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Limites da lide: importância e questões controvertidas

Limites da lide: importância e questões controvertidas

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O profissional do direito que não souber o que seja "mérito" também não saberá formular um pedido ao propor uma ação, nem conseguirá identificar se seu pedido restou satisfeito na sentença e se caberá ou não recurso ou como manejar de forma adequada seu recurso interposto.

1 Os problemas relacionados à ligação entre causa de pedir, o pedido e o objeto litigioso

Os conceitos de causa de pedir, pedido e objeto litigioso são fundamentais para a prática processual. Sempre que se entra em juízo para obter determinado bem, pretende-se a autorização judicial para usufruir o referido bem em caráter definitivo, o que só acontece quando é emitida, pelo Poder Judiciário, uma sentença que faça coisa julgada material, isto é, que examine o "mérito" da causa. Destarte, se o autor da demanda não souber identificar o que vem a ser "mérito", não saberá se seu intento logrou êxito. Com efeito, o profissional do direito que não souber o que seja "mérito", também não saberá formular um pedido ao propor uma ação, nem conseguirá identificar se seu pedido restou satisfeito na sentença e se caberá ou não recurso ou como manejar de forma adequada seu recurso interposto. Nesse sentido:

É de extrema importância [...] saber o que é mérito, visto que os efeitos de decisão dessa natureza se projetam para fora do processo e obtêm a autoridade de coisa julgada material, bem como é decisivo para resolver os problemas de cumulação e modificação de ações e litispendência. [01]

No entanto, o uso indiscriminado do conceito de "mérito" como sinônimo de "lide", "objeto do litígio" ou "objeto do processo", acabou transformando o tema em algo complexo.

O Código de Processo Civil, em muitos dos seus dispositivos emprega o conceito de lide para designar o mérito da causa (artigos 126, 132, 330, 468, dentre outros); também utiliza o vocábulo "mérito" com o sentido de lide em outros artigos (artigos 267, 269, 284, etc.), bem como a palavra "lide" recebe, em algumas vezes, significados diferentes de "mérito", como acontece, por exemplo, no caso "denunciação da lide" ou de "curador à lide". A falta de unicidade no conceito de "mérito" decorre, destarte, do próprio texto legislativo, sendo que no campo doutrinário foram construídas três posições consideradas fundamentais: a) o mérito como questão ou complexo de questões referentes à demanda; b) o mérito como demanda ou como situações externas do processo, trazidas por meio da demanda; c) o mérito como sendo a lide.

Francesco Carnelutti (1879-1965) e Enrico Tullio Liebman (1903-1986) entendem o meritum causae enquanto "complexo de questões envolvidas no processo", no sentido de que o mérito se confunde com "questões de mérito". Para Enrico Tullio Liebman, "o mérito é representado pelas questões com influência na decisão", sobre a procedência ou não da demanda, ou seja, "todas as questões cuja resolução possa direta ou indiretamente influir em tal decisão formam, em seu complexo, o mérito da causa". Francesco Carnelutti, ao seu turno, prefere falar "em mérito da lide", afirmando que "mérito da lide" significa, portanto, o complexo das questões materiais que a lide apresenta".

Ao tratar desta temática (mérito versus questões de mérito), Cláudia Rodrigues [02] analisa que no transcorrer dos procedimentos do processo, desde seu início até o provimento final, o juiz conhece, aprecia e resolve todas as questões de relevo, de fato e de direito, em que se funda a controvérsia ou a dúvida. Essas questões podem ser "processuais", quando têm pertinência quanto a situações do processo; ou "de mérito", nos casos em que decorrem da própria relação material. Mesmo caracterizando-se como questões substanciais ou de mérito porque seu conteúdo se refere à relação material, "não são o próprio mérito. São questões que apenas se referem à matéria principal". Desse modo, mérito e questões de mérito não podem ser tidas como sinônimas.

Cândido Rangel Dinamarco [03] também entende que mérito e questões de mérito não podem ser confundidos, pois que o mérito é distinto dos pontos duvidosos cuja solução conduz à pronúncia de sua procedência ou improcedência. De fato, mérito é o objeto da controvérsia, a situação substancial (material) e seus componentes. Cabe ao juiz verificar e resolver a questão da existência (questões de mérito) dessa situação material (mérito).

A respeito do mérito enquanto demanda inicial proposta em juízo, ou seja, de que a sentença que se manifesta sobre o pedido inicial é de mérito, destaca-se a doutrina de Giuseppe Chiovenda (1872-1937): "sentença de mérito é o provimento do juiz acolhendo ou rejeitando a demanda do autor destinada a obter a declaração da existência de uma vontade de lei que lhe garanta um bem, ou da inexistência de uma vontade de lei que o garanta ao réu". Verifica-se, portanto, que para essa tese, o mérito reside na demanda, na medida em que a sentença que acolhe ou rejeita a demanda é uma sentença de mérito. No mesmo sentido é a opinião de Luigi Montesano: "sentenças de mérito são as que acolhem ou rejeitam a demanda" [04].

De certo modo essa teoria foi aderida pelo legislador do Código de Processo Civil brasileiro. Veja-se um exemplo: "artigo 269: haverá resolução de mérito: I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; [...]". Esse conceito de mérito é reafirmado pela doutrina de Eliézer Rosa [05]: "por mérito se há de entender o pedido principal", e conclui "o que se pede em via principal que o juiz decida de modo definitivo para eliminar um tipo de conflito, isso é mérito".

