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Desapropriação como instrumento de execução da política urbana

Desapropriação como instrumento de execução da política urbana

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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. Capítulo I. A PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL. 1.1. Evolução histórica da noção de propriedade. 1.1.1. Direito germânico antigo. Grécia antiga. Direito romano. 1.1.4. A propriedade feudal. 1.1.5. Direito monárquico francês. Direito socialista na União Soviética 1.2. Função social da propriedade. 1.3. Evolução do conceito no ordenamento jurídico brasileiro. 1.3.1. A Constituição Monárquica de 1822. 1.3.2. As Constituições Republicanas. 1.3.3. A Constituição Federal de 1988. 1.4. Codificação civil. 1.4.1. O Código Civil 1916. 1.4.2. A Constitucionalização do direito civil com o Código de 2002. Capítulo II. DESAPROPRIAÇÃO. 2.1. Limitações do Estado à propriedade privada. 2.2. Desapropriação. 2.2.1. Requisitos. 2.2.2. Declaração expropriatória. 2.2.3. Imissão provisória na posse. 2.2.4. A denominada desapropriação indireta. 2.2.5. O direito à retrocessão. 2.3. Procedimento. 2.3.1. Procedimento administrativo. 2.3.2. Procedimento judicial. 2.4. Desapropriação por interesse público ou necessidade pública. 2.4.1. Desapropriação por zona. 2.5. Desapropriação por interesse social. 2.5.1. Desapropriação para reforma agrária. Capítulo III. DESAPROPRIAÇÃO NO ESTATUTO DA CIDADE. 3.1. O Estatuto da Cidade. 3.2. Instrumentos para a execução da política urbana. 3.2.1. Parcelamento, edificação e utilização compulsórios. 3.2.2. Imposto Predial Territorial Urbano progressivo no tempo. 3.3. Desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana. 3.3.1. Pressupostos. 3.3.2. Competência expropriatória. 3.3.3. Objeto. 3.3.4. Indenização. 3.3.5. Destinação do bem. 3.3.6. Procedimento. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


RESUMO

O objetivo deste trabalho é a análise da desapropriação como forma de sanção ao proprietário que descumpre a função social da propriedade urbana, com análise conjunta dos institutos e conceitos jurídicos correlacionados. São tratados, inicialmente, os aspectos históricos da propriedade, sua concepção em diferentes períodos e a evolução do conceito de função social da propriedade. Posteriormente, examina-se a desapropriação como instituto do direito administrativo, seus fundamentos e as espécies existentes no ordenamento jurídico nacional. Ao final, analisam-se aspectos gerais do Estatuto da Cidade e os institutos sancionatórios aplicáveis aos proprietários que descumprem com a função social de sua propriedade, como o parcelamento ou edificação compulsórios, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e, em especial, a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, com abordagem específica do procedimento a ser adotado, trazendo-se solução para a ausência de previsão do rito procedimental a ser adotado.

Palavras-chave: Propriedade – Função Social da Propriedade - Desapropriação – Estatuto da Cidade.


INTRODUÇÃO

A propriedade é objeto de reflexões filosóficas e jurídicas desde os primórdios das civilizações. Inicialmente, apresentava-se como instituto de caráter eminentemente privado, inerente à pessoa. Com o passar do tempo, seu conceito evoluiu, deixando de satisfazer aos interesses subjetivos exclusivos de seu proprietário para atender aos mandamentos sociais, de natureza objetiva, decorrentes de sua função.

A Constituição Federal de 1988 alterou significativamente o ordenamento jurídico nacional para adequá-lo à moderna concepção do direito de propriedade e à sua função social, de forma a satisfazer tanto os interesses particulares como os coletivos, determinando à legislação infraconstitucional estabelecer uma série de regulamentações urbanísticas.

Simultaneamente, a crise apresentada em razão do crescimento desenfreado das cidades e a necessidade de se incorporar o conceito de função social da propriedade ao desenvolvimento urbano exigiram um efetivo aperfeiçoamento da legislação nacional urbanística, até então deficiente.

Surge assim, decorrente de mandamento constitucional e da necessidade apresentada, o Estatuto da Cidade, regulamentando importantes institutos previstos na Constituição Federal para o desenvolvimento urbano.

Dentre eles, destacam-se as sanções impostas em razão do descumprimento da função social da propriedade urbana, como a obrigação de parcelamento ou edificação compulsórios, aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e uma nova hipótese de desapropriação.

A intervenção na propriedade particular pelo poder público através da desapropriação sempre existiu no ordenamento jurídico nacional. Porém, agora é prevista modalidade inovadora, como forma de sanção para os casos de descumprimento da função social da propriedade urbana, recomendando um estudo aprofundado de todos os complexos institutos jurídicos afins, para que o administrador municipal possa utilizá-la de maneira eficaz na execução da política urbana.


CAPÍTULO I

Ter propriedade é uma condição natural do homem. Seja qual for a ideologia adotada, independentemente do momento histórico, não há como negar esse estado inerente à pessoa, que vai muito além de uma mera concepção espiritual, ou de uma conceituação jurídica.

As primeiras noções de propriedade surgiram em relação aos bens móveis, em especial quanto aos frutos colhidos das árvores e a caça e pesca para alimentação, assim como os itens e ferramentas utilizados no cotidiano dos homens e as armas utilizadas para sua defesa.

Durante toda a antiguidade sempre existiu uma relação mística e sagrada entre o homem e seus bens, significando que a individualidade transcendia o corpo físico, enaltecendo a importância dos instrumentos cotidianos. Por exemplo, no antigo Egito os Faraós eram mumificados e sepultados juntos com seus mais importantes e valiosos bens, os quais, acreditava-se, iriam pertencer-lhes após a morte.

O surgimento da concepção de propriedade imobiliária, relacionada ao solo, é muito posterior à concepção mobiliária. As primeiras relações do homem com a terra também eram consideradas sacras e invioláveis, sendo o solo um local sagrado e lar de forças sobrenaturais. Era nele onde os mortos eram enterrados, dando início a uma relação com seus ancestrais. Também, era onde as tribos ou a família iriam praticar a colheita para o seu sustento, e para o sustento da comunidade. Não existia uma relação absoluta, mas sim uma posse comum, na qual a terra pertencia imediatamente à família, pelo seu chefe, e de forma mediata a toda comunidade, às tribos ou aos clãs. Em razão disso o solo era essencialmente inalienável, especialmente aos estrangeiros.

O contato com os colonizadores dominantes da linguagem escrita viria a transformar profundamente tais relações. Estes acreditavam poder comprar as terras através de pagamentos ou escambo, trazendo grande perturbação nas relações com os mortos e com as forças sobrenaturais. As antigas estruturas seriam de tal modo modificadas que jamais recuperariam sua natureza original.

Nos povos nômades, as relações com a terra eram um pouco distintas. Havia uma noção bem mais definida de propriedade comum e temporária. Comum porque os animais, frutos e pastagens do solo, e as águas pertencem a toda a comunidade. E temporária porque, uma vez esgotados os recursos, ou em razão de ameaças de tribos inimigas, a comunidade se deslocava para outras áreas onde pudesse se instalar.

Verifica-se, dentre os povos antigos, a passagem da posse comum para a propriedade com indícios de permanência. Tal ocorre com o desenvolvimento da agricultura em substituição das práticas de colheita, fazendo com que as comunidades tribais familiares deem lugar às aldeias, possibilitando a convivência de diferentes famílias num mesmo local sem a perda das noções de solidariedade. Com o aprimoramento das práticas agrícolas surgiu a necessidade de terras férteis e irrigáveis, tendo como consequência o aparecimento dos primeiros centros populacionais nas proximidades de grandes rios.

O crescimento e aprimoramento das relações de comércio também ocasionam o surgimento de diversos centos urbanos. Sua origem decorre principalmente dos próprios fatores econômicos e das práticas mercantis, e também pela necessidade de troca e transporte de bens de algumas regiões para outras. Os grupos de mercantes passaram a instalar-se em locais seguros, no cruzamento de rotas comerciais, de forma a favorecer a instalação de mercados e feiras.

Os primeiros núcleos populacionais surgiram por volta dos anos 3.500 e 3.000 a.C., nos vales do rio Nilo, no atual Egito, e também na região do baixo vale dos rios Tigre e Eufrates, na antiga Mesopotâmia, onde atualmente localiza-se o Iraque. Logo depois, surgem os primeiros centros urbanos na Índia, por volta do ano 2.500 a.C., no vale do rio Indo, aos redores de Harappa. Posteriormente, por volta de 1.500 a.C., surgem as primeiras cidades na China, em torno do rio Amarelo (Huang), nas proximidades de An-yang, área próxima de onde atualmente localiza-se Pequim, capital da China.

Esses primeiros centros urbanos possuíam relativo desenvolvimento, alguns com habitações em andares, sistemas de esgotos e casas de banho, e outros, inclusive, com dirigentes incumbidos de sua administração. A antiga solidariedade familiar e comunitária cedia lugar ao parcelamento da propriedade imobiliária. Foi o momento histórico de maior avanço da antiguidade, em praticamente todos os setores da sociedade.

As cidades, porém, como parte de um fenômeno urbanístico, somente surgiram no decorrer do século XIX. Isso porque, em que pese o termo cidades seja utilizado indistintamente para todo aglomerado populacional, o termo urbanização somente é empregado quando, em determinado núcleo, a população urbana é superior à rural. Tal fenômeno se deu mais fortemente com a chegada da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no final do século XVIII. [01]

Para Gilissen (2001, p. 634), na história evolutiva da propriedade é possível a identificação de quatro espécies: 1) propriedade comunitária, de utilização da família, aldeia ou comunidade; 2) propriedade dividida, fragmentada, como nos direitos reais durante o feudalismo; 3) propriedade individualista, na forma absoluta do direito romano clássico e do Código Civil de Napoleão de 1804, e; 4) propriedade coletiva pertencente a um grande grupo, geralmente o Estado, como na extinta União Soviética.

Porém, apesar desta identificação, nunca houve uma separação absoluta na existência das espécies apresentadas, sendo que elas se encontram simultaneamente na história, havendo a prevalência de alguma delas em determinadas épocas. Afirmar a existência isolada de determinada forma de propriedade num certo período da história é um grave equívoco.

Assim é que, antes do surgimento das primeiras cidades, houve certa predominância da propriedade comunitária, pertencente às famílias e aos clãs, também muito presente entre os povos germanos. Já o feudalismo medieval foi marcado pela fragmentação da propriedade, onde os proprietários cediam terras aos vassalos para a exploração, em troca de uma contraprestação. Porém, houve uma mútua existência com domínios comuns nas aldeias. E, em ambos os momentos, sempre houve propriedades estritamente particulares.

A Revolução Francesa trouxe de volta o predomínio da propriedade individualista como um direito absoluto inerente à natureza humana, mas possibilitando, simultaneamente grandes propriedades aos monarcas e à Igreja. Finalmente, o regime socialista instaurado na União Soviética foi fortemente caracterizado pelas grandes propriedades coletivas, estatais, mas sob a alegação de pertencentes ao povo, também coexistindo com propriedades individuais e familiares.

O que predomina na atualidade é a existência do um direito de propriedade equilibrado sobre o princípio da propriedade como direito individual, e regrado pelo princípio da função social, que delimita seu uso e condiciona sua existência, de forma a atender simultaneamente o interesse coletivo.

1.1.1. Direito germânico antigo

Povos germanos é a denominação atribuída às diversas culturas que habitaram as regiões norte da atual Alemanha e sul da península escandinava, como os godos, francos, vândalos, suevos, jutos, anglos, saxões, além de muitos outros. Eram todos tratados pelos romanos como bárbaros, e viviam à margem das fronteiras do Império Romano. Organizavam-se socialmente em comunidades tribais ou clãs, sem a constituição de Estados ou cidades.

Tais povos não utilizavam normas jurídicas escritas, e as relações sociais eram reguladas pelo direito consuetudinário, costumeiro, passado de geração a geração. Por isso, muito mal se conhece sobre a evolução do direito da propriedade entre os povos germanos. No entanto, sabe-se que possuíam uma noção bastante clara em relação à propriedade mobiliária individual, a qual abrangia objetos pessoais como vestuário e armas, constituindo o patrimônio individual da pessoa.

Em relação à propriedade imobiliária, ao contrário, não havia a possibilidade de apropriação individual, quando muito se feita pela comunidade. As terras pertenciam a toda a tribo ou clã, e seus membros tinham o direito de usufruir determinadas áreas. Apenas a casa e a cabana eram consideradas propriedade familiar, juntamente com os utensílios domésticos, sendo essa a noção que mais se aproximava ao direito individual, mas, ainda assim, sem a possibilidade de efetiva apropriação individual por parte de qualquer dos familiares.

As demais terras, florestas, pastos e águas pertenciam a todo o clã, sem que alguém possuísse superfícies certas e delimitadas. Existia, ainda, um direito sucessório através do qual as terras dos antepassados eram transmitidas causa mortis em favor de parentes.

Esse sistema familiar germânico deixou profundas marcas durante a Idade Média, as quais subsistiram até a época atual. As noções de inalienabilidade da propriedade rural familiar remontam àquela fase. Nos campos, esse sistema durou até a Revolução Francesa, tendo sido suprimido de fato muito antes nas cidades medievais europeias.

1.1.2. Grécia antiga

Embora não fossem grandes juristas, o sistema jurídico grego foi um forte influenciador dos ordenamentos jurídicos da Europa Ocidental, graças aos seus grandes pensadores políticos e filosóficos, que iniciaram a elaboração de uma ciência política. O Direito é absolutamente baseado nas premissas mínimas de justiça estabelecidas pelos grandes filósofos gregos, como Platão e Aristóteles.

Apesar da dificuldade em se encontrar fontes escritas, é perfeitamente possível afirmar que os povos gregos antigos já possuíam uma clara noção de propriedade privada. O direito privado grego mais bem conhecido é o de Atenas e o de Esparta. Basicamente, pode-se afirmar que havia um grande individualismo, podendo o proprietário livremente dispor de seus bens com um mero contrato, produzindo efeitos entre as partes, mas com a publicação do ato para a proteção de terceiros.

Eterno perseguidor do idealismo, Platão, em A República, defendia a propriedade privada, mas com a condição de que tal direito não resultasse em sensíveis desigualdades sociais. Ensinava que para cada cidadão somente seria dado um pedaço de solo, transmissível a um só herdeiro, e a existência de uma propriedade comum dos cidadãos sobre terras, bens, mulheres e crianças, rompendo assim com o tradicional princípio da propriedade privada.

Por sua vez, em A Política, Aristóteles, de forma mais realista, apoia a propriedade privada com menos restrições do que Platão, voltando-se contra as propriedades comuns por este idealizadas, enfatizando o caráter pessoal do exercício do direito. Ao mesmo tempo em que tratava a propriedade como uma condição essencial à vida do homem, Aristóteles já enunciava os ideais da função social da propriedade privada, tendo em vista o interesse comum.

No entanto, as principais contribuições jurídicas dos povos gregos chegaram até a atualidade graças à influência que exerceram sobre o povo romano. Por não possuírem grandes leis ou obras de direito escritas, remeteu-se aos romanos a tarefa de exprimir as regras jurídicas daqueles.

1.1.3. Direito romano

O povo romano não possuía uma conceituação precisa sobre propriedade. Nos primeiros séculos de Roma, pode-se afirmar que a propriedade privada restringia-se ao lar, às terras que a circundavam, e aos altares e sepulturas religiosos.

O direito privado dos romanos é inicialmente caracterizado pela propriedade se apresentando como o mais absoluto dos direitos, impossibilitado de sofrer limitações ou restrições. O titular possuía o direito de utilizar sua propriedade como quisesse, podendo gozar, receber os seus frutos, ou dela dispor livremente. As ideias de propriedades comuns não eram conhecidas.

A propriedade era constituída de três faces: jus utendi (poder de utilizar a coisa), jus fruendi (poder de percepção dos frutos) e jus abutendi (poder de consumir ou alienar a coisa).

A propriedade entre os romanos possuía, ainda, grande vinculação com a religião, estando ambos os institutos intimamente ligados. A religiosidade era basicamente doméstica, e consistia no culto aos antepassados, os quais eram tratados como verdadeiros ícones religiosos, muito próximos a deuses. Os altares e sepulturas eram propriedades sacras da família, e as noções de domínio eram balizadas pelas posses que exprimissem a religiosidade familiar.

O advento da Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum) trouxe significante evolução no direito público e privado. A propriedade passou a sofrer limitação no seu uso, em especial quanto aos imóveis, no interesse do direito público e do direito de vizinhança. Também, não bastava o contrato de compra e venda para a transmissão de bens importantes, sendo exigível também um ato real de apropriação da coisa. Ainda, a norma previa a possibilidade de usucapião.

Com devida regulamentação e novas restrições, foi firmado o entendimento de que o domínio é o direito de usar, fruir e dispor do que é seu, desde que dentro das razões permitidas pelo direito (dominium est jus utendi fruendi et abutendi re sua quatenus juris ratio patitur). É possível afirmar que nesse momento histórico se configura um início do tratamento jurídico da propriedade considerando sua função social.

Conforme ensina Rolim (2003), na Roma antiga havia as propriedades quiritárias, pertencentes aos cidadãos romanos, também conhecidos como quirites. Essa forma de propriedade só poderia incidir sobre as coisas romanas, a cidade de Roma inicialmente, depois abrangendo toda a Itália. Somente no Alto Império, período entre os séculos I a.C e III d.C., foram reconhecidas propriedades inferiores, como as dos peregrinos que se instalaram em Roma, assim como as dos romanos que possuíam terras no exterior, chamadas de propriedades provinciais.

