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A responsabilidade do empregador perante o empregado e a Previdência Social nos casos de acidente de trabalho

A responsabilidade do empregador perante o empregado e a Previdência Social nos casos de acidente de trabalho

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Resumo: A pesquisa sistematiza um breve estudo sobre o acidente de trabalho e suas repercussões em torno da responsabilidade do empregador perante o empregado e a previdência social. Inclui-se nela a questão da responsabilidade objetiva do empregador perante o empregado nos casos de acidente de trabalho por exercício de atividades de risco inerente – tema em plena efervescência na doutrina e jurisprudência após a vigência do novel Código Civil de 2002 – além de temas como a estabilidade acidentária, o direito de regresso da Previdência Social e a emissão da Comunicação de acidente de trabalho (CAT).

Sumário: 1. Introdução - 2. Acidente de trabalho - 3. As doenças ocupacionais - 4. O dever de cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho - 5. O dever de reparação e os fundamentos históricos da responsabilidade civil - 6. A responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho: 6.1. A teoria do risco e a responsabilidade objetiva do empregador por acidente de trabalho: 6.1.1. Da validade material do parágrafo único do art. 927 do CCB ante o inciso XXVIII do art. 7º constitucional; 6.1.2. Critério para aferição de atividades de risco criado; 6.1.3. Excludentes e atenuantes da responsabilidade 6.2. Estabilidade acidentária - 7. A responsabilidade do empregador perante a Previdência Social: 7.1. Emissão da CAT; 7.2. Efeitos do descumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho - Referências.

Palavras-chave: Acidente de trabalho. Responsabilidade. Indenização. Risco. Previdência social.


1. Introdução

A ascensão tecnológica na contemporaneidade maximizou a produtividade e a prestação de serviços, facilitando sobremaneira a vida humana, gerando dividendos e riquezas, em que pese o impacto destrutivo sobre o meio ambiente e a alarmante concentração de renda, principalmente nos países em desenvolvimento.

Infelizmente, esse crescimento não se deu, em muitos casos, com a implementação de medidas de segurança e saúde do trabalho, razão pela qual se forma no Brasil um exército de mutilados. Segundo estudo do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), observado por Stephanes (apud LAZZARI), "quatro mil pessoas são vítimas de acidentes de trabalho fatais, e de 16 a 20 mil trabalhadores ficam incapacitados, parcial ou totalmente, para o trabalho, acarretando gastos superiores a um bilhão de reais por ano com pagamento de benefícios".

O presente trabalho visa a analisar a responsabilidade do empregador ante a ocorrência de acidente de trabalho, no tocante ao empregado e ao INSS, à luz da legislação, doutrina e jurisprudência. Inicialmente, buscaremos definir o conceito do acidente de trabalho e da doença ocupacional. O estudo caracterizará ainda os pressupostos da responsabilidade civil, definindo os elementos caracterizadores da responsabilidade patronal por danos oriundos de acidentes de trabalho. Discutem-se, ainda, a responsabilidade objetiva, a estabilidade acidentária, emissão da CAT e o direito de regresso do INSS.


2. Acidente de trabalho

O conceito jurídico de acidente de trabalho, embora trabalhado doutrinariamente, possui sede legal. Conforme aponta o art. 19 da atual Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Inferimos que o conceito legal destina-se principalmente a estabelecer o leque de segurados que têm direito à proteção previdenciária, isto é, os empregados, os trabalhadores avulsos, os segurados especiais. Além desses, os médicos residentes fazem jus à proteção previdenciária, ex vi da Lei 6.932/81, alterada pela Lei 8.138/90.

Os empregados domésticos foram excluídos da proteção previdenciária, porquanto o parágrafo único da Lei Maior, que trata dos direitos do empregado doméstico, não se reportou ao inciso XXVIII do mesmo artigo. De igual modo, os contribuintes individuais, não foram contemplados com os benefícios por acidente de trabalho, fazendo jus tão-somente a prestações previdenciárias devidas por acidente de qualquer natureza.

Doutrinariamente, grandes estudiosos já se aprofundaram no tema. Segundo aponta Mozart Vítor Russomano (1990, p.395), "o acidente de trabalho, pois é um acontecimento em geral súbito, violento e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima que lhe determina lesão corporal." Esse conceito é incompleto, não obstante sua clareza e precisão terminológica, pois não apenas lesão corporal pode advir do acidente de trabalho, como também a própria morte.

No mesmo diapasão, afirma Humberto Theodoro Júnior (1987, p.19) que o acidente de trabalho é "um acontecimento em geral súbito, violento e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima e que lhe determina lesão corporal."

Desponta, em ambos os conceitos, a ocorrência de um fator súbito, violento e fortuito. É a ideia de que o acidente de trabalho está ligado à fatalidade, desgraça, desdita. É um acontecimento imprevisível e anômalo que rapidamente sequela, deteriora e dilacera a capacidade laborativa do indivíduo ao ponto de causar, em alguns casos fatais, o próprio óbito.

São, portanto, características do acidente de trabalho: a exterioridade, violência e subitaneidade da causa do acidente, o condicionamento causal ao exercício da atividade laboral, o dano sofrido e o nexo de causalidade entre a causa e o resultado.


3. As doenças ocupacionais

Doença ocupacional é aquela que irrompe em consequência da atividade laborativa exercida por um determinado indivíduo. As doenças ocupacionais consideram-se acidentes de trabalho, para fins previdenciários e de responsabilidade patronal. É o gênero que possui duas espécies: as doenças profissionais e as doenças do trabalho.

O quadro geral das doenças ocupacionais encontra-se detalhadamente demarcado no anexo II do Decreto 3.048 de 06 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social). A referida tabela, porém, não é exaustiva, por expressa previsão no §2º, do art. 20 da Lei 8.213/91. Assim, comprovando-se o nexo etiológico entre a doença e as condições de trabalho, forçoso se considerar a configuração de uma doença ocupacional.

Segundo o conceito estampado no inciso I, do art. 20 da Lei 8.213/91, doença profissional é aquela "produzida ou desencadeada pelo exercício de trabalho peculiar a determinada atividade". São também conhecidas como ergopatias, tecnopatias e idiopatias. A doença profissional é desencadeada pelo exercício especial de uma determinada atividade laboral, ou seja, é aquela inerente à natureza do próprio trabalho. Citamos, por exemplo, a silicose entre os mineiros.

O conceito de doença do trabalho, igualmente, recebe o tratamento legal no inciso II do retro mencionado artigo, caracterizando-a como "a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente". É aquela, por exemplo, de um empregado de discoteca que ensurdece com a exposição a elevados decibéis, i.e., é gerada por um meio ambiente laboral incompatível com a saúde do trabalho. É o caso, também, das Lesões por Esforços Repetitivos (LER/DORT).