Cândido Rangel Dinamarco e Cláudia Rodrigues, dentre outros processualistas brasileiros, porém, contestam essa afirmação, asseverando que demanda não é mérito da causa, mas um ato introdutório do processo. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco [06] "afirmar que o mérito se consubstancia na demanda significa dar peso maior ao continente, do que ao seu conteúdo substancial", ou seja, o pedido é apenas o elemento formal do objeto do processo, sendo que a pretensão, essa sim, é o verdadeiro elemento substancial do mérito, que tem relevância social. Portanto, a demanda é um instrumento utilizado pelo interessado para deduzir sua pretensão em juízo; "é fato processual e ato formal que com o processo tem vida e nele se exaure, não podendo dessa forma ser confundido com mérito que é, adiantando, a própria pretensão" [07].

Parte da doutrina entende que o mérito é algo que se identifica com situações externas ao processo. Incluem-se nessa tese a maioria dos processualistas alemães, a exemplo de Friedrich Lent (1882-1960), para quem o mérito é o objeto do processo representado pela relação jurídica substancial (material) controvertida (existência, inexistência, modo de ser) pelas partes.

Cândido Rangel Dinamarco [08] rechaça tal entendimento, afirmando que o mérito não pode ser constituído pela relação jurídica controvertida, "porque é o processo que deve averiguar se esta relação existe ou não. Se não existir, onde ficaria o mérito ou objeto do processo?". Ademais, o processo de execução pode se realizar mesmo sem controvérsia em torno da relação jurídica afirmada pelo demandante, situação que levaria à conclusão de que ele poderia ser também, muitas vezes, destituído de objeto. Em geral os alemães aceitam que o mérito (objeto do processo) reside na pretensão trazida diante do juiz e, então, esmeram-se em descobrir a essência e natureza da pretensão, cujo conceito ainda não foi satisfatoriamente construído.

Por fim, enumera-se a tese que equipara ou trata como sinônimas as expressões "lide" e "mérito". A lide é considerada, então, como o objeto fundamental do processo, sendo que nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes. Cândido Rangel Dinamarco [09] critica essa tese afirmando que a lide não pode ser colocada como "pólo metodológico" na teoria do processo. Entende que a "lide" não serve para figurar como mérito, ou seja, como centro da ciência do processo. No mesmo sentido: "mesmo considerando a lide processual, não é possível identificá-la como o mérito - objeto do processo - pois nos processos onde não houvesse contraposição de pedidos, restaria aquele sem objeto" [10].

Para Cândido Rangel Dinamarco [11], etimologicamente, mérito é a exigência que, por meio da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para exame. Assim, "mérito" é aquilo que alguém postula, pede, exige junto ao Poder Judiciário. Disso infere-se que "é a pretensão que se consubstancia o mérito, de modo que prover sobre este significa estabelecer um preceito concreto em relação à situação trazida de fora do processo".

Porém, nem todos os doutrinadores concordam com Cândido Rangel Dinamarco no sentido de que "o mérito é o objeto do processo e revela-se na pretensão, assim considerada". Segundo José Domingues Filho [12], o entendimento generalizado em doutrina processual civil está centralizado na conceituação de mérito consubstanciado na lide submetida à apreciação do órgão jurisdicional, com os limites impostos pelo autor ao deduzir sua pretensão em juízo. E conclui:

Sabido que conceitos e definições sofrem a influência das inclinações do jurista, tem-se que a conceituação de mérito adotada por Humberto Theodoro Júnior é a mais adequada, por se amoldar ao espírito do Código de Processo Civil. Mérito, destarte, é a própria lide; o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita.

Diante dessa colocações e objeções, segue-se a construção doutrinária elaborada por Cândido Rangel Dinamarco [13], que manifesta expressamente seu interesse pelo tema "objeto do processo", porque presente no sistema processual como intenso pólo metodológico em torno do qual gira uma série de institutos e do qual emanam critérios para a solução de questões de diversas ordens. A utilização dessa doutrina como referencial teórico principal se justifica por ser a única encontrada que de fato se aprofunda no tema.

Em sua obra "nova era do processo civil" [14], Cândido Rangel Dinamarco informa que a temática "objeto do processo" foi muito debatida pelos processualistas italianos do século passado, sendo que agora vem perturbando a mente dos doutrinadores alemães. Depois de muitas discussões sobre o conceito de "objeto do processo", os alemães chegaram à conclusão de que consiste na "pretensão deduzida em juízo", que os processualistas brasileiros chamam de "mérito". Assim, "decidir o mérito é julgar a pretensão trazida pelo autor, seja para acolhe-la ou rejeitá-la". Neste contexto, "pretensão" é a "exigência de submissão do interesse de outrem ao próprio, ou seja, a manifestação exterior de uma aspiração interior do sujeito". No entanto, os estudiosos alemães não chegaram a consenso sobre ser a pretensão (objeto do processo) representada exclusivamente pelo pedido ou por este em associação com a causa de pedir (evento da vida, ou segmento da história). Contudo, perante o direito brasileiro, segundo Cândido Rangel Dinamarco [15], hoje "é apenas no petitum que reside o objeto do processo", e explica:

Julgar o mérito é julgar o pedido. Somente o pronunciamento do juiz sobre o pedido (e não sobre a causa de pedir) é que tem uma imperativa eficácia preceptiva sobre a vida dos litigantes; somente esse pronunciamento ficará, coberto pela autoridade da coisa julgada material (artigo 469, do Código de Processo Civil).