O Baixo Império, período que vai do séc. III ao V d.C., foi caracterizado pelo progressivo desaparecimento dessas distinções, para prevalecer somente a propriedade quiritária. Sobre essa concepção seria construída toda a base da teoria moderna da propriedade individualista, devido à verificação de uma efetiva unificação do conceito de propriedade. Mas foi nesse período onde também se concebeu o desmembramento da propriedade em direitos reais como a enfiteuse, o colonato e a superfície.

O direito de propriedade sofreu diversas modificações nas diversas fases do direito, sempre se adaptando às constantes alterações sócio-políticas-econômicas ocorridas durante a história do povo romano. (ROLIM, 2003, p. 185)

Ao fim do Império Romano o direito privado imobiliário foi marcado por uma forte concepção individualista, mas possibilitando, no plano fático, uma efetiva revolução jurídica ao permitir a existência de uma série de direitos reais àqueles que eram somente possuidores ou detentores.

1.1.4. A propriedade feudal

A Idade Média na Europa é o período marcado pela transformação das sociedades primitivas, que se fundiram, acarretando no surgimento das monarquias feudais. A época ficou caracterizada também pela fragmentação da propriedade, que acabou sendo dividida entre os nobres senhores feudais, com a exclusão de quase todas as demais classes. Esse fato determinaria, também, a divisão política do poder, impossibilitando a centralização inerente às monarquias.

Durante o período feudal nobres recebiam grandes porções de terras dos monarcas, passando a exercer sobre elas e sobre os vassalos os poderes administrativos e judiciários, basicamente apropriando-se das funções públicas estatais. Assim, os nobres se tornavam soberanos em relação às suas propriedades e àqueles que nelas viviam. Estes, por sua vez, eram obrigados a pagar pesadas taxas por viver e trabalhar nas terras dos senhores feudais.

Para a grande maioria da população não era possível falar-se em liberdade, já que os servos não possuíam posses significativas e ainda deviam estrita obediência aos nobres. O regime social existente era insustentável e tinha fim certo, a ser marcado pela Revolução Francesa de 1789.

1.1.5. Direito monárquico francês

O sistema da propriedade imobiliária na monarquia francesa foi o resultado da junção dos sistemas germânico e romano. Dos germanos, resgataram a sucessão dos bens dos antepassados. Ainda, da solidariedade tribal germânica resultou a propriedade comum das aldeias francesas, onde seus habitantes usufruíam, conjuntamente, dos bens que atendiam às necessidades coletivas.

Até então, vigorava na Europa o regime do mais forte sobre o mais fraco, no qual o senhor feudal era detentor absoluto de poderes sobre seus vassalos, não sendo propiciado a estes as mais básicas garantias. As propriedades tinham como donos, essencialmente, ou os senhores feudais, ou as entidades religiosas.

O grande marco que revolucionou o tratamento dispensado ao direito de propriedade foi dado na Assembleia Constituinte de 1789, onde se buscou suprimir todo o sistema existente no regime feudalista. Iniciou-se aí um verdadeiro processo de libertação do solo, buscando-se a extinção de todo o regramento típico do sistema feudal.

A propriedade, considerada como um "direito natural", "um direito inviolável sagrado" pela Declaração dos Direitos do Homem de 1789, é um direito absoluto, exclusivo, quase ilimitado; o proprietário dispõe livremente dos seus bens. (GILISSEN, 2001, p. 646)

Em 1804 foi promulgado pelo Imperador francês Napoleão Bonaparte o Code Civil des Français, também conhecido como Código Civil Napoleônico. Apesar de não ter sido o primeiro código a ser estabelecido na Europa, certamente foi a mais influente de todas as codificações legais.

Suas regras individualistas de direito civil inspiraram uma série de normas até hoje vigentes, e que consagrariam a propriedade com características eminentemente privadas, consagrando-a como um direito absoluto, de forma a romper totalmente com o sistema feudalista.

1.1.6. Direito socialista na União Soviética

O exagerado individualismo advindo com a Revolução Francesa foi amplamente atacado pelas doutrinas socialistas a partir da metade do século XIX, tendo como marco o Manifesto Comunista, publicado em 1948, pelos filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels.

A Revolução Russa de 1917, um dos fatos isolados que maior impacto causou no mundo moderno, também teve forte influência dos ideais de Marx e Engels. Os filósofos alemães defendiam a abolição do modelo de propriedade privada da burguesia, considerando-a como fonte natural e histórica de injustiças sociais. Não se pretendia suprimir toda e qualquer forma de propriedade, mas apenas a dos meios de produção, já que aquela propriedade pessoal, fruto do trabalho próprio, era fruto do mérito do trabalhador, e com ele deveria permanecer.

Com o fim da revolução, uma das primeiras medidas tomadas por Lênin ao assumir o poder na Rússia foi criar um decreto sobre a posse das terras, com a supressão definitiva de todos os grandes latifúndios, sem direito a qualquer tipo de indenização aos proprietários, passando-as para as mãos dos camponeses. Aboliram-se também todos os arrendamentos e servidões. Logo após, fora instalada a Nova Política Econômica, atenuando um pouco os excessos iniciais cometidos no processo de estatização das terras, mas ainda com pesadas restrições aos cidadãos.

Em 1929 teve início um processo forçado de coletivização da agricultura, com a transformação das pequenas propriedades rurais em grandes terras do Estado e em fazendas coletivas, e com a eliminação dos camponeses ricos.

Após sucessivos fracassos, a Constituição de 1936 dividiu a propriedade em dois grandes grupos: a propriedade do Estado e a propriedade pessoal. Esta última resumia-se à casa de habitação, um pequeno terreno adjacente, alguns poucos animais domésticos, e utensílios de menor importância.

A propriedade pessoal abrangia somente o fruto do trabalho próprio e da poupança. Tudo o que estivesse fora de uma dessas duas situações era considerada propriedade social, do Estado e, em última análise, de todo o povo.

1.2. Função social da propriedade

Sempre existiu na história uma preocupação com o tratamento social a ser dispensado à propriedade. Uma das primeiras e mais importantes contribuições aos estudos da propriedade foi dada por Aristóteles, por volta do ano de 300 a.C. Em A Política, o filósofo grego já enfrentava questões importantes como a vinculação da propriedade privada a uma destinação social.

A obra de Aristóteles é fortemente caracterizada pelas noções de supremacia do interesse público sobre o privado e de respeito ao bem comum. Ao mesmo tempo em que a propriedade é da essência do homem, o uso que este dela deve fazer é condicionado ao interesse coletivo.

No século XIII, o filósofo e teólogo italiano Tomás de Aquino, também considerado santo pela Igreja Católica, trouxe importantes contribuições para a formação da noção de função social da propriedade, ao aperfeiçoar os pensamentos de justiça e ética política ensinados por Aristóteles. Sua disciplina política introduzia a noção do bem comum como limite à propriedade, sendo esta um direito natural de apossamento de bens na luta do homem pela sobrevivência.

Os crescentes conflitos por terras durante a Idade Média acarretaram no aparecimento obras criticando a problemática social da propriedade. Em 1516, Thomas More afirma que o abuso da propriedade privada no campo econômico é um dos granes males da sociedade inglesa, e que os grandes proprietários são alguns dos culpados pelo terrível quadro social da Inglaterra do século XVI. Assim, conclui que as noções de propriedades privadas deveriam ser abolidas para garantir a justiça e a paz social.

O que se seguiu, no entanto, fora o surgimento e a consolidação de uma classe burguesa, formada através do desenvolvimento de atividades econômicas e comerciais, com a consequente transferência de todas as propriedades ao domínio do monarca. Este, por sua vez, com a finalidade precípua de aumentar a arrecadação estatal, passou a impor pesados tributos à população, forçando de maneira inevitável a quebra do regime então vigente.

Foi assim que, em 1789, ocorreu a Revolução Francesa, cuja expressão maior fora a Declaração Universal dos Direitos do Homem. O texto, ao mesmo tempo em que assegura o direito do homem à propriedade, também prevê a possibilidade de sua privação em razão da necessidade pública.

Os representantes do Povo Francês constituídos em Assembléia Nacional, considerando, que a ignorância o olvido e o menosprezo aos Direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolvem expor uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis, imprescritíveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente a todos os membros do corpo social, permaneça constantemente atenta a seus direitos e deveres, a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo possam ser a cada momento comparados com o objetivo de toda instituição política e no intuito de serem pôr ela respeitados; para que as reclamações dos cidadãos fundamentais daqui pôr diante em princípios simples e incontestáveis, venham a manter sempre a Constituição e o bem-estar de todos.

Em conseqüência, a Assembléia Nacional reconhece e declara em presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

.............................................................................

XVII. Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente reconhecida, o exige evidentemente e sob a condição de uma justa e anterior indenização.

A difusão do termo função social da propriedade é atribuída a Léon Duguit, especialista em direito público. Para o jurista francês, todo cidadão tem como obrigação na sociedade cumprir uma função no lugar que ocupa, sendo somente justificável o enriquecimento pela exploração do solo se, simultaneamente, for dado cumprimento a essa função social. O proprietário tem o dever de satisfazer as necessidades sociais, assim como o tem em relação às suas satisfações pessoais.

Mas a propriedade também foi combatida por muitos. O filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon, considerado por muitos como socialista, trouxe grandes contribuições para a elaboração do ramo do direito econômico. Em sua obra Qu''est-ce que la propriété?, ("O que é a propriedade?"), afirma o autor, radicalmente, que a propriedade é um roubo, e que, por assim afirmar, os proprietários lhe desejariam mal de morte.

Também de fundamental importância, o Código Civil português de 1867 é um marco jurídico mundial, que inovou substancialmente quanto às demais codificações, as quais não disciplinavam a função social da propriedade. Porém, o texto consagrava expressamente a função social do direito real e não da propriedade.

Na América, a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, de 5 de fevereiro de 1917, é considerada por muitos uma das constituições históricas mais significativas e bem elaboradas de todos os tempos. Em seus extensos artigos, a Carta mexicana disciplina todo o tratamento a ser dado ao direito de propriedade, tratando das terras públicas e do solo privado, e dos cuidados ao meio ambiente.

O texto faz, ainda, menção expressa à regulamentação da propriedade particular em benefício social e do interesse público.

Artículo 27. La propiedad de las tierras y aguas comprendidas dentro de los límites del território nacional, corresponden originariamente a la Nación, la cual ha tenido y tiene el derecho de trasmitir el dominio de ellas a los particulares, constituyendo la propiedad privada.

Las expropiaciones sólo podrán hacerse por causa de utilidad pública y mediante indemnización.

La Nación tendrá en todo tiempo el derecho de imponer a la propiedad privada las modalidades que dicte el interés público, así como el de regular, en beneficio social, el aprovechamiento de los elementos naturales susceptibles de apropiación, con objeto de hacer una distribución equitativa de la riqueza pública, cuidar de su conservación, lograr el desarrollo equilibrado del país y e mejoramiento de las condiciones de vida de la población rural y urbana.

Na União Soviética, em janeiro de 1918, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, realizou-se em Moscou o III Congresso Pan-Russo dos Sovietes, de Deputados Operários, Soldados e Camponeses. O congresso teve como resultado a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, contendo diversos ideais comunistas inspirados pelas teorias idealizadas por Marx e Engels, com a abolição da propriedade privada e sua transferência ao Estado, como mecanismo de realização de sua função social.

1º. A fim de se realizar a socialização da terra, é abolida a propriedade privada da terra; todas as terras passam a ser propriedade nacional e são entregues aos trabalhadores sem qualquer espécie de resgate, na base de uma repartição igualitária em usufruto.

As florestas, o subsolo e as águas que tenham importância nacional, todo o gado e todas as alfaias, assim como todos os domínios e todas as empresas agrícolas-modelos passam a ser propriedade nacional.

Em 11 de agosto de 1919, foi promulgada a Constituição social-democrática de Weimar, da Alemanha, que também exerceu importante papel na socialização da propriedade. O artigo 153 da norma alemã garantia a propriedade, mas habilitava a lei para delimitar o seu conteúdo, a fim de determinar que a propriedade obriga e que seu uso e exercício devem representar uma função social em benefício da comunidade. A expressão a propriedade obriga se tornou mundialmente conhecida dentre os estudiosos do direito civil e da propriedade.

Finalmente, importante citar a Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII, de 1961, estabelecendo que a propriedade, ao mesmo tempo em que é um direito natural, também deve obediência no seu exercício à função social, tanto em proveito do titular, mas também em benefício de toda a coletividade. A carta do papa foi dedicada à questão social à luz da doutrina da Igreja Católica.

1.3. Evolução do conceito no ordenamento jurídico brasileiro

Antes do século XVI, predominava de forma absoluta o regime de propriedade familiar típico das tribos indígenas. Havia uma relação sagrada entre os índios e as terras por eles ocupadas, que lhes proporcionavam habitação e sustento, assim como morada aos entes falecidos.

Da chegada dos portugueses em 1500, até a declaração de independência por Dom Pedro I em 1822, o Brasil viveu sob o manto jurídico de Portugal, aplicando-se aqui as Ordenações que lá vigiam.

Em 1532 o rei D. João III decidiu empregar no Brasil o sistema de Capitanias Hereditárias, dividindo o território em quinze lotes. Devido à extensão dos lotes, e a outros fatores, o sistema fracassou rapidamente, dando lugar então ao sistema de sesmarias. Estas, por sua vez, eram porções de terras inicialmente concedidas pelos donatários das capitanias, vigorando até 1821.

Pelo novo sistema, a concessão ficava condicionada ao aproveitamento econômico e útil do solo, o que nem sempre era atingido. Ainda, as sesmarias deram início à problemática dos grandes latifúndios, até hoje existente.

O Brasil passou quase trinta anos sem possuir normas específicas que regulamentassem as terras até que, em 1850, introduziu-se o sistema de posses com a assinatura da Lei de Terras. Pela nova lei, toda terra não utilizada ou ocupada deveria voltar para o Estado, passando a ser propriedade pública. Esse sistema de regularização de posses pode ser considerado como um marco inicial no Brasil, como um antecedente histórico do início da doutrina da função social da propriedade, já que condicionava o exercício do direito à efetiva utilização da terra.

Desde 1822, com a declaração da independência do Brasil, sempre foi acolhido em nosso ordenamento jurídico o direito constitucional à propriedade. Caracterizado inicialmente pelo seu caráter eminentemente privado, em toda a sua plenitude, nos termos da Constituição do Império, o exercício do direito de propriedade foi aos poucos sendo mitigado pelo interesse público.

No decorrer século XX passou-se a estabelecer a nível constitucional o interesse público ou coletivo como limite à utilização da propriedade priva, até o avanço final com a previsão do princípio da sua função social, o qual delinearia todo o atual regramento jurídico desse direito. Uma vez expressas, as normas constitucionais determinariam a regulamentação adequada dos institutos através de leis e decretos, de forma a possibilitar sua efetiva aplicação.

1.3.1. A Constituição Monárquica de 1822

A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, assegurava o direito de propriedade ao mesmo tempo em que previa a possibilidade de utilização da propriedade do particular em benefício da coletividade, mediante indenização prévia quando houvesse interesse público.

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

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XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. [02]

Interessante notar que, ao contrário das modernas constituições, nas quais os direitos e garantias dos cidadãos vêm logo no início da redação, a Constituição Imperial arrolava-os ao final do texto, após toda as regras de organização do Estado e dos Poderes e, ainda, nesse caso específico do direito à propriedade, mais precisamente no último artigo da Carta.

O dispositivo constitucional fora regulamentado pela Lei de 9 de setembro de 1826, seguida pela Lei 57, de 18 de março de 1836 e o Decreto 353, de 12 de julho de 1845. A regulamentação previa uma distinção entre os casos de necessidade pública e utilidade pública, listando as hipóteses de ocorrência de cada um dos casos, fixando também o regime jurídico ao qual estariam submetidos.

1.3.2. Direito de propriedade nas Constituições Republicanas

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, a primeira elaborada após a Proclamação de República em 15 de novembro de 1889, manteve o tratamento do direito de propriedade dispensado pela Carta anterior, apenas alterando a redação do texto.

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

.............................................................................

§ 17. O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

Em 1916 foi editado o Código Civil Brasileiro (Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916), que vigoraria até o ano de 2002. O antigo código civil regulava inteiramente o exercício do direito de propriedade e, em seu artigo 590, previa a possibilidade de sua perda mediante desapropriação por necessidade ou utilidade pública, arrolando suas hipóteses de ocorrência.

No entanto, não havia previsão da expropriação como forma de aquisição da propriedade, e isso por tratar-se de instituto eminentemente de direito público, matéria fora da seara do Código Civil de 1916. Porém, o Código já possuía disposições que demonstravam uma certa proteção ao interesse público.

Sob forte influência da Constituição de Weimar de 1919, da Alemanha, em 1934 foi promulgada uma nova Constituição Federal que, apesar dos inúmeros avanços, estava fadada a ser meramente transitória, até o advento do Estado Novo. Em relação ao direito de propriedade, a Carta também trouxe significativos avanços.

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

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17. É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

Pela primeira vez na história do Brasil previu-se expressamente o interesse social ou coletivo como limite ao exercício do direito de propriedade. Ainda, foi previsto para os casos de desapropriação não só uma indenização prévia, mas também justa. A possibilidade de requisições administrativas de bens em situações excepcionais também encontrava limite no interesse público.

Em novembro de 1937 veio o golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas, e com ele a imposição de nova Carta Constitucional. Inspirada na autoritária Constituição da Polônia, o novo texto outorgado foi apelidado de A Polaca, marcando um grave retrocesso para o País.