A despeito da diferenciação legal e doutrinária que distinga a doença profissional e a doença do trabalho, na prática, tal distinção é inócua para efeitos previdenciários. É que "o nexo etiológico em ambas as doenças é presumido juris et de jure, por força da inclusão na relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (Anexo II do Decreto nº. 3.048/99)." (MARTINS, 2003, p.72)

A despeito das doenças ocupacionais serem consideradas acidentes de trabalho, essencialmente, a principal diferença entre ambos reside na natureza do fator causal e no fator cronológico. É que a doença profissional se forma paulatinamente ao longo e em virtude do exercício do labor, implicando num processo relativamente demorado e pungente, no qual o organismo é repetidamente ofendido. Como diriam Castro e Lazzari (2004, p.487-488), "nessas doenças, as características são diferenciadas em relação aos acidentes-tipo: a exterioridade da causa permanece; porém, pode-se dizer que muitas doenças são previsíveis e, certamente, não dependem de um evento violento e súbito".


4. O dever de cumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho

Deve a empresa cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho, uma vez que diminuem a probabilidade da ocorrência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Essa é uma obrigação de natureza dúplice: por um lado é trabalhista, pois visa a preservar a integridade física e moral do empregado, mas por outro lado possui matiz previdenciário, porquanto os reflexos deletérios da violação de normas relacionadas à medicina e segurança do trabalho refletem-se diretamente nos cofres previdenciários.

As normas estruturais sobre o tema se encontram aprovadas pela Portaria nº. 3214, de 8.6.1978, do Ministério do Trabalho e Emprego, que instituíram as chamadas Normas Regulamentares (NR’s). Tais normas foram editadas em decorrência da autorização instituída pelo art. 200 da CLT, com redação alterada pela Lei nº. 6.514, de 22.12.1977.

A NR-4, por exemplo, criou os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), órgão obrigatório e dimensionado a partir do cotejo entre duas variáveis: o grau de risco da atividade-fim e o número de empregados na empresa. O SESMT é composto por profissionais ligados à saúde e segurança do trabalho, tais como médicos, engenheiros do trabalho, técnicos de segurança do trabalho e auxiliares de enfermagem. Sua função é também eminentemente preventiva e educativa.

É dever dos profissionais integrantes do SESMT da empresa, entre outros, no subitem h do item 4.12, registrar e analisar o acidente de trabalho, apurando as suas causas e características:

h) analisar e registrar em documento específico todos os acidentes ocorridos na empresa

ou estabelecimento, com ou sem vítima, e todos os casos de doença ocupacional, descrevendo a história e as características do acidente e/ou da doença ocupacional, os fatores ambientais, as características do agente e as condições do individuo portador de doença ocupacional ou acidentado;

De acordo com o artigo 163 da CLT é obrigatória a constituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), de acordo com as normas exaradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Por sua vez, por meio da NR-5 foi regulada a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), tornando-as obrigatórias para empresas com mais de 50 (cinquenta) empregados.

A CIPA possui composição paritária, i.e., composta por representantes dos empregadores e representantes eleitos dos empregados e sua precípua função é atuar junto à administração empresarial para implementar um conjunto de medidas que previnam acidentes.

No entanto, uma vez ocorrido o sinistro, deverá a CIPA reunir-se em caráter extraordinário no prazo máximo de 48 horas após a sua ocorrência, consoante aponta o item 5.25 da NR 5. Na ocasião, a CIPA poderá exigir a presença do responsável pelo setor, junto com o SESMT, para discutir condutas a serem implementadas com o fito de evitar novos acidentes semelhantes.

De acordo com a Lei nº 6.514, de 22/12/1977, alterando a redação do artigo 166 da CLT, dispõe sobre a obrigatoriedade do fornecimento dos equipamentos de proteção individual (EPI) de acordo com os riscos aos quais os trabalhadores estão expostos:

Art. 166 A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.

A NR-6 regulamenta ainda a utilização dos EPI’s, indicando como devem ser fornecidos e quais os equipamentos necessários para cada parte do corpo, de acordo com os riscos que o trabalhador estiver exposto. No item 6.1, é descrito o significado de EPI:

6.1 Para os fins de aplicação desta Norma Regulamentadora – NR, considera-se equipamento de proteção individual –EPI, todo o dispositivo de uso individual, de fabricação nacional ou estrangeira, destinado a proteger a integridade física do trabalhador.

A obrigatoriedade do uso dos equipamentos de proteção individual adequados às atividades desenvolvidas está descrita a partir do item 6.2 da referida NR:

6.2 A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, EPI adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, nas seguintes circunstâncias:

a) sempre que as medidas de proteção coletiva forem tecnicamente inviáveis ou não oferecerem completa proteção contra os riscos de acidentes do trabalho e/ou de doenças profissionais e do trabalho.

b) enquanto as medidas de proteção coletiva estiverem sendo implantadas;

c) para atender a situações de emergência.

O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) foi instituído por meio da NR-7 como um meio de monitorar a saúde do trabalhador, principalmente no tocante ao surgimento de doenças profissionais ou danos de caráter degenerativo.

Conforme assinala Mônica Moraes (apud BRANDÃO, 2006,p.123):

Por meio do citado programa, foram definidas as prioridades e formas de ação das operações de combate às doenças ocupacionais, criados calendários de exames médicos preventivos (admissional, periódicos, de retorno ao trabalho, de mudança de função e demissional), cuja periodicidade varia conforme a natureza do risco. É uma tentativa de promover a preservação da saúde principalmente pela prevenção e combate às agressões.

A adequação do meio ambiente laboral às ideais condições de trabalho ficou a cargo da NR-9, que instituiu o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA). É definido como "o conjunto de medidas da empresa para a proteção do direito à saúde e segurança no ambiente de trabalho, constituindo-se programa preventivo obrigatório". (MORAES apud BRANDÃO, 2006,p.123). A NR-9 impõe a obrigatoriedade da elaboração, implantação e implementação do programa como forma de reduzir os riscos de exposição a agentes nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, e da responsabilidade da empresa pelo acompanhamento de todas as etapas do programa e do cumprimento das orientações.

Enfim, outras Normas Regulamentares tratam de temas mais específicos, relacionados à instalações elétricas (NR-10), manutenção, armazenagem e manuseio de materiais (NR-11), operação de máquinas e equipamentos (NR-12), caldeiras e fornos (NR-13) e ergonomia (NR-17), por exemplo.

