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Prejulgamento e parcialidade do juiz.

Breves notas com enfoque na Justiça do Trabalho

Prejulgamento e parcialidade do juiz. Breves notas com enfoque na Justiça do Trabalho

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Sumário: 1. Introdução. 2. A garantia da imparcialidade. 3. Enquadramento legal e interesse do juiz. 4. Imparcialidade e neutralidade. 5. Antecipação de juízos de valor. 5.1 Situações processuais que legitimam antecipação de juízos de valor. 6. O que é prejulgamento? 7. Alguns exemplos que não induzem interesse do juiz no julgamento em favor de um dos litigantes. 8. O juiz julga em todo itinerário do processo, ainda que não demonstre nos autos. 9. Conclusões. Bibliografia consultada.

Resumo: O texto foi escrito em estilo livre, numa linguagem quase coloquial, diante da escassez de material bibliográfico sobre ele nos aspectos que são objeto de análise e exposição, pois os estudos existentes tratam mais das questões técnicas e das prescrições legislativas, e ainda assim de forma tímida e incompleta, sem a preocupação de uma investigação e uma interpretação voltadas para a definição, diante de possíveis situações concretas, do que deve e do que não deve ser considerado prejulgamento da controvérsia capaz de viciar a prestação jurisdicional pela imparcialidade do julgamento, caracterizada por eventual interesse material ou moral do magistrado. A matéria está situada no campo do direito processual, com enfoque na Justiça do Trabalho. Foi empregado o método dedutivo. O objetivo é prestar contribuição para o debate, a formação de convencimento e o esclarecimento sobre pontos localizados em zonas cinzentas. Os resultados alcançados são animadores, levando a conclusões que enriquecem a discussão e fornecem elementos para o exame de casos concretos que surgirem.


1. Introdução

Embora inexpressiva se comparada com o volume de processos existentes nos órgãos judiciários, volta e meia os tribunais se deparam com alegação de nulidade processual por parcialidade do juiz da causa, sob o argumento de que houve o prejulgamento desta.

Não raro, mas ao inverso disso, a parte que não obteve êxito na demanda é a que faz acusação de parcialidade. E nem poderia ser diferente, uma vez que é o vencido na demanda quem supostamente teve prejuízo com a parcialidade do magistrado. Ao vencedor não se identifica qual seria seu interesse em alegação desta natureza.

O tema não tem sido objeto de estudos mais profundos a julgar pela escassez de material na doutrina.

Esta dificuldade de pesquisa em obras de autores de prestígio na ciência processual faz com que o presente ensaio reflita mais o posicionamento pessoal do seu autor do que possíveis ensinamentos predominantes em determinada doutrina sobre a matéria que constitui seu objeto.

O que motiva a escrever sobre a controvertida existência de prejulgamento da causa em consequência de atos processuais, anteriores à sentença definitiva, praticados pelo juiz encarregado de conduzir o procedimento, liga-se a reflexões surgidas depois de fato recentemente ocorrido, consistente em rejeição de um pedido de antecipação de tutela, que acabou provocando a fúria, a deselegância e a perda das boas maneiras do procurador do requerente.

O principal argumento nesse lamentável episódio, segundo a percepção do litigante ativo, é que, na decisão indeferitória, foram abordados aspectos do mérito da causa, e por isso, o juiz estaria sem isenção de ânimo [01] para continuar à frente do processo, por evidente interesse em seu julgamento em favor do réu e pela intenção deliberada de prejudicar o autor [02], simplesmente porque, com base na prova documental, até então produzida, posicionou-se acerca de alguns pontos da controvérsia de forma inversa ao pretendido pelo autor.

Neste modesto texto não se tem a pretensão de divulgar verdades incontestáveis, nem de disseminar pensamento único, menos ainda de sustentar cuidar-se da melhor compreensão sobre a questão proposta.

O que virá consiste em meras reflexões do autor, sujeitas a chuvas e trovoadas, como contribuição para o debate em torno desta matéria.


2. A garantia da imparcialidade

Não é tarefa fácil fornecer conceito, ou ainda que apenas uma noção que se aproxime com exatidão sobre qualquer cosia que seja, e não é diferente quando se cuida de construir idéias a respeito do que deva ser qualificado como imparcialidade, ou parcialidade, do juiz na condução do processo.

Parece-me acertada a idéia de que um dos principais valores a ser preservado em processos jurisdicionais é o da igualdade de oportunidades aos litigantes, sendo a imparcialidade do juiz uma das variadas formas pelas quais este fim pode ser atingido.

A igualdade ou isonomia é valor inerente aos regimes democráticos, e por isso mesmo, e não podia ser de outra forma, repercute no processo jurisdicional. Tem sido cultuada com insistência pelos estudiosos do Direito Constitucional e pelos processualistas contemporâneos.

O tratamento igualitário aos litigantes deve ser ministrado pelos órgãos judiciários durante o desenvolvimento da relação processual em todas as suas fases, e não apenas no momento do julgamento da causa, observando-se para tanto o que dispõem as regras processuais.

Não se deve olvidar que o dever de imparcialidade do juiz é fiscalizado de diversas formas, havendo no sistema processual mecanismos que atuam como freios aos excessos que possam ter sido cometidos a ponto de indicar parcialidade, a exemplo da estruturação do Poder Judiciário em vários graus de jurisdição, com a possibilidade de reforma ou nulidade mediante recurso processual apropriado, ou ainda, pela intensa publicidade dos atos processuais, como regra geral.