Nessa linha, Cândido Rangel Dinamarco [16] visualiza um "eixo imaginário" interligando o pedido, contido na demanda inicial do autor e o dispositivo sentencial, em que ao pedido é dada uma resposta positiva ou negativa. Essa imagem, no seu pensar, destina-se a ilustrar a necessária correlação entre um e outro, de modo que a resposta nunca possa incidir sobre o que não foi demandado nem deixar de incidir sobre tudo que houver sido demandado, sob pena de ultraje às garantias constitucionais do contraditório, do devido processo legal e da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Cândido Rangel Dinamarco [17] informa que a doutrina alemã não resolveu satisfatoriamente e por inteiro a questão da caracterização do objeto do processo, mas chegaram a dois pontos fundamentais: a) a identificação do objeto do processo está na "pretensão" e b) a pretensão representativa do objeto do processo consiste na aspiração do demandante, veiculada pela demanda, devendo sobre ela prover o órgão judicial. Também não conseguiram um consenso sobre se a pretensão processual assim considerada coincide com o pedido ou se é integrada por este mais a causa de pedir.

Contudo, para Cândido Rangel Dinamarco [18], a obtenção de um conceito unitário de objeto do processo é possível, especialmente à luz dos postulados inerentes ao processo civil de resultados ("o sujeito que vai ao juiz com pedido de um provimento jurisdicional tem em mira a obtenção de determinado resultado, que se expressa na tutela jurisdicional postulada"). No processo civil de resultados, o material sobre o qual o juiz e as partes desenvolverão suas atividades processuais é o pedido dessa tutela jurisdicional. Nesse pensar, os fundamentos do pedido, tanto quanto os da sentença, não passam de mero apoio lógico legitimador, mas o processo não é instaurado nem se realiza com o objetivo de obter o pronunciamento do juiz sobre as questões de fato e de direito suscitadas no processo. Com efeito, "o objeto das atividades do processo é o pedido, por ser ele o material que dá razão de ser ao próprio processo e em torno do qual girarão todas as atividades processuais".


2 Possibilidade e condições de modificação da causa de pedir e do pedido: princípio da inalterabilidade da instância

Como se sabe, a relação jurídica processual é estabelecida pela citação, que produz como efeitos a estabilização do processo e a estabilidade subjetiva da ação.

Assim, depois da citação, "só será lícito ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir se o réu concordar com a alteração e se esta ocorrer antes do saneamento do feito". Significa dizer que depois do despacho saneador do juiz não é mais permitida a modificação do pedido, mesmo com a concordância do réu.

Como decorrência da estabilidade subjetiva da ação (em relação às partes), é proibida qualquer alteração entre as partes do processo (autor e réu), bem como entre eventuais intervenientes (artigo 264, do Código de Processo Civil), salvo as substituições permitidas pela lei (por exemplo, nomeação à autoria, artigo 66, do Código de Processo Civil; morte de uma das partes, não sendo o caso de ações intransmissíveis; artigo 43 e artigo 267, inciso IX, todos do Código de Processo Civil).

Na interpretação de Celso Neves e outros [19], apesar da referência legal às "mesmas partes" (artigo 264, do Código de Processo Civil), o legislador, "na verdade instituiu o princípio da estabilidade subjetiva da lide, de sorte que não se permite a alteração nem das partes, nem dos intervenientes durante o curso do processo". Desse modo, "admitido no processo o assistente, não poderá dele retirar-se para dar lugar a outro assistente que tenha sido sub-rogado em seus direitos".

Ao enfrentar a questão, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça em 1993:

Ementa: processual civil. Alteração subjetiva do processo. Consentimento do réu. Não importando em agravamento da posição do réu é possível a alteração subjetiva do processo, para nele incluir-se outro réu, independentemente de consentimento do citado tanto mais quando, ainda que efetivada a citação, não se iniciara o prazo de resposta [20].

Nessa ocasião o Superior Tribunal de Justiça permitiu a alteração subjetiva do processo depois da citação, em razão das peculiaridades do caso, ou seja, o réu citado ainda não havia contestado, sequer se iniciara o prazo de resposta. Além disso, a modificação concedida não traria nenhum malefício processual, ao contrário, favorecia o réu substituído porque evitaria eventual denunciação da lide.

Porém, em outra decisão, decidiu o mesmo Superior Tribunal de Justiça, como regra geral, que não é possível a alteração subjetiva do processo depois da citação:

Ementa: processual civil. Alteração do pólo passivo após citação e contestação. Impossibilidade. Princípio da estabilização subjetiva do processo. 1. Feita a citação, nos termos do artigo 264, do Código de Processo Civil, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas em lei. 2. Da citação decorre a estabilização do processo, não sendo, dessa forma, permitida a alteração das partes litigantes, salvo nos casos expressamente permitidos em lei. 3. Recurso especial provido [21].

No contraponto, obviamente, é permitida a modificação subjetiva antes da citação:

Ementa: processual civil. Recurso especial. Ausência de pré-questionamento. Súmula nº 282, do Supremo Tribunal Federal. Execução fiscal. Substituição da Certidão de Dívida Ativa - CDA. Princípio da Estabilização da demanda. Artigo 264, do Código de Processo Civil. Alteração subjetiva antes da citação. Possibilidade. Modificação da própria ação. Recurso parcialmente conhecido e provido [22].

Ressalte-se que a iniciativa do processo compete à parte interessada e seu desenvolvimento, depois da iniciativa do interessado, se dá por impulso oficial (artigo 262, do Código de Processo Civil), isto é, por atos do juiz e de seus auxiliares. Porém, o "impulso oficial" não dispensa a parte de cumprir com os seus deveres processuais. Com efeito, quando, durante o processo, couber ao autor a prática de certos atos, ele deve fazê-lo nos prazos fixados pela lei ou pelo juiz, sob pena da extinção do processo sem julgamento do mérito (artigo 267, do Código de Processo Civil)" [23].

Ao tratar do tema, Ovídio A. Baptista da Silva afirma que "o princípio da estabilidade da instância" significa que são proibidas quaisquer modificações do pedido ou da causa de pedir a partir da citação do réu". O Código de Processo Civil admite que "antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa" (artigo 294).