É obrigação do empregador ainda proceder ao registro do acidente no respectivo livro de registro de empregados, para fins de fiscalização do Ministério do Trabalho. O acidente de trabalho também deve ser registrado na carteira profissional do trabalhador, mas essa tarefa está a cargo do INSS, consoante aponta o art. 30 da CLT.

Todo tratamento e a locomoção do acidentado durante a recuperação é obrigação da empresa, além do ônus dos quinze primeiros dias de afastamento, após o acidente, conforme regulamentação da Previdência Social.

O trabalhador acidentado deverá ser avaliado pelo médico do trabalho da empresa antes de retornar às suas atividades e, em caso de readaptação profissional, a empresa deverá disponibilizar outro posto de trabalho de acordo com as necessidades laborais do trabalhador lesionado.


5. O dever de reparação e os fundamentos históricos da responsabilidade civil

Aguiar Dias (apud SALIM, 2005) informa que, inicialmente, o dano escapava ao âmbito do direito, dominava a vingança privada. Num segundo momento, consagrou-se a lei de talião, em que o legislador apropriava-se da prerrogativa anteriormente reservada ao particular para declarar quando e em que condições a vítima teria direito à retaliação. Em um terceiro momento, vem o período de composição, em que se buscava uma solução amigável com o autor da ofensa. Posteriormente, surgiu a concepção da responsabilidade, em que o Estado assumiu, sozinho, a função de punir, surgindo a ação de indenização.

Segundo leciona o professor Cláudio Brandão (2006, p.238):

Ponto de destaque na evolução desse conceito é oriundo da Lex Áquila, de origem provável no século III a.C, que derrogou a Lei das XII Tábuas e consagrou, pioneiramente, a estrutura jurídica da responsabilidade extracontratual, trazendo o conceito geral de reparação, caracterizado em face de atribuir ao proprietário da coisa lesada o direito de destruir coisa alheia, em virtude de haver sido por ela atingido. Criou-se a noção de prejuízo proporcionado ao bem alheio, capaz de empobrecer a vítima, ainda que não produzisse o enriquecimento daquele que o causasse.

(...)

Outra importante inovação nela contida consistiu na substituição de penas fixas pela reparação pecuniária do dano causado. De acordo com as disposições desta lei, quem matasse um escravo ou animal pertencente a outrem ficava obrigado a pagar o maior valor que tivera no ano anterior. No caso de ferimento de escravo ou animal, bem como no de danificação de coisa alheia, o valor correspondia ao que a coisa tivera no último mês.

Surgia, assim, o conceito de culpa aquiliana, ou responsabilidade extracontratual. Paulatinamente, a ideia de vindita deu lugar ao conceito de reparação do dano. A consolidação do instituto, no entanto, foi efetivada apenas com a promulgação do Código Civil Napoleônico de 1804, que consagrou a teoria da reparação por danos ocasionados com fundamento na teoria da culpa.

Conforme ressalta Brandão (2006), foi nessa época, quando ascendia na Europa o positivismo jurídico, que se construiu a ideia de reparação na inexecução dos contratos (responsabilidade contratual) e nas obrigações sem convenção (responsabilidade extracontratual), onde não era necessário que o autor do dano tivesse o animus de causá-lo (culpa delitual), sendo bastante a imprudência ou negligência (culpa quase-delitual).

Surgia então a teoria dualista da responsabilidade, em que o inadimplemento de obrigação imposta por lei (ato ilícito) gerava o dever de indenizar (responsabilidade extracontratual), enquanto que a inexecução das obrigações convencionais resvala no dever reparatório por responsabilidade contratual. Vejamos as considerações de Caio Mário (1990, p.26) sobre o tópico:

Diante dessas considerações, podemos mencionar duas fontes obrigacionais, tendo em vista a preponderância de um ou de outro fato: uma em que a forma geratriz imediata é a vontade; outra, em que é a lei. Não seria certo dizer que existem obrigações que nascem somente da lei, nem que as há oriundas só da vontade.. Em ambas trabalha o fator humano, em ambas atua o ordenamento jurídico, e, se de nada valeria a emissão volitiva sem a lei, também de nada importaria esta sem uma participação humana, para a criação do vínculo obrigacional.

Consoante aponta Adib Salim (2005), no Brasil, primeiramente, aplicava-se o direito romano de forma subsidiária, sob a autorização da Lei da Boa Razão (1769). Em um segundo momento, a partir do Código Criminal de 1830, a ideia de ressarcimento é pautada no instituto da satisfação, até que, num terceiro estágio dissocia-se a responsabilidade civil da criminal.

A teoria da culpa, fundamento basilar da responsabilidade subjetiva, foi consagrada no art. 159 do revogado Código Civil de 1916 e, como regra geral, no art. 186 do novel diploma civil de 2002. Na doutrina colhemos as sempre atuais lições de Caio Mário (apud SALIM, 2005, p.459):

A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta, que a ordem jurídica reveste de certos requisitos ou de certas características. Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a culpa, abrangendo nos seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.

Desse modo, hodiernamente o ato ilícito ou inexecução contratual culposa latu sensu é, via de regra, condição sine qua non para o dever reparatório.


6. A responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho.

A responsabilidade civil do empregador em caso de acidente de trabalho é, como todos os demais deveres de reparação por atos danosos, regulado pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novel Código Civil. O ato ilícito é descrito, no seu artigo 186 da seguinte forma: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo (art. 927 do CCB)".

Como se vê, no Brasil foi consagrada, como regra geral, a teoria da culpa, ou seja, a responsabilização subjetiva por danos. O mesmo se diga em relação à responsabilidade do empregador por danos oriundos de acidentes de trabalho. Nesse sentido, se posiciona o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional, verbis:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa;

Nesse sentido vem caminhando a jurisprudência, conforme se extrai dos arestos a seguir colacionados:

ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NECESSIDADE DE CULPA DO EMPREGADOR. O engajamento da responsabilidade civil do empregador não prescinde dos elementos subjetivos, dolo ou culpa. É que a responsabilidade civil dos particulares, no direito brasileiro, ainda se governa, como regra geral pelo princípio da responsabilidade subjetiva, ancorando-se no critério da culpa. Entendimento diverso importaria em erigir o empregador a uma espécie de segurador universal, responsável por todos os imprevistos indesejáveis que possam vir a ocorrer. (TRT 3ª região- RO 00452-2003-042-03-00-8- 7ª T.- rel. Juiz Paulo Roberto de Castro- DJMG 04.11.2003-p.16)