Nos tribunais, além do julgamento ser colegiado restaura-se, se rompido, o necessário princípio da impessoalidade, não se repetindo eventuais sentimentos ou interesses pessoais do magistrado de primeiro grau. Eliminam-se, inclusive, possíveis erros ou impropriedades na interpretação e aplicação dos textos legais, o que tem o mérito de conservar a liberdade interpretativa do magistrado de primeiro grau de jurisdição, sem que isso imponha a quaisquer dos litigantes algum tipo de prejuízo material ou processual.

Como ensina a doutrina contemporânea, em parcial oposição à doutrina clássica, os tempos atuais exigem um juiz mais ativo, preocupado com os reflexos de suas decisões e com maior grau de sensibilidade social, que seja imparcial quanto ao caso concreto e às pessoas que participam do processo, mas não um juiz ética e axiologicamente neutro, ou seja, indiferente quanto à verdade, à justiça de suas decisões e aos valores e objetivos consagrados pela ordem jurídico-constitucional.

Logo, ser imparcial e ser neutro são coisas distintas.

A imparcialidade que se exige do juiz é em relação ao litígio que se discute no processo e aos seus participantes concretamente considerados, não devendo o magistrado agir para satisfazer sentimentos e/ou interesses pessoais, sejam eles materiais ou imateriais.


3. Enquadramento legal e interesse do juiz

Verifica-se em doutrina alguma divergência sobre se os casos legais de parcialidade do juiz seriam taxativos, ou meramente exemplificativos.

Parece-me que a primeira alternativa, já que se está diante de restrições ao exercício da jurisdição, seja a mais apropriada, embora algumas situações arroladas pela lei sejam abertas, de conceito difícil e indeterminado, e por estas suas características, possam permitir que nelas caibam vários fatos específicos, como se dá, para ilustrar, com aquelas dizentes ao interesse do juiz no julgamento da causa em favor de uma das partes, ou a outra que autoriza ao juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

A alegação de prejulgamento da causa, tão ao gosto daqueles a quem faltam melhores e mais qualificados argumentos, geralmente, entre outras razões, movidos pela insegurança, pela inexperiência e pela fragilidade do conhecimento jurídico que possuem, a priori, não se enquadraria nos casos arrolados pelo art. 135, incs. I a V e parágrafo único, do Código de Processo Civil. [03]

Mas, nem por isso, é possível aceitar, sempre, como um fenômeno normal a antecipação de juízos de valor sobre o objeto litigioso em discussão no processo, mormente se denota mero exercício de preferência, simpatia e desejo de causar prejuízo a uma das partes ou de beneficiar a outra pura e simplesmente.

Outros casos podem ser imaginados e devem ser rechaçados seja lá qual for a possível motivação do magistrado, desde que espúria e em desarmonia com as regras do processo e os cânones constitucionais, em atitude baseada somente em convicções de ordem pessoal, sem esteio no Direito, razoavelmente interpretado.

Olhando por outro ângulo, não se deve confundir prejulgamento que se reveste destes atributos, inaceitáveis, com a informação dada às partes sobre posicionamentos já expostos em outros processos, em questões idênticas ou semelhantes, o que se dá de modo mais usual com as chamadas matérias de direito ou que são objeto de divergência nos tribunais, não sedimentadas em súmulas, ou mesmo que sim, quando da jurisprudência predominante nos tribunais dela discorda o juiz.

O próprio interesse do juiz em favor de um dos litigantes, a que alude o inc. V do art. 135 do CPC, pode ser classificado em material ou meramente moral, e nesta segunda hipótese, um leque gigantesco de possibilidades se abre, podendo ter conteúdo ideológico em vários aspectos e vertentes, ou revelar preferências do julgador de ordem política ou religiosa, por exemplo.

O interesse do magistrado, assim, nesta perspectiva, não significa necessariamente repercussão de ordem material, até mesmo econômica, mas sim, de outra natureza, revelando antes do momento processual oportuno, qual, provavelmente, será sua decisão final, o que serve para transformar as garantias constitucionais do processo, entre elas as do contraditório e da ampla defesa, em peça de ficção, em pura falácia, sem efetividade processual concreta.


4. Imparcialidade e neutralidade

Considere-se que não se pode igualar neutralidade com imparcialidade, como se fossem expressões sinônimas. O juiz deve ser imparcial, mas, não neutro. O juiz é uma pessoa como outra qualquer, vivendo, em regra, na mesma comunidade em que ocorrem os conflitos que julga. Pode sofrer com os mesmos problemas que afetam a sociedade. Não tem origem em outro planeta e não está imunizado contra os males causados pelas dificuldades de ordem cultural, social, política e econômica, tanto quanto se dá com qualquer outra pessoa.

O juiz também fica doente, tem família e sentimentos, sofre e se alegra; em sua vida há momentos de tensão e mau humor, outros de descontração e realização, passando por situações de constrangimento, desconforto e consternação pelos mesmos problemas que afligem as demais pessoas. Lê jornais, vê televisão e acessa a web, e assim, tem conhecimento da realidade, a mesma em que estão inseridos os litigantes do processo que instrui e julga.