No mesmo sentido, Gediel Claudino de Araujo Júnior [24] ressalta que nem mesmo a ocorrência da revelia autoriza o autor a alterar o pedido, ou a causa de pedir, exceto se promover nova citação do réu (artigo 321, do Código de processo Civil) e desde que o feito ainda não tenha sido saneado, quando ocorre a estabilização da demanda. Por fim, observe-se que, tratando a ação de direitos disponíveis, a revelia pode abreviar o procedimento, possibilitando o julgamento antecipado da lide (artigo 330, inciso II, do Código de Processo Civil).

O princípio da inalterabilidade da instância, também conhecido como perpetuatio iurisdictionis, fundamenta-se na circunstância de que, na medida do possível, o processo deve realizar o direito material como se o resultado final produzido pela atividade jurisdicional do Estado pudesse suprimir o tempo decorrido entre o pedido de tutela processual formulado por quem se diga ofendido em seu direito e a data da respectiva resposta estatal. Desse modo, a princípio, todos os eventos e circunstâncias subsequentes ao ajuizamento da ação são considerados irrelevantes, seja para introduzir modificação no órgão jurisdicional, seja para alterar a demanda ou a situação da coisa ou do direito litigioso [25].

O marco do princípio da perpetuatio jurisdictionis coincide com o da propositura da ação, "que por sua vez se concretiza pela distribuição ou pelo despacho, fazendo com que toda e qualquer modificação que se verifique em momento posterior seja juridicamente irrelevante para alterar a perpetuatio" [26]. Essa afirmação decorre da interpretação dos artigos 87 e 264, ambos do Código do Processo Civil, que albergam em suas palavras o princípio da estabilidade do processo, o princípio da viabilidade de modificação do processo e os contornos e limites da alteração objetiva no curso do processo.

2.1 Princípio da estabilidade do processo

Depois de constituída a relação jurídica, o processo deve ser estável para viabilizar o mínimo de segurança e celeridade de seu andamento, com a superação definitiva das respectivas fases. Porém, existem situações que autorizam modificações do processo. Essas situações devem ser previstas em lei, também caberá à lei determinar os limites das modificações permitidas. As possibilidades de modificações do processo são objetivas, referem-se ao pedido e à causa de pedir. Destaca-se, nessas modificações objetivas um aspecto qualitativo e um aspecto quantitativo.

No que diz respeito ao aspecto qualitativo da modificação objetiva do processo, "ocorrerá quando se alterar essencialmente a demanda, aí entendida a modificação do objeto litigioso, ou seja, da pretensão", que poderá ocorrer "pela modificação do fundamento da ação, ou então pela modificação da conseqüência jurídica afirmada, ou seja, da demanda". Já quanto ao aspecto quantitativo da modificação objetiva, "ocorrerá na hipótese de haver alteração apenas da extensão do pedido, tanto no que se refira à ampliação, como à sua restrição". Ressalte-se que a alteração quantitativa poderá referir-se aos sujeitos do processo, caso em que se diz subjetiva, podendo ocorrer tanto em relação às partes, como ao juízo, incluindo-se o afastamento do juiz por qualquer motivo, alterações que podem influir no processo.

A maioria dos dispositivos do Código de Processo Civil afirma a regra geral da estabilização do processo, porém, em seu conjunto, disciplina diversas hipóteses de modificação objetiva e subjetiva que podem ocorrer durante a tramitação do processo, como se extrai da interpretação sistemática e harmônica das regras que emergem do conteúdo do artigo 264 com vários outros dispositivos do Código de Processo Civil, como, por exemplo, os que seguem.

Os artigos 41 a 43, que tratam dos casos especiais de substituição voluntária das partes:

Artigo 41: só é permitida, no curso do processo, a substituição voluntária das partes nos casos expressos em lei. Artigo 42: a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. Parágrafo 1º: o adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo, substituindo o alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária. Parágrafo 2º: o adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo o alienante ou o cedente. Parágrafo 3º: a sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário. Artigo 43: ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no artigo 265.

O artigo 87 e o artigo 106 se referem a situações especiais de mudança de competência para julgar determinada ação:

Artigo 87: determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia. [...]. Artigo 106: correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.

O artigo 128, ao seu turno, expressa que "o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte".

O artigo 219, que trata da citação, in verbis:

Artigo 219: a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. Parágrafo 1º: a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. Parágrafo 2º: incumbe à parte promover a citação do réu nos dez dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário. Parágrafo 3º: não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de noventa dias. Parágrafo 4º: não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição. Parágrafo 5º: o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. Parágrafo 6º: passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento.

O artigo 294 autoriza o aditamento do pedido antes da citação inicial: "antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa".

O artigo 303 permite a dedução de novas alegações, depois da contestação, em determinadas situações:

Artigo 303: depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo.

O artigo 321 assegura que mesmo em caso de revelia, "o autor não poderá alterar o pedido, ou a causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de quinze dias".

O artigo 462 afirma que na hipótese surgimento de algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, depois da propositura da ação, capaz de influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

Por fim, o artigo 517 expressa que "as questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior".

Conforme Celso Neves e outros [27] existem três critérios, seguidos pelo Código de Processo Civil, que dão vigência ao princípio da inalterabilidade da instância:

a) a competência é fixada com base na formulação da demanda: nos termos do artigo 87, do Código de Processo Civil, "determina-se a competência no momento em que a ação é proposta", sendo "irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia";

b) a alienação da coisa ou direito litigioso não altera a legitimidade das partes: é o que se extrai da previsão do artigo 42, do Código de Processo Civil, a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes; e

c) por fim, a proibição legal e expressa da modificação do pedido ou da causa de pedir depois da citação do réu: é o que consta no artigo 264: "feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei". Além disso, "a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo".