A redução das funções dos Poderes Legislativo e Judiciário, o federalismo nominal e a concentração dos poderes políticos nas mãos do Poder Executivo, que passara a ser a autoridade suprema do Estado, foram apenas alguns dos inúmeros retrocessos estabelecidos com a nova ordem constitucional.

Esse atraso também seria sentido no novo texto relativo ao exercício do direito de propriedade, com significativa redução das disposições em relação à Constituição de anterior.

Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

............................................................................

14. O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício;

Ocorre que foi sob a luz da Polaca que se editou o Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941, um dos principais textos legais sobre desapropriações, e que continua vigente até hoje, após diversas alterações. O avanço foi relativo, pois muitas das disposições legais eram puro reflexo do sistema ditatorial então vigente. Ainda, não houve ambiente político para regulamentar a possibilidade de desapropriação por interesse social.

Em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se no País um processo de redemocratização, que culminaria com a edição da Constituição de 1946, novamente fruto de uma Assembleia Nacional Constituinte, convocada após o afastamento de Getúlio Vargas do poder. Claramente influenciada pelo sistema socialista então vigente na União Soviética, a Carta passou a dedicar capítulos específicos aos direitos sociais e à ordem social.

O novo texto constitucional, em relação à propriedade, retoma a ideia da Carta de 1934, com alguns aperfeiçoamentos. A grande inovação foi possibilitar a desapropriação da propriedade particular por razões de interesse social, hipótese nunca antes contemplada, além de previsão da indenização em dinheiro.

Art 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

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§ 16. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.

Porém, a Carta Maior foi além, quando bem somou o bem-estar social ao interesse social como forma de limitação ao exercício do direito de propriedade pelos particulares.

Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.

O aperfeiçoamento do sistema jurídico nacional sobre propriedades veio com a edição da Lei 4.132, de 10 de setembro de 1962, tratando especificamente dos casos de desapropriação por interesse social, fazendo menção expressa, em seu artigo 1º, à referida norma constitucional do artigo 147.

Originalmente, o artigo 147 não possuía parágrafos. Mas a Emenda Constitucional 10, de 9 de novembro de 1964 alterou a redação do dispositivo, acrescentando seis parágrafos para instituir a desapropriação para fins de reforma agrária, abrangendo apenas propriedades rurais, e estabelecendo uma exceção ao sistema indenizatório. O parágrafo primeiro do referido artigo previa indenização mediante títulos especiais da dívida pública resgatáveis em até vinte anos ou compensáveis com o Imposto Territorial Rural, a qualquer tempo.

Foi então que, em 1964, um golpe militar retirou do poder o então Presidente da República, João Goulart. Em 1967, um Congresso Nacional despido de poderes constituintes praticamente outorgou uma nova Carta Constitucional.

Apesar do grave e trágico momento histórico, a Constituição de 1967 modificou substancialmente o tratamento dispensando ao direito de propriedade, já que pela primeira vez se fez referência ao princípio da função social da propriedade. Os institutos da desapropriação e da requisição foram basicamente mantidos em relação à Carta anterior. O grande avanço foi dado quando o legislador constituinte tratou da ordem econômica.

Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

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III – função social da propriedade;

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§ 1º. Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover a desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da divida pública, com cláusula de exata correção monetária, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinqüenta por cento do imposto territorial rural e como pagamento do preço de terras públicas.

Logo após, em 1969, adveio um dos mais duros golpes à democracia, o famigerado Ato Institucional nº 5, praticamente repetindo os dispositivos da Constituição de 1967.

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

............................................................................

§ 22. É assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 161, facultando-se ao expropriado aceitar o pagamento em título da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior.

............................................................................

§ 34. A lei disporá sobre a aquisição da propriedade rural por brasileiro ou estrangeiro residente no País, assim como por pessoa natural ou jurídica, estabelecendo condições, restrições, limitações e demais exigências, para a defesa da integridade do território, a segurança do Estado e a justa distribuição da propriedade.

Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:

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III – função social da propriedade.

Enquanto em 1946 a Constituição se referia ao bem-estar social como condicionante da propriedade privada, a nova ordem ditatorial constitucional passou a exigir desta uma função social. A distinção é bastante significativa, já que o exercício do direito de propriedade passou a ser amparado somente enquanto no cumprimento da sua função social. Condiciona-se tanto o uso como também a propriedade privada em si mesma.

Apesar das fortes e inovadoras disposições, infelizmente não houve qualquer possibilidade de aplicação efetiva dos institutos. Tratava-se de um regime militar bastante severo e autoritário, marcado pelo cerceamento de quase todas as liberdades democráticas, por sistemáticas perseguições políticas, além de práticas de torturas, assassinatos e exílios políticos.

Após quase vinte anos de ditadura, diversos segmentos da sociedade brasileira iniciaram uma forte mobilização nacional para derrubar o regime militar e estabelecer uma nova ordem constitucional, com a possibilidade de realização de eleições diretas.

Foi assim que, em 27 de novembro de 1985, a Emenda Constitucional 26 convocou a Assembleia Nacional Constituinte para restabelecer a democracia e o estado de direito no Brasil.

1.3.3. A Constituição Federal de 1988

A "Constituição Cidadã", na expressão utilizada por Ulysses Guimarães, líder do processo de redemocratização e presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, é marcada por expressiva conotação garantista e social. A Carta reservou um capítulo inteiro à disciplina da ordem social, dentro do título dos direitos e garantias fundamentais, e introduziu profundas alterações no regramento da propriedade.

Seu artigo 5º disciplina as garantias e deveres individuais e coletivos, tratando amplamente do direito de propriedade e suas restrições, repetindo as ideias centrais da anterior, porém com significativos avanços. Dentre eles, a impenhorabilidade da pequena propriedade rural trabalhada pela família pelas dívidas decorrentes de sua exploração.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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XXII – é garantido o direito de propriedade;

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nessa Constituição;

XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.

Estabelece-se, assim, que toda propriedade, independentemente de quem seja seu proprietário, estará obrigada ao atendimento das exigências legais para que sua fruição atenda não só aos interesses particulares de seu titular, mas também às expectativas e necessidades de toda a coletividade.

Quanto à ordem econômica, a Constituição adiciona a propriedade privada como princípio para assegurar uma existência digna conforme as regras de justiça social. Ainda, são dedicados capítulos específicos para as políticas urbana, agrícola, fundiária e de reforma agrária, com uma extensa e minuciosa disciplina de aplicação do princípio da função social da propriedade.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

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II – propriedade privada;

III – função social da propriedade

As intenções sociais da Carta em relação à propriedade continuam, e são repetidas no capítulo destinado à política urbana, estabelecendo não só a função social cidade, como também definindo quando a propriedade cumpre com sua função social e, ainda, relacionando as sanções aplicáveis aos proprietários que a descumprirem.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

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§ 2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

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§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

O plano diretor é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, sendo o instrumento básico e essencial para a política de desenvolvimento e expansão urbana. Obrigatoriamente, conterá as exigências fundamentais de ordenação da cidade que a propriedade urbana deverá atender para cumprir sua função social e, facultativamente, a definição das áreas onde poderá ser exigido o adequado aproveitamento do solo urbano não edificado, sub-utilizado ou não utilizado.

O capítulo sobre a política agrícola e fundiária e da reforma agrária também reforça a importância do cumprimento da função social da propriedade. No entanto, aqui, a norma é voltada mais para a União do que para os Municípios, já que àquele ente é o competente para a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Evidente, assim, a importância dada à propriedade pela Constituição Federal de 1988, em especial à urbana, quanto à questão do cumprimento de sua função social. No entanto, para sua efetivação, exigiu-se a devida regulamentação através da legislação infraconstitucional, que viria através do Estatuto da Cidade.

1.4. Codificação civil

Em toda a história do ordenamento jurídico nacional somente dois Códigos Civis foram editados, um em 1916, e outro em 2002. Pode-se afirmar que quatro codificações civis foram anteriormente tentadas, sem sucesso: os projetos de Teixeira de Freitas em 1859, de Nabuco de Araújo em 1872, de Felício dos Santos 1881, todos durante o Brasil Império, e o de Coelho Rodrigues em 1893, já sob o manto da República.

Antes disso, enquanto colônia de Portugal, vigia no Brasil as Ordenações portuguesas, que recebiam o nome dos Imperados responsáveis pelas compilações: Ordenações Afonsinas (1446-1521), Ordenações Manuelinas (1521-1603) e Ordenações Filipinas (1603-1867). Salvo em relação às Filipinas, não há exatidão na doutrina quanto aos termos inicias e finais das demais.

O anseio por uma legislação própria fez com que fosse editada a Lei de 20 de outubro de 1823. A norma ordenou que passasse então a vigorar em todo o território nacional as Ordenações e decretos de Portugal enquanto não houvesse a elaboração de um código nacional próprio.

O Código Civil de 1916 viria a revogar a aplicação das Ordenações Filipinas, instaurando um marco jurídico no ordenamento nacional. Era inspirado no momento histórico de sua publicação, marcado pelo liberalismo econômico e político, mas com certa conotação social.

No início do século XXI foi promulgado o novo Código Civil, em conformidade com o ordenamento constitucional estabelecido em 1988, integrando parte do direito comercial sob a denominação de direito empresarial, revogando tanto o Código anterior, como a Parte Primeira do Código Comercial de 1850.

1.4.1. O Código Civil 1916

O primeiro Código Civil brasileiro foi aprovado em 1916, entrando em vigência em 1º de janeiro de 1917. De autoria do renomado jurista Clóvis Beviláqua, a Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, foi recebida pela crítica nacional e estrangeira como um modelo de clareza, precisão e apurada técnica jurídica.

Trata-se, inquestionavelmente, de um Código rigorosamente científico, cujo aparecimento foi saudado com os maiores louvores. (MONTEIRO, 1997, p. 50).

Passava então a ser o único texto jurídico sobre direito civil em vigor, já que o seu artigo 1.807 revogara todas as "Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código".

Apesar do caráter predominante privado, algumas normas já apontavam a existência de um interesse público como condicionante do uso da propriedade.

Art. 572. O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

No entanto, alguns apontamentos esparsos no texto eram insuficientes para garantir o efetivo cumprimento da função social da propriedade urbana. A partir da previsão constitucional do princípio da função social da propriedade estabelecido em 1967, o Código de Beviláqua passou a exigir uma efetiva modernização de seu conteúdo.

1.4.2. A Constitucionalização do direito civil com o Código de 2002

A Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 instituiu o novo Código Civil, o qual teve como coordenador do projeto o já falecido jurista Miguel Reale, responsável pela codificação. Sua origem, no entanto, remonta à década de 1970, logo após as Constituições de 1967 e 1969, influenciadas pelas mutações sociais que afetavam toda a ordem jurídica mundial.

Atentos a essas modificações, juristas de grande renome nacional como Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sílvio Marcondes, Eberti Chamoum, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, publicaram no dia 7 de agosto de 1972 no Diário Oficial, o anteprojeto do novo Código Civil, que viria a ser aprovado somente vinte anos depois, no início de 2002.

O anteprojeto já traçava profundas alterações na sistemática do direito da propriedade. Os ideais do liberalismo e do individualismo predominante no Código então vigente, influenciado pelo civilismo francês, cederia lugar aos novos ideais sociológicos e ao crescente sentimento coletivo que impregnava os estudiosos do direito.

No entanto, o projeto somente foi aprovado na Câmara dos Deputados nos idos de 1984, após uma série de complexos estudos e debates que acarretaram mais de mil emendas. As profundas turbulências políticas pelas quais o País passou atrasaram ainda mais a tramitação do projeto, vindo o Senado Federal a aprová-lo somente ao final do ano de 1997.

Apesar da expressão comumente utilizada da Constitucionalização do Código Civil de 2002, o que na verdade ocorreu foi uma confirmação pela Carta Constitucional das normas já estabelecidas no projeto do novo Código Civil. Em termos de direito de propriedade, muito pouco se inovou em relação ao projeto, ressalvado a disciplina das águas que, para muitos, não foi recepcionada pela nova ordem constitucional.

A constitucionalização do direito civil significa um processo de elevação de seus princípios ao plano constitucional, submetendo normas que são ordinariamente privadas à obediência da Carta Constitucional e de suas diretrizes. Trata-se de uma nova forma de pensar o direito privado tradicional, comumente preso a fórmulas codificadas, onde as regras escritas cedem espaço a princípios abstratos.

Provavelmente, a expressão máxima da constitucionalização do direito civil em relação ao direito de propriedade seja a determinação de sua existência conforme o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A nova ordem elevou o meio ambiente ao patamar máximo de proteção possível, de forma com que todos os demais direitos sejam exercidos sem afrontá-lo. E o novo Código Civil acolhe inteiramente essa disciplina constitucional.

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

O atual Código Civil, no artigo 1.228, § 1º, reafirma a função social da propriedade acolhida no art. 5º, XXII e XXIII e artigo 170, III, todos da Constituição Federal de 1988. Na verdade, o novo Código Civil vai mais além, prevendo ao lado da função social da propriedade a sua função socioambiental com a previsão de proteção da flora, da fauna, da diversidade ecológica, do patrimônio cultural e artístico, da águas e do ar, tudo de acordo com o que prevê o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81). (TARTUCE, 2005)

O Código Civil continua trazendo significativos avanços em relação ao exercício do direito de propriedade, bem como às hipóteses de restrições. O texto, inclusive, vai além do estabelecido expressamente na Constituição Federal e, em conformidade com os princípios constitucionais, estabelece uma forma inovadora de desapropriação por interesse social, mesclando requisitos da usucapião, cujos beneficiários são os próprios cidadãos, prevista no artigo 1.228.

§ 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

Ainda, são previstas outras hipóteses de desapropriação, não como procedimentos específicos, mas em decorrência de determinados fatos, que serão analisadas posteriormente. O Código, finalmente, prevê a desapropriação como uma das formas de perda da propriedade, conforme o estabelecido no inciso V do artigo 1.275.

Inegável a evolução jurídica alcançada pela nova legislação que, atenta à tendência legislativa moderna, adota uma série de conceitos jurídicos indeterminados, porém sem deixar de valorar objetivamente determinados institutos, conceituando-os e delimitando seu alcance.

Na esteira da Constituição Federal de 1988, o moderno direito civil brasileiro cada vez mais impõe restrições ao direito de propriedade, atendendo aos interesses públicos e coletivos maiores, à busca da justiça social e à proteção do bem comum.


CAPÍTULO II

A possibilidade de o Estado, através de ato unilateral, restringir direitos do particular sobre sua propriedade é uma decorrência da própria evolução histórica dos ordenamentos jurídicos. Mesmo no auge do individualismo na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ao mesmo tempo em que assegurava a inviolabilidade da propriedade, também possibilitava ao Estado impor a ela certas restrições administrativas em favor do interesse público.

O fundamento da desapropriação é o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, quando houver incompatibilidade entre eles. Para que seja possível o equilíbrio social, é necessário que direitos e interesses opostos sejam compatibilizados. Ainda, corresponde à idéia do domínio eminente do Estado sobre todos os bens particulares existentes em seu território (BASTOS, 2005, p. 818).

Há ainda a justificativa histórica de que o Estado pode utilizar-se da propriedade particular, dela se apoderando, para a satisfação do interesse de toda a coletividade. Trata-se de um típico ato decorrente da soberania inerente ao Estado, possuidor de diversos outros poderes que exprimem tal característica, como os de instituir e cobrar tributos e o poder de polícia, que também restringe direitos individuais em prol do interesse público.

Existem diversas formas de o Estado intervir na propriedade particular. Destacam-se as limitações administrativas, a ocupação temporária, a requisição administrativa, a servidão administrativa e o tombamento. No entanto, a desapropriação não se confunde com quaisquer delas, tratando-se de forma mais abrupta de expressão do poder estatal de intervenção do domínio econômico do particular.

Limitações administrativas são imposições pelo Estado de caráter geral, feitas de forma unilateral e gratuita. Tais imposições podem assumir uma natureza positiva ou negativa, ou mesmo permissiva. Em que pese respeitável doutrina afirmando a possibilidade de limitações por atos administrativos, como Meirelles (1998), entende-se mais razoável que somente a lei pode obrigar o cidadão a fazer ou a deixar de fazer algo, com fundamento no princípio constitucional da legalidade, estabelecido no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal.

A ocupação temporária encontra seu fundamento no inciso XXV do artigo 5º da Constituição Federal. Doutrinariamente, é a possibilidade de o Estado ocupar-se de prédios particulares transitoriamente, de forma remunerada ou gratuita, por motivos de necessidade ou utilidade pública.

A requisição administrativa também encontra seu fundamento na mesma norma constitucional para a hipótese de casos urgentes e emergenciais, onde o Estado utiliza-se de bens ou serviços de particulares, indenizando-se posteriormente.

Por sua vez, servidões administrativas são restrições com natureza de direito real de gozo impostas somente sobre imóveis particulares em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública. São institutos usualmente utilizados em casos bem definidos como passagens de pessoas, de cabos de energia elétrica e de tubulações de água.

Finalmente, há como limitação administrativa à propriedade privada o tombamento, que tem por objeto a proteção do patrimônio cultural nacional, com previsão no artigo 216, § 1º, da Constituição Federal. Trata-se de uma limitação parcial, que recai sobre os direitos utilização e disposição, de forma permanente, visando resguardar o patrimônio histórico e artístico nacional.

2.2. Desapropriação

Dentre os atos de intervenção estatal na propriedade destaca-se a desapropriação, que é a mais drástica das formas de manifestação do poder de império, ou seja, da Soberania interna do Estado no exercício de seu domínio eminente sobre todos os bens existentes no território nacional. (MEIRELLES, 1998, p. 486-487)

O estudo sobre o instituto da desapropriação envolve a conjugação de diferentes disciplinas jurídicas, como Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Processual Civil, além de questões reflexas de Direito Tributário. É um instituto bastante complexo que abrange, além das disciplinas jurídicas, diversas questões políticas que ficam à margem da legalidade.