ACIDENTE DE TRABALHO. DOENÇA OCUPACIONAL. Ainda que comprovado o nexo de causalidade entre o labor do empregado e a doença adquirida, a indenização devida pelo empregador imprescinde da ocorrência e constatação de culpa ou dolo deste, já que se trata de responsabilidade subjetiva, conclusivo que se extrai da exegese do inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, que, nestes casos, somente contempla a responsabilização objetiva do INSS. (TRT 5ª R. RO 00424-2002-462-05-00-6-(2.282/04)- 2ª T.- Relª Juíza Débora Machado- j. 05.02.2004)

ACIDENTE DE TRABALHO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DA CULPA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INVIABILIDADE. 1) Em tema relacionado a acidente de trabalho prevalece a responsabilidade civil da culpa, e não tendo sido comprovada tal culpabilidade, impõe-se a improcedência da pretensão autoral. 2) recurso provido. (TJ-DF, 2ª Turma Cível, acórdão nº 183488, Apelação Cível, julgado em 15.09.2003, publicado em 11.02.2004, DJ-TJ, pág. 57)

RESPONSABILIDADE CIVIL- ACIDENTE DE TRABALHO - PROVA DA CULPA DO EMPREGADOR – NECESSIDADE. Responsabilidade civil - Acidente de trabalho - Ato ilícito - Indenização de direito comum - Culpa do empregador não demonstrada - Recurso provido. A obrigação de indenizar do empregador, por acidente de trabalho, somente se corporifica quando caracterizados o dano, sofrido pelo empregado, o dolo ou a culpa do empregador e o nexo etiológico entre ambos. Não logrando o obreiro demonstrar que o evento resultou de ação culposa atribuível ao empregador, improcede a ação indenizatória, permanecendo o fato dentro da esfera do risco próprio da atividade empresarial, coberto pelo seguro social."(Ac un da 4.ª C Civ do TA PR - PR 38.377-7 - Rel. Juiz Mendes Silva, Convocado - j 21.08.91 - DJ PR 06.09.91, p 35 - emenda oficial). (Repertório IOB de Jurisprudência - Caderno 03/91 - Ementa 6191).

ACIDENTE DE TRABALHO - Responsabilidade civil - Indenização - Art. 159 do Código Civil e art. 7º inciso XXVIII da CF - Culpa do empregador - Não caracterização - Imprudência da vítima - Recurso desprovido. Agindo o empregado de forma imprudente no uso de máquina moedora de carne, sem tomar as devidas cautelas, qual seja, o uso adequado do protetor (soquete) colocado a sua disposição para sua atividade laboral de forma segura, não há como infrigir a culpa do evento ao empregador. (TJ-PR, Processo nº 0085816-2 Ac 6613 - Relator Juiz Fernando Vidal de Oliveira, DJ - PR 10.05.96 In Binijuris P 850.)

No que tange à indenização previdenciária, a responsabilidade é plenamente objetiva, com base na teoria do risco integral, i.e., o dever de indenizar se apresenta tão logo se observe o dano, ainda que tenha ocorrido dolo do empregador, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Repare-se que o benefício previdenciário não exclui a indenização patronal, quando este incorrer em dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva). A possibilidade constitucional de dúplice indenização baseia-se na premissa de que a reparação deve ocorrer da melhor maneira possível, sendo razoável admitir-se que a indenização paga pelo INSS, a partir de um sistema tarifado de seguro obrigatório, não consegue, frequentemente, atingir o ideal da justa e plena reparação.

Consoante leciona Sebastião Oliveira (2005), em que pese a uníssona voz de empregadores no sentido de que a cumulação da indenização acidentária com a reparação civil representaria verdadeiro bis in idem, a jurisprudência nunca vacilou com relação ao tópico. A sessão plenária do STF realizada no dia 13 de dezembro de 1963, por exemplo, chancelou a possibilidade da cumulação de indenizações, com a aprovação da Súmula 229, a qual consigna que "a indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador".

Portanto, como se observa, muito antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 já havia sido pacificado na jurisprudência a cumulação da indenização acidentária com a do direito comum, sem qualquer compensação. A grande inovação constitucional, a qual superou o verbete sumular retro citado, foi dispor que basta a simples culpabilidade e não somente a culpa grave patronal para ensejar o dever de reparação por danos oriundos do acidente de trabalho.

No entanto, significativa mudança paradigmática atinente ao dever de reparação no direito brasileiro foi provocada com a promulgação do novel Código Civil, consagrando a dever de reparação em caráter objetivo, quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, consoante se demonstrará no item subsequente.

6.1. A teoria do risco e a responsabilidade objetiva do empregador por acidente de trabalho

A responsabilidade objetiva (teoria do risco) representa a noção de que "aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e comportamento sejam isentos de culpa". (RODRIGUES, 2003, p.11) É aquela que prescinde de prova de culpabilidade do agente, para efeitos reparatórios, bastando tão-somente que ocorra o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado.

A teoria do risco surgiu no século XIX como um imperativo das intensas transformações socioeconômicas produzidas no mundo a partir do advento a Revolução Industrial. Na doutrina colhemos as lições de Martins (2003, p.60)

A rigidez da teoria da culpa cede lugar, paulatinamente, à teoria do risco. Isto porque a responsabilidade baseada somente na culpa é insuficiente para responder às necessidades da atualidade: o desenvolvimento das ciências, o progresso do maquinarismo, a multiplicação e mecanização dos meios de transporte. Na área de produção de bens e serviços, podemos elencar como tendência dominante a intensificação do ritmo de trabalho, o surgimento de atividades que exigem a repetição contínua e ininterrupta de movimentos e a flexibilização e precarização do trabalho que impõem condições laborais fora dos padrões aceitáveis (jornada estafante, falsas cooperativas, banco de horas, horas extras em demasia, exigência de metas de produção)

No mesmo sentido se manifesta Alvino Lima (apud SALIM, 2005,p.459):

Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem-número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se tornava, para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior, subjetivo, como na imposição de pena. Os problemas da responsabilidade são tão-somente os de reparação de perdas. Os danos e a reparação não devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico, a fim de se manterem incólumes os interesses em jogo, cujo desequilíbrio é manifesto, se ficarmos dentro dos estreitos limites de uma responsabilidade subjetiva.

Desse modo, a responsabilidade subjetiva não mais respondia pela realidade construída sobre um modelo frenético de circulação de bens e serviços em massa, não mais se compatibilizava com os anseios de justiça e equidade. Ora, se reduzirmos à responsabilização do agente a um critério subjetivo, é ônus do autor provar a sua culpabilidade, o que na prática é uma missão irrealizável. Nas palavras de Rodrigues (apud MARTINS, 2003, p.61) "como poderá o viajante que caiu do trem demonstrar que os empregados da estrada negligenciaram em fechar as portas do vagão ao sair o comboio da última estação?".