2.2 Princípio da viabilidade de modificação do processo

Apesar da regra geral da estabilização do processo adotada pelo Código de Processo Civil, existem alguns dispositivos do próprio Código que autorizam modificações objetivas e subjetivas durante a tramitação do processo, bem como disciplinam as circunstâncias em que podem ocorrer. O próprio texto do artigo 264, do Código de Processo Civil, abre exceções que viabilizam a alteração subjetiva ("mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei") e bem assim, ainda que implicitamente, a modificação objetiva, esta última antes de efetivada a citação inicial, o mesmo se podendo afirmar quanto à posterior, no que dependerá do assentimento da outra parte ("sem o consentimento do réu") [28].

Trata-se do que Francesco Carnelutti [29] denomina de "modificação do litígio durante o procedimento", definindo "modificação" como uma coisa que é diferente da anterior e que a substitui: uma coisa modificada é diversa da anterior porque alterou alguns de seus elementos, ao mesmo tempo em que não é diversa porque é a mesma coisa anterior que, desaparecendo para modificar-se, se transformou nela. Essa "modificação", ainda segundo Francesco Carnelutti, pode referir-se a qualquer dos três elementos do litígio: sujeitos, o objeto e a causa. Desse modo, o processo pode ser modificado por alteração das partes, do bem ou da pretensão.

Conforme Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart [30], "a alteração completa da causa de pedir importa nova ação, infensa a qualquer influência do resultado (e da imutabilidade decorrente) do primeiro julgamento". No entanto, cabe indagar se o mesmo acontecerá no caso de alteração de apenas um dos elementos da causa de pedir. Para os citados autores, "a causa de pedir é um todo integrado", sendo que "a alteração de um destes elementos importa na alteração da própria causa de pedir, gerando, por conseqüência, nova ação". Ressalte-se que a criação de outra causa de pedir não exige que na nova demanda sejam narrados os fundamentos relativos a fatos absolutamente desvinculados dos que foram alegados na primeira ação. É suficiente que sejam apresentadas modificações táticas capazes de apontar para um fundamento distinto.

Com efeito, a simples alteração de parcela (de um de seus elementos) da causa de pedir importa em outra ação, uma vez que daí surgirá uma modificação evidente da causa de pedir e, por consequência, da ação. A sentença espelha os fatos e o direito que serviram como seus fundamentos, de maneira que, alterados os fatos ou o direito, modificada estará a causa de pedir, e por consequência a ação. Dito de outro modo, "a alteração das circunstâncias de fato constitui alteração da causa de pedir, formando outra (nova) ação e abrindo ensejo a outra (nova) coisa julgada" [31].

Em suma, a ação é identificada por seus elementos, que são as partes, a causa de pedir e o pedido (artigo 301, parágrafo 2º), sendo que modificando a causa de pedir ou o pedido, modifica-se a ação. Embora o caput do artigo 264 traga textualmente a expressão "modificar o pedido", é possível distinguir a ampliação, a redução e a alteração do pedido.

Quanto à ampliação, o pedido pode ser ampliado pelo autor antes da citação. Depois da citação e antes do saneamento do processo, a ampliação do pedido depende do consentimento do réu. Também antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em virtude dessa iniciativa. Isso tudo leva à conclusão de que o sistema do Código de Processo Civil brasileiro admite a alteração (mudança) do pedido até o saneamento do processo (depois da citação, com a concordância do réu).

2.3 Contornos e limites da alteração objetiva no curso do processo

Até o momento da citação inicial, o autor pode modificar seu pedido ou causa de pedir, porque ainda não se formou a relação jurídico-processual entre as partes e não haverá nenhum prejuízo ao réu. Porém, com a citação, o réu ingressa na relação processual e é submetido aos efeitos do artigo 219, do Código de Processo Civil. Um dos efeitos da citação é a estabilidade do processo, ou seja, o pedido formulado pelo autor e a causa de pedir por ele invocada já não mais poderão ser modificados sem o consentimento do réu [32]. Nesse sentido:

Ementa: recurso especial. Alteração do pedido e causa de pedir após a citação. Possibilidade. 1. Antes de se consumar a citação de litisconsorte necessário do réu, por determinação do juízo, o autor pode alterar o pedido ou a causa de pedir, ainda que um dos litisconsortes já tenha ofertado contestação. 2. Cabe ao juiz, nessa situação, preservar o contraditório e garantir a reestabilização da demanda, permitindo que o réu adite sua defesa para adequá-la aos novos contornos da lide [33].

Nos termos do artigo 264, do Código de Processo Civil, depois da citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei, sendo que a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo. Já o artigo 294 permite expressamente que antes da citação o autor adite o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa [34].

Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença (artigo 462, do Código de Processo Civil). Ademais, depois da contestação é lícito ao réu deduzir novas alegações quando se trata de direito superveniente (artigo 303, inciso I, do Código de Processo Civil). O objetivo do legislador do Código de Processo Civil foi, por primeiro, assegurar que o julgador leve em conta, inclusive de ofício, os fatos supervenientes que possam influir tanto em favor do direito do autor, e por segundo autorizar o réu a ampliar sua defesa. Nesses casos nãos e trata de modificação do pedido do autor, embora os fatos novos possam alterar a decisão acerca do mesmo, mas de ampliação da garantia de defesa dos direitos de ambas as partes.