Trata-se de uma forma originária de aquisição da propriedade, bastante em si mesma, suficiente para constituir da propriedade. O Poder Público adquire a propriedade particular expropriada sem necessidade de qualquer processo judicial nem vinculação com o título jurídico do antigo proprietário.

Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundando em um interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado. (MELLO, 2005, p. 813)

A desapropriação somente tem razão em existir quando se constata a impossibilidade, no caso concreto, de concordância entre a função social da propriedade com a sua forma individualizada. No momento em que fica demonstrada tal situação, surge para o Estado o poder de intervenção no domínio econômico para retirar a propriedade de seu titular.

Sob o ponto de vista do expropriado, a desapropriação é um instituto que causa absoluta repugnância. A ideia de perder para o Estado um patrimônio que, usualmente, fora construído a duras custas, obviamente não agrada ao cidadão. Afinal, a propriedade é considerada como inerente à condição humana.

Ainda, não existe quem goste de ser obrigado a fazer algo, ainda mais quando isso significar a perda de seu patrimônio, sem que se tenha praticado qualquer ato para tanto. A insatisfação ainda é agravada porque, usualmente, a indenização será injusta, e não representará a perda patrimonial sofrida pelo particular.

Porém, o relevo do instituto para o Poder Público pode ser facilmente notado no texto da Constitucional, que estabelece, dentre as competências privativas da União, a de legislar privativamente sobre desapropriação, isso logo no inciso II, em um total de vinte e nove incisos, sobre os mais diversos institutos.

E isso quer dizer que os Estados-membros, o Distrito Federal, os Municípios e os Territórios não possuem competência para legislar sobre desapropriação, atribuição esse que fica a cargo somente da União. Assim, a legislação federal sobre desapropriação é a única válida para todo o território nacional. Porém, a regra não impede que os entes políticos legislem para estabelecer exigências outras além das previstas na norma federal.

Diferente da competência para legislar é a para a declaração de desapropriação, assim como a para promoção dos atos de desapropriação. Para decretar ou declarar a desapropriação, são competentes as pessoas políticas, todas podendo submeter bens particulares à força expropriatória. Tais entes são chamados de sujeitos ativos da desapropriação.

A competência para a promoção ou execução da desapropriação, cabe, além dos legitimados para a decretação ou declaração, às pessoas jurídicas de direito público da administração indireta, assim como aos particulares que prestam serviços públicos, como os permissionários e concessionários de serviço público. Assim, também os particulares podem promover a expropriação, desde que prestem serviços públicos, não podendo, porém, decretá-la, por tratar-se de poder inerente ao Poder Público.

O Decreto-lei 3.365/41 admite, em seu artigo 3º, que concessionários de serviços públicos e estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas pelo poder público também poderão promover, exigindo-se autorização expressa, mediante lei ou contrato. Aos autorizatários não será permitido desapropriar, uma vez que estes não celebram contrato com a administração pública. Questão controversa será em relação aos permissionários, já que para parte dos juristas não há nesses casos celebração de um contrato, em que pese a legislação federal expressamente estabelecer que as permissões são celebradas mediante contrato de adesão, nos termos do art. 40, de Lei 8.987/95, devendo esta norma prevalecer.

O decreto também estabelece que os bens de todos os entes políticos poderão ser desapropriados pela União, assim como os bens dos Municípios poderão ser desapropriados pelos Estados, desde que haja autorização legislativa prévia para tanto.

Trata de mais uma regra cuja legitimidade é contestada, sob a alegação de não ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Isso, em função do artigo 18 da Carta, ao determinar que a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios são todos autônomos, compreendidos de forma idêntica na organização político-administrativa da República Federativa do Brasil.

No entanto, nem todos na doutrina nacional se posicionam dessa forma. Os defensores do dispositivo alegam que a União deve poder tudo, já que é soberana, exercendo, assim, o domínio iminente sobre qualquer bem situado em seu território. Ademais, alega-se que os interesses da União estariam acima dos demais, em vista do âmbito representativo deste ente federativo, assim como os interesses dos Estados estariam acima daqueles dos Municípios, havendo, portanto, uma hierarquia somente de interesses, e não entre os entes políticos.

Ocorre que a soberania é do Estado Federado, pessoa jurídica de direito internacional, e não da União, que é pessoa jurídica de direito público interno, assim como são os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. Ademais, não há relação de soberania da União em relação aos demais entes, sendo certo que estes não são seus súditos. Não é possível falar, diante da forma federativa adotada pela Constituição Federal, em existência de hierarquia na organização político-administrativa adotada em nosso País.

Em regra, todos os bens podem ser desapropriados, sejam móveis, imóveis ou semoventes, corpóreos ou incorpóreos, privados ou públicos, desde que apresentem algum conteúdo patrimonial. O espaço aéreo e o subsolo também podem ser desapropriados, quando de sua utilização resultar prejuízo patrimonial do proprietário do solo (art. 2º, § 2º, do Decreto-lei 3.365/41). Os direitos, inclusive, são passíveis de desapropriação, desde que tenham valor econômico.

Pessoas jurídicas não são desapropriáveis, mas somente os bens que compõem seu patrimônio, sejam estes os patrimoniais ou os direitos representativos de seu capital.

Na prática, a desapropriação incide essencialmente sobre bens imóveis, sendo muito pequena o percentual de ações movidas em relação a bens móveis ou incorpóreos, ou sobre direitos. Há bens, no entanto, que não podem ser desapropriados, como os direitos personalíssimos, dentre eles o direito à vida, à imagem, à honra, aos alimentos, o direito autoral, além de diversos outros. Tratando-se de desapropriação para reforma agrária, serão insuscetíveis de expropriação as propriedades rurais pequena e média, desde que seu proprietário não possua outra, bem como a propriedade produtiva, conforme estabelece o artigo 185 da Constituição Federal.

No entanto, a pequena e média propriedade rural, mesmo quando única do proprietário, poderá ser desapropriada com fundamento na utilidade ou necessidade públicas, ou no interesse social, o mesmo em se tratando de propriedade produtiva. A vedação constitucional diz respeito somente para os casos de implementação da reforma agrária, e não para as demais hipóteses.

2.2.1. Requisitos

Os requisitos para a desapropriação estão previstos no inciso XXIV do artigo 5º da Constituição Federal. A redação constitucional é bastante precisa ao indicar os requisitos mínimos para desapropriar, visto tratar-se de uma exceção à garantia de propriedade. Mas o dispositivo faz ressalva, possibilitando outras formas de desapropriar, desde que previstas na própria Carta. As outras hipóteses estão previstas nos artigos 182, § 4º, inciso III, e 184, caput, no título destinado à ordem econômica. Ainda, há no artigo 243 uma forma de expropriação sem indenização, que se trata de verdadeiro confisco, justificável pelas condições ali estabelecidas.

Assim, as espécies de desapropriação podem ser divididas em dois grupos: em um, a indenização é prévia, justa e em dinheiro, vindo prevista no artigo 5º da Constituição; noutro, a indenização não é prévia nem feita em dinheiro, mas sim em títulos da dívida pública, e possui caráter sancionatório.

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nessa Constituição;

O requisito primeiro é a existência de interesse público, que virá sob diferentes denominações conforme a espécie de desapropriação. As hipóteses de necessidade pública, utilidade pública e interesse social estão disciplinadas pela legislação infraconstitucional. O Decreto-Lei 3.365/41 dispõe sobre os casos desapropriação por utilidade e necessidade pública, enquanto a desapropriação por interesse social está regulada pela Lei 4.132/62. As hipóteses legais são taxativas, haja vista ser exceções ao direito fundamental de propriedade.

Assim, a desapropriação, para que seja constitucionalmente admitida, deve estar fundamentada no interesse público, manifestado através da utilidade pública, da necessidade pública ou do interesse social. Fora dessas hipóteses, o ato é inconstitucional e deverá ser anulado através dos mecanismos apropriados.

Há também o requisito da indenização, estabelecendo que esta deverá ser prévia, justa e em dinheiro. [03] Esta é a regra no ordenamento nacional, sendo possíveis exceções somente no próprio texto da Constituição. Nas desapropriações movidas pelo descumprimento da função social da propriedade urbana ou rural, a indenização não será prévia nem em dinheiro, enquanto na hipótese do artigo 243, simplesmente não haverá indenização, em face do motivo na qual ela se fundamenta.

O requisito de justiça na indenização é de difícil conceituação objetiva, além de trazer dificuldades óbvias na prática administrativa e forense. Trata-se de um princípio que não fora regulado pelo legislador infraconstitucional, exigindo um grande fôlego jurídico dos aplicadores e estudiosos do direito.

A indenização justa deve abranger o valor real e efetivo do bem expropriado, além de danos emergentes e lucros cessantes. Deve ser incluída também a correção monetária, além de juros moratórios, juros compensatórios, correção monetária, honorários advocatícios, além de quaisquer outras despesas decorrentes do ato expropriatório que oneraram o particular.

Pode-se concluir que a indenização justa tem sido entendida como aquela feita integralmente, da forma mais completa e abrangente possível, que permita ao expropriado recompor seu patrimônio, abrangendo juros, correção monetária e honorários advocatícios.

A indenização também deverá ser prévia, com as ressalvas já vistas. Diz-se prévia porque o expropriante deve pagar ou depositar o preço antes de obter a posse do bem. O fundamento é evitar que o particular sofra perda patrimonial, através da substituição do bem pelo valor em dinheiro.

Finalmente, a indenização deve ser feita em dinheiro, devendo esse ser entendido como a moeda corrente no País à data do pagamento. O pagamento em dinheiro é uma garantia estabelecida pela Constituição em favor do expropriando. Isso significa que o Poder Público deverá oferecer a indenização em dinheiro, mas nada impede que, na desapropriação amigável, o particular opte em receber de modo diverso.

A indenização em dinheiro, na prática, acaba por acarretar em injustiça ao particular. Isso porque, mesmo quando paga de forma justa e integral, nenhuma garantia terá o expropriado de que conseguirá adquirir outro bem idêntico ao que perdeu, ou outro equivalente, mesmo estando com o dinheiro em mãos. E, em se tratando de imóveis, a situação se agrava consideravelmente, já que, além das dificuldades rotineiras na compra de imóveis, frequentemente o particular se vê obrigado a morar distante do antigo local.

Como visto, os casos de desapropriação por interesse social não se esgotam no preceito constitucional do artigo 5º. Há, ainda, dois casos distintos dos demais, com requisitos específicos, previstos no título da Constituição destinado à ordem econômica. Um é ocasionado pelo descumprimento da função social da propriedade urbana, e o outro, pelo descumprimento da função social da propriedade rural previstos, respectivamente, nos artigos 182, §§ 3º e 4º, inc. III, e 184, da Carta.

Essas duas modalidades de desapropriação diferem sensivelmente das demais. Enquanto todas as espécies têm como fundamento o princípio da supremacia do interesse público, essas duas pressupõem também uma atitude do particular que atenta contra os princípios da ordem econômica, pela não observância da função social da propriedade. Assim é que a doutrina denomina tais hipóteses de dasapropriações-sanção.

Em que pese a possibilidade de todos os entes públicos desapropriar com fundamento na utilidade ou necessidade públicas, ou no interesse social, somente a União pode desapropriar quando o interesse social for para efetivar reforma agrária, entendimento esse que se retira do próprio caput do artigo 184 da Carta Magna. Da mesma forma, somente o Município possui legitimidade para mover a ação nos casos do artigo 182, salvo hipótese de Território não divido em Municípios (art. 33, § 1º da Constituição), quando então a legitimidade será da União.

2.2.2. Declaração expropriatória

A declaração expropriatória é o ato do Poder Público que indica o bem a ser desapropriado, a destinação a ser dada, e o fundamento legal autorizador. Pode ser veiculada tanto pelo Poder Executivo, através de decreto, como pelo Poder Legislativo, por meio de lei. Qualquer que seja a origem, o ato deve representar a manifestação da vontade de submissão do bem ao poder expropriatório do Estado.

É bem mais comum que o Poder Público, para manifestar sua força expropriatória, o faça através de decretos, justamente porque a desapropriação é um ato típico de administração. Por isso mesmo, a lei que assim o fizer não será dotada das características de abstração e generalidade, visto que terá destinatário certo e identificado, com produção de efeitos concretos. Será, assim, equiparável aos atos administrativos em geral, o que configuraria uma aberração jurídica.

Todos os entes políticos possuem poderes para a declaração expropriatória, quais sejam, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal, os Municípios e os Territórios. A Agência Nacional de Energia Elétrica também recebeu poderes de desapropriação, criticando tal possibilidade, por se tratar de hipótese feita no interesse exclusivo do autorizado. (Mello, 2005, p. 826).

Os efeitos que são usualmente arrolados pela doutrina são a submissão do bem à força expropriatória do Estado, a fixação do estado do bem, a deflagração da fluência do prazo decadencial do ato declaratório e o direito de penetração nos prédios compreendidos na declaração.

Este último efeito, o direito de penetrar nos imóveis, costuma ser citado por quase toda a doutrina nacional sem qualquer ressalva, limitando-se os autores a explicar de que forma tal penetração poderá ser feita. O fundamento legal do direito está no próprio do corpo do Decreto-lei 3.365/41:

Art. 7º. Declarada a utilidade pública, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial.

Aquele que for molestado por excesso ou abuso de poder, cabe indenização por perdas e danos, sem prejuízo da ação penal.

Editado sob a luz da Constituição de 1937, o Decreto-lei 3.365/41 é manchado por tantas inconstitucionalidades, que a omissão na criação de uma nova norma jurídica é tão condenável quanto a manutenção de atos dessa natureza. E, a Constituição Polaca garantia a inviolabilidade do domicílio, porém, ressalvando as exceções previstas em lei. As Constituições de 1946 e 1967 simplesmente repetiram a norma que, assim, não teve sua constitucionalidade contestada.

Diante da atual sistemática jurídica, evidente que se está diante de mais uma regra eivada de absoluta inconstitucionalidade, e que não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Isso porque a inviolabilidade do domicílio é um dos preceitos mais caros à ordem jurídica atual, somente admitindo as ressalvas expressas na própria norma constitucional inserta no artigo 5º.

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Impossível, assim, admitir que autoridades administrativas simplesmente adentrem em prédios, somente com base em declarações de utilidade pública, sempre que tais imóveis forem abrangidos pelo conceito constitucional de casa. Sob a luz da Constituição Federal de 1988, domicílio somente poderá ser violado nas hipóteses expressamente previstas, não mais subsistindo a estabelecida pelo Decreto-lei 3.365/41.

2.2.3. Imissão provisória na posse

Através do instituto da imissão provisória na posse, que encontra fundamento no artigo 15 do Decreto-Lei 3.365/41, o Poder Público, já no início da lide, adquire a posse da propriedade particular, à vista da declaração de urgência e do depósito em juízo da importância fixada segundo o critério legal. Abre-se oportunidade para o réu contestar o valor, com a posterior decisão do magistrado, que pode valer-se de perito avaliador.

Art. 15. Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformidade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imiti-lo provisoriamente na posse dos bens. [04]

§ 1º. A imissão provisória poderá ser feita, independentemente da citação do réu, mediante o depósito:

a) do preço oferecido, se este for superior a 20 (vinte) vezes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao imposto predial;

b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vezes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao imposto predial e sendo menor o preço oferecido;

c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do imposto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior;

d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará, independentemente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originariamente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização do imóvel.

A posse é a manifestação maior do direito de propriedade, pois é a conduta de dono. Para o Código Civil, é possuidor aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, conforme estabelece o seu artigo 1.196. O possuidor exerce um poder de fato sobre a coisa. Perder a posse significa, portanto, perder os poderes inerentes à propriedade e, assim, ainda que proprietário, ficará o particular impedido do usar a coisa.

A leitura do parágrafo primeiro deixa claro que há afronta ainda maior à Constituição Federal, uma vez que o réu perderia o exercício dos poderes inerentes à propriedade, sem ao menos ter oportunidade de defender-se. Foi esse o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, estabelecendo a derrogação do parágrafo primeiro em razão da sua incompatibilidade com a exigência constitucional de indenização justa e prévia. [05] De acordo com a Corte, somente o caput do artigo fora recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

A razão da inconstitucionalidade do dispositivo é evidente, e dispensaria comentários, não fosse a existência de entendimentos defendendo sua legitimidade. Isso porque há efetiva perda do bem, conquanto ainda não haja a transferência do domínio, sem a observância do devido processo legal. Nos termos do artigo 5º da Constituição Federal:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal não acolhe o acertado entendimento do Superior Tribunal de Justiça, advogando a tese da recepção do artigo 15 e seus parágrafos do Decreto-lei 3.365/41.

Ocorre que a norma prevê o depósito prévio, conferindo ares de legitimidade ao instituto. Assim, antes de imitir-se a posse, deve o expropriando depositar previamente uma quantia arbitrada pelo juiz. No cotidiano forense, o ideal seria a designação de perícia provisória para avaliar o bem, ordenando-se o depósito com base nesse valor e, mesmo assim, o valor seria apenas próximo ao justo.

Porém, por diversas vezes é utilizado o valor do lançamento tributário, o que, sem dúvidas, acarreta numa grave injustiça, e deixa o particular em difícil situação econômico-financeira. Na pratica, o que se constata é uma situação de iniquidades. Em inúmeros casos, o particular levanta valores muito abaixo do necessário para a compra de novo imóvel, ocasionando uma efetiva perda da propriedade sem que haja qualquer indenização justa.