A teoria do risco criado, que corresponde a uma espécie da teoria do risco, é de fundamental importância no presente estudo. Nessa modalidade, "o dever de indenizar é gerado quando, em razão da atividade ou profissão, o perigo é criado". (BRANDÃO, 2006, p.260).

O ponto chave da teoria do risco criado é aquele que afirma a responsabilidade objetiva do agente, toda vez que, por sua atividade ou profissão, cria um risco para outrem, independentemente de vantagem ou proveito para o agente. "Se alguém (o empresário, por exemplo), na busca de seu interesse, cria um risco de causar danos a terceiros, deve repará-lo, mesmo se agir sem culpa, se tal dano adveio. Ubi emolumentum, ibi onus." (RODRIGUES, 2003, p.162)

No tocante ao acidente de trabalho, a doutrina há algum tempo já se posicionava por uma responsabilização objetiva do empregador, quando do desenvolvimento de atividade de risco. Jean Carbonnier (apud SALIM, 2005, P.460), por exemplo, aponta as razões de receptividade da teoria do risco no que tange à reparação de danos oriundos de acidentes de trabalho:

Além do desenvolvimento da máquina e da correspectiva multiplicidade de acidentes e dos acidentes anônimos cuja causa não se pode atribuir a nenhuma ação humana, acresce a circunstância de que, para quem vive de seu trabalho o acidente corporal significa a miséria. É preciso então organizar a reparação.

Com a promulgação do novo Código Civil de 2002, a responsabilidade objetiva deixou de ser uma mera exceção capitulada em alguns dispositivos do Digesto Civil revogado e leis especiais, para se tornar uma regra geral aplicável quando o risco para terceiros permear a atividade desenvolvida pelo autor. De fato, a introdução do parágrafo único ao art. 927 do novel Código Civil, representa um verdadeiro passo adiante na proteção da pessoa e da dignidade humana, em total consonância com o amadurecimento doutrinário, senão vejamos:

Art. 927 [...]

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Assim, o preceptivo autoriza, em tese, a responsabilização objetiva do empregador por danos oriundos da infortunística laboral, quando sua atividade implicar risco para os direitos de outrem. É bem verdade que essa interpretação representa uma aparente antinomia com o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional, que consagra a responsabilidade subjetiva do empregador por acidentes de trabalho, razão pela qual analisaremos o tema no tópico seguinte.

6.1.1. Da validade material do parágrafo único do art. 927 do CCB ante o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional.

É compatível o parágrafo único do art. 927 do CCB com o inciso XXVIII, do art. 7º constitucional? Em outras palavras, seria possível responsabilizar objetivamente o empregador por acidente de trabalho com base numa legislação infraconstitucional, quando a própria Lei Maior consignou expressamente a responsabilidade subjetiva do empregador?

Rui Stoco (2004, p.166) acredita que não é possível. Segundo ele, "se esse Estatuto Maior estabeleceu, como princípio, a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no direito comum, apenas quando aquele obrar com dolo ou culpa, não se pode prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no art. 927, parágrafo único do Código Civil."

A mesma opinião é compartilhada por Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.475), que comentando o paralelo entre os dois preceptivos, afirma que "não tem uma lei infraconstitucional o condão de modificar norma ou princípio estabelecido na Carta Magna".

Em que pese a precisão teórica de ambos os juristas, a melhor interpretação nos leva a afirmar que há plena compatibilidade entre as duas normas sob enfoque. Isso porque a Constituição está alicerçada no princípio da dignidade da pessoa humana, diretriz maior que norteia toda a hermenêutica constitucional.

Ora, sendo assim, não faz sentido adotar uma interpretação restritiva, reduzindo os direitos enumerados no art. 7º a um rol taxativo. O caput do art. 7° da CF/88, consigna que "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social" (Destaque nosso)

Como se vê, a própria Lei Maior deixou em aberto a possibilidade de a legislação infraconstitucional expandir o rol dos direitos sociais dos trabalhadores. Significa afirmar que os direitos consignados na Constituição Federal representam o patamar jurídico-social mínimo, de caráter meramente exemplificativo. Oportunas são as lições de Mascaro (apud BRANDÃO, 2006, p.306):

A Constituição deve ser interpretada como um conjunto de direitos mínimos e não de direitos máximos, de modo que nela mesma se encontra o comando para que direitos mais favoráveis ao trabalhador venham a ser fixados através da lei ou das convenções coletivas.

Ao declarar que outros direitos podem ser conferidos ao trabalhador, a Constituição cumpre tríplice função. Primeiro, a elaboração das normas jurídicas, que não deve perder a dimensão da sua função social de promover a melhoria da condição do trabalhador. Segundo, a hierarquia das normas jurídicas, de modo que, havendo duas ou mais normas, leis, convenções coletivas, acordos coletivos, regulamentos de empresa, usos e costumes, será aplicável o que mais beneficiar o empregado, salvo proibição por lei, Terceiro, a interpretação das leis de forma que, entre duas interpretações viáveis para a norma obscura, deve prevalecer aquela capaz de conduzir ao resultado que de melhor maneira venha a atender aos interesses do trabalhador.

Portanto, é sim compatível o parágrafo único do art. 927 do CCB com o inciso XXVIII do art. 7º constitucional. Aliás, a não-aplicação do preceptivo legal ante a ocorrência de acidente de trabalho, por exercício de atividade de risco, atentaria até mesmo contra a lógica jurídica. É que ocorreria inarredável desigualdade de tratamento: o empregador teria responsabilidade objetiva para com terceiros, mas seria necessário avaliar sua culpabilidade caso o prejudicado fosse seu próprio empregado. Tal contradição não escapou da crítica percuciente de Pamplona Filho (apud SALIM, 2005, p. 462):

Ao aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilidade objetiva, teria um direito a responder subjetivamente..."

Ademais, consoante ensina Adib Salim (2005), sob o prisma técnico-jurídico inexiste qualquer antinomia a ser observada. É que a Constituição Federal, ao prever a responsabilidade subjetiva do empregador ante a ocorrência de acidente de trabalho, inseriu cláusula obrigatória nos contratos de trabalho, i.e., o dever de reparação passou a ser um patamar jurídico mínimo deferido ao trabalhador, assim como o salário mínimo, FGTS, férias, etc. Desse modo, possui nítido matiz contratual.

Já a regra insculpida no parágrafo único do art. 927 do CCB, passou a trazer hipótese de responsabilização objetiva com base na teoria do risco criado, se aplicando a qualquer que sofra danos em virtude da atividade de risco, inclusive eventual empregado. A hipótese legal se ajusta às mais variadas situações e, desse modo, prescinde de uma relação contratual entre responsável e lesado, razão pela qual possui natureza extracontratual.