De qualquer modo, até o saneamento do processo a estabilização processual é relativa. Depois disso, "qualquer alteração objetiva da demanda restará proibida, ainda que as partes nisso ponham-se de acordo" [35]. É o que estabelece o parágrafo único do artigo 264, que fixa o limite temporal para a alteração do pedido ou da causa de pedir. Contudo esse limite não se esgota em um único ato, resultando de atividade que deve ser desenvolvida pelo juiz desde o recebimento da inicial, como, aliás, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Ementa: direito instrumental. A organicidade e a dinâmica inerentes ao direito instrumental obstaculizam o retorno a fase ultrapassada. Prova. Protesto. Requerimento. Descabe confundir o protesto pela produção de prova com o requerimento específico, quando a parte interessada deve justificar a necessidade da prova pretendida. Processo. Saneamento. Oportunidade. O saneamento do processo ocorre de forma permanente, considerada a tramitação própria. Não se há de cogitar de ato único e solene, a ser procedido em fase exclusiva [36].

Além disso, nos atos de saneamento são incluídas também as denominadas "providências preliminares" previstas no artigo 323 e também indicadas nos artigos 325, 326 e 327.

Com efeito, "a parte somente pode alterar o pedido enquanto o juiz não termina o saneamento do processo". Dito de outro modo:

[...] enquanto se desenrolarem os atos necessários às providências preliminares ou o saneamento do processo ainda não houver sido prolatado, é possível a alteração convencional do pedido e de sua causa. Proferido, porém, o saneamento, a faculdade de fazê-lo se extingue, pouco importando que não haja sido, ainda, intimadas as partes [37].

Em suma, o objetivo do princípio da estabilidade do processo é impedir eventuais modificações de fato, tanto referentes às partes quanto ao objeto litigioso do processo. Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz e Arenhart [38]:

[...] efetivada a citação válida do réu, não mais é lícito ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir de sua ação sem o consentimento do réu (artigo 264, do Código de processo Civil), o que, de toda sorte, somente poderá ocorrer até o saneamento do feito. A isso se chama "estabilidade da demanda", sendo a citação o elemento responsável por esse evento processual, a partir do qual a relação torna-se inalterável (excetuados casos particulares), seja no plano objetivo (em relação à res in iudiciumdeducta), seja no campo subjetivo (quanto aos sujeitos envolvidos na relação processual). Vale ressaltar que tal estabilidade decorre naturalmente de outro efeito da citação válida, que é a triangularização da relação processual. Com efeito, é a citação a responsável por essa triangularização, fazendo com que a relação processual passe a ser composta de três pólos principais (autor, réu e juiz).

Como a relação jurídica processual só se completa com a citação válida do réu, não há qualquer impedimento para que o autor adite, ou altere, o seu pedido até que ela ocorra, desde que arque com as custas acrescidas em razão dessa iniciativa (artigo 294, do Código de Processo Civil). Entretanto, mesmo depois da citação, é possível a alteração do pedido, desde que o réu concorde com ela e que não tenha ainda ocorrido o saneamento do feito, quando ocorre a estabilização do processo, fato que impede qualquer alteração no pedido, mesmo que com a concordância do réu (artigo 264, do Código de Processo Civil)" [39].

Sobre a possibilidade de modificação da causa de pedir e do pedido, na previsão do direito processual civil brasileiro, "feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei", Porém, "a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo" (artigo 264, do Código de Processo Civil).

Do mesmo modo, via de regra e sob fundamento no princípio do dispositivo, o julgador não pode interferir nem na causa de pedir nem no pedido, pois que "a matéria a ser debatida no processo está na esfera de disposição da parte a quem incumbe dar a sua sorte" [40].

O princípio da inalterabilidade da instância (previsão da imodificabilidade da causa de pedir do sistema legal vigente no Brasil) tem por objetivo assegurar a estabilidade da demanda, além de possibilitar a ampla defesa da parte contrária, eis que os fatos narrados na inicial noticiam ao réu o tema e os limites da controvérsia [41].

Depois do saneamento, não existe mais nenhuma possibilidade de modificações, embora na interpretação do Superior Tribunal de Justiça:

Ementa: alteração da causa de pedir. Apresentada petição pelo autor, em que se altera a causa de pedir, e nenhuma objeção apresentando o réu que, ao contrário, cuida de negar-lhe o fundamento, é de admitir-se que consentiu na alteração. Incidência da ressalva contida no artigo 264, do Código de Processo Civil [42].

Porém, para Carlos Alberto Alvaro de Oliveira [43], a legislação processual brasileira deveria ser modificada para permitir alterações no pedido e na causa de pedir. Nas suas palavras:

Do ponto de vista cooperativo, no estágio atual da história brasileira, já está mais do que em tempo de se começar a pensar na reforma da legislação processual, para permitir-se a alteração do pedido e da causa de pedir nos termos da recente legislação processual portuguesa. Dessa forma, estimular-se-ia mais uma vez o desejável diálogo entre o órgão judicial e as partes, quebrando-se ao mesmo tempo um formalismo excessivo, que não tem mais razão de ser.

Enquanto não se modifica o Código de Processo Civil nesse sentido, o fato é que no direito processual brasileiro, sob fundamento da necessidade de se estabilizar a demanda, a causa de pedir e o pedido não podem ser alterados em qualquer fase processual, salvo em situações específicas, como pelo autor - sem a necessidade do consentimento do réu -, no momento anterior à citação e no período que vai da citação do réu até o saneamento - desde que autorizada pelo réu.