Desse modo, o juiz pode ter sido testemunha de alguns fatos, de menor ou de maior relevância, em debate nos autos do processo, e nem por isso, está impedido de atuar, de exercer a judicatura.

O juiz tem o compromisso – e o dever - de fazer valer a ordem jurídico-constitucional, presidindo a produção das provas e julgando com justiça, assim entendida a decisão razoável, conforme as normas jurídicas adequadamente interpretadas. Tem o dever de garantir a igualdade de oportunidades às partes e de velar pelo andamento rápido dos processos, agindo para impedir manobras protelatórias ou qualquer comportamento das partes ou seus procuradores que podem distorcer a realidade, levando à produção de resultados injustos.

Sendo assim, o juiz não é neutro, pois, no mínimo, deve se preocupar em distribuir justiça e promover o respeito aos direitos e garantias de todos os participantes da relação processual, além do dever de agir para fazer prevalecer o ordenamento jurídico e o sistema processual tal qual concebido pelas normas elaboradas de acordo com os procedimentos e métodos previamente estabelecidos pela Constituição e pela lei.


5. Antecipação de juízos de valor

Tenta-se demonstrar nestas linhas que possível antecipação sobre algumas questões, no sentido de haver pronunciamento judicial antes da sentença, não é sinônimo de parcialidade do juiz, nem significa, verdadeiramente, prejulgamento, com os contornos funestos que os defensores desta tese, habitualmente, tentam revestir suas alegações quando abordam esta matéria.

Neste enfoque, nem toda antecipação de juízo de valor deve ser considerada prejulgamento no sentido em que o tema é tratado neste ensaio, de modo a conspurcar a atividade jurisdicional, em prejuízo da justiça das decisões, jogando sobre o juiz a eiva de parcialidade.

É expressiva a quantidade de demandas em que se está diante das denominadas matérias de direito, ou de fato e de direito, porém, cuja controvérsia é passível de ser dirimida sem necessidade de produção de provas em audiência, hipóteses estas em que o art. 330 do CPC autoriza a antecipação do julgamento, conforme o estado do processo. [04]

Estas matérias podem ter sido julgadas em outros processos pelo mesmo juiz, que, assim, tem convencimento formado nesta ou naquela direção e, portanto, não há que se falar em prejulgamento, pois, o que houve nos outros casos idênticos foi efetivo julgamento, que tende a ser repetido na demanda nova, embora não inexoravelmente, pois, pode ter havido mudança de posicionamento sobre os temas controvertidos; ou, algumas particularidades do processo pendente de julgamento podem alterar a convicção revelada nas decisões anteriores sobre matérias iguais ou semelhantes.

Assim, em audiência, nada obsta que o juiz comente com as partes e seus procuradores acerca das controvérsias desta natureza, pois, trata-se de convencimento jurídico motivado, manifestado em outras demandas idênticas, sem que isso revele algum interesse pessoal do juiz, de ordem material ou moral, em favor de uma das partes.

Relembre-se que as audiências, salvo exceções pouco freqüentes, são públicas, incluindo as de julgamento, com a respectiva publicação das sentenças e acórdãos, e sendo assim, o entendimento do juiz sobre certas questões repetidas posteriormente, em tese, já é de conhecimento de todos que por elas se interessarem, de modo que não se mostra sustentável a alegação de parcialidade do magistrado nestes casos. Seria absurda esta idéia, levada ao extremo de uma interpretação positivista legalista inadmissível em tempos atuais.

5.1 Situações processuais que legitimam antecipação de juízos de valor

Existem alguns momentos do processo, anteriores à sentença, muitas vezes antes até mesmo de iniciada a produção de provas, além das que instruem a petição inicial, em que o magistrado é instado a antecipar os efeitos do provimento final, ou a decidir liminarmente parte da controvérsia, ainda que não de forma definitiva, com a possibilidade de modificação de sua decisão a qualquer tempo, a requerimento da parte ou de ofício.

Um desses momento se refere às tutelas diferenciadas e de urgência, como as antecipações de tutela, pela qual a parte deseja o adiantamento dos efeitos do provimento jurisdicional pretendido na inicial.

Assim, com base na idéia de verossimilhança, tendo em vista as alegações e os elementos de provas coligidos ao caderno processual até aquela oportunidade, isto é, em cognição sumária, não exauriente, por evidente que, seja para conceder, seja para negar a antecipação, o magistrado emitirá juízo de valor sobre as questões controvertidas, advertindo as partes, porém, que tal se dá somente para viabilizar a apreciação do pedido de antecipação de tutela e, assim, uma vez exercido o direito a ampla defesa e produção de provas, a sentença final poderá expressar outro entendimento sobre aquela matéria, mormente porque é da essência deste tipo de tutela de urgência a temporariedade.

Em resumo, a decisão de antecipação de tutela, favorável ou não ao autor, é de certa forma uma sentença, não exatamente em sentido técnico nos moldes dos ensinamentos da doutrina processualística tradicional, mas quanto ao seu conteúdo, expressando um convencimento motivado, ainda que temporário, acolhendo ou rejeitando a pretensão posta na petição inicial, com a finalidade de evitar dano irreparável ou de difícil reparação, quando há abuso no exercício do direito de defesa, ou, ainda, quando o pedido ou parte dele se torna incontroverso.

