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ACP sobre cláusulas abusivas em contrato imobiliário

ACP sobre cláusulas abusivas em contrato imobiliário

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Ação civil pública do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, muito extensa e interessantíssima, abordando em profundidade a abusividade das cláusulas de um contrato imobiliário, apontando doutrina, jurisprudência e legislação abundantes. Enviada pelo promotor de Justiça do Consumidor de Campo Grande (MS), Amilton Plácido da Rosa (e-mail: [email protected]; home-page: http://pjccg.vila.bol.com.br).

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da __ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital:

           O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor desta comarca, que ao final subscreve e que recebe intimações, pessoalmente, na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta - com fundamento no artigo 129, III da Constituição Federal, somado aos artigos 1o, II; 2o, 3o, 5o, "caput"; 11, 12, da Lei 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública, e, ainda, nos artigos 6o, VI; 81, parágrafo único e incisos I e II; 82, I; 83, 84, "caput" e parágrafos 3o e 4o; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90) e ancorado nos fatos apurados no Procedimento Administrativo 018/95, doravante denominado apenas de PA, em anexo - propõe a presente

          

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

           de declaração de nulidade de cláusulas abusivas e de obrigação de fazer e de não fazer, em face de

          

Nova Cap Empreendimentos Imobiliários,

           pessoa jurídica de direito privado, com sede à Rua Oceano Atlântico, n.º 73, Chácara Cachoeira, Campo Grande - MS, e telefone n.º 726-3131, de

          

Marcos Augusto Netto e Nelson Benedito Júnior,

           Representantes legais da Nova Cap, com qualificação e endereço nos autos de PA, f. 109, de

          

Progemix - Programas Gerais de Engenharia e Construção Ltda.,

           pessoa jurídica de direito privado, com sede na Rua Bariri, n.º 53, Vila Glória, nesta Capital, e de

          

Anagildes Caetano de Oliveira,

           Representante da Empresa Progemix, com qualificação e endereço nos autos de PA, f. 109, pelas razões de fato e direito que passa a expor:



A) DOS FATOS:

           Instaurou-se em desfavor das requeridas, em 09 de agosto de 1995, o PA acima referido, objetivando apurar as reclamações encaminhadas pelo Procon/MS, concernentes à existência de cláusulas abusivas em contrato de relações de consumo.

           Consoante se depreende dos autos em epígrafe, a Progemix se dedica a construção de conjuntos residenciais, exercendo também a função de incorporadora, atividade esta prevista na Lei n.º 4.591/64.

           Já a Nova Cap atua no mercado imobiliário da capital na condição de administradora, ocupando-se, dentre outras atividades, da venda de unidades habitacionais.

           Entre as várias empreitadas executadas em conjunto, as requeridas concentraram esforços na edificação e venda do conjunto residencial Nova Europa. Sob a responsabilidade da Progemix ficaram os encargos relativos à construção e incorporação, enquanto a Nova Cap assumiu a função de administradora e vendedora.

           A alienação dos apartamentos se operou mediante contrato de adesão, redigido exclusivamente pelas rés, tolhendo a autonomia volitiva do consumidor, obrigando-o a aceitar as inúmeras cláusulas leoninas para a concretização do "sonho da casa própria".

           Em razão das irregularidades constantes do Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda, vários foram os contratantes lesados que, insatisfeitos, denunciaram essas abusividades.

           Após algumas reuniões na Promotoria de Justiça, entre o representante legal da administradora e o Ministério Público, aquela aquiesceu na reformulação de parte do conteúdo contratual, restando intactas, todavia, algumas cláusulas danosas ao consumidor, o que inviabilizou a realização de acordo, durante a fase administrativa.