3. A decisão do juiz com base em fatos que não constam no pedido: a questão dos limites da lide

Na processualística brasileira, quem determina o objeto do processo são as partes. Com efeito, o juiz não pode aumentar, diminuir ou alterar o pedido, exceto em se tratando de custas e algumas matérias fiscais:

Ementa: processual civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Agravo regimental contra decisão que indeferiu liminar. Pedido que extrapola a lide. Não-cabimento. Agravo improvido. 1. De acordo com o disposto nos artigos 128 e 460, do Código de Processo Civil, o juiz deve se restringir aos limites da causa, fixados pela autor na inicial, sob pena de nulidade por julgamento citra, ultra ou extra petita [44].

Se a petição é inadmissível, ou inepta, ou sem fundamento, o julgado é obrigado a repeli-la, mesmo que sem provocação da parte contrária. Nas palavras de Gisele Pereira Jorge Leite:

Não pode o magistrado alterar a causa de pedir da ação proposta, referindo-se aos fatos que não constem da peça inaugural da demanda que é a petição inicial. Não pode o juiz deferir ao autor, embora em seu benefício resposta judicial diversa daquela solicitada [45].

Neste sentido:

Ementa: processual civil. Administrativo. Concurso público. Mandado de segurança. Sentença que concede a ordem com base em causa de pedir diversa da apresentada pelo impetrante. Nulidade sanada pelo Tribunal de origem. Apreciação do pedido nos estritos limites dos fundamentos trazidos na inicial. Princípio da instrumentalidade. Recurso especial conhecido e improvido. 1. Consoante inteligência dos artigos 458, inciso II, e 460, do Código de Processo Civil, é nula a sentença que decide a questão trazida aos autos utilizando fundamento diverso daquele apresentado na inicial como causa de pedir. Na espécie, todavia, o Tribunal de origem, ao examinar a apelação interposta pelo Ministério Público Estadual, sanou o equívoco cometido pelo juiz de primeira instância, uma vez que apreciou o direito do recorrido nos estritos limites do que foi postulado. 2. Em homenagem aos princípios da instrumentalidade, efetividade e economia processual, não se justifica a anulação da sentença quando inexiste prejuízo ou interesse público a justificá-la. 3. Recurso especial conhecido e improvido [46].

Assim, se o autor pede certa providência (pedido imediato) e determinado bem da vida (pedido mediato), o juiz, em razão do princípio processual da congruência entre a sentença e o pedido, não pode (exceto em hipóteses muito especiais), conceder providência ou bem da vida diversos dos postulados.

Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz e Arenhart [47] citam como exceções ao princípio de que o juiz deve ater-se ao pedido, os artigos 461, do Código de Processo Civil ("na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer [...] se procedente o pedido, o juiz determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento") e 84, do Código de Defesa do Consumidor ("na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento").

Nesses dois dispositivos legais reconhece-se, "o poder de o juiz, de ofício, ordenar sob pena de multa ou determinar as denominadas medidas necessárias, para que seja obtida a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento". Se o autor postulou uma sentença executiva, o juiz pode proferir sentença mandamental, uma vez que o juiz tem o poder de ordenar acerca de penas de multa mesmo sem requerimento do autor. Além disso, estando o juiz autorizado a determinar, sem requerimento da parte, as medidas necessárias, pode ele proferir uma sentença executiva, quando é pedida uma sentença mandamental.

Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz e Arenhart [48] também defendem que "se é possível mudar o pedido, com o consentimento do réu, até o saneamento do processo, seria verdadeiramente absurdo não admitir a ampliação do pedido, nestas condições, até o saneamento do processo". Além disso, o pedido também pode ser reduzido em virtude de algumas situações como, por exemplo, no caso de desistência da ação no tocante a uma parte do pedido ou a um dos pedidos, quando houver cumulação de pedido; também na situação de renúncia a uma parte do direito postulado; ainda no caso de transação parcial na pendência do processo; a convenção de arbitragem em relação a parte do objeto do litígio na pendência do processo também autoriza a redução do pedido; e, por fim, o recurso em relação a uma parte da sentença.

Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz e Arenhart [49] lembram que o Código de Processo Civil, em seu artigo 460, caput, traz o seguinte enunciado: "é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado". A partir dessa afirmação normativa interpretam os citados autores que "a sentença deve limitar-se ao que foi pedido pelo autor, seja no que diz respeito ao pedido imediato, seja no que pertine ao pedido mediato". Prosseguem ponderando que embora existam hipóteses excepcionais que permitam ao juiz conceder tutela jurisdicional fora do pedido, a exemplo do que consta no artigo 461, do Código de Processo Civil, os pedidos devem ser interpretados restritivamente (artigo 293, do Código de Processo Civil). Não precisam estar mencionados expressamente no pedido as despesas do processo e os honorários de advogado (artigo 20, do Código de Processo Civil), os juros legais (artigo 293, do Código de Processo Civil) e as prestações periódicas vencidas após a propositura da ação (artigo 290, do Código de Processo Civil).

Isso tudo indica que "não é absoluta a liberdade de exame do julgador" [50]. O julgador deve debruçar-se sobre os fatos provados nos autos. O problema é que o Código de Processo Civil acrescenta que os fatos e circunstâncias provados poderão ser levados em conta, ainda que não alegados pelas partes: "artigo 131: o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento".

A doutrina resistiu à novidade legislativa, principalmente em virtude do receio de concessão de demasiado poder ao juiz, principalmente em razão das confusões entre poder de limitação do objeto da demanda e poder de iniciativa probatória. O poder de limitação do objeto do processo é das partes, e só delas (artigo 128). Já o poder de iniciativa em matéria probatória não é só das partes, mas também do juiz. Em vista disso, a preocupação com modificação da causa de pedir ou dos termos da defesa perde sentido, pois, no sistema jurídico brasileiro, depois da citação, a demanda fica estabilizada, sendo que não pode o juiz modificar a lide porque antes de tudo não o podem as partes. Por isso, o julgador não pode, nunca, ampliar o objeto litigioso. Já as partes não podem modificá-la depois da citação. O que a lei processual definitivamente confere ao juiz brasileiro é o poder de determinar a produção de prova [51].