O mesmo se diga, embora em grau bastante menor, quando da apreciação dos requisitos genéricos e específicos das medidas cautelares.

Em nenhuma destas situações existe prejulgamento que implica na caracterização de um interesse pessoal do juiz em favor de um dos litigantes, de ordem material ou moral. E se não é possível identificar interesse desta ordem não é certo sustentar parcialidade.

A comum alegação de que ao formar convencimento antecipadamente sobre o objeto do litígio o juiz favoreceu ou prejudicou um dos litigantes no processo, e por conta disso tornou-se suspeito para exercer suas atividades judicantes naquela relação processual em que o fato ocorreu, é manifestamente infantil e inaceitável, revelando ignorância e lógica absurda.

Sempre que o juiz decide sobre o mérito do processo, ainda que em cognição sumária, como se dá nas tutelas de urgência, seu convencimento irá favorecer uma das partes e desfavorecer a outra, como é cristalino. De igual sorte se sucede quanto profere a sentença definitiva de mérito.

Daí porque, como uma de suas justificativas, é viabilizado o duplo grau de jurisdição, disponibilizando o sistema processual ao litigante inconformado o direito de manejar os recursos contemplados pelas normas processuais, com os escopos de anular a sentença ou de modificá-la, conforme as exigências e circunstâncias do caso concreto.

Não há como analisar pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional sem que se adentre ao exame do mérito da pretensão que, como dito, consiste em convencimento precário que pode – e deve – ser modificado, uma vez diante de outros elementos de convicção trazidos aos autos, desconhecidos do julgador no momento em que a proferiu decisão antecipatória dos efeitos da tutela jurisdicional ou a negou. [05]

Do mesmo modo este efeito modificativo tem lugar, tornando sem efeito a antecipação concedida anteriormente, quando da prolação da sentença final depois de completada a instrução probatória, em cognição exauriente nos planos horizontal e vertical.

Em síntese, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pode não ter sido concedida e, na sentença definitiva, a pretensão pode ser acolhida.

O sistema processual, de outro lado, viabiliza a antecipação do provimento final não apenas no plano processual, como, igualmente, no plano fático, gerando repercussões na relação de direito material, e, por consequência, na vida dos litigantes, e eventualmente até de terceiros (projeções exógenas da sentença, extrapolando a dimensão interna do processo), ainda que ao final do processo a decisão definitiva seja diametralmente oposta ao que fora antecipado, eis porque não se antecipa se houver risco de irreversibilidade do provimento concedido.

Estas noções básicas sobre a antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional postulado pelo autor bem mostram que, ao inverso do que se sucede, em regra, nas ações cautelares, que, tecnicamente, jamais poderiam ser instrumento de satisfação de pretensão de direito material, não obstante lições doutrinárias equivocadas [06], no momento da decisão – favorável ou não ao autor - a questão de fundo ventilada na petição inicial é – antecipadamente - objeto de valoração e formação de convencimento pelo juiz. Vale relembrar: em caráter precário, não definitivo, sujeitando-se a modificação posterior (inclusive antes da sentença final), desde que as provas dos autos a autorizem.

Logo, é de se perceber o quão impróprio é sustentar que o juiz, ao se pronunciar sobre o mérito da pretensão por ocasião da decisão antecipatória de tutela, deve ser recusado pela parte a quem a mesma desfavorece em virtude de que esta circunstância o tornou suspeito por um suposto interesse (haja imaginação!) no julgamento da causa em favor da parte a quem aquela se aproveita (CPC, art. 135, inc. V).

Alegação desta natureza é ofensiva ao magistrado, à jurisdição e, por extensão, ao próprio Poder Judiciário, porque configura desconfiança – infundada – na imparcialidade e na independência dos órgãos judiciários.

Esta tese não pode prosperar por absoluta carência de respaldo jurídico, pois, o juiz não tem interesse no julgamento da causa em favor de nenhum dos litigantes, simplesmente porque uma decisão antecipatória é favorável ao autor e desfavorável ao réu ou vice e versa.

É inerente, como afirmado alhures, às decisões judiciais, este atributo, consistente em beneficiar um dos litigantes (vencedor na demanda) e prejudicar o outro (derrotado na demanda). Em outros termos: uma parte é declarada vencedora e a outra vencida. Esta é – boa ou má - uma característica da jurisdição, ausente, por exemplo, na conciliação, o que milita em favor desta e não daquela, em homenagem à pacificação social e à construção de uma sociedade mais justa e civilizada.

O provimento antecipatório da tutela jurisdicional é, em essência, como se fosse uma sentença, com a ressalva de que, ao contrário desta, pode ser modificado a qualquer tempo pelo próprio prolator se outros forem os fatos e as provas dos autos em momento posterior, ou mesmo pode não prevalecer por ocasião do provimento definitivo, por inúmeros motivos.

Ressalte-se que na Justiça do Trabalho a regra é a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias (e uma delas é a antecipação de tutela) [07], ao passo que no processo civil as partes têm à disposição o recurso de agravo, [08] e, assim, diante da falta de recurso específico previsto em lei, o litigante que estiver inconformado e puder alegar violação a direito líquido e certo, por entender que a decisão em tela é ilegal ou foi proferida com abuso de poder, pode utilizar-se da via do mandado de segurança. [09]

Esta é mais uma razão para que seja eliminado o argumento da parcialidade do juiz por ter havido antecipação de convencimento quanto ao mérito da pretensão posta em debate em juízo.