           Há de se deixar consignado aqui que tanto a incorporadora quanto a administradora têm lançado e vendido outros empreendimentos, em conjunto ou separadamente, usando publicidade enganosa, consistente em iludir o consumidor de que pagando certo número de parcelas calculadas em percentuais de salário mínimo teria, no fim do plano, quitado seu imóvel (publicidade enganosa por omissão). Ocorre porém que tal não é verdade, posto que o salário mínimo, no dizer dos próprios representantes das rés, é apenas limitador e no final do plano sempre restam resíduos que deverão ser refinanciados até a quitação final de todo ele. Estas informações, porém, não são veiculadas através das publicidades feitas, deixando o consumidor com a falsa idéia de que pagando as parcelas anunciadas, quitam o imóvel adquirido.

           A maioria do consumidores consultados por esta Promotoria de Justiça do Consumidor (f. 151) afirmaram que não tinham conhecimento do segundo financiamento, sendo certo que todos eles asseveraram que não tinham conhecimento do terceiro financiamento e que, caso as parcelas correspondentes a esse terceiro financiamento forem superior ao que eles vêm pagando, não terão recurso suficiente para quitá-las.

           Apesar de todos os esforços envidados por este órgão ministerial, as requeridas esquivaram-se às responsabilidades que lhes são próprias, não restando outra saída senão a interposição desta "actio".

           A matéria, apesar da concordância do Ministério Público em relação a algumas reformulações que seriam feitas pelas rés, deve ser inteiramente rediscutida, com o fim de que a proteção do consumidor se faça de uma forma integral. As concordâncias ocorridas anteriormente tiveram por objetivo único a não inviabilização de um acordo, que não chegou a se concretizar.



B) DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS:

           Para melhor compreensão e esclarecimento da matéria, passa-se a relacionar, em seguida, as cláusulas abusivas e suas irregularidades.

1) Cláusula Quarta c.c. Item 03, Letra b, do Quadro Resumo:

"Caput" - Forma de Pagamento:

           A cobrança de 2 parcelas no mês de dezembro ofende o princípio da periodicidade do pagamento, que deverá ser mensal, e onera por demais o consumidor, que tem apenas 12 pagamentos por ano. A gratificação natalina que alguns trabalhadores recebem tem a função de tornar o final de ano mais suave; de dar aos operários a oportunidade de, pelo menos uma vez por ano, oferecer algo diferente a seus filhos e a sua família; e, até mesmo, arrumar suas finanças, pagando algumas pendências que durante o ano não conseguiram fazer frente com seus vencimentos.

           Tudo por tudo, as requeridas querem tirar dos mutuários. Nada elas investem. Trabalham como o patrimônio dos mutuários e com esse dinheiro faz suas riquezas, inclusive com atitude escusas e condenadas, tirando do consumidor tudo o que podem sugar. Como bem disse o Procon à f. 08, "o início das obras 120 dias após o pagamento da primeira prestação" caracteriza "uma captação de poupança popular para efetivação do negócio".

           O comércio para as rés não é uma atividade de risco, posto que nada aplicam. Se a atividade não der certo para elas, basta apenas fechar a empresa e abrir outra com a mesma facilidade com que fecharam. Quem sai prejudicado é tão somente o consumidor que faz todo o investimento, inclusive paga 13º salário não só para os empregados da incorporadora e da administradora, mas também para os próprios proprietários dessas empresas, que tem natal farto e gordo a custo do último centavo do mutuário.

           Essa cláusula não pode prosperar, dado que além de fixada unilateralmente só traz vantagens para as rés, constituindo-se ela em vantagem exagerada. O mutuário fica só com o prejuízo. A vontade do comprador (f. 168) é obedecer a periodicidade mensal e tal vontade deve prevalecer.

Cláusula Quarta, Parágrafo Primeiro:

           Por este parágrafo, fica fixado, alternadamente, dois tipos de reajuste, o anual ou "no menor espaço de tempo que a legislação permitir". Ocorre, porém, que o consumidor deve saber exatamente a periodicidade dos aumentos, os quais não podem ser alterados após a efetivação do contrato. A fixação de periodicidade alternativa de aumentos de prestações caracteriza também modificação unilateral do contrato, o que é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, principalmente pelo CDC.