De igual modo, o jurista mineiro Godinho Delgado (2004, p.620) elucida a aplicabilidade da responsabilidade objetiva nos domínios da infortunística do trabalho:

Note-se a sabedoria da ordem jurídica: a regra geral mantém-se com a noção de responsabilidade subjetiva, mediante aferição de culpa do autor do dano (art. 159, CCB/1916; art. 184 CCB/2002). Entretanto, se a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano (no estudo em questão, a empresa) implicar, por sua natureza, risco para os trabalhadores envolvidos, ainda que em decorrência da dinâmica laborativa imposta por essa atividade, incide a responsabilidade objetiva fixada pelo Direito (art. 927, parágrafo único, CCB/2002).

A mais abalizada jurisprudência já tem reconhecido a responsabilidade objetiva do empregador quando da ocorrência de acidente de trabalho:

ACIDENTE DO TRABALHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - DANOS MORAIS - Diversamente dos fundamentos da Teoria Subjetiva - de que a responsabilidade civil se reveste de requisitos inerentes à sua própria natureza "a prática de um ato ou omissão violadora do direito de outrem; a concretização de um dano; o nexo causal entre o fato e o resultado, além da configuração da culpa do agente para a sua realização" deve prevalecer a Teoria Objetiva, que tem como fundamento não o elemento subjetivo, culpabilidade, mas o elemento objetivo, dano, bastando que ele exista para que sobrevenha para o seu autor o dever de reparar, quando a vítima não tenha contribuído para o evento, com exclusividade. (TRT 3ª R., 6ª T., RO 16043/01, data da publicação 15.03.2002, fonte DJMG, p.10)

DANO MORAL. ASSALTO A BANCO. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. Revela-se totalmente previsível ao senso comum que, com os atuais níveis de violência, os bancos que não providenciem proteção privada para seus funcionários, ocupantes de cargo de confiança, resultem em culpa (negligência). Em tais condições, tendo o gerente sofrido agressões físicas e psicológicas durante assalto, deve o banco indenizá-lo do dano moral sofrido. Ademais, na sistemática do novo Código Civil, o parágrafo único do art. 927 introduziu a chamada teoria do risco, segundo a qual aquele que cria um risco de dano pelo exercício de sua atividade obriga-se a repará-lo, independentemente de culpa (responsabilidade objetiva), a qual é presumida.(TRT 18ª R., RO- 00345-2003-051-18-00-9, Relator: JUÍZA IALBA-LUZA GUIMARÃES DE MELLO, Data de Julgamento: Goiânia, 25/11/2003, disponível in INFORMA JURIDICO, v.34, CD 2)

Portanto, não pairam dúvidas de que a hermenêutica jurídica caminha firmemente em direção à responsabilização objetiva do acidente de trabalho nas atividades de risco, acolhendo a nova sistemática oriunda do Código Civil de 2002.

6.1.2. Critério para aferição de atividades de risco criado

Esclarecida, portanto, a compatibilidade do parágrafo único do artigo 927 do CCB com a Constituição Federal de 1988, imperioso se faz discutir o conteúdo hermenêutico do referido preceptivo. Afinal de contas, como delimitar o risco de uma determinada atividade? Como classificar uma atividade como sendo de risco e outra não? A imprecisão terminológica e vagueza semântica da norma poderiam conferir ao julgador um poder discricionário que fatalmente redundaria em insegurança jurídica.

Raimundo Simão de Melo (2004, p.284), buscando uma caracterização da atividade de risco mencionada no parágrafo único do art. 927 do CCB discorre que "não é um risco qualquer, normal e inerente a qualquer atividade humana e/ou produtiva, mas, a atividade cujo risco a ela inerente é excepcional e incomum, embora previsível".

Cláudio Brandão (2006, p.359/361) classifica as atividades de risco em cinco categorias, a seguir delineadas:

a)atividades perigosas definidas no art. 193 da CLT; que são aquelas que submetem o empregado, no seu labor, ao contato permanente com substâncias inflamáveis ou explosivas em condições de risco acentuado, caracterizadas na NR-16, a exemplo de transporte e armazenamento de explosivos; produção, transporte, processamento e armazenamento de gás liquefeito; abastecimento de aeronaves; fabricação de armas, bombas e explosivos, dentre outras.

b)atividades insalubres cujo conceito é fornecido pelo artigo 192 da CLT: são descritas na NR-15, sujeitam o empregado aos efeitos de um agente insalubre e somente são consideradas como tais quando o limite de tolerância, definido na lei de forma objetiva, for ultrapassado, como ruído contínuo ou intermitente que somente torna insalubre a atividade quando o tempo de exposição ultrapassar 8 horas, no nível de 85 dB.

c)atividades enumeradas no Anexo II do Regulamento da Previdência Social, que propiciam a ocorrência das doenças ocupacionais (profissionais ou do trabalho), conforme previsto no art. 20, I, da Lei 8.213, ded 24.1.1991, em virtude do contato com agentes químicos tais como aesênico, asbesto, benzeno, etc.

d)atividades penosas, conceituadas como as que,

"[...] sem acarretar diretamente doenças, provocam desgastes e até envelhecimento precoce, em razão da natureza do serviço, da forma de execução, do esforço requerido, da intensidade das tarefas, ou do seu caráter repugnante, incômodo ou desagradável."

[...]

e) atividades consideradas como notoriamente de risco, a exemplo de transporte de valores e de passageiros; de segurança e vigilância; serviço de carro-forte no transporte de bens e valores; geração e distribuição de energia elétrica; exploração de minas em subsolo; deemolição; uso de arma de fogo; trabalho em alturas; trabalho de inspeção em linhas de transmissão de energia elétrica por meio de sobrevôo de helicópteros.

Essa classificação, a nosso ver, nos fornece um excelente parâmetro para a classificação das atividades de risco inerente e, consequentemente, a eventual responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes da infortunística laboral.

6.1.3. Excludentes e atenuantes da responsabilidade

A responsabilidade objetiva não é sinônima de responsabilidade ilimitada. Para a sua configuração é imprescindível a demonstração do dano e do nexo etiológico entre a conduta e o resultado.

Nos casos de acidente de trabalho, as excludentes e atenuantes da responsabilidade diferem a responsabilidade do INSS, a qual é plena por ser baseada na teoria do risco integral, da responsabilidade do empregador que, sendo objetiva ou subjetiva, sempre será elidível ante a inexistência de nexo causa entre o dano e a conduta.

Os principais casos de excludentes de responsabilidade são: a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior. Como atenuantes, a culpa comum e a culpa concorrente poderão amenizar a responsabilidade do empregador, influindo na extensão da reparação.