A mesma situação, em linhas gerais, mutadis mutandi, pode ser identificada em qualquer processo em que haja decisão liminar quanto ao objeto litigioso, mesmo que superficialmente e restrito a alguns aspectos da lide, seja para acolher ou rejeitar, que sob qualquer enfoque que seja não induz ao entendimento de que o juiz da causa tem interesse pessoal em seu julgamento em favor de um dos litigantes.

O fundamento é tão genérico, ardiloso e destituído de sentido lógico, além de incompatível com os princípios que regem as tutelas diferenciadas e de urgência, que poderia ser aplicado, caso lhe fosse reconhecido procedência, indistintamente em todos os casos em que houvesse antecipação dos efeitos do provimento final, mesmo que parcialmente, ou então, sempre que em caráter temporário se afirmasse, com base em juízo de verossimilhança, a verdade ou a falsidade da alegação de uma das partes, ou se antecipasse, apenas para o efeito de tornar possível a decisão requerida (que não pode deixar de ser proferida, ainda que, naquela oportunidade, seja rejeitada), um ou outro entendimento do julgador sobre pontos relevantes da lide.

Prosperasse esta tese, é dizer: o autor que teve a antecipação de tutela rejeitada pode recusar o juiz alegando exceção de suspeição por interesse no julgamento em favor do réu (CPC, art. 135, inc. V), ou, este, contra quem a tutela foi antecipada, pela mesma razão e mesmo meio, poderia recusar o juiz.

Nada há nas leis processuais que dê amparo a semelhante raciocínio, incoerente com todo o sistema das tutelas de urgência, que, por isso mesmo, têm características próprias, que precisam ser compreendidas e respeitadas.


6. O que é prejulgamento?

Embora a alegação de prejulgamento da causa seja corriqueira, numa, quase sempre, desesperada tentativa de afastamento do magistrado do processo através do meio técnico denominado de exceção de suspeição por parcialidade, cabe esclarecer que não há no ordenamento jurídico nacional previsão explícita que o vede ou o qualifique como causa de suspeição do juiz.

Não é sensato, além de deselegante, fonte de frustração e desconfiança da parte a quem desfavorece sua decisão, o juiz antecipar (prejulgar) provimento de mérito. E para se perceber o quão isso é condenável prescinde-se de norma jurídica que consagre este entendimento.

Não obstante, não é a mesma coisa que prejulgar quando, no estágio da tentativa de conciliação, em que maior liberdade é dada às partes, aos seus procuradores e ao próprio magistrado condutor da audiência, como único modo de tornar fluído o diálogo entre os participantes da audiência, ou mesmo quando se analisa se determinada prova deve ou não ser produzida, o juiz manifestar seu posicionamento quanto a aspectos técnicos da lei ou mesmo quanto à interpretação de determinada norma de direito, ou ainda, seu convencimento já formado pelo exame de situações idênticas tratadas em processos anteriores, entre outras partes, em que já tenha proferido decisão sobre os temas objeto de divergência.

Isso, claro, sempre em abstrato, com a ressalva de que aquele caso em particular, ainda pendente de instrução e julgamento, pode apresentar aspectos que justifiquem que decisão diversa das anteriores seja proferida, ou mesmo a circunstância de que seu convencimento (do juiz) é passível de modificação pela força e pela qualidade dos argumentos oferecidos pelas partes, através dos seus procuradores judiciais, o que será objeto de análise por ocasião do julgamento final, caso não haja conciliação.

Mas, afinal de contas, o que se deve entender por prejulgamento da causa?

De início, é de se ressaltar que não é acertado afirmar que toda manifestação judicial em torno do que se discute nos autos do processo possa ser considerada prejulgamento da causa.

Caso se pense de outro modo, fatalmente o juiz será transformado em um ser quase inanimado, talvez meramente um expectador privilegiado, seja em audiência, seja nos despachos e outras decisões no processo. Sim, já que não se desconhece que às vezes é necessária uma tomada de posição sobre determinadas questões, por iniciativa das partes ou por dever de ofício quando se cuida de matéria de ordem pública.

Um sujeito que assim se comportasse, sem voz, surdo e cego, contribuiria para tornar impossíveis o diálogo ou o debate com as partes sobre o objeto litigioso, o que, em regra, tem como interlocutores não estas, mas seus procuradores. A saudável comunicação entre os sujeitos do processo, tendo por premissa a dialética que lhe é ínsita, seria prejudicada e o resultado seria desastroso para todos os participantes da relação processual.

A comunicação verbal ou por escrito há que existir, sendo essencial, sem a qual não há como dar prosseguimento à marcha processual ou incentivar as partes à conciliação e à busca de soluções para os mais variados problemas surgidos na história do processo.

O que não é aconselhável é a antecipação quanto à decisão a ser tomada no que se refere às questões de fundo, ao mérito da pretensão, antecipando-se a sentença para revelar a improcedência sobre este ou aquele pedido, e mesmo aqui, tal não deve ocorrer quando a formação de um convencimento definitivo sobre a veracidade dos fatos alegados pelas partes depende de instrução probatória.