Referido artigo 15, assim como os artigos 15-A e 15-B, acrescidos ao decreto pela Medida Provisória 2.183-56, de 24 de agosto de 2001, são frequentemente questionados quanto à sua constitucionalidade. A complexidade apresentada pelo tema não será objeto de análise aprofundada neste trabalho, tendo em vista as profundas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, sob pena de se desvirtuar dos objetivos pretendidos.

2.2.4. A denominada desapropriação indireta

A doutrina e a jurisprudência nacionais convencionaram chamar o esbulho praticado pelo Poder Público de desapropriação indireta, ou de apossamento administrativo. Trata-se de uma forma amena de tratar uma reiterada prática abusiva do Poder Público.

No estudo da desapropriação, o apossamento administrativo é, provavelmente, o tema que mais desperta controvérsias. Trata-se de hipótese que não encontra qualquer amparo constitucional ou legal, além de ofender diretamente uma série de princípios estabelecidos pela Constituição Federal.

Pela desapropriação indireta, o Poder Público se apossa de imóvel particular, a força, integrando-o ao seu patrimônio, sem observância de qualquer procedimento ou formalidade, nem mesmo notificando previamente o proprietário. Trata-se, na verdade, qualquer que seja a denominação que queira se dar, de uma invasão praticada pelo Estado, legitimada pela reiteração.

Ao particular prejudicado cabe recorrer ao Poder Judiciário, através da denominada ação de desapropriação, para obter a indenização justa devida. Foi criação dos tribunais, numa tentativa de amparar o proprietário injustamente desapossado e impossibilitado de reivindicar o imóvel da Administração Publica.

A denominação ação de desapropriação indireta, usualmente utilizada, é um evidente equívoco, por tratar-se, na verdade, de uma ação de indenização por danos decorrentes de ato ilícito.

O particular sofre ainda mais um revés, devido ao parágrafo único do artigo 10, do Decreto-Lei 3.365/41, adicionado pela Medida Provisória 2.183-56/2001. A inconstitucionalidade é dupla, não só pela ausência de requisitos para a edição da Medida Provisória, como pelo óbice criado ao cidadão, que perderá seu direito à indenização constitucionalmente garantido.

Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente dentro de 5 (cinco) anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.

Parágrafo único. Extingue-se em 5 (cinco) anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.

Ou seja, está previsto que, além de o Poder Público ocupar-se ilegitimamente da propriedade particular, em desacordo com todas as garantias fundamentais constitucionais, o particular terá o exíguo prazo de cinco anos para propor a ação de indenização pelo esbulho ocorrido, isso a fim de obter a indenização que deveria lhe caber de pleno direito.

Apesar disso, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça não só não declararam sua inconstitucionalidade, como possuem diversos julgados e entendimentos sumulados que dão suporte a essa prática do Poder Público.

2.2.5. O direito à retrocessão

O requisito principal da desapropriação é a existência de um interesse público manifestado através da utilidade ou necessidade públicas, ou do interesse social. Assim, ao efetivar a desapropriação, o Poder Público deve dar ao bem expropriado o fim público justificante do ato, e que constou expressamente do ato declaratório da expropriação.

O direito à retrocessão surge no momento em que o administrador não confere ao bem a destinação pública justificante da desapropriação. Quando o Poder Público desapropria um imóvel e não o utiliza para o fim que desapropriou, deverá oferecer de volta o bem, pelo mesmo preço da desapropriação.

O Decreto-lei 3.365/41 deixa entender que o direito à retrocessão possui natureza obrigacional, pois somente autoriza ao pagamento de perdas e danos ao particular prejudicado.

Art. 35. Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

A inconstitucionalidade da norma é flagrante, diante dos princípios constitucionais norteadores do ordenamento jurídico nacional. A desapropriação é uma restrição à garantia constitucional da propriedade, ou seja, é norma de exceção. Se o Estado desapropria um imóvel e não o utiliza para uma finalidade pública, o ato perde seu fundamento e passa a ser eivado de nulidade absoluta insanável, por infração à própria Carta Constitucional, devendo o bem ser devolvido ao particular, devendo o bem ser devolvido ao particular.

O Código Civil de 2002, por seu turno, dá à retrocessão natureza real, ao assim estabelecer:

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado do direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Direito de preferência do expropriado é o de que lhe seja oferecido pelo expropriante o bem desapropriado não aplicado à finalidade pública, para que possa readquiri-lo pelo mesmo valor por que foi indenizado na desapropriação. (MELLO, 2005, p. 845).

Razoável, portanto, também entender que se o bem desapropriado recebe finalidade pública diversa da que justificou o ato, não haverá nulidade alguma, justamente porque ainda permanece o interesse público em desapropriar. Dentro do campo da atuação discricionária do administrador público, é possível que, no momento de atribuir a destinação pública ao bem, haja interesse pública diverso daquele inicialmente pretendido, mas ainda justificante da manutenção da medida.

Por exemplo, é possível que determinado Município declare imóvel de utilidade pública para que nele seja construída uma escola pública de ensino médio. No entanto, durante a realização da obra, as Secretarias pertinentes informam a necessidade de que no local seja criado um posto de saúde. Evidente que, no caso exemplificativo, não houve qualquer nulidade na atuação administrativa da Prefeitura Municipal, pois a utilidade pública fora devidamente atendida.

2.3. Procedimento

O procedimento para que seja efetuada uma desapropriação divide-se em duas partes, sendo uma administrativa e outra judicial. No âmbito administrativo, o procedimento poderá sofrer sensíveis variações conforme a administração pública interessada, uma vez que cada qual terá sua própria regulamentação.

Por sua vez, a legislação que trata do procedimento judicial é em grande parte confusa, além de exigir, urgentemente, atualização para que seja adequada às normas constitucionais vigentes.

2.3.1. Procedimento administrativo

Pouco explorado pela doutrina em geral, o procedimento administrativo de desapropriação apresenta grande complexidade.

Dentro da administração pública direta, a deflagração do procedimento pode ser iniciada por qualquer órgão das diversas Pastas (Ministérios, na esfera federal, ou Secretarias, nas esferas estadual e municipal). O órgão solicitante poderá ser algum responsável pela proteção ambiental, ou então uma divisão de obras que necessite ampliar uma via pública ou, ainda, uma diretoria responsável pela execução de determinados serviços públicos.

O pedido deverá ser instruído como a devida justificativa, a qual incluirá a destinação a ser dada ao imóvel. As justificativas poderão ser as mais variadas possíveis, conforme a Pasta interessada. No entanto, a premissa maior do pedido deverá ser sempre a existência do interesse público, manifestado através da utilidade ou necessidade pública, ou interesse social.

Para que seja feita a devida análise jurídica, o pedido deverá ser instruído também com o título de propriedade do imóvel, devidamente atualizado, para que se comprove seu domínio e eventuais ônus reais que recaiam sobre o bem. Também, junto com o pedido, deve-se juntar a descrição perimétrica do imóvel, através de plantas e memoriais contendo sua descrição. Ainda, instruirá a solicitação o laudo de avaliação, o qual deverá discriminar o valor venal do imóvel, as áreas construídas e todas as espécies de benfeitorias.

Finalmente, o pedido também deverá indicar os recursos orçamentários necessários através do enquadramento nas leis orçamentárias, isto é, o Plano Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA, além da declaração do ordenador da despesa, para que seja dado fiel cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Protocolado o pedido internamente, caso o órgão interessado não seja o responsável pelas obras públicas, será o processo a esta encaminhado, para que sejam elaborados os atos pertinentes, como a descrição perimétrica do imóvel e sua planta. Os autos deverão ser encaminhados de volta ao órgão solicitante para a reserva dos recursos necessários, os quais deverão estar previstos nas leis orçamentárias vigentes.

Após, serão os autos remetidos ao órgão responsável financeira, para verificação das questões orçamentárias pertinentes.

O processo é então remetido para análise jurídica, verificando-se questões relativas à titularidade e ao preenchimento dos requisitos constitucionais e legais. Recomendado o prosseguimento do feito, o órgão jurídico responsável elaborará a minuta de decreto de desapropriação, prosseguindo-se com a expedição do ato pelo Prefeito, que irá declarar o bem como de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social.

Finalmente, serão praticados os atos necessários para a formalização da escritura que, depois de lavrada pelo competente Cartório de Registro de Imóveis, irá para o órgão responsável por atualizar o registro imobiliário nos cadastros administrativos.

Na impossibilidade de acordo amigável, serão tomadas as devidas medidas judiciais.

2.3.2. Procedimento judicial

O procedimento judicial nos casos de desapropriação será distinto conforme se tratar de caso de utilidade ou necessidade pública, ou de interesse social. As hipóteses de utilidade e necessidade pública são reguladas pelo Decreto-lei 3.365/41, enquanto a hipótese de desapropriação por interesse social utiliza-se da mesma norma, com as especificidades da Lei 4.132/62. Já a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária está prevista na Lei 8.629/93 e na Lei Complementar 76/93.

O Decreto-lei 3.365/41 possui uma série de regras que não possuem qualquer legitimidade e não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988.

Inicialmente, o artigo 9º do Decreto-lei nº 3.365/41 veda ao Poder Judiciário, no processo de desapropriação, decidir de estão presentes ou não as hipóteses de utilidade pública. Se nem mesmo sob a luz das Cartas anteriores artigo possuía legitimidade, diante da nova é impossível afirmar a legitimidade da regra.

Isso porque a artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal estabelece o princípio da inafastabilidade do controle judicial, ou seja, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Se o próprio diploma que norteia todo o ordenamento jurídico estabelece tal inafastabilidade, fica claro que qualquer lei dispondo de forma diversa não encontra amparo constitucional.

A afirmativa de que ao Poder Judiciário não cabe apreciar e julgar a utilidade pública, a necessidade pública ou o interêsse social, que se invoca, é fruto de tempos ditatoriais, que se mantém em mentalidades de juízes que sob a ditadura se formaram e foram feitos (...). (MIRANDA, Comentários..., 1968, p. 391).

Assim, nenhuma lei ou ato normativo pode retirar do Poder Judiciário a sua função precípua, qual seja, a de pacificação social. Trata-se de decorrência do próprio princípio constitucional da separação de poderes, visto que o Poder Legislativo, ou o Executivo, não são mais ou menos importantes do que o Judiciário, mas sim, tratam-se todos, na verdade, de funções do Estado, cujo poder é único.

O Decreto-lei estabelece prazo de 5 (cinco) dias para que a desapropriação se efetive através de acordo, ou para que seja promovida a ação judicial, a contar da expedição do respectivo decreto. Ultrapassado o prazo, o decreto caducará, e será necessária a expedição de novo ato possibilitando o ajuizamento da demanda.

Conforme o art. 11 do Decreto-lei, a ação judicial de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, quando movida pela União, será proposta ou no Distrito Federal, ou no foro da capital do Estado no qual foi domiciliado o réu. Sendo diverso o autor, a demanda será proposta no foro da situação dos bens.

A regra seguinte perdeu razão de existir, já que determinava que somente os juízes que gozam de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos poderiam conhecer dos processos de desapropriação. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 95, inciso I, estabelece que tais garantias são asseguradas a todos os juízes.

A petição inicial deverá indicar todos os requisitos gerais previstos no art. 282 do Código de Processo Civil, sob pena de determinação de emenda à inicial e indeferimento da inaugural, além dos requisitos específicos, que são a oferta do preço, cópia da publicação do decreto desapropriatório, que poderá ser substituído pelo texto da norma nas localidades que não possuírem imprensa oficial, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.

Presentes os requisitos processuais gerais e específicos, o magistrado, ao receber a inicial, designará perito para avaliar os bens. Às partes é facultada a indicação de assistentes técnicos ao perito.

Em regra, não é necessária a participação do Ministério Público nas demandas desapropriatórias por utilidade ou necessidade pública, já que o interesse público aqui tratado não se identifica com o previsto no artigo 82, inciso III, do Código de Processo Civil. Porém, nas desapropriações por interesse social, para fins de reforma agrária, é necessária a intervenção do parquet, bem como nas que envolvam questões ambientais.

A questão da imissão da posse, conforme já visto, apresenta alta complexidade jurídica e política, havendo sensíveis divergências doutrinárias e jurisprudenciais, cuja abordagem exigiria um estudo à parte exclusivamente dedicado ao tema.

Tratando-se de imóvel residencial urbano, o Decreto-lei 1.075/70 estabelece regras próprias para a imissão provisória na posse. Em casos tais, deverá o expropriante depositar o preço oferecido, caso este não seja impugnado no prazo de 5 (cinco) dias da intimação da oferta, conforme estabelece seu art. 1º. Havendo impugnação, o juiz fixará, em 48 (quarenta e oito) horas, o valor provisório do imóvel, podendo requisitar para tanto o auxílio de perito avaliador.

Ainda quanto ao imóvel residencial urbano, caso o valor arbitrado seja superior ao da oferta, o Decreto-lei 1.075/70 determina, através de regra não recepcionada pela Carta de 1988, que a imissão somente será autorizada se o expropriante complementar o depósito para que este atinja metade do valor arbitrado. Evidente a ilegitimidade da norma, já que o depósito deverá ser idêntico ao valor arbitrado, diante da garantia da justa indenização constitucionalmente estabelecida.

A citação do proprietário dos bem será feita por mandado. O Decreto-lei, porém, estabelece que a citação do marido dispensa a da mulher. Porém, diante da nova sistemática processual, se faz necessária a citação de ambos os cônjuges nas ações que versem sobre direitos reais imobiliários, nos termos do artigo 10, § 1º, inciso I, do Código de Processo Civil.

Não encontrado o réu, o oficial de justiça, acaso esteja ciente de que aquele se encontra na jurisdição do juiz, marcará citação por hora certa a realizar-se em 48 (quarenta e oito) horas, independentemente de nova diligência ou despacho. Sendo a ação proposta em comarca diversa do foro do domicílio ou residência do réu, a citação far-se-á mediante carta precatória, caso o mesmo esteja em lugar certo.

Estando o réu em local ignorado, incerto ou inacessível, a citação será feita por edital. Será também por edital a citação quando o citando não for conhecido, ou estiver em local ignorado, incerto ou inacessível, o que será certificado por dois oficiais do juízo. Em qualquer caso, porém, serão aplicadas as regras do Código de Processo Civil para a citação.

Após a citação, estabelece o Decreto-lei que a demanda seguirá o rito ordinário estabelecido pelo Código de Processo Civil, apesar de continuar regulando o procedimento da desapropriação nem sempre de forma idêntica à ordinária.

Outra regra que expõe alguns dos absurdos do Decreto-lei 3.365/41 é a contida no seu art. 20, a qual dispõe que a contestação somente versará sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço, sendo que qualquer outra alegação deverá ser decidida em ação própria.

É incompreensível que tal regra tenha vigido por tanto tempo, já que há muito o processo é conceituado como um instrumento do Estado colocado à disposição das partes para a busca e efetivação da justiça e da pacificação social. A inafastabilidade da jurisdição é garantia constitucional, expressa no inciso XXXV do artigo 5º da Carta, não podendo ser retirada pela legislação infraconstitucional. [06]

Ademais, hodiernamente, diante do processo civil moderno regido pelos princípios da celeridade e efetividade não se admite que a lei possa restringir de tal forma o âmbito da defesa a que dispõe o réu, em um processo cognitivo capaz retirar-lhe sua propriedade.

Há, inclusive, entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal admitindo a interposição de mandado de segurança como instrumento de impugnação, desde que comprovados os requisitos constitucionais de certeza e liquidez do direito violado, como no caso de incompetência constitucional do expropriante. [07]

Caso haja concordância sobre o preço do bem, o que é bastante improvável, o juiz homologará por sentença o despacho saneador, nos exatos termos do art. 22 do Decreto-lei 3.365/41. Havendo discordância, será apresentada perícia, para posterior realização de audiência de instrução e julgamento, a qual obedecerá ao estabelecido pelo Código de Processo Civil.

Iniciados os debates, o magistrado buscará, sempre que possível, a conciliação entre as partes. Infrutífera a conciliação, e findos os debates, o juiz poderá proferir sentença de imediato, fixando o preço da indenização, ou levar os autos à conclusão para posterior decisão.

Da sentença caberá, evidentemente, o recurso de apelação. Outra incongruência da norma regente é, em seu art. 28, estabelecer critérios diferenciados para os efeitos recursais conforme a parte recorrente, isto é, meramente devolutivo quando interposto pelo expropriado, e também suspensivo quando a interposição se der pelo expropriante. Restam evidentes os resquícios ditatoriais, privilegiando o Poder Público em detrimento dos particulares.

Conforme a jurisprudência dominante os juros compensatórios são devidos desde a imissão provisória na posse na desapropriação direta, e desde a ocupação, na desapropriação indireta, sendo calculados sobre o valor da indenização. Por sua vez, os juros moratórios contam-se desde o trânsito em julgado da sentença, em ambas as hipóteses de desapropriação, direta ou indireta.

Como os juros compensatórios têm contagem iniciada anteriormente, entende também a jurisprudência que sua incidência sobre os moratórios não constitui anatocismo vedado por lei, sendo plenamente admissível sua cumulação.