Cláusula Quarta, Parágrafo Segundo:

           Segundo esta cláusula, o saldo devedor será reajustado mensalmente, conforme o índice pactuado. Tal não é possível, dado que da combinação dessa atualização mensal do saldo devedor com a exigência da atualização anual das parcelas (artigo 28 da Lei n.° 9.069, de 29 de junho de 1995, que dispõe sobre o Plano Real e o Sistema Monetário Nacional) gerará um resíduo, o qual ofende os princípios fundamentais de nosso ordenamento jurídico.

           Contrário a existência desse resíduo vem decidindo os tribunais brasileiros. Cita-se aqui, a título de exemplo, decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

           "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Construção civil - Resíduo inflacionário - Nulidade da cláusula que o estabeleceu. (TJRJ, Proc. n.º 7.305/96 - 1a Vara de Falências e Concordatas, Rio de Janeiro, j. em 05.07.1996, Juiz Hélio Augusto Silva de Assunção ").

Cláusula Quarta, Parágrafo Terceiro:

           Prevê este parágrafo a substituição do índice pactuado como indexador, caso ele seja extinto, pelo índice que vier a medir a variação dos custos da construção civil em Mato Grosso do Sul, para a atualização do saldo devedor. Há duas irregularidades aqui. Uma, a já exposta acima: proibição de atualização mensal do resíduo. Duas, não é possível adotar como parâmetro de atualização do saldo devedor, em caso de extinção do índice pactuado como indexador, o que vier a medir a variação dos custos e insumos da construção civil, a nível estadual, uma vez não se pode contratar sobre índices regionais e de pouco ou de nenhum conhecimento do mutuário. Tal disposição só irá favorecer o contratado em prejuízo do consumidor-contratante.

Cláusula Quarta, Parágrafo Quarto c.c. o Item 04 do Quadro Resumo:

           A forma de cálculo previsto neste parágrafo lesa o consumidor, posto que: a) atualiza mensalmente parte da parcela; b) cria um novo encargo ao consumidor no final do contrato; e c) favorece a propaganda enganosa, com o fim de atrair o consumidor, que compra a unidade habitacional com a falsa idéia de que pagará as parcelas com base apenas no salário mínimo.

           Além do mais, há aqui ofensa a vinculação das parcelas ao salários mínimo, o que é defeso por lei.

           A fixação do salário mínimo como limitador foi colocado justamente para burlar, de maneira transversa, o princípio da anualidade dos aumentos, pois tal limitador dá azo a resíduo que são reajustados mensalmente, enquanto a lei só permite o reajuste anual das prestações.

Cláusula Quinta, Parágrafo Quinto (da ilegalidade da cobrança de qualquer valor após o pagamento de 100 parcelas:

           A forma de pagamento do débito, em três etapas, em face da existência do fator redutor (salário mínimo) é abusiva, tornando o mutuário um eterno devedor da incorporadora.

           Consoante se depreende do disposto neste parágrafo, não há que se discutir seu teor prejudicial. Cômoda é a posição do empreendedor, enquanto por demais onerosos são os encargos assumidos pelos adquirentes.

           Nítidos são os embustes utilizados pelas rés para ludibriar os contratantes. Convidativas aos olhos dos leigos, tais artimanhas tendem a ruir face à Justiça.

           Em concreto se tem o seguinte: o valor total de um imóvel (R$ 21.396,73 ou R$ 34.300,00, dependendo do tipo de apartamento) é fracionado em cem parcelas mensais de R$ 169,00, no primeiro caso, e de R$ 338,00, no segundo caso, sendo certo, porém, que o consumidor paga apenas a quantia equivalente a um salário mínimo e meio ou três salários mínimos vigentes à época do vencimento da prestação, dependendo do tipo de empreendimento, resultando daí um resíduo (diferença entre o valor pago e o valor real da prestação).

           Como o salário mínimo vigente a ocasião da celebração do contrato era de R$ 100,00 reais. No primeiro caso, em face de ser o valor da parcela de R$ 169,00 e o valor a ser pago de R$ 150,00 (valor equivalente a um salário mínimo e meio), resultava um resíduo de R$ 19,00. No segundo caso, deduzido do valor da parcela (R$ 338,00), vigente à época da contratação, a quantia efetivamente paga (R$ 300,00), verificava-se uma diferença de R$ 38,00 (resíduo).