7. Alguns exemplos que não induzem interesse do juiz no julgamento em favor de um dos litigantes

Inúmeras ilustrações poderiam ser extraídas do casuísmo da prática forense para demonstrar a impropriedade da opinião de que em circunstância alguma poderia haver antecipação da provável decisão em sentença final. Citam-se alguns para que seja possível uma visão mais concreta do que se sustentou neste ensaio, com base na rotina das lides trabalhistas.

Um deles se refere aos fatos incontroversos, como o pagamento intempestivo de verbas rescisórias. Nesta hipótese, na audiência, depois de ler a contestação do réu e verificar que o fato alegado na inicial é admitido, de forma expressa ou tácita, não há suspeição alguma se o juiz afirmar, durante a tentativa de conciliação, que a multa pretendida com base nesta alegação é pedido que certamente será acolhido.

Outro exemplo: o juiz analisa os cartões-ponto, verifica que os mesmos registram horas extras e não há alegação patronal de regime compensatório, e cotejando-os com os recibos trazidos aos autos, conclui que estes não apontam o pagamento do labor suplementar. Não há suspeição alguma do juiz ao afirmar às partes que, com base nos documentos trazidos aos autos com a contestação, o pedido de pagamento de horas extras, ainda que não totalmente, será acolhido.

O mesmo se diga quando o réu admite que não depositou o FGTS do reclamante; que despediu o autor, encerrou sua atividade e em face de dificuldades financeiras não lhe pagou as verbas rescisórias; Quando o réu admite que não entregou os formulários do seguro-desemprego, entre outras inúmeras situações que a experiência do dia-a-dia nas Varas do Trabalho demonstra.

Da parte do autor, quando alega na inicial que foi imotivadamente dispensado, porém, em seu depoimento pessoal, admite que pediu demissão por que arrumou novo emprego. O juiz pode, nesta situação, por evidente, até para estimular a conciliação, afirmar que diante da confissão do autor os pedidos de indenização do aviso prévio e depósito da multa de 40% do FGTS certamente serão rejeitados na sentença que vier a ser proferida.

Mais dois exemplos: quando o juiz manifesta, antes da sentença, qual seu posicionamento sobre a base de cálculo do adicional de insalubridade (salário mínimo, salário normativo ou salário contratual), ou no que concerne a validade ou não de cláusula de convenção ou acordo coletivo de trabalho que restringe a obrigação de pagamento das horas in itinere. Nos dois casos, em face de já ter decidido, por sentença, controvérsia idêntica em centenas de outros processos.

Ainda, quando há divergência sobre a melhor interpretação de uma norma jurídica e o juiz, em virtude de julgamentos anteriores, entre outras partes, já manifestou seu entendimento sobre a questão.

Qual seria o interesse do juiz – material ou moral – no julgamento "em favor" de uma das partes? Por que o juiz seria "suspeito" nesses casos? Onde residiria a suposta parcialidade que vicia a prestação jurisdicional e causa prejuízos aos litigantes?

A antecipação de um julgamento de mérito baseado em matérias de direito sobre as quais já se tem uma posição, anteriormente manifestada em outros processos, através de sentenças já proferidas e publicadas, ou sobre matérias de fato daquele processo ainda pendente de julgamento, mas que se funda em fatos incontroversos, confessados ou admitidos, por certo não configuram suspeição do juiz.

Entende-se que o rol dos incs. I a V e parágrafo único, do art. 135, do CPC, é sim, taxativo, eis que se cuida de restrição a atuação do juiz natural, representando uma diminuição em sua esfera jurisdicional.

Muitos outros exemplos poderiam ser fornecidos. Por isso, mostra-se ingênua e descabida a tese vez ou outra sustentada por alguns que o juiz, este ser que entendem deva ser impassível, de pedra, que antecipa/adianta seu posicionamento sobre questões, pontos ou matérias de direito e de fato, em debate no processo, antes da oportunidade da sentença, é suspeito por demonstrar interesse no julgamento "em favor" de um dos litigantes e, consequentemente, "em prejuízo" do outro.


8. O juiz julga em todo itinerário do processo, ainda que não demonstre nos autos

Como se fosse uma máquina programada para raciocinar sobre o mérito da pretensão (o chamado objeto litigioso) apenas na oportunidade da sentença, jamais antes desse momento, seria ilusório e falta total de conhecimento crer que o juiz tem o poder, o qual controla e exerce, talvez respeitando somente sua vontade ou uma exigência legal ou ética, de não antecipar juízos de valor durante o desenvolvimento da relação processual.

A todo instante, em maior ou menor grau, mesmo que implicitamente, e não deliberadamente, muitas vezes até mesmo sem ter percepção disso, os magistrados adiantam juízos de valor sobre as causas sob sua responsabilidade.

É natural àquele que tem a missão de julgar raciocinar o tempo todo e revelar posicionamentos sobre questões que, a rigor, serão tratadas na sentença, simplesmente porque deriva de ação mental não sujeita a controle do ser humano.

Portanto, nem toda antecipação de fundamentos e emissão de juízos de valor sobre aspectos relevantes da lide, muitas vezes diretamente vinculados ao mérito do processo, devem ser concebidos como prejulgamento da causa. Não, pelo menos, no sentido que aqueles que defendem a parcialidade do juiz tentam atribuir a este fato, de tornar ilegítima e tendenciosa a sentença final. Quanta ingenuidade!