É importante deixar claro, por fim, que a alteração não se confunde com a ampliação e com a redução do pedido. É sempre possível a alteração do pedido antes da citação, e, desde que haja o consentimento do réu, até o saneamento do processo [52]. Já os fatos e circunstâncias não alegados pelas partes não podem ser modificados pelo juiz, salvo se existir relação de pertinência para com a causa de pedir, ainda que comprovados por meio de prova que não requeridos por elas, mas de produção determinada pelo juiz.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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NEVES, Celso; et alli. Comentários ao Código de Processo Civil. Edição especial. 18 vls. 15 autores. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000

RODRIGUES, Cláudia. Uma breve investigação acerca do mérito no processo civil. In: Revista UNOPAR Científica, Ciências Jurídicas e Empresariais, v. 3, nº 1. Londrina/PR: UNOPAR, mar. 2002.


Notas

  1. GOMES, Fábio. Carência de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.14-15.
  2. RODRIGUES, Cláudia. Uma breve investigação acerca do mérito no processo civil. In: Revista UNOPAR Científica, Ciências Jurídicas e Empresariais, v. 3, nº 1, p. 59. Londrina/PR: UNOPAR, mar. 2002.
  3. DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil: capítulo VI. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3. ed., tomo I. São Paulo: Malheiros, 2000.p. 244.
  4. Doutrina citada por Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 246).
  5. Eliézer Rosa apud DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p.247.
  6. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p.247-248.
  7. RODRIGUES, Cláudia. Op. cit., p. 60.
  8. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 248-249.
  9. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 254.
  10. RODRIGUES, Cláudia. Op. cit., p. 60.
  11. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 254 e ss.
  12. DOMINGUES FILHO, José. O mérito no processo execução civil. In: Revista Jurídica UNIGRAN, v. 2, nº 4, p. 189-195. Dourados/MS: UNIGRAN, jul./dez. 2000.p.191.
  13. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 254 e ss.
  14. DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p.35.
  15. Idem, ibidem, p.35.
  16. Idem, ibidem , p.35-36.
  17. DINAMARCO, Cândido Rangel. 2000. Op. cit., p. 273.
  18. Idem, ibidem, p.275-276.
  19. NEVES, Celso; et alli. Comentários ao Código de Processo Civil. Edição especial. 18 vls. 15 autores. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000.p. 960.
  20. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 32853/SP. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Dias Trindade. Julgado em 13 de abril de 1993. Publicado no DJU de 24 de maio de 1993, p.10006. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  21. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 435580/RJ. Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: João Otávio de Noronha. Julgado em 03 de agosto de 2006. Publicado no DJ de 18 de agosto de 2006, p.362. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  22. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 799369/BA. Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Teori Albino Zavascki. Julgado em 18 de setembro de 2008. Publicado no DJe de 25 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  23. ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Processo civil: processo de conhecimento. 4. ed., v. 10. São Paulo: Atlas, 2008.p.31-32.
  24. ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Op. cit., p. 117.
  25. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 270-271.
  26. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 955.
  27. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p.270.
  28. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 956.
  29. Francesco Carnelutti apud NEVES, Celso; et alli. p. 957.
  30. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed., rev., atual, e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.p. 681.
  31. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 690.
  32. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 957.
  33. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 804255/CE. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Humberto Gomes de Barros. Julgado em 14 de fevereiro de 1993. Publicado no DJe de 05 de março de 2008. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2009
  34. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 958.
  35. Moniz de Aragão apud NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 958.
  36. BRASIL, Jurisprudência. Agravo Regimental na Ação Cível Originária nº 445/ES. Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Relator: Marco Aurélio. Julgado em: 06 de junho de 1998. Publicado no DJ de 28 de agosto de 1998, p. 00003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 28 set. 2009.
  37. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 959.
  38. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 130.
  39. ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Op. cit., p. 107.
  40. DALL´ALBA, Felipe Camilo. As partes e a causa de pedir. Texto desenvolvido em março de 2004. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/03de2004/partesecausadepedir_felipe.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2009. p. 26.
  41. Idem, ibidem, p. 28.
  42. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 21940-5/MG. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Eduardo Ribeiro. Julgado em 09 de fevereiro de 1993. Publicado no DJU de 08 de março de 1993, p. 3.114. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2009.
  43. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira apud DALL´ALBA, Felipe Camilo. Op. cit., p. 30.
  44. BRASIL, Jurisprudência. Agravo Regimental no Recurso Especial em Mandado de Segurança nº 26276/SP. Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Julgado em: 16 de dezembro de 2008. Publicado no DJe de 16 de fevereiro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  45. LEITE, Gisele Pereira Jorge. Sobre o pedido e a causa de pedir. In: Revista Âmbito Jurídico, ano X, nº 48, p. 1-6. Rio Grande - RS, dez. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/2614.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2009. p. 1.
  46. BRASIL, Jurisprudência. Recurso Especial nº 419710/RO (2002/0029604-4). Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Julgado em: 17 de agosto de 2006. Publicado no DJ de 25 de setembro de 2006, p.295. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 set. 2009.
  47. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 109.
  48. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 115.
  49. Idem, ibidem, p. 105.
  50. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 401.
  51. NEVES, Celso; et alli. Op. cit., p. 401-402.
  52. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 116.

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CHINAITE, Carlos Eduardo de Sousa. Limites da lide: importância e questões controvertidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2457, 24 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14550. Acesso em: 19 abr. 2024.