Para o cálculo dos honorários advocatícios devidos, incluem-se na verba as parcelas relativas aos juros compensatórios e moratórios corrigidos monetariamente, conforme entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, através de seu enunciado 131. Ainda conforme a mesma corte, na desapropriação direta, os honorários são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, também com a devida correção monetária. [08]

Com o pagamento do preço, será expedido em favor do expropriante mandado de imissão de posse, e a sentença valerá como título hábil para a transcrição no registro de imóveis. Entende a jurisprudência que somente o pagamento do preço, sem exceções, autoriza a expedição de mandado de registro de imóveis, permitindo a transferência da propriedade do bem ao expropriante, seja nas desapropriações diretas ou nas indiretas. [09]

A questão sobre a desistência da demanda, não enfrentada pela lei, possui entendimentos divergentes na jurisprudência. Tanto o Supremo Tribunal Federal, como o Superior Tribunal de Justiça, caminham no sentido de aceitar a desistência enquanto não pago o preço, ainda que com o trânsito em julgado da sentença, conforme se verifica no julgamento dos recursos especiais 402.482, do Estado do Rio de Janeiro, e 187.825, do Estado de São Paulo.

Há, porém, farta jurisprudência vedando a desistência da ação em diversas situações, como após a imissão provisória na posse, quando já efetuado o pagamento, nos casos em que o imóvel já fora afetado ao serviço público ou se a devolução do bem se mostrar inviável, em razão de alterações significativas no bem ou invasão da terra por terceiros. [10]

2.4. Desapropriação por utilidade ou necessidade pública

Apesar de ser corrente no ordenamento jurídico nacional que o Decreto-lei 3.365/41 trata tanto dos casos de utilidade, como dos de necessidade pública, o diploma dispõe expressamente somente quanto ao primeiro. Não há no ordenamento nacional lei que expressamente disponha sobre a desapropriação por necessidade pública, cabendo ao operador do direito trabalhar com as normas existentes para dar efetividade ao instituto.

Necessidade e utilidade pública são conceitos distintos, e assim haveria de ser, visto que se a Constituição Federal emprega os termos de forma distinta, cabendo ao intérprete buscar a diferenciação dos conceitos. Nem tudo o que é útil será necessário, porém, todo o necessário, será, obrigatoriamente, útil.

Porém, ignorando a necessidade de tal distinção, a doutrina em geral arrola todas hipóteses do art. 5º do Decreto-lei 3.365/41 como hipóteses tanto de utilidade como de necessidade pública:

Art. 5º. Consideram-se casos de utilidade pública:

a) a segurança nacional;

b) a defesa do Estado;

c) o socorro público em caso de calamidade;

d) a salubridade pública;

e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;

f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;

g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;

h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;

i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;

j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;

k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;

l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;

m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;

n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;

o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;

p) os demais casos previstos por leis especiais.

No entanto, impõe-se distinguir os conceitos, justamente porque a Constituição Federal assim o faz. Haverá utilidade pública quando a administração pública tiver interesse na obtenção bens de terceiros, mas sem que haja urgência para tanto. Por sua vez, a necessidade pública existirá quando houver situação emergencial que imponha a rápida transferência de bens para o patrimônio público. Naquela, haverá conveniência, enquanto nesta, existirá urgência.

O rol é meramente exemplificativo, posto ser impossível à lei prever todas as hipóteses de utilidade ou necessidade pública. Não bastasse, a Constituição Federal estabelece no inciso XXIV do artigo 5º que a legislação irá estabelecer somente o procedimento para a desapropriação, e não os casos de utilidade ou necessidade pública ou interesse social.

2.4.1. Desapropriação por zona

A desapropriação por zona é aquela incidente sobre área maior do que a estritamente necessária à realização da obra ou serviço, e está prevista do Decreto-lei 3.365/41, em seu artigo 4º, nos seguintes termos:

Art. 4º. A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em conseqüência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.

A própria justificativa do instituto da desapropriação, que pressupõe a existência de um confronto entre um direito fundamental e o interesse público, impede que se desaproprie mais do que o estritamente necessário à finalidade pública perseguida pelo Estado.

Resta evidente, portanto, mais uma vez, que a regra é eivada de inconstitucionalidade no tocante à possibilidade de desapropriar as áreas extraordinariamente valorizadas em consequência da obra pública erguida.

Isso porque a Constituição Federal prevê instituto destinado especificamente a gerar receita em razão de valorização de imóvel particular por causa de obra pública. Esse instituto é a contribuição de melhoria, estabelecida no inciso III do art. 145 da Carta, e disciplinada pelo art. 81 do Código Tributário Nacional.

Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel.

Ou seja, caso o Poder Público tenha intenção de gerar receita em razão da realização de obras públicas, deverá se utilizar o instituto da contribuição de melhoria, regulado pelo Código Tributário Nacional. Ademais, não é dado ao administrador agir como especulador econômico, buscando obter lucro através da realização de obras e prestação de serviços públicos.

Apesar das razões apresentadas, há entendimentos em defenda da desapropriação por zona para revenda quando houver valorização dos imóveis vizinhos de forma excepcional, sob argumentos que se entende falaciosos.

Em muitos casos a obra, cuja execução dependa do expropriamento, importará grande e imediata valorização dos terrenos e prédios marginais. (...) É justo que o Estado possa chamar para si os terrenos marginais excepcionalmente valorizados em virtude de tais obras, revendendo-os por preço compensador dos gastos feitos ou lhes dando o destino mais conveniente, segundo a sua política econômica e social. (MENDES, 1993, p. 219)

2.5. Desapropriação por interesse social

A desapropriação fundada no interesse social, conforme estabelece a Lei 4.132, de 10 de setembro de 1962, será decretada para que seja promovida a justa distribuição da propriedade ou, então, condicionar seu uso ao bem estar social. O instituto será justificado quando as circunstâncias impuserem à propriedade sua utilização em benefício da coletividade.

Os casos de interesses social que justificam a desapropriação estão previstos na lei em rol meramente exemplificativo, já que é impossível à lei prever todas as hipóteses possíveis devido à abrangência da indeterminação do conceito.

Ainda, há outros casos previstos em legislação esparsa, como no caso da Lei 4.504/64, conhecida como o Estatuto da Terra, a qual traz outros casos de interesse social, como a obrigação de exploração racional da terra.

Art. 2º Considera-se de interesse social:

I - o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;

II - a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola (VETADO);

III - o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:

IV - a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;

V - a construção de casas populares;

VI - as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;

VII - a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.

VIII - a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.

A hipótese do inciso I somente será aplicável tratando-se de bens retirados de produção ou de bens imóveis rurais que tenham produção abaixo da média da região em que se situa. Por sua vez, as necessidades de habitação, trabalho e consumo serão apuradas anualmente, de acordo com as condições econômicas locais.

Decretada a desapropriação por interesse social, o poder expropriante terá o prazo de 2 (dois) anos para efetivar o ato e dar início ao devido aproveitamento do bem. Porém, a lei permite que os bens desapropriados sejam vendidos ou locados a quem tenha melhores condições de dar-lhes o efetivo aproveitamento.

Como se verá, a desapropriação para fins de reforma urbana encontra fundamento no interesse social em dar cumprimento à função da propriedade. A consequência dessa afirmação terá grande relevância quanto ao procedimento a ser adotado na desapropriação regulamentada pelo Estatuto da Cidade.

2.5.1. Desapropriação para fins de reforma agrária

A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é disciplinada pela Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamenta os dispositivos constitucionais sobre o tema e, também, pela Lei Complementar 76, de 6 de julho de 1993, que dispõe sobre o procedimento para o processo expropriatório.

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Cumpre-se notar que, apesar da previsão de indenização prévia, esta somente poderá ocorrer posteriormente, pois a própria norma estabelece indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão.

Nos termos do artigo citado, somente a União tem competência material para expropriar por descumprimento da função social do imóvel rural. Dos artigos 22, inciso II, e 186, caput, da Constituição Federal, depreende-se que a competência para legislar sobre os requisitos a serem atendidos pela propriedade rural também é privativa da União. Mas, como visto, qualquer ente político poderá desapropriar bens com fundamento no interesse social, aplicando-se a regra geral do artigo 5º da Constituição, e da Lei 4.132/62.

A Medida Provisória 2.183-56/2001, assim como boa parte das normas dessa natureza, é eivada de inconstitucionalidade formal, tendo em vista a clara ausência dos requisitos de relevância e urgência trazidos no artigo 62 da Constituição.

O fato é que a famigerada medida provisória modificou o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 8.629/93, adicionando mais sete parágrafos à referida norma, e trazendo uma série de outras alterações na lei, altamente questionáveis, como muito do que é feito através desse instituto.

O artigo 2º da Lei 8.629/93, em seu parágrafo 2º, estabelece que a atribuição para ingressar no imóvel rural, em nome da União, é realizada por intermédio do órgão federal competente, para fins de levantamento de dado. A tarefa é atribuída a uma autarquia federal, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

A alteração é infeliz, dando a entender que tal atribuição é absoluta. Porém, por óbvio, o ingresso nos imóveis rurais depende de consentimento do morador, devendo observar inviolabilidade do domicílio estabelecida na Constituição Federal, sempre que se tratar de residência. Por isso o parágrafo seguinte é de patente inconstitucionalidade, ao permitir o ingresso no domicílio após mera publicação de edital.

Outra regra inconstitucional é a contida no parágrafo 5º do mesmo artigo 2º, a qual estabelece a dispensa da comunicação prévia no caso de fiscalização decorrente do exercício do poder de polícia. A inviolabilidade do domicílio deverá ser sempre observada, sob pena de claro abuso de autoridade dos agentes públicos.

De volta ao texto da Constituição Federal, o artigo 185 protege da desapropriação a pequena e média propriedade rural, definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra, assim como a propriedade produtiva. Nos termos do artigo 4º da Lei nº 8.629/93, a pequena propriedade é aquela com área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais, enquanto a média propriedade é aquela de área superior a 4 (quatro), até 15 (quinze) módulos fiscais.

E a propriedade produtiva, conforme o artigo 6º da mesma lei, é aquela explorada econômica e racionalmente, que atinja, ao mesmo tempo, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, conforme índices fixados pelo órgão federal competente. E não perde a característica de propriedade produtiva o imóvel que, devido ao caso fortuito ou à força maior, ou em razão de renovação de pastagens, não apresentar os índices mínimos exigidos, comprovados pelo órgão competente.

Os requisitos para o cumprimento social da propriedade rural são estabelecidos nos incisos do artigo 9º:

Art. 9º. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Sob o ponto de vista social, ainda que a terra seja produtiva, poderá ela descumprir sua função, quando houver inobservância das relações trabalhistas, dos contratos coletivos de trabalho, das normas de segurança do trabalho, assim como quando houver exploração que provoque conflitos e tensões sociais no imóvel, conforme os parágrafos 4º e 5º da lei federal.

Finalmente, importante observar que o aproveitamento adequado do imóvel rural deverá ser compatibilizado com sua função ecológica, mediante o adequado uso dos recursos naturais, em atenção aos princípios da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável. Assim, a função social é cumprida quando a exploração econômica do imóvel não for depredatória nem acarretar índices insustentáveis de poluição ao meio ambiente.

Em relação ao procedimento, a Lei Complementar nº 76/93 estabelece contraditório especial, de rito sumário.

Por tratar-se de desapropriação-sanção, a imissão provisória na posse não exige o depósito prévio, ainda porque a indenização não é efetuada em dinheiro, e sim em títulos da dívida agrária, inviabilizando o depósito judicial. Tal peculiaridade no procedimento terá grande importância quando for feita a análise do procedimento da desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana.


CAPÍTULO III

A Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, autodenominada Estatuto da Cidade (art. 1º, parágrafo único), tem origem no desejo de criação de uma legislação federal que tratasse do desenvolvimento urbano.

Nos idos de 1977 deu-se a primeira tentativa de instituir referida legislação, objetivando regulamentar o desenvolvimento urbano, com a criação da Comissão Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU). Porém, o projeto de lei 775 de 1983 não obteve o apoio necessário no Congresso Nacional para transformar-se me lei, e os debates foram esquecidos momentaneamente.

Somente com a promulgação Constituição Federal em 1988 as discussões foram retomadas e os projetos tiveram tramitação expressiva. Em 1989, surge o Projeto de Lei 2.191/89 e, posteriormente, veio seu substitutivo, o Projeto de Lei 5.788. Aprovado em dezembro de 1999, pela Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara dos Deputados, o substitutivo finalmente regulamentou as disposições constitucionais sobre Política Urbana, estabelecendo suas diretrizes gerais, além de providências outras diversas.

A demora para a finalização dos trabalhos é certamente atribuída à total ausência de vontade política dos congressistas, sempre demonstrando maior preocupação na defesa de causas próprias do que na preservação dos interesses sociais. Acabou por prevalecer, durante anos, os interesses dos empreendedores do setor imobiliário em detrimento ao desenvolvimento sustentável das cidades.

Noticia-se que o mandamento constitucional que estabelece o condicionamento da aplicação dos instrumentos destinados a dar à propriedade urbana uma função social à existência de lei federal e do plano diretor decorre de um movimento de parlamentares conservadores que buscaram, com sucesso, favorecer especuladores imobiliários, cujas consequências são até hoje percebidas.

Por outro lado, os diversos avanços obtidos a partir de 1999 devem-se muito ao fato de a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados ter ficado sob o comando de alguns partidos progressistas, como o Partido Comunista do Brasil e o Partido Socialista do Brasil, tendo o próprio Presidente da Comissão assumido a relatoria do Estatuto da Cidade.

Papel fundamental também foi o exercido pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana, realizando grande pressão na elaboração de emendas, através de conversações contínuas com deputados e com a Câmara Brasileira de Indústria da Construção.

A lei veio a ser sancionada pelo Presidente da República somente em 10 de julho de 2001, sofrendo apenas um veto significativo, com a exclusão do texto de um importante instrumento de execução da política urbana, qual seja, a concessão de uso especial para fins de moradia.

3.2. Instrumentos para a execução da política urbana

Inúmeros instrumentos, das mais diversas naturezas, são estabelecidos pelo Estatuto da Cidade para que seja executada a política urbana. Em razão de tal diversidade, a lei determina que os instrumentos serão regidos pela legislação que lhes for própria. O extenso rol é meramente exemplificativo, podendo ser utilizados outros instrumentos.

O plano diretor é o instrumento básico para a implementação de políticas de desenvolvimento e expansão urbanas.

Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;

IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;

V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Apesar de o Estatuto da Cidade ser instituto da mais alta importância para a implementação de políticas urbanas, alguns de seus institutos não são aplicáveis automaticamente, necessitando da regulamentação adequada, através da criação de um plano diretor, além de, posteriormente, a edição de leis específicas, como a necessária para as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

Além da desapropriação para fins de reforma urbana, que será analisada em capítulo próprio, o Estatuto da Cidade possui outros mecanismos para dar cumprimento à função social da propriedade urbana. São instrumentos que não possuem o mesmo caráter sancionatório daqueles previstos na Constituição Federal, mas que são, também, de extrema relevância na execução das políticas públicas urbanas.

Dentre os mais importantes, está a usucapião especial de imóvel urbano, também chamada usucapião pro labore, prevista no artigo 183 da Constituição, e regulada no Estatuto da Cidade no artigo seguinte:

Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O Estatuto da Cidade inovou ao texto constitucional, ao estabelecer que não só a área urbana poderá ser usucapida, mas também a edificação. Ao que parece, o legislador infraconstitucional quis apenas deixar claro que os imóveis, edificados ou não, poderão ser usucapidos. Desnecessária tal alteração do texto, pois a regra constitucional já abrangia toda e qualquer área particular, edificada ou não.

Trata-se de instrumento que somente poderá ser reconhecido ao possuidor uma única vez, podendo o título de domínio ser conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. Vindo a falecer qualquer deles, ou ambos, o herdeiro legítimo continua na posse do bem, contanto que lá resida no momento da abertura da sucessão.

A grande novidade, não prevista na Constituição Federal, está no artigo seguinte do Estatuto, que prevê a usucapião especial coletiva de imóvel urbano, objetivando regularizar situações existentes em inúmeros grandes centros urbanos, nos quais comunidades de baixa renda constroem suas moradias em terrenos particulares alheios.

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Na usucapião coletiva, a fração ideal de cada possuidor será atribuída pelo juiz na sentença, em processo que poderá ser movido por possuidores, individualmente ou em estado de composse, ou por associação de moradores da comunidade regularmente constituída.

Não é demais lembrar a impossibilidade de perda da propriedade estatal pelo decurso de tempo. Assim, os imóveis públicos não poderão ser adquiridos por usucapião, regra essa estabelecida em dois momentos na Constituição, nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único.

No entanto, a função social da propriedade não deve ser observada somente pelos particulares, cabendo ao Poder Público aplicar as normas de execução das políticas públicas também em relação aos seus bens.

Finalmente, para se chegar à desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana, antes será necessário utilizar dois instrumentos de execução da política urbana, quais sejam, o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e o imposto predial territorial urbano progressivo no tempo.

3.2.1. Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

A função social da propriedade urbana demanda que o imóvel seja utilizado adequadamente, conforme os usos permitidos na área em que se situar. Para a lei, considera-se subutilizado o imóvel que tenha aproveitamento inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente.

Para que o primeiro instrumento de natureza sancionatória pode ser utilizado, exige-se lei municipal específica para determinada área incluída no plano diretor. Essa lei fixará as condições e os prazos para o cumprimento da obrigação de edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado.

Assim, além de lei instituindo o plano diretor, exige-se outra lei específica para a área urbana incluída nele, na qual poderão ser determinadas as referidas obrigações. Também deverá haver um conteúdo mínimo no plano diretor, sem o qual não serão viabilizadas as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórias.

Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:

I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei;

II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;

III – sistema de acompanhamento e controle.

A obrigação consistirá na exigibilidade de parcelamento de área urbana sub ou não utilizada, através da qual o proprietário do imóvel irá tirar proveito da especulação imobiliária, ou então, na exigibilidade de edificar os lotes não edificados, buscando-se o aproveitamento máximo da área conforme os usos permitidos.