6.2. Estabilidade acidentária

A estabilidade acidentária é instituto previsto no art. 118 da Lei 8.213/91, a qual estabelece que "o segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente".

A despeito de sua previsão na lei de benefícios da previdência social, a estabilidade acidentária possui nítida natureza trabalhista, porquanto gera para o empregador a responsabilidade de garantir o emprego do acidentado por pelo menos doze meses da cessação do auxílio-doença acidentário.

Desse modo, o empregado vitimado por infortúnio laboral súbito ou afligido por doença profissional é protegido por garantia de emprego, que obsta a sua injusta despedida por um determinado lapso temporal.

Sustentou-se, por longo tempo, a inconstitucionalidade formal do art. 118 da Lei 8.213/91, com a tese de que lei ordinária não teria o condão de dispor sobre vedações à dispensa arbitrária, uma vez que o art. 7º, I da CF/88 delega essa tarefa à lei complementar.

A cizânia doutrinária e jurisprudencial culminou com a ADIN nº 639-8/600, cujo relator foi o Ministro Moreira Alves. Consoante ressalta Palmeira Sobrino (apud PERES, 2005, p.1235), entendeu o STF que "a garantia provisória do emprego, tal qual prevista na norma impugnada, não ofende a Lei Maior, pois está em harmonia com o caput do art. 7º e com o art. 197 da Carta Federal."

Realmente esse é o melhor entendimento. Não é crível admitir-se a inconstitucionalidade de uma norma tão afinada com os princípios da dignidade da pessoa humana, promoção da saúde e valores sociais do trabalho. Vejamos a percuciente lição de Galvão Peres (2005, p.1235):

A garantia de emprego ao trabalhador acidentado não se confunde com a proteção contra despedida arbitrária de que trata o art. 7º,I, da CF. Esta previsão diz respeito a uma proteção genérica a todos os trabalhadores, enquanto que a primeira cuida de situação específica. A Constituição, em seu artigo 7º, caput, não afasta outras formas de proteção do trabalhador, e seus artigos 196 e 197 prevêem a adoção de medidas para a proteção, promoção e recuperação de saúde.

A propósito, o TST já pacificou a questão por meio da Súmula 378, verbis:

378. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. CONSTITUCIONALIDADE. PRESSUPOSTOS. - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005.

I - É constitucional o artigo 118 da Lei nº. 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.

II - São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.

Desse modo, resta totalmente incontroverso o dever empregatício de garantir provisoriamente o emprego do acidentado. Entretanto, como bem lembra o inciso II da mencionada súmula, a estabilidade acidentária é totalmente condicionada à percepção do auxílio-doença acidentário.

Em outras palavras, o fato gerador da garantia não é o acidente em si, mas a percepção de um benefício previdenciário específico, qual seja, o auxílio-doença acidentário, que possui como pré-requisito um afastamento superior a 15 (quinze) dias oriundo de acidente de trabalho.

A nosso ver, condicionar a percepção da estabilidade acidentária à concessão do benefício previdenciário pode acarretar inúmeras injustiças, como tão bem observa Galvão Peres (2005, p.1236):

É possível que um grave acidente não implique afastamento superior a quinze dias (o que é freqüente nas doenças equiparadas a acidente) e, por outro lado, há acidentes de menor gravidade que podem levar a grandes afastamentos. Sob a perspectiva do direito previdenciário, não há nenhuma injustiça, na medida em que o auxílio-doença acidentário se presta a compensar o impedimento para a atividade. Há, contudo, o reflexo dessa peculiaridade para a garantia de emprego, que simplesmente deixa de existir. Essa é uma das facetas perversas da vinculação da estabilidade ao benefício previdenciário.

Outro grave problema que frequentemente ocorre é a não-emissão pelo empregador da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Tal prática é deveras nefasta para o trabalhador, uma vez que obsta a percepção do auxílio-doença acidentário e, consequentemente, da garantia de emprego. Luís Salvador (2006, on line) elucida o tópico de maneira lúcida e realista:

[...] é de todos consabido que se a CAT for emitida pelo empregador o INSS concede o benefício "auxílio-doença acidentário" (B91). Mas se a CAT for formalizada pelo próprio acidentado e ou pelas demais pessoas e ou entidades autorizadas, o benefício que poderá ser e ou não concedido pelo órgão previdenciário é apenas o auxílio-doença (B32). E passados, 90 dias, no máximo, como regra geral, o benefício é suspenso, o trabalhador é liberado para retornar ao emprego, caso ainda não tenha sido despedido, o que tem permitido que as empresas já possam dispensar o empregado, mesmo que esteja doente e lesionado, como tem ocorrido, trocando o empregado infortunado por outro empregado ainda gozando de boa saúde e de menor custo operacional.

Essa prática já costumeira, mesmo nas empresas transnacionais, cria um quadro desolador no país. Milhares de trabalhadores, mesmo doentes e lesionados, são despejados no mercado de trabalho, sem possibilidade de se conseguir nova ocupação, porque a doença contraída em serviço, no emprego anterior, é facilmente demonstrada nos exames admissionais a que se submetem os trabalhadores, o que não ocorre com o mesmo rigor nas despedidas, em que os exames demissionais são, no geral, superficiais, sem atendimento sequer das exigências e condições estabelecidas pelo art. 168 da CLT, bem como da Norma Regulamentadora nº 7 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (Portaria nº 8, de de 08.05.1996), para que o ato resilitório pudesse ser considerado válido.

Algumas vezes, o trabalhador labora sem registro na sua CTPS, i.e., sem reconhecimento formal do liame empregatício. Quando sofre acidente de trabalho ou se encontra acometido de doença profissional, não raro é dispensado incontinênti ou, na melhor das hipóteses, permanece o empregador arcando com a remuneração do período de afastamento, ao invés de encaminhá-lo ao INSS.

Nesses casos em que tenta ardilosamente o empregador obstar a estabilidade acidentária, ela é devida, em que pese a inexistência de percepção do auxílio-doença acidentário. Consoante lecionam Castro e Lazzari (2004, p.503), "a não-fruição do auxílio-doença não caracteriza, por si só, inexistência de estabilidade, quando tal fato decorreu de atitudee com o fito de mascarar o acidente; apenas se não atingidos os dezesseis dias de incapacidade é que não se tem como cogitar de garantia contra a dispensa sem justo motivo."