A experiência de muitos anos traz sabedoria e melhor compreensão sobre alguns fatos relacionados com a norma processual posta em movimento durante o desenrolar da marcha processual, não sendo raro manifestação judicial, no calor do debate, ainda que sutilmente, a respeito de aspectos pertinentes ao mérito de uma ou outra matéria em discussão no processo, e, porém, na oportunidade do julgamento o  posicionamento adotado mostra-se oposto ao inicialmente concebido.

Outras vezes, baseando-se em experiência anterior em casos idênticos ou muito semelhantes, ou mesmo em virtude de resultados oriundos de estudos, há pronunciamento mais explícito sobre possível decisão em processos envolvendo matérias de direito ou interpretação predominante nos tribunais sobre alguns fatos repetidos (p. ex.: demandas dirigidas contra uma mesma empresa, ré em centenas ou milhares de demandas, com base nas mesmas alegações) e, depois de concluída a instrução probatória, na presença de elementos até então ainda não conhecidos do julgador, o convencimento inicial não prospera; de forma alguma, nestas ocasiões, é correto sustentar que houve algum prejuízo ao autor ou ao réu, ou que o magistrado tinha algum interesse pessoal, material ou moral, na solução da controvérsia.

Mostrar às partes e aos seus procuradores os pontos controvertidos e os que não são, os fatos que foram confessados ou admitidos como verdadeiros no processo e a possibilidade de êxito sobre este ou aquele pedido, notadamente quando os objetivos são legítimos, como, por exemplo, para incentivar o debate sobre a conciliação, com o escopo de alcançá-la, por certo que não torna o juiz interessado no julgamento "em favor" de um dos sujeitos da relação processual.

Com maior razão, antecipar um julgamento baseando-se em situações já definidas no processo, sem qualquer possibilidade de alteração até a sentença, não torna o juiz suspeito para a causa.

Somente não consegue perceber este fenômeno como normal, que fica muita léguas distantes do que se deve entender por interesse do juiz no julgamento, aquele que não compreende, ou compreende, mas não aceita, que o juiz, ao longo do desenvolvimento da relação processual, conforme os debates avançam e as provas vão sendo produzidas, automaticamente, porque, entre outros motivos, sua mente é treinada nesse sentido, além do seu conhecimento e da sua experiência, vai formando convencimento sobre a controvérsia instalada nos autos, e que, frequentemente, seu convencimento inicial se modifica, até que se forma em definitivo na oportunidade em que elabora sua sentença. Nessa trajetória, não raro, o convencimento do juiz pode se modificar várias vezes.

Não se vislumbra prejuízo algum à prestação jurisdicional e aos jurisdicionados, nesse contexto, a antecipação de uma decisão que certamente será tomada por ocasião do julgamento.

O prejulgamento que se desaconselha fica reservado unicamente para os fatos ainda controvertidos (inéditos, não ventilados em outros processos), cujas provas, ainda não produzidas, podem beneficiar o autor ou o réu e, que, assim, ainda não autorizam a formação de um convencimento e a emissão de juízo de valor sobre o objeto litigioso da lide. Do mesmo modo, se o juiz manifesta preferência pela tese de um dos litigantes, em menoscabo à da outra parte, sem a necessária leitura e análise das alegações desta, sem sopesar sua decisão de acordo com as circunstâncias específicas oferecidas pelo caso particular sub judice.

Nestas hipóteses, salvo melhor juízo, assiste razão àqueles que sustentam a suspeição do juiz por interesse pessoal (material e/ou moral), ainda que apenas presumido, no julgamento da causa "em favor" de um dos litigantes.

Isso ocorre porque se adianta decisão baseando-se em afirmações atinentes a fatos ainda não submetidos à instrução probatória e, portanto, ainda não definidos no processo, e porque revela tendência nesta ou naquela direção, em favor de um dos litigantes e em demérito do outro, sejam quais forem as motivações (filosóficas, religiosas, políticas etc.), que são inadmissíveis naquele que tem a missão de distribuir justiça, fundamentando suas decisões não em convicções pessoais, mas sim, como resultado de uma interpretação dos fatos e da norma em consonância com as regras de hermenêutica jurídica, oferecidas pela doutrina, até mesmo em respeito ao ordenamento jurídico e ao Estado Democrático de Direito, como pilares de uma sociedade civilizada, que pauta as relações que se desenvolvem em seu seio conforme o Direito, tal qual assegurado pela Constituição de 1988.

Todavia, repisando o acima exposto, se a revelação do entendimento do juiz sobre a pretensão do autor ou parte dela, pelo acolhimento ou rejeição, se funda em situações já resolvidas de forma definitiva no processo, ou seja, inalteráveis até o momento da sentença de mérito, ou ainda, quando se trata de matéria de direito sobre a qual já se pronunciou em processos anteriores, não se percebe onde reside o interesse pessoal do magistrado "em favor" de um dos litigantes.

Aqui, antecipar qual será sua decisão na sentença não acarreta nenhum efeito espúrio, antidemocrático e nocivo a quaisquer dos litigantes. O prejulgamento aqui, se é que assim pode ser qualificado, não se lastreia em nenhuma situação ilegítima, incompatível com as regras do processo e com o direito dos jurisdicionados ao julgamento da causa por magistrado independente e imparcial.