           Conforme disposto ainda nesta cláusula contratual, este resíduo, no final de cem meses, seria refinanciado, nas mesmas condições anteriores e, resultando ao final deste segundo financiamento um novo resíduo, este deve ser pago em apenas três parcelas, independentemente do valor daí resultante.

           Fazendo-se uma projeção destes resíduos, com as correções mensais previstas, chega-se a conclusão que, na última fase, restará três parcelas, com valor unitários superior a R$ 1.500,00, o que tornará impossível a quitação do imóvel, em face da pequena renda dos mutuários, que só conseguem pagar mensalmente o valor correspondente a um salário mínimo e meio.

           Da forma como está redigida a cláusula e pelo marketing feito, verificam-se, de pronto, três irregularidades: 1) houve publicidade enganosa, que deixava a entender ao consumidor que ao final de 100 meses seu imóvel estaria quitado; 2) não há uma prazo fixo estipulado para o pagamento do imóvel, bem como o preço total não está fixado de uma forma objetiva como determina a lei; 3) não há número determinado de parcelas na 2a etapa do financiamento, ficando o mutuário a mercê dos cálculos feitos pela administradora, que - segundo ela própria diz - irá se embasar, para tanto, nos resíduos resultantes; 4) no final, o mutuário acaba pagando valores bem superior ao imóvel adquirido; e 5) o consumidor corre o risco de perder o imóvel por não conseguir fazer frente aos valores que deverá pagar, em três parcelas, no último financiamento.

           Argüido sobre esta última questão (risco de perda o imóvel, por impossibilidade de quitação das três parcelas restantes, por serem exorbitantes), o representante da Nova Cap argumentou que a empresa, nestes casos, sempre faz acordo benéfico com o consumidor. Ocorre, porém, que o mutuário não pode ficar à mercê da boa vontade (geralmente má vontade) do fornecedor, que deveria formular e obedecer contratos equilibrados.

           Convém consignar, ainda, que o valor da prestação e do saldo devedor são reajustados, mensalmente, pelo Índice Nacional do Custo de Construção, o que eleva dia a dia o preço a ser pago no final.

           Diante da realidade acima constatada, verificam-se duas conseqüências irrefragáveis:

           a) um substancial acúmulo monetário nas mãos das requeridas;

           b) dívidas contraídas pelos adquirentes, em razão do resíduo apurado, a ser financiada em iguais condições de pagamento. Assim, é o consumidor compelido a despender novos gastos, ficando inadimplente ad eternum.

           Se por um lado o Direito Obrigacional tem como dínamo a vontade dos contratantes, não menos certo é a sua submissão aos interesses públicos. A onipotência do pacta sunt servanda, outrora vivificada, não se coaduna à nova concepção econômica. Logo, a validade das disposições avençadas tem por norte a lei.

           O que se deve fazer, no caso presente, é se estipular, como exige a lei, um prazo certo para que o consumidor possa quitar seu imóvel, deixando de lado fórmulas complicadas e não esclarecidas, que só dão vantagens às contratadas.

           A forma aqui aplicada é reconhecidamente abusiva até pelo representante da segunda ré (Anagildes Caetano de Oliveira), que fez constar no contrato padrão usado por outra empresa que possui (1), que após o pagamento do segundo financiamento o imóvel será dado por quitado. Por qual razão o contrato ora objurgado prevê um terceiro financiamento, que deverá ser pago em apenas três vezes?

           O disposto neste parágrafo quinto é também nulo de pleno direito, conforme previsão do Artigo 51, IV da Lei 8.078/90, por se constituir no que a doutrina denomina de "cláusula surpresa" (überraschende Klauseln), que se caracteriza por produzir um efeito que, se cognoscível por princípios, evitaria a celebração do próprio contrato por um dos contratantes.