Nossos pretórios trabalhistas, de igual modo, têm garantido o direito à estabilidade acidentária, quando ocorre a ausência de emissão da CAT por parte do empregador:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DE TRABALHO. CONFIGURAÇÃO. A negligência da empresa na expedição da CAT, opondo obstáculo para o preenchimento dos requisitos legais pelo reclamante, torna despicienda a percepção do auxílio-doença para assegurar ao recorrido a estabilidade provisória decorrente do art. 118 da Lei 8213/91. (TRT 10ª R., 1ª T., TIPO:RO NUM: 00385 ANO: 2002 01-2001/0229, in INFORMA JURÍDICO, v.34, CD 2)

ESTABILIDADE. ACIDENTE DE TRABALHO.CONDIÇÕES. È certo que o artigo 118 da lei 8.213/91 estabelece, como marco inicial da estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho, a data da cessação do auxílio-doença, exigência que também está contida na Orientação Jurisprudencial nº 230, da SDI-1 do TST. Se, porém, o empregador deixa de anotar na CTPS do empregado o contrato de trabalho, tampouco expedindo a comunicação de acidente de trabalho, não pode invocar a própria omissão como óbice à conquista da garantia de emprego e dos benefícios legais correlatos. Aplica-se, no caso, o disposto no art. 129 do novo Código Civil, autorizando que se repute verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento tenha sido maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer. (TRT 3ª R., RO 00184-2003-044-03-00-7, 6 T., Rel. Juiz Ricardo Marcelo Dias, DJMG 9.9.04, p.13)

ACIDENTE DE TRABALHO. ESTABILIDADE. Art. 118 da Lei 8.213/91. A autora deixou de receber o auxílio-doença acidentário pelo código 91 por culpa exclusiva do réu que deixou de emitir a CAT. Essa circunstância, não quer significar, necessariamente, que não seja portadora de doença profissional. O que dá direito à estabilidade não é o afastamento ou a percepção do benefício previdenciário acidentário, mas o fato objetivo do acidente de trabalho (ou doença profissional equiparada). O bem jurídico tutelado é a condição do trabalhador acidentado, não a existência de uma formalidade previdenciária. (TRT 2ª R., RO 31.014(20030563393), 6ª T., DOESP 31.10.03)

Importante ressaltar que a lei assegura a manutenção do contrato de trabalho na empresa, não somente a percepção da remuneração do período estabilitário. De forma que, uma vez recebendo alta no INSS, o trabalhador deve retornar a empresa, mesmo que readaptado em nova função, quando houver decréscimo de sua capacidade laborativa.

Esse retorno deverá ser acolhido com o pagamento do salário que o obreiro fazia jus no momento do afastamento, acrescido de eventual plus oriundo de negociações coletivas do período de licença, sendo inadmissível a redução salarial ou sua compensação com o auxílio-acidente.


7. A responsabilidade do empregador perante a Previdência Social

Ante a ocorrência do acidente de trabalho, não possui o empregador apenas responsabilidade perante o acidentado, possui também deveres junto à Previdência Social, entre os quais se destaca a CAT e o cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho, conforme adiante se estudará.

7.1. Emissão da CAT

Para que o segurado possa usufruir do benefício do auxílio-doença acidentário, deveria ele ou seus dependentes comunicar à autarquia previdenciária a ocorrência do acidente de trabalho. Contudo, em virtude das peculiaridades que envolvem o assunto e as próprias consequências oriundas do sinistro, o legislador resolveu transferir esse ônus ao empregador, desobrigando-o de tomar essa iniciativa.

É por isso que, uma vez ocorrido o acidente, deve o empregador imediatamente comunicar o acidente ao órgão previdenciário, sob pena de multa. Assim dispõe o art. 22 da Lei 8.213/91, verbis:

Art. 22. a empresa deverá comunicar o acidente de trabalho à Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.

A obrigação da emissão ocorre, igualmente, mesmo em caso de dúvida sobre a incapacidade laborativa, ex vi da Instrução Normativa nº. 98 INSS/DC, DE 05 DE dezembro de 2003:

A CAT deve ser emitida mesmo nos casos em que não acarrete incapacidade laborativa para fins de registro e não necessariamente para o afastamento do trabalho. Segundo o artigo 336 do Decreto nº 3.048/99, "para fins estatísticos e epidemiológicos, a empresa deverá comunicar o acidente de que tratam os artigos 19, 20, 21 e 23 da Lei nº 8.213, de 1991". Dentre esses acidentes, se encontram incluídas as doenças do trabalho nas quais se enquadram as LER/DORT.

Inexistindo a emissão da CAT por parte do empregador, autoriza-se a devida comunicação por parte de outras pessoas devidamente arroladas no § 2º, do art. 22 da Lei 8.213/91, a saber: o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública.

A comunicação de acidente de trabalho por via oblíqua não exime o empregador de responsabilidade pela falta de emissão da CAT. (art. 22, §3º da Lei 8.213/91).

7.2. Efeitos do descumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho

Deve o empregador seguir à risca as normas de segurança e higiene do trabalho, conforme explanado no item 4, pois do contrário poderá ser regressivamente acionado pelo INSS. É o que se infere do art. 120 da Lei 8.213/91: "Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis".

Castro e Lazzari (2004, p.500) louvam, com razão, a autorização legislativa, uma vez que o ordenamento jurídico não deve proteger a iniquidade e o descompromisso social:

Assim, surge um novo conceito de responsabilidade pelo acidente de trabalho: o Estado, por meio do ente público responsável pelas prestações previdenciárias, resguarda a subsistência do trabalhador e seus dependentes, mas tem direito de exigir do verdadeiro culpado pelo dano que este arque com os ônus das prestações - aplicando-se a noção de responsabilidade objetiva, conforme a teoria do risco social para o Estado; mas a da responsabilidade subjetiva e integral, para o empregador infrator. Medida justa, pois a solidariedade social não pode abrigar condutas deploráveis como a do empregador que não forneça condições de trabalho indene de riscos de acidentes.

No mesmo sentido, aponta Daniel Pulino (apud LAZARRI, 2004, p.500) que "o seguro acidentário, público e obrigatório, não pode servir de alvará para que empresas negligentes com a saúde e a própria vida do trabalhador fiquem acobertadas de sua irresponsabilidade".

Numa eventual ação de regresso, é ônus da autarquia previdenciária demonstrar a culpabilidade do empregador, i.e., a negligência, imprudência e imperícia patronal quanto ao cumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho. A ação segue o rito ordinário devido à necessidade de instrução probatória para se evidenciar o nexo etiológico entre o acidente do trabalho e a omissão culpável da empresa em seguir as normas de segurança e higiene do trabalho.


Referências

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Helano Márcio Vieira. A responsabilidade do empregador perante o empregado e a Previdência Social nos casos de acidente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2395, 21 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14216. Acesso em: 23 abr. 2024.