O artigo 6º do Estatuto da Cidade prevê que a obrigação imposta ao proprietário que descumpre a função social do imóvel urbano é transferida juntamente com a transmissão do imóvel, seja por ato inter vivos ou causa mortis. Trata-se de obrigação propter rem, que incide sobre uma pessoa através de um determinado direito real. Assim, ocorrendo a alienação do bem imóvel, a obrigação é transferida juntamente ao novo proprietário ou promitente comprador.

No caso de alienação de imóvel sub ou não utilizado, ou não edificado, deve-se buscar a averbação no Registro de Imóveis antes da notificação. Isso porque, caso a transmissão ocorre posteriormente à notificação, a contagem dos prazos não será interrompida, e o adquirente poderá ter um breve prazo para o cumprimento da obrigação. A norma busca evitar que, a cada alienação do imóvel, haja um novo início na contagem dos prazos para o cumprimento da obrigação.

3.2.2. Imposto Predial Territorial Urbano progressivo no tempo

Havendo o descumprimento dos prazos e condições estabelecidos no artigo 5º do Estatuto da Cidade, o Município procederá à instituição do imposto predial territorial urbano progressivo no tempo. Evidente que o comando legal estabelece um dever, e não uma faculdade da administração municipal.

Com a regulamentação do dispositivo constitucional, o imposto passa a ter dupla possibilidade de progressão, uma de natureza fiscal, outra de natureza extrafiscal. A progressividade fiscal é estabelecida no artigo 156, § 1º, inciso I, enquanto a progressividade extrafiscal vem prevista no artigo 182, § 4º, inciso II, ambos da Constituição Federal.

A progressividade fiscal é fundamentada no princípio da capacidade tributária (artigo 145, § 1º), visando realizar a justiça social, na medida em que tributará mais os imóveis de maior valor. Trata-se de decorrência da presunção de que os proprietários de imóveis de maior valor venal possuem melhores condições financeiras, e assim suportam uma tributação mais elevada.

A progressividade fiscal adveio com a Emenda Constitucional nº 29/2000. Antes dela, parte da doutrina e a jurisprudência entendiam que somente era possível a progressão do imposto predial e territorial urbano quando para assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. Esse entendimento já foi pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme o seguinte enunciado:

668. É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional n. 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Por sua vez, a progressão extrafiscal será efetuada através de majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. Tal alíquota poderá ser majorada até o máximo de 15% (quinze por cento) do valor do lançamento fiscal do imóvel.

A inércia do particular que descumpre a função social de seu imóvel, após o prazo de cinco anos, permitirá ao Município a manutenção da cobrança do tributo, calculado pela alíquota máxima, até que se cumpra a obrigação. Em tese, é um mecanismo de grande alcance, na medida em que atingirá diretamente o patrimônio do particular, e de forma bastante drástica.

O sistema busca inibir a manutenção do terreno subutilizado ou não utilizado, forçando ao particular agir para dar cumprimento à função social do imóvel. Caso contrário, será economicamente inviável ao particular aguentar a cobrança em seus limites máximos. Ressalta-se o rigor da lei, que veda, sem qualquer ressalva, a concessão de isenções ou de anistia na progressão do imposto do Estatuto.

Assim, ainda que haja legislação municipal isentando determinados imóveis de imposto predial territorial urbano, o tributo incidirá sobre o imóvel subutilizado, por força do estabelecido pela lei federal. Cumprida a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, voltará o imóvel ao status quo, ficando isento do imposto conforme a legislação municipal.

Em razão dos rigores da cobrança, há quem sustente o caráter confiscatório, tanto da alíquota máxima, como da cobrança do imposto por prazo superior a cinco anos. [11]

Ocorre que a própria natureza do imposto, nesse caso, é extrafiscal, sancionatória, não sendo possível se falar, assim, em confisco. Ou a natureza é fiscal, e os excessos acarretam em confisco indevido, ou há caráter extrafiscal, sendo possível a majoração e a cobrança nos temos estabelecidos no Estatuto da Cidade.

A inadimplência do proprietário do imóvel, quanto ao tributo progressivo e majorado, permitirá a propositura de execução fiscal, acarretando numa coerção legítima ainda mais eficiente, só que agora demandando também o pagamento do crédito tributário, sob pena de, inclusive, arrematação judicial do imóvel.

Mantendo-se inerte o particular, nos termos da lei, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel. Visto que o Estatuto fala em poderá, a doutrina afirma de forma amplamente majoritária que se trata de mera faculdade da administração pública, sujeita à análise de conveniência e oportunidade em tomar a medida mais drástica.

Porém, na prática a situação poderá se apresentar de forma bastante diversa. Isso porque quando um proprietário deixa de parcelar, edificar ou utilizar seu imóvel, muito provavelmente assim o faz por questões financeiras. Citam-se como exemplos massas falidas da empresas e indústrias, ou mesmo construtoras, que têm sua falência decretada antes da conclusão das obras.

Em razão de tais prováveis hipóteses, a tributação do imóvel em elevadas alíquotas, possivelmente, de pouco servirá para que a lei atinja o objetivo de forçar o particular a dar cumprimento à função social do imóvel. Ao contrário, poderá apenas servir para aumentar a dívida ativa municipal, ensejar a propositura de execução fiscal, e ter como consequência a arrematação ou adjudicação judicial.

Ademais, é essencial para o sucesso da medida que o Município possua um confiável sistema de cadastro imobiliário, devidamente atualizado através de uma fiscalização eficiente ou por outras medidas, como programas de parcelamentos incentivados. Um cadastro eficaz é fundamental para a implantação do imposto predial e territorial progressivo no tempo, e para o sucesso da medida, que exigirá acompanhamento anual da situação do imóvel objeto de tributação.

Ao administrador municipal será mais vantajoso, do ponto de vista orçamentário, manter a arrecadação e gerar receita para os cofres públicos. Porém a questão não reside no que é mais vantajoso ou não ao gestor público, e assim na observância do interesse público primário, da sociedade, pelo atendimento da função social da propriedade urbana.

3.3. Desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana

A desapropriação prevista no art. 182, § 4º, inciso III, da Constituição Federal é uma das hipóteses de exceção ao art. 5º, inciso XXIV, uma vez que a indenização não precisa ser prévia nem justa.

O Poder Público poderá proceder à desapropriação quando o proprietário de bem imóvel urbano descumprir com a obrigação de dar uma destinação social à sua propriedade, após a superação do prazo de tributação do imposto predial e territorial urbano progressivo.

É possível que seja cogitado tratar-se a medida expropriatória de um poder discricionário da administração pública, e que assim não estaria o ente obrigado a interpor a demanda expropriatória. No entanto, trata-se de entendimento com o qual não se pode concordar.

Primeiro, porque, entendendo-se como mera faculdade, em tese, estaria sendo criada uma sanção de caráter perpétuo, visto que o proprietário poderia simplesmente cumprir com sua obrigação tributária e se manter inerte em relação ao cumprimento da função social, em manifesto desatendimento à Constituição Federal.

Segundo porque não foi concedida ao Município a faculdade de buscar o cumprimento da função social da propriedade. Não é dado ao Município simplesmente optar em continuar arrecadando o imposto, em sua alíquota máxima, ou tomar outras medidas para atender ao mandamento constitucional.

O Município não pode dispor de buscar o atendimento do interesse público e, em razão disso, não tendo o proprietário cumprido com a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios durante o prazo de incidência do imposto predial e territorial urbano progressivo, não restará ao administrador outra opção senão buscar a desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana.

O principal argumento da doutrina desfavorável ao instituto diz respeito ao lapso temporal que deverá ser percorrido até o momento da interposição da ação de desapropriação. Alega-se que o transcurso de tempo, que seria de no mínimo 8 (oito) anos, significará ao menos 3 (três) mandatos diversos do Chefe do Poder Executivo, e que tais fatos certamente prejudicariam a efetivação da desapropriação.

Porém, não se pode concordar com tais argumentos, uma vez que administrações municipais que pautem seus governos nos princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição Federal, que escolham seus servidores segundo critério de capacidade técnica e conhecimento, não sendo estes sujeitos às alternâncias políticas, não deverão sofrer com o longo percurso de tempo necessário, haja vista que tais agentes se incumbirão de buscar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

3.3.1. Pressupostos

Para que o Poder Público possa desapropriar determinado imóvel para atender à sua função social urbana, exige-se a ocorrência de determinados pressupostos, estabelecidos no capítulo dedicado à política urbana, na Constituição Federal.

O primeiro deles é a edição de norma infraconstitucional federal traçando diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano. Tal pressuposto fora preenchido com a promulgação da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais na execução da política urbana.

A seguir, para os Municípios com mais de vinte mil habitantes, exige-se a edição de um plano diretor, através da edição de lei municipal de iniciativa do Poder Executivo, que é o instrumento básico da política urbana de desenvolvimento e expansão urbana.

A elaboração do plano diretor exige do administrador público um exaustivo estudo acerca dos usos do solo municipal. É nele que estarão delimitadas as áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

A leitura da Constituição indica que, além do plano diretor, poderá o Município editar lei específica para área nele incluída, para exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a promoção do seu adequado aproveitamento. Porém, o próprio Estatuto da Cidade, como visto, determinada que o plano diretor deverá conter a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser determinado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

Ainda, antes de se proceder à desapropriação deverá o Poder Público determinar o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, através de notificação ao proprietário do imóvel. Descumpridos os seus prazos e condições, restará a aplicação do imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo, durante o prazo mínimo de cinco anos, para somente então proceder à expropriação do bem que descumpre sua função social urbana.

3.3.2. Competência expropriatória

A questão da competência para expropriar não apresenta grandes dificuldades, tendo em vista o estabelecido pelo artigo 8º do Estatuto da Cidade, determinando que ao Município compete proceder à desapropriação do imóvel. Ainda, o próprio Estatuto expressamente estende a competência ao Distrito Federal, em seu artigo 51.

Art. 51. Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e ao Governador do Distrito Federal as disposições relativas, respectivamente, a Município e a Prefeito.

Antes da promulgação do Estatuto, a competência era privativa do Município, nos termos do artigo 182, § 4º da Constituição, não sendo possível estender a competência ao Distrito Federal. A norma da Constituição Federal do artigo 32, § 1º, estabelece que ao Distrito Federal são atribuídas competências legislativas reservadas aos Municípios. E a competência do artigo 182 trata da prática de atos administrativos e judiciais, e não de edição de atos legislativos. Assim, somente após a promulgação do Estatuto o Distrito Federal também passou a ter competência para o procedimento expropriatório.

Importante notar que, da mesma forma com que ocorre na desapropriação-sanção para fins de reforma agrária, na desapropriação do Estatuto da Cidade a competência expropriatória só cabe a alguns entes políticos. No entanto, tal não impede que os demais entes, ou seja, União e Estados-membros, desapropriem bens urbanos com fundamento no interesse social, tendo em vista a existência do interesse público. Nesses casos, a indenização se dará nos termos do artigo 5º da Constituição, ou seja, justa, prévia e mediante dinheiro.

Aos Estados-membros e à União não houve atribuição de tal competência, não sendo correto afirmar, porém, que tais entes jamais poderão proceder à desapropriação prevista no Estatuto da Cidade.

Questão que não é abordada pela doutrina, mas que não pode passar desapercebida, refere-se aos Territórios que podem ou não ser divididos em Municípios. Conforme a determinação constitucional do art. 33, § 1º, aos Territórios aplicar-se-á, no que couber, o estabelecido no capítulo dos Municípios. Quando forem divididos, a questão não apresenta maiores dificuldades, e o Estatuto da Cidade será aplicado normalmente pela respectiva Municipalidade.

Porém, o Estatuto da Cidade nada estabelece quanto os Territórios que não forem divididos em Municípios. Atualmente, inexistem Territórios no País, em decorrência do estabelecido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Antes de 1988, no entanto, o Território de Fernando de Noronha, atualmente anexado do Estado de Pernambuco, não era divido em Municípios.

O artigo 182 da Constituição menciona somente que o Poder Público municipal executará a política de desenvolvimento urbano, sem falar, porém, em exclusividade ou privatividade para tanto. Ainda, o princípio da função social da propriedade urbana é informador de todo o ordenamento jurídico, devendo ser observado por todos o entes públicos, e não somente pelos Municípios.

Como a Constituição manda aplicar aos Territórios, no que couber, o estabelecido quanto aos Municípios, deverão aqueles promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, através de planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme determina o inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal.

Assim, eventual Território que possua mais de vinte mil habitantes deverá elaborar o plano diretor. E, portanto, apesar do Estatuto da Cidade silenciar, os Territórios também terão competência expropriatória, de forma suplementar, para dar cumprimento à função social da propriedade urbana, podendo fazer uso da desapropriação para fins de execução da política urbana. E, caso o Território não seja dividido em Municípios, a competência para desapropria será da União.

3.3.3. Objeto

A desapropriação do Estatuto da Cidade encontra previsão constitucional no capítulo dedicado à política urbana, e tem aplicação quando o particular não respeita a função social de seu imóvel urbano. Assim, a primeira consequência lógica é a de que o objeto da referida desapropriação são os imóveis localizados no solo urbano.

Isso significa que ficam excluídos os bens móveis e semoventes, bem como os bens incorpóreos. Da mesma forma, também não serão objeto da presente desapropriação os imóveis localizados fora da área urbana do Município, isto é, na área rural.

Os imóveis públicos pertencentes aos demais entes políticos, igualmente, não serão objeto, sob pena de infração à isonomia das pessoas políticas, pois, como já visto, haveria infração ao princípio federativo consagrado pelos artigos 1º e 18 da Constituição Federal.

Ademais, a desapropriação-sanção somente é aplicável após a imposição do imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo pelo prazo de cinco anos. Tendo em vista que o princípio tributário da imunidade recíproca veda aos entes políticos a cobrança de impostos uns dos outros, nos termos do artigo 150, inciso IV da Constituição, fica prejudicada a desapropriação.

Vale relembrar que o texto constitucional, no artigo 182, fala que a aplicação das sanções pelo descumprimento da função social da propriedade urbana será feita de forma sucessiva, ou seja, somente descumprindo uma das sanções é que se passará à seguinte.

Porém, ainda que diante de tais argumentos, não é razoável admitir que imóveis públicos pertencentes à União ou aos Estados-membros simplesmente descumpram com sua função social urbana, desatendendo aos mandamentos constitucionais da execução da política urbana. Isso porque a nenhum dos entes é possibilitado descumprir a Constituição Federal.

Não serão todos os imóveis urbanos que poderão ser sancionados pelo procedimento expropriatório do Estatuto da Cidade, pois deverão ser preenchidas algumas condições. Para que o bem possa ser atingido pelas sanções do Estatuto da Cidade, deverá ele, inicialmente, estar incluído em área delimitada pelo plano diretor.

Após estar inserido na área urbana municipal, somente os solos urbanos não edificados, os não utilizados e os subutilizados poderão ser objeto de desapropriação para fins de reforma urbana. E, uma vez desatendida a função social da propriedade urbana, estará o Município autorizado a agir para impor ao proprietário as sanções previstas na Constituição Federal e regulamentadas pelo Estatuto da Cidade.

3.3.4. Indenização

O pagamento da indenização, como já dito, não será feito em dinheiro, mas sim em títulos da dívida pública municipal, ao contrário da regra geral. O tratamento diferenciado é justificado por se tratar de uma desapropriação de natureza sancionatória.

Títulos da dívida pública são títulos emitidos pelo Estado, sob a forma de empréstimos ou de antecipação de receita. Apresentam-se como apólices ou obrigações do tesouro ou de bônus.

Uma leitura atenta da Constituição poderá gerar perplexidades, visto que, aparentemente, há duas normas com disposições conflitantes dentro do artigo 182. A primeira norma nada mais faz do que repetir a regra geral, já fixada no artigo 5º da Constituição:

§ 3º. As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

Como regra, portanto, a indenização de imóveis urbanos, que poderá ser fundada na utilidade ou necessidade pública, ou no interesse social, será feita através de dinheiro, de forma prévia e justa. A norma seguinte, no parágrafo 4º, traz a forma excepcional de desapropriar imóveis urbanos, nos seguintes termos:

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real de indenização e os juros legais.

A natureza sancionatória da desapropriação é a exceção no ordenamento jurídico nacional, vindo prevista em norma especial, em nada conflitando com a regra geral estabelecidas nos artigos 5º e 182, § 3º da Constituição. Apesar disso, há vozes na doutrina nacional sustentando a inconstitucionalidade do artigo 8º do Estatuto da Cidade, por ferir o estabelecido no § 3º do artigo 182.

O artigo 8º do Estatuto nada mais faz do que repetir a norma do referido inciso III, do § 4 º do artigo 182. Apesar de o § 3º do mesmo artigo não fazer ressalva, a legitimidade dessa forma de desapropriação decorre do próprio artigo 5º da Constituição, que ressalva os demais casos expropriatórios nela previstos.

Ocorre que o Estatuto, assim como a Constituição, fala em valor real da indenização, no caso de desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana, ao invés de estabelecer indenização prévia e justa. Ainda que se queira gerar polêmica sobre a questão, uma interpretação sistemática e teleológica dos institutos correlacionados não apresentará maiores dificuldades.

Haverá impossibilidade fática de a indenização ser prévia, visto que o pagamento será efetuado através de títulos da dívida pública, cuja emissão deve ser aprovada pelo Senado Federal.

Na verdade, a incongruência está no artigo 184 da Constituição, que fala em indenização prévia e justa em títulos da dívida agrária, porém resgatáveis no prazo de até vinte anos. Evidente que indenização não será prévia, e sim feita posteriormente. O artigo 182, § 4º não estabeleceu indenização prévia justamente porque tal se apresenta impossível.