           Veja-se o que diz Nélson Nery Júnior (in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 4a edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995, p. 350):

           "A proibição da cláusula surpresa tem relação com a cláusula geral de boa-fé, estipulada no inciso IV do Artigo 51 do CDC. Ambas configuram uma técnica de interpretação da relação jurídica do consumidor, e, também, verdadeiros e abrangentes pressupostos negativos da validade e eficácia do contrato de consumo, quer dizer, as cláusulas contratuais devem obediência à boa-fé e eqüidade e não deve surpreender o consumidor após a conclusão do negócio, pois este contrato sob certas circunstâncias e devido à aparência global do contrato.

           (....).

           Vários critérios podem ser utilizados na investigação da surpresa extraordinária trazida por uma cláusula de contrato de consumo. Uma regra pratica de grande utilidade parece aquela que coloca a questão da seguinte forma. É preciso que se investigue: a) o que o consumidor espera do contrato (expectativa); b) qual o conteúdo das cláusulas contestadas ou duvidosas. Se a discrepância entre a expectativa do consumidor e o conteúdo das cláusulas for tão grande, a ponto de justificar a sua estupefação e desapontamento, a cláusula se caracteriza como surpresa."

           No caso em análise, percebe-se que o consumidor não foi cientificado desta cláusula (parágrafo quinto) muito menos de seus desdobramentos. Assim, a falsa expectativa do mutuário de que quitará seu imóvel após o pagamento de 100 parcelas - no valor correspondente a um salário mínimo e meio - ruirá, no momento próprio, e o consumidor verá como foi enganado em sua boa-fé. Sua estupefação e desapontamento será maior ainda quando perceber que corre sérios riscos de nem sequer poder quitar seu apartamento, em virtude da exorbitância que terá que pagar nas três últimas parcelas referentes ao terceiro financiamento.

           Quem em sã consciência irá admitir em fazer mais dois financiamentos, após ter pago as 100 parcelas no valor anunciado, e com a possibilidade de não ter como quitar as três últimas prestações? Teria o consumidor celebrado o negócio se tivesse ciência dessa situação? Claro que não. A menos que estivesse seguro de que o Judiciário corrigiria tal ilegalidade antes de ela tornar-se exeqüível. Logo, a cláusula não pode prevalecer, devendo ser fulminada de nulidade, conforme preceitua o Artigo 51 do CDC.

           O Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078\90), em seu Artigo 6o, III, também estabelece o direito à informação como direito básico e fundamental do consumidor, o que, por igual, não foi observado e acarreta a nulidade da cláusula, nos exatos termos do Artigo 51, inciso XV, do Codecon.

2) Cláusula Quinta:

Cláusula Quinta, Parágrafo Primeiro:

           Este parágrafo se encontra com uma redação confusa, devendo ser melhorada, por amor ao princípio da informação. Segundo o representante da primeira ré, o real significado deste parágrafo é o seguinte: "O valor antecipado deverá corresponder a parcelas mensais integrais." Ora, se é este o significado, por que não adotar esta redação?

Cláusula Quinta, Parágrafo Segundo:

           Este parágrafo não tem qualquer utilidade prática, posto que repete o que já foi dito no "caput" do artigo a que ele se refere.

3) Cláusula Sexta:

           De acordo com as alíneas "a" e "b" deste dispositivo, as obras serão iniciadas 120 dias após pagamento da primeira prestação, sendo a entrega do primeiro bloco marcada para 180 dias após o começo da edificação.

           Já a alínea "c" determina que a cada noventa dias, da primeira entrega, e assim sucessivamente, a vendedora entregará um bloco.

           Há de ressaltar, porém, que as letras "b" e "c" contrariam o prazo estabelecido no § 2o desta cláusula. Com efeito, o residencial consumirá 97 meses para sua conclusão, enquanto o § 2o estabelece 80 meses para o término das obras. Isso sem considerar os dias de possíveis atrasos em virtude de cláusula abusiva colocada no contrato, que contempla o "caso fortuito" e "força maior" como motivos justificadores do atraso na entrega das obras.

