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Indicação geográfica: notas sobre a indicação de procedência e denominação de origem

Indicação geográfica: notas sobre a indicação de procedência e denominação de origem

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1.ASPECTOS GERAIS

A Indicação Geográfica tem sua origem na percepção gradativa do Homem em consumir produtos de determinada região, por sua qualidade (sabores e aromas únicos, especiais) e notoriedade.

Com o aumento da procura começaram a surgir as falsificações e a necessidade de proteção do produto, com a criação de leis.

A Indicação Geográfica é uma das modalidades [01] de propriedade intelectual e no Brasil [02] se desdobra em Indicação de Procedência (IP) e em Denominação de Origem (DO).

A Indicação de Procedência guarda relação com o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território conhecido como centro de extração, produção, fabricação de um determinado produto agropecuário ou extrativista, tem como fundamento a notoriedade.

Já a Denominação de Origem quando reconhecida passa a funcionar como a própria designação de um produto agropecuário ou extrativista, cujas qualidades estão intrinsecamente ligadas de forma exclusiva ou essencial ao meio geográfico, incluídos fatores ambientais, como a qualidade e composição da terra e humanos o modo de manejo peculiar de um determinado produto.

Para alguns a Denominação de Origem é, portanto, mais abrangente que a Indicação de Procedência.

No entanto, podemos dizer que a Indicação de Procedência está ligada essencialmente ao renome (tradição de produção, extração, produção, fabricação), enquanto que a Denominação de Origem está ligada de forma inequívoca à qualidade (essa em decorrência do espaço geográfico).

No Brasil, o Departamento de Propriedade Intelectual e Tecnologia da Agropecuária (DEPTA) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), por intermédio da Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários (CIG) trata de temas relacionados à Indicação Geográfica e as políticas de incentivo correlatas.

A Indicação Geográfica, atende, assim, a um claro movimento de valorização da produção local, pois podem contribuir para a valorização mais que de um produto, mas de uma região como um todo, o que já ocorre com frequência em países como Portugal, Itália e França. Este reconhecimento da IG como instrumento de reconhecimento e como catalisadora do agronegócio em uma região pode ser observado no Brasil com a IG do Vale dos Vinhedos, primeira IG no Brasil.

Finalmente, a IG diferencia os serviços e produtos, mas especialmente os territórios, já que essas diferenças podem estar ligadas a um sabor peculiar, uma tradição histórica, ou ainda outros caracteres distintivos como os fatores sócio-ambientais: Os produtores que se agregam em torno de um modo de produção (saber-fazer) e/ou aspectos ambientais (condições de clima, solo, etc). A presença dessas características, a necessidade de proteção dos produtores e segurança aos consumidores gera a ambiência ideal para solicitação de uma IG, que é um nome geográfico, cujo reconhecimento agrega justamente estas características.

Vale observar que é proibido pela Lei Brasileira que sejam registradas marcas ou sinais que causem confusão ou imitação quanto à indicação geográfica, posto que instrumentos diferentes de propriedade intelectual. Assim, uma marca como queijo de minas não pode ser registrada. É o teor do art. 124, IX da Lei Federal n. 9279/96.

Tal vedação se dá em razão de que o consumidor deverá ser resguardado bem como à coletividade que produziu o produto. O consumidor terá certeza quanto às qualidades e característica do produto que adquiriu, em relação ao meio geográfico, quer quanto aos fatores naturais, quer humanos; o que a marca não poderá sozinha fazer já que serve para diferenciar o produto em si, independentemente do seu lugar de fabricação ou comercialização. Existem mesmo àquelas marcas globais onde as etapas da produção são realizadas em países diferentes.

É bom destacar que a lei veda marca ou sinal que induza à confusão, mas se claramente o consumidor não será induzido à erro, então poderá haver marca com nome geográfico, mas não indicação geográfica no sentido técnico da lei. Exemplos: Lojas americanas, Casas Pernambucanas, Casas Bahia, Armazém Paraíba e antiga Lojas Brasileiras.

O mesmo aqui tratado aplica-se ao cultivar quanto à possibilidade de confusão com a Indicação Geográfica; vedação contida no art. 7º do Decreto Federal n. 2.366/1997.


2.TITULARIDADE E USO DA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

A Lei Federal nº. 9.279/96 define o uso da indicação geográfica:

Art. 182 - O uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos de qualidade.

(negritei).

A Resolução INPI nº 75, de 28 de novembro de 2000, por sua vez, estabelece:

Art. 5º Podem requerer registro de indicações geográficas, na qualidade de substitutos processuais, as associações, os institutos e as pessoas jurídicas representativas da coletividade legitimada ao uso exclusivo do nome geográfico e estabelecidas no respectivo território.

§ 1º Na hipótese de um único produtor ou prestador de serviço estar legitimado ao uso exclusivo do nome geográfico, estará o mesmo, pessoa física ou jurídica, autorizado a requerer o registro da indicação geográfica em nome próprio."

§ 2º Em se tratando de nome geográfico estrangeiro já reconhecido como indicação geográfica no seu país de origem ou por entidades/organismos internacionais competentes, o registro deverá ser requerido pelo titular do direito sobre a indicação geográfica.

Neste sentido, devemos entender por substituto processual, quem na forma legal pleiteia direito alheio como se fosse o seu próprio [03].