9. Conclusões

Diante das idéias lançadas para reflexão e debate neste ensaio, na visão do autor, é possível extrair pelo menos algumas conclusões mais importantes sobre o tema exposto:

a)A imparcialidade dos magistrados é garantia de uma prestação jurisdicional isenta de interesses pessoais, refletindo o resultado de uma interpretação honesta – de boa-fé - dos fatos e da norma e sua aplicabilidade ao caso concreto, ou seja, direito de todos os participantes de um processo jurisdicional, para que prevaleçam o Direito e seus escopos na solução dos conflitos de interesses e na missão de pacificação social atribuída ao Judiciário em sua atividade de conciliar e julgar;

b)Não existe no ordenamento jurídico, de forma explícita, qualquer previsão de caracterização de parcialidade em virtude de prejulgamento;

c)Revelar, antes do julgamento, posicionamento já adotado em outras sentenças acerca de matérias controvertidas nos tribunais, notadamente sobre as chamadas "matérias de direito", assim como, a respeito de algumas questões de fato repetitivas sobre as quais já se pronunciou em outras demandas, não caracteriza prejulgamento nem parcialidade do juiz, menos ainda interesse pessoal em beneficiar um dos litigantes e prejudicar o outro;

d)Nos processos contenciosos, mormente naqueles em que se pretende provimento condenatório, as sentenças, de algum modo, declaram um dos litigantes vencedor e o outro vencido, podendo coexistir ambos os status (vencedor e vencido simultaneamente) quando se tratam de vários pedidos e o acolhimento foi parcial;

e) Nas medidas urgentes que justificam as tutelas diferenciadas, a exemplo das antecipações dos efeitos do provimento jurisdicional final, não é examinado somente o preenchimento dos requisitos legais à sua concessão, pois os fatos submetidos à apreciação do juiz ligam-se quase que invariavelmente ao mérito da demanda, razão pela qual, o exame judicial transborda, muitas vezes, dos aspectos meramente processuais, atingindo questões que se prendem à própria relação jurídica de direito material;

f)Nas antecipações de tutela, considerando-se que a decisão, seja para concedê-las, seja para rejeitá-las, adentra, com base no material probatório disponível naquela oportunidade, ao mérito do que se discute nos autos do processo, não caracterizam prejulgamento, menos ainda parcialidade do juiz em favor de um dos litigantes e em prejuízo do outro, devendo ser considerado que ao final do procedimento a sentença definitiva poderá ser em sentido inverso ao que se decidiu em caráter precário e temporário;

g)Impedir ao juiz, para que não se possa alegar prejulgamento e parcialidade, de dialogar e debater com os litigantes, geralmente através dos seus procuradores, sobres as alegações, os fatos, as provas e os riscos da demanda, adiantando posicionamentos do juízo e dos tribunais sobre matérias controvertidas (repetidas e julgadas em demandas anteriores), inviabilizaria a conciliação e as medidas de urgência, negando a dialética como atributo ínsito ao processo jurisdicional, podendo tornar o processo extremamente demorado pela possibilidade de produção de provas inúteis e colocaria em risco os fins nobres da jurisdição, entre eles a pacificação social e a solução adequada e tempestiva dos conflitos de interesses.


Bibliografia consultada

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direito material sobre o processo. 3ª ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros editores, 2003.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. T. I. 5ª ed. São Paulo: Malheiros editores, 2002.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. T. I. 3ª ed. trad. e notas de Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros editores, 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. 8ª ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros editores, 2004.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.


Notas

  1. Esta expressão é melhor em pregada quando se refere ao depoimento de testemunha.
  2. Uma decisão judicial é, sempre, favorável a um dos litigantes e desfavorável ao outro; o fato de ter sido proferida em caráter precário, antes do encerramento da instrução, não pode justificar, sob pena de inviabilizar qualquer antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, semelhante raciocínio.
  3. Art. 135.  Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;  II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Parágrafo único.  Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.
  4. Art. 330.  O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;  II - quando ocorrer a revelia (art. 319).
  5.  
  6. Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1º  Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2º  Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. § 4º  A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º  Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
  7. Embora justificáveis, em época em que a antecipação de tutela era instituto desconhecido da ciência processual, e, assim, havia certo desvirtuamento das medidas cautelares, em particular as inominadas (baseadas no poder geral de cautela conferido aos juízes pelas normas processuais), de forma que as decisões liminares nelas proferidas muitas vezes tinham caráter satisfativo, esvaziando de conteúdo a pretensão de direito material que, a rigor, somente poderia ser satisfeita em processo autônomo, instaurado com este escopo, em respeito às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
  8. Conforme disposto no art. 893, § 1º, da CLT: Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: I - embargos; II - recurso ordinário; III - recurso de revista; IV - agravo. § 1º - Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.
  9. Diz textualmente o art. 522, do CPC: Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.
  10. Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009 (nova lei do mandado de segurança, que revogou a Lei 1.533, de 31.12.1951): Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas corpus" ou "habeas data", sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Art. 5º. Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado.

Autor

  • Mauro Vasni Paroski

    Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. Prejulgamento e parcialidade do juiz. Breves notas com enfoque na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2491, 27 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14756. Acesso em: 25 abr. 2024.