Em relação à indenização assegurar o valor real da indenização, a celeuma até seria justificável, em face da ausência da previsão da indenização justa. Porém, da mesma forma, assim não se deve interpretar, pois a Constituição Federal fornece elementos suficientes para uma interpretação razoável. Ainda, se a Constituição emprega termos distintos, cabe ao intérprete e ao aplicador da lei buscar as razões da diferenciação.

Valor real da indenização significa que o pagamento deverá ser atualizado e corrigido monetariamente, entre a data do pagamento e o resgate dos títulos. É o reconhecimento pela Constituição da existência da inflação, que influi diretamente na desvalorização da moeda. Ao efetuar-se o pagamento, uma fez efetuada a atualização, estará sendo garantido o valor real de indenização.

Também, a indenização não será justa tendo em vista o caráter sancionatório dessa hipótese de desapropriação. Trata-se de critério que se justifica, tendo em vista que não deverá o Município arcar com os custos de uma indenização que reflita exatamente o preço de mercado de um imóvel, quando esse bem não atende a função social da propriedade urbana. Por isso, não cabe à Municipalidade destinar recursos em casos tais, ao contrário do que ocorre na desapropriação fundada no interesse público, onde a indenização serve para evitar a diminuição do patrimônio particular.

Os critérios são diferenciados porque as hipóteses são distintas. É a aplicação máxima do princípio da isonomia, que estabelece tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais. O proprietário que cumpre a função social da propriedade de seu imóvel perceberá indenização prévia, justa e em dinheiro. Já aquele que não utilizada, subutilizada ou não edifica seu imóvel, receberá indenização calculado em critério diferenciado, conforme estabelece o Estatuto da Cidade.

§ 2º O valor real da indenização:

I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º desta Lei;

II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.

Assim, o valor real da indenização refletirá o valor da base de cálculo do IPTU. Tal não significa que os valores serão idênticos, ao contrário, trata-se apenas de um parâmetro para que seja efetuado o cálculo.

Atenta-se para o fato de que existe instituto de direito tributário que serve justamente para gerar receita aos cofres públicos nos casos de valorização imobiliária decorrente de obras públicas. Trata-se do tributo da contribuição de melhoria, previsto no artigo 145, inciso III, da Constituição Federal e regulado pelo Código Tributário Nacional.

A exclusão dos lucros cessantes se apresenta justificável, pois se o proprietário está sendo penalizado justamente por descumprir a função social da propriedade, não há como falar em pagamento de lucros eventualmente perdidos em face da desapropriação.

Portanto, a indenização àquele que descumprir a função social da propriedade urbana não será em dinheiro, nem prévia, nem justa. Se o próprio texto constitucional assim previu, nada impede que o Estatuto da Cidade, ao regular a matéria, estabeleça critérios diferenciados para aferir o valor da indenização. E assim o fez a legislação infraconstitucional, sem que haja qualquer inconstitucionalidade no critério optado. Apesar do exposto, há quem advogue ser inconstitucional tal critério, mesmo sabendo tratar-se de hipótese de desapropriação distinta. [12]

O Município terá o prazo máximo de cinco anos para proceder ao adequado aproveitamento do imóvel, contados a partir da sua incorporação ao patrimônio público (art. 8º, § 4º). Tal aproveitamento poderá ser feito pela própria Municipalidade, ou através de alienação ou concessão a terceiros, observando-se o devido procedimento licitatório (art. 8º, § 5º).

Dúvidas existirão acerca do momento em que se dará a incorporação ao patrimônio municipal, pois poderá ser considerada tanto a imissão na posse, como o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis.

Nos termos do art. 1.245 do Código Civil, a propriedade imobiliária é transmitida com o registro do título translativo, sendo a posse insuficiente para a aquisição da propriedade. Porém, ideal seria a contagem do prazo a partir de imissão na posse, porque é neste exato momento que o Poder Público poderá entrar no imóvel e tomar as medidas concretas necessárias para efetivar o cumprimento de sua função social, bem como.

Finalmente, o Estatuto da Cidade, ciente da má utilização dos títulos da dívida pública, impõe restrições ao seu uso ao estabelecer que não poderão ser usados para pagamento de tributos e tarifas públicas, em seu art. 8º, § 3º.

Assim, conclui-se que na desapropriação para fins de reforma urbana a indenização, muito ao contrário da regra geral, não será nem prévia, nem justa, nem em dinheiro, mas sim garantidora do valor real do bem e em títulos da dívida pública, resgatáveis em até 10 (dez) anos em parcelas anuais, iguais e sucessivas.

3.3.5. Destinação do bem

A regra nas desapropriações é que, após a retirada forçada do bem da propriedade do particular, seja ele incorporado ao patrimônio público. Assim ocorre tanto na desapropriação fundada na utilidade pública como na fundada na necessidade pública. Porém, nas desapropriações por interesse social a destinação do bem é diversa, devendo ser a área colocada à venda ou à locação (art. 3º da Lei nº 4.321/62).

Na desapropriação para fins de reforma agrária, por se tratar de espécie de interesse social, o imóvel também não é incorporado ao patrimônio público. Como já visto, o poder expropriante deverá destinar a área desapropriada aos beneficiários da reforma agrária (art. 16 da Lei nº 8.629/93).

No Estatuto da Cidade a matéria vem regulada nos parágrafos 4º a 6º do artigo 8º. Após a incorporação do imóvel ao patrimônio público, o aproveitamento do bem deverá atender às diretrizes gerais estabelecidas pelo artigo 2° do Estatuto da Cidade. O prazo para a execução da política urbana será de cinco anos.

Prevê a lei que o ente político poderá dar cumprimento à função social diretamente, mantendo a área incorporada ao patrimônio público, ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observado o procedimento licitatório.

Portanto, tanto Poder Público como eventuais particulares estarão submetidos às obrigações destinadas a garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana, com a ressalvada de que o descumprimento do dever pelos entes públicos não os sujeitará as sanções do Estatuto da Cidade, diante da impossibilidade jurídica já analisada.

Caso não seja dado o adequado aproveitamento ao imóvel desapropriado, o Prefeito Municipal incorrerá em improbidade administrativa, nos termos da Lei n° 8.429/92, conforme estabelece o art. 52, inciso II, do Estatuto da Cidade, ficando sujeito a rigorosas sanções como a perda do cargo e a suspensão de seus direitos políticos.

3.3.6. Procedimento

O Estatuto da Cidade foi omisso em relação ao procedimento a ser adotado no caso de desapropriação pelo descumprimento da função social da propriedade urbana. Limitou-se a lei a prever a possibilidade da desapropriação, assim como seus requisitos, porém silenciando quanto ao rito.

Para Meirelles (2006), a ação de desapropriação deverá seguir o procedimento indicado no Decreto-Lei 3.365/41. Também é o entendimento de Neves (2004), que advoga haver maior coerência a utilização do Decreto, haja vista ser o procedimento para fins de reforma urbana o mais assemelhado, assim como para Salles (2006), que entende ser este o rito mais adequado.

Para a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, até que seja editada lei específica regulando a matéria, a ação de desapropriação seguirá o rito ordinário do Código de Processo Civil, devendo-se aplicar a regra da tutela antecipada do artigo 273, ao invés das regras clássicas específicas de desapropriação. [13]

Em que pese as respeitáveis opiniões, entende-se que o procedimento ideal a ser aplicado não resultará de somente uma norma, mas sim da conjugação de diversos estatutos vigentes, especialmente a Lei Complementar 76/93, que regula a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, tendo em vista as similitudes entre os institutos, porém, com as adaptações necessárias. Ademais, trata-se da norma mais recente e melhor estruturada.

A aplicação, na íntegra, de somente uma das normas sugeridas ou colocadas à disposição não será suficiente para que os objetivos buscados pelo Estatuto da Cidade sejam alcançados.

Inicialmente, ao contrário do que ocorre com as demais formas de desapropriação, não haverá necessidade de decreto declarando a área como de interesse social, diante da inexistência de previsão legal nesse sentido. Haverá, sim, a necessidade de outras normas, que são o plano diretor, além de outra lei específica para área incluída naquele plano, que determine as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, nos termos do artigo 182, § 4º, da Constituição Federal.

A competência para a propositura da demanda será, em regra, do Município, que será representado judicialmente pelo Prefeito ou por procurador, nos termos do artigo 12, inciso II, do Código de Processo Civil. Os Municípios que possuem uma estrutura jurídica minimamente organizada serão representados por seus procuradores municipais. Excepcionalmente, como já visto, a ação poderá ser movida pelos órgãos da Advocacia-Geral da União, caso o bem imóvel que descumpra a função social esteja localizado em Território não dividido em Municípios.

Além de tais requisitos, a petição inicial obrigatoriamente conterá a oferta do preço, conforme determinam tanto o Decreto-lei 3.365/65 como a Lei Complementar 76/93. Assim, a peça inaugural deverá ser instruída com certidões atualizadas de domínio e ônus real do imóvel, laudo de vistoria e avaliação administrativa, comprovante de lançamento dos títulos da dívida pública correspondente ao valor ofertado e comprovante de depósito bancário correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e necessárias.

Referido laudo deverá conter descrição detalhada do imóvel, com memorial descritivo da área objeto da ação, relação de todas as espécies de benfeitorias existentes, com respectivos valores das indenizáveis. Nada impedirá, no entanto, que o magistrado utilize-se do estabelecido pelo artigo 14 do Decreto-lei 3.365/65 e, ao despachar a inicial, designe perito para avaliar os bens, justificadamente.

Ainda, a petição inicial deverá ser, necessariamente, instruída com documentação que comprove que as medidas sancionatórias anteriormente adotadas foram ineficazes. Isto é, deverá o autor comprovar que o proprietário do imóvel fora devidamente notificado para o cumprimento da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o bem, e que, ou não houvera cumprimento das condições e prazos estabelecidos pelo artigo 5º do Estatuto da Cidade, ou houve descumprimento das etapas previstas no § 5º do mesmo artigo.

Também, deverão ser acostados aos autos documentos comprobatórios de que o imposto predial urbano fora lançado na forma progressiva durante o prazo de 5 (cinco) anos, e que tal medida não fora suficiente para que a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o bem imóvel fosse cumprida.

Neste caso, não se exige que o tributo tenha sido integralmente quitado, sendo que eventuais débitos podem ser buscados através das medidas cabíveis, além de devida propositura de execução fiscal. O que se exige é o cumprimento da obrigação, no prazo de 5 (cinco) anos, para que seja possível optar-se pela desapropriação do artigo 8º do Estatuto da Cidade.

Ao despachar a petição inicial, o juiz poderá, de plano, ou em breve prazo, mandar imitir o autor na posse do imóvel, independentemente de depósito prévio, haja vista a incompatibilidade com o pagamento a ser efetuado em títulos da dívida pública resgatáveis somente posteriormente. Havendo necessidade, poderá ser requisitado o auxílio da força policial para garantir a efetividade do ato de imissão na posse.

No mesmo ato, o juiz determinará a citação do expropriado para contestar e indicar assistente técnico, caso assim deseje. Ainda, o juiz também determinará a expedição de mandado ordenando a averbação do ajuizamento da ação no registro do imóvel objeto da demanda, para que se dê a devida publicidade, possibilitando o resguardo de eventuais interesses de terceiros.

A citação será feita pessoalmente ao proprietário do bem, ou ao seu representante legal, conforme estabelecido pelo Código de Processo Civil, podendo o autor optar por outras das formas legalmente previstas. Sendo o proprietário falecido, a citação deverá recair sobre o inventariante. Não havendo inventariante, a citação poderá recair na pessoa do cônjuge sobrevivente ou na de qualquer herdeiro ou legatário que esteja na posse do prédio.

Razoável será a determinação de notificação dos proprietários de imóveis adjacentes, para que possam, fundamentadamente, impugnar os limites divisórios do imóvel, e não só a citação somente dos confrontantes que impugnaram na fase administrativa, conforme preconiza o artigo 7º, § 7º, da Lei Complementar 76/93.

Nos termos da primeira parte do artigo 9º da Lei Complementar 76/93, o réu terá prazo de 15 (quinze) dias para contestar a ação. Já a segunda parte não tem aplicabilidade nesta forma de desapropriação, visto que não é possível ao réu contestar a existência de interesse social, pois este estará presumido de forma absoluta através da comprovação do descumprimento dos prazos estabelecidos para que o imóvel fosse parcelado, edificado ou utilizado devidamente.

Assim, analisada a legislação vigente, em especial as regras contidas no Decreto-lei 3.365/65 e na Lei Complementar 76/93, nota-se que esta norma é aplicável de forma mais eficaz à desapropriação para fins de reforma urbana, efetuando-se as devidas adaptações e com o auxílio das demais, para que seja possível a aplicação efetiva dos princípios maiores consagrados pela Constituição Federal de 1988.


CONCLUSÃO

O cumprimento da função social da propriedade urbana é um dos mecanismos mais eficientes para a promoção do desenvolvimento das cidades. A falta de legislação adequada e a ausência de vontade política permitiram que muitos dos grandes centros urbanos se transformassem em cidades com problemas aparentemente insolúveis em questões essenciais como moradia, transporte e meio ambiente, entre outras.

A promulgação do Estatuto da Cidade representou inegável avanço na legislação urbanística nacional, a qual necessitava, urgentemente, de uma norma que atendesse aos comandos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Os benefícios que poderão ser alcançados pela aplicação dos inéditos institutos são evidentemente maiores do que as deficiências da lei.

O administrador municipal agora possui importantes mecanismos sancionatórios para obrigar o particular a dar cumprimento à função social de sua propriedade, como a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel, o imposto predial e territorial urbano progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento de títulos da dívida pública.

Este último instituto, de maior gravidade para o particular, não foi regulamentado de forma suficiente pelo Estatuto da Cidade, apresentando alguns entraves à sua aplicação, em especial quanto ao procedimento a ser adotado, em razão de a norma ter silenciado a respeito.

Porém, nem as dificuldades práticas muito menos a ausência de legislação específica contendo o rito procedimental da desapropriação deverão servir de óbice à administração pública municipal para a utilização do instituto. Caberá aos operadores do direito buscar a solução jurídica adequada através da utilização harmônica dos princípios e regras vigentes.

A execução da política urbana deverá ter como primado assegurar o adequado desenvolvimento social da cidade, valendo-se o administrador municipal, para tanto, dos novos institutos trazidos pelo Estatuto da Cidade e utilizando-se, em última instância, da desapropriação em função do descumprimento da função social da propriedade urbana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. Meirelles (2006, p. 33) lembra que o Município, como entidade político-administrativa, surgiu no Império Romano. Para Silva (1995, p. 20), "cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja a sua população. A característica marcante da cidade, no Brasil, consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal".
  2. Redação do texto originalmente publicado.
  3. Sobre indenização, conferir a obra de Vicente de Paula Mendes, A Indenização na desapropriação, ed. Del Rey, 1993.
  4. O dispositivo refere-se ao antigo Código de Processo Civil de 1939.
  5. RSTJ 51/117, 52/120, 71/168.
  6. Nesse sentido, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: "Cuida-se de mandado de segurança no qual o impetrante pretende invalidar ato de autoridade judicial que imitiu o Estado do Rio de Janeiro na posse de imóvel objeto de processo expropriatório. Visa, ainda, à anulação do Dec. Expropriatório n. 9.742/1987. A segurança foi concedida pelo TJ-RJ ao entendimento de que haveria ocorrido manifesto desvio de finalidade no ato expropriatório, pois, além de o Decreto omitir qual a utilidade pública na forma do DL n. 3.365/1941, os imóveis desapropriados destinavam-se a repasse e cessão a terceiros, entre eles, os inquilinos. O Min. Relator entendeu que se submete ao conhecimento do Poder Judiciário a verificação da validade da utilidade pública, da desapropriação e seu enquadramento nas hipóteses previstas no citado DL. A vedação que encontra está no juízo valorativo da utilidade pública, e a mera verificação de legalidade é atinente ao controle jurisdicional dos atos administrativos, cuja discricionariedade, nos casos de desapropriação, não ultrapassa as hipóteses legais regulamentadoras do ato. Com esse entendimento, a Turma não conheceu do recurso"REsp. 97.748, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 5/4/2005.
  7. Cf. RTJ 81/502, RDA 131/174, RT 479/159, 491/163 e JTA 39/306.
  8. Sobre a indenização na desapropriação, conferir os enunciados das súmulas 12, 56, 69, 70, 102, 113, 114, 131 e 141 do Superior Tribunal de Justiça, e 164 e 618 do Supremo Tribunal Federal.
  9. Cf. RSTJ 133/146, RJTJESP 125/316 e RTJE 151/210.
  10. Cf. RSTJ 73/282, 107/75, 138/91, RT 588/59, 629/128, 733/197, RJTJESP 89/285 e 99/258.
  11. Maria Helena Costa (Instrumentos Tributários para a Implementação da Política Urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 111).
  12. André Luiz Vinhas da Cruz. O Estatuto da Cidade e a questão do pagamento da indenização pela desapropriação sancionatória em títulos da dívida pública. http://jus.com.br/artigos/6093
  13. In Aspectos Constitucionais do Direito da Propriedade Urbana.

Autor

  • Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de Campos

    Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de Campos

    Procurador do Município de São José dos Campos.Especialista em Direito Processual Constitucional pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS.Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS. Especializando em Direito Tributário Empresarial pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP.Membro da Comissão de Incentivos Fiscais e do Grupo de Análise de Incentivos Fiscais da Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de. Desapropriação como instrumento de execução da política urbana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2522, 28 maio 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14924. Acesso em: 17 maio 2024.