Com efeito, este é um item bastante especial no processo de reconhecimento de uma IG, uma vez que é de propriedade coletiva de uma região. Ou seja, destina-se a beneficiar, via de regra, toda a comunidade indistintamente já que ninguém pode arguir ser o inventor de uma determinada técnica que foi obtida em razão do esforço coletivo de aprimoramento, o que possibilita que produtores que posteriormente ao reconhecimento da IG venham a se fixar no local possam utilizar a IG. Para que não haja, portanto, prejuízos é imprescindível que os produtores estejam fortemente organizados em termos de gestão desse nome, produto ou serviço.


3.PECULIARIDADES DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL

A Legislação Brasileira guarda certas nuances peculiares em relação ao resto do mundo em matéria de Indicação Geográfica, porque inovou ao criar a indicação de procedência e criou a possibilidade de IG para serviços.

Por não ser uniforme com os outros países isto pode gerar conflitos, especialmente quando um país estrangeiro requer o reconhecimento de uma denominação de origem no Brasil.

No Brasil, temos indicações geográficas internacionais protegidas em nosso território, como denominações de origem, como por exemplo, Região dos Vinhos Verdes para vinho (Portugal), Cognac para aguardentes de vinhos (França), etc

Na União Européia vige a regra do Conselho Europeu (CE) n. 510/2006 e suas atualizações (cf. Regulamento CE 1791/2006) [04] relativa à proteção das IG de produtos agrícolas e de produtos alimentares. Lá, existe a possibilidade de uma Indicação Geográfica Protegida (IGP) ou Apelação de Origem Protegida (AOP).

Os dois níveis de referência geográfica são diferentes. A AOP é relativa ao nome de um produto cuja produção, transformação e elaboração devem ocorrer dentro de uma área geográfica delimitada com um saber-fazer reconhecido e observado. Já a IGP guarda uma relação com o território pelo menos em uma fase de produção, transformação ou preparação No primeiro caso, a ligação territorial é mais forte.

Porém tanto na Europa como no Brasil um nome que passou a designar genericamente um produto não pode ser objeto de IG, como por exemplo: Mostarda Dijon.

 

Brasil

Internacional (atos que o Brasil ratificou)

Proteção Jurídica

  • Lei Federal 9.279/96
  • Resolução INPI nº 75, de 28 de novembro de 2000
  • Convenção da União de Paris
  • Acordo de Madri
  • Acordo TRIPS

Divergências

  • indicação de serviços
  • Permite retificação com a utilização de termos "tipo", "gênero". Exemplo utilizado pela indústria, mas sem registro no INPI: Queijo tipo catupiry.
  • IP (notoriedade) e DO (qualidade ligada à procedência)

  • Não prevê.
  • TRIPS veda termos retificativos para bebidas alcoolicas/vinhos mesmo que ressaltada a origem
  • DO e AOC (Atribuídas pela sua origem geográfica, sendo a AOC mais forte que a DO).

 
  • Quando a Lei Brasileira conflitar deverá adotar o TRIPS
  • Prevalece o TRIPS em conflito com a legislação nacional.

CONCLUSÃO

A Indicação Geográfica (IG) é uma modalidade de proteção da propriedade intelectual que permite a valorização de uma região de produtores, o que pode gerar um incremento social, econômico e ambiental, com o resgate do direito à biodiversidade [05] e com visibilidade nacional e até mesmo internacional.

Para se tornar um sucesso depende essencialmente de uma associação de produtores forte e que promova a manutenção da IG por rigoroso controle de qualidade e também de políticas públicas voltadas para a promoção da IG.


BIBLIOGRAFIA

B

RASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio: Módulo II, indicação geográfica / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; organização Luiz Otávio Pimentel. – Brasília: MAPA; Florianópolis : SEaD/UFSC/FAPEU, 2009. 418 p.: il.

http://europa.eu/legislation_summaries/agriculture/food/l66044_fr.htm, acesso em: 10.out.2009.

http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/indicacao/legislacao/resolucao-inpi-075-de-28-de-novembro-de-2000, acesso em: 10.out.2009.

http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/indicacao/o-que-e-indicacao-geografica, acesso em: 10.out.2009.

PRONER, Carol. Propriedade Intelectual: Para uma outra ordem jurídica possível. São Paulo: Cortez, 2007, p.111.


Notas

  1. A propriedade intelectual abrange: a proteção de cultivares, patentes, desenho industrial, modelo de utilidade, marcas, indicação geográfica de produtos agropecuários e extrativistas, softwares, topografia de circuitos integrados, direito autoral...
  2. As designações das Indicações Geográficas (IG) variam de país. siglas das IG variam de um país para outro, Na Europa de um modo geral temos a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem, exceto França e Portugal que têm a IGP e a AOP.
  3. Apenas a título ilustrativo cf. dispositivo judicial do Código de Processo Civil: Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.
  4. E, também, Decisão 2007/71/CE da Comissão, em dezembro 20, 2006 [Jornal Oficial L 32 de 6.2.2007].
  5. Cria um grupo científico de especialistas em denominações de origem, indicações geográficas e especialidades tradicionais garantidas.

  6. A biodiversidade questiona, ao mesmo tempo, o equilíbrio ambiental, social, animal, populacional, cultural, sustentável em todos os tempos, unindo passado, presente e futuro (gerações futuras). Por conta desse potencial argumentativo e emancipatório, sua afirmação como direito humano encontra resistências de primeira ordem no contexto da globalização econômica. In PRONER, Carol. Propriedade Intelectual: Para uma outra ordem jurídica possível. São Paulo: Cortez, 2007, p.111.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HABER, Lilian Mendes. Indicação geográfica: notas sobre a indicação de procedência e denominação de origem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2301, 19 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13710. Acesso em: 20 abr. 2024.