           Vale ressaltar aqui, em relação a letra "a", que a fixação de 120 dias para o início das obras é ilegal, dado que o risco do negócio não é do consumidor mas do empreendedor. Se as rés só conseguem iniciar as obras se o consumidor lhe pagar, caracterizado está a captação de poupança popular, o que é vedado por lei, salvo se houver expressa autorização do Bacen.

           Ao dispor na alínea "d" que "As unidades habitacionais prontas serão entregues ao COMPRADOR que tiver o menor saldo devedor, ou seja, o maior valor pago e esteja em dia com suas obrigações junto à VENDEDORA, optaram os representantes das rés pelo critério econômico para a entrega das unidades habitacionais. O que contraria totalmente o tipo de empreendimento que levam a cabo: empreendimento popular. Ao privilegiar o mutuário que tem maior poder aquisitivo, o contrato ofendeu o princípio da isonomia. Está ele fazendo distinção entre as pessoas em evidente vantagem para os de melhor poder aquisitivo.

           Os princípios que norteiam a república, no sentido de erradicar a pobreza e combater a desigualdade social não foram respeitados. Tal critério ofende também o princípio da boa-fé e do equilíbrio contratual. Visa ele forçar o contratante pagar mais e mais a contratada, sob o falso pretexto de que assim o fazendo estará sendo beneficiado, posto que terá a chance de receber mais rapidamente seu imóvel.

           Há muitos outros critérios para entrega das unidade habitacionais que bem poderiam ser adotados, sem ofender as expectativas do consumidor pobre e sem trazer vantagens exclusivas para os réus, que só pensam em arrecadar e ganhar mais e mais a custa dos consumidores.

           A reclamação do Sr. Cícero Roberto Marques de Macedo (f. 168) bem espelha a injustiça feita com vários mutuários, que, como ele, foram alijados da possibilidade de receber de pronto sua casa própria, por não ter como encher as burras das rés, como elas querem.

           A alínea "h" possui redação imprecisa que compromete a clareza do enunciado e, por conseqüência, o princípio da informação.

Cláusula Sexta, Parágrafo Segundo:

           Pela observação feita em relação às alíneas "b" e "c", a informação contida neste parágrafo é incorreta, posto que o prazo para a entrega das unidades será de 84 meses e não de 80, como consta atualmente nesse parágrafo.

Cláusula Sexta, Parágrafo Terceiro:

           Dispõe este parágrafo 3o que, "Se dentro do prazo de 120 (cento e vinte) dias de carência, a que se refere o artigo 34 da Lei 4.591/64, a VENDEDORA denunciar por escrito ao COMPRADOR, a intenção de desistir do empreendimento motivada por retração do mercado (...)".

           Esta disposição não faz sentido em razão do artigo 34, § 2o c.c. o artigo 33, ambos da Lei n.º 4.591/64. O prazo de carência para desistir do empreendimento não pode ser superior a 180 dias a contar do registro que, no momento da assinatura dos primeiros contratos, já terá transcorrido.

           Esta cláusula e seus itens 1 e 2 são totalmente inadequados e devem ser extirpados deste contrato e não poderão ser usados em futuros contratos a serem redigidos. Eles só servem para dar informações enganosas ao consumidor.

4) Cláusula Oitava:

           A multa contratual de 10% não deve prevalecer. É totalmente abusiva. A lei não permite, bem como não permite o atual momento econômico vivido no país. É este mais uma fonte de enriquecimento ilícito dos representantes das rés. Deverão eles devolver tudo quanto receberam indevidamente, por conta de sua ganância desenfreada.

           Há de se observar ainda que a expressão "sobre o valor do débito" está obscura, posto que o juro e a multa devidos não devem ter por base o valor do débito (saldo devedor), mas a parcela ou parcelas em atraso. Tal correção se faz necessário, para que o consumidor não acabe sendo lesados, por falta de clareza do texto e avidez das rés.

           Por outro lado, ainda nesta mesma cláusula, há que se observar que a correção monetária das prestações em atrasos fere o princípio da anualidade, devendo ser, portanto, extirpado tal obrigatoriedade.

5) Cláusula Nona:

Cláusula Nova, "Caput":

           Prevê o "caput" desta cláusula nona que "O COMPRADOR poderá ceder ou transferir os direitos e obrigações decorrentes deste contrato, desde que esteja em dia com suas obrigações e mediante prévia anuência, por escrito, da VENDEDORA.

           Tanto a exigência de estar em dias com o pagamento das prestações como o de obter a anuência prévia da vendedora são absurdos e ilegais.

           A primeira exigência inviabiliza o direito de propriedade. O adquirente tem o direito de dispor do seu patrimônio como e quando lhe convier. O fato de não poder ceder o direito que tem sobre o imóvel que está adquirindo, por estar em atraso com os pagamentos, vem tornar ainda pior a situação daquele que vê na transferência a única saída para arrumar sua situação financeira.

           Tal exigência além de discriminatória e abusiva. As rés, com essa disposição contratual, visam unicamente favorecer a elas mesmas, posto que o consumidor super individado, não podendo pagar as parcelas nem transferir o imóvel, só lhe resta a alternativa de desfazer o contrato, o que é o real desejo das rés, posto que aí elas conseguem abocanhar mais de 50% do que o mutuário pagou. É, sem dúvida alguma, Senhor Juiz, um roubo estipulado em contrato, a escancara, para qualquer um ver.

           É uma falta de equilíbrio sem tamanho, posto que se fossem as rés que estivessem em situação financeira ruim elas poderiam pedir concordata ou falência (na maioria das vezes, fraudulentas) ou até fazer como a Encol, deixar todos os mutuários a ver navios, sem qualquer punição. Mas o mutuário não. Este deve sofrer todos os tipos de injustiças e ilegalidades, inclusive a de não poder transferir seus direitos para pagar o que deve.

           A Segunda exigência (prévia anuência da vendedora), não tem sentido algum e só se explica levando em consideração a ganância das rés e seu desejo de controlar tudo, inclusive para poder abocanhar os 2% de que trata o parágrafo primeiro, que será analisado logo em seguida.

           Ora, se é crime o ato do fornecedor negar fornecer produtos ou serviços a que quem quer adquiri-lo, o que justifica tal exigência? Nada. E, portanto, deverá ser extirpado do contrato.

Cláusula Nova, Parágrafo Primeiro:

           A obrigatoriedade de a transferência ser efetuada através da VENDEDORA, mediante o pagamento da taxa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato, é totalmente descabido, ilegal e arbitrário.

           A obrigatoriedade de a transferência ser efetuada pela vendedora constitui-se em cláusula mandato e venda casada, proibidas pelo Codecon, que em casos tais é expresso em dispor que é nula de pleno direito a cláusula que "imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor" (Artigo 51, inciso VIII, do CDC). O máximo que se pode exigir do contratante é que ele avise a contratada a respeito da transferência, para os fins legais.

           O pagamento da taxa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato em caso de venda do imóvel, em virtude da liberdade que tem o mutuário de escolher o seu corretor ou ele próprio realizar o negócio, mostra-se totalmente abusiva. Caso o mutuário deseje contratar a vendedora para intermediar o negócio, deverão eles, consumidor e vendedora (esta agora na qualidade de corretora) fazerem novo contrato para tal fim.

           Transferido o imóvel pelo próprio mutuário, a exigência do pagamento supra se permeia nulo de pleno direito, porque ausente qualquer contraprestação por parte das requeridas, ensejando outra vez o enriquecimento sem causa. Com efeito, na transferência do contrato, não arcam as rés com custos patrimoniais.

           Muitos consumidores, à mercê dos imprevistos, não podem saudar o compromisso assumido. Não conseguindo quitar o débito e, como as empresas retêm quantias enormes em caso de resolução contratual, estas pessoas vêem na transferência a única opção para reaver parte do dinheiro já pago. Nesse contexto, a cláusula questionada dