benefícios e bens, aos administrados, não se incluindo aí as de preparação de infra-estruturas (arquivo, arrecadação de tributos) ". MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, pp. 329-330.
  17. "...para o efeito de situar o problema da cobrança de taxas, podemos entender por serviço público toda e qualquer atividade prestacional realizada pelo Estado, ou por quem fizer suas vezes, para satisfazer, de modo concreto e de forma direta, necessidade coletivas." MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 16. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 340.
  18. "Multas é que não podem ser por ausência de tipicidade do ilícito. Tampouco poderão ser tributários, vez que na espécie não há "fato gerador". Ocorre-nos, todavia, que, a título de ressarcir despesas judiciais inclusive honorários advocatícios à conta da Fazenda, pela cobrança do crédito tributário, venha a lei estatuir "acréscimos" à dívida. Nossa posição é radical no particular. O aparato judicial deve estar disponível às partes. É dever do Estado. Nada de acréscimos, portanto" (grifos originais) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 80.
  19. "Finalmente, é muito importante, nas taxas, o elemento base de cálculo, dado possuir ele um caráter determinante do quantum devido. Não sendo a base de cálculo bem escolhida, desaparece a figura da taxa para, em seu lugar, surgir a do imposto" BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 151.
  20. O STJ possui recente pronunciamento neste sentido, verbis: "Processual – Execução Fiscal – Acréscimo Previsto no art. 1º do DL 1.025/69 – Sanção ao Devedor Recalcitrante – Possibilidade. O acréscimo ao valor do débito fiscal determinado pelo DL 1.025/69, constitui sanção, cominada ao devedor recalcitrante, em percentagem legalmente fixada. Não se confunde com os honorários de sucumbência, previstos no art. 20 do Código de Processo Civil. Não é lícito ao Juiz eximir o devedor recalcitrante do pagamento do encargo". (Recurso Especial nº 220.587/SP, julgamento em 02.9.1999, p. 00101). Em nota, o advogado Alessandro Mendes Cardoso observa: "Este entendimento, por enquanto restrito aos julgamentos relatados pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, é passível de discussão, haja vista que sobre o valor a ser executado pela União Federal já incide a multa e juros de mora. Ressalte-se, ainda, que incidindo o encargo do Decreto-lei nº 1.025/69 sobre o valor consolidado do débito teríamos a aplicação de uma "sanção" sobre os valores já devidos a título de multa e juros de mora, ou seja, um bis in idem". CARDOSO, Alessandro Mendes. Do encargo instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 56, p.12.

BIBLIOGRAFIA

Livros

  1. ALVÁRES, Manoel. VITTA, Heraldo Garcia. SOUZA, Maria Helena de. CÂMERA, Miriam Costa Rebollo. SAKAKIHARA, Zuudi. Execução Fiscal – Doutrina e Jurisprudência. FREITAS, Vladimir Passos de. (coord). São Paulo: Saraiva. 1998.
  2. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 1999.
  3. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4.ed. atual. São Paulo: Saraiva. 1995.
  4. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense.1998.
  5. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico. 1.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 1988.
  6. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 16.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. 1999.
  7. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1998.
  8. SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. v.I. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense. 1994.
  9. THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.I. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense. 1996.

          Artigos:

  1. BACHO, Renato Lopes. Honorários Advocatícios nos Executivos Fiscais da Fazenda Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 43, abril 1999.
  2. CARDOSO, Alessandro Mendes. Do encargo instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 56, maio 2000.

Autor


Informações sobre o texto

Texto elaborado para o concurso promovido pelo Caderno Acadêmico dos estudantes de direito da Faculdade de Direito do Recife – FDR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRÓCCOLI JÚNIOR, Henrique. O encargo de 20% instituído pelo Decreto-Lei nº 1025/69 e as execuções fiscais da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1326. Acesso em: 19 abr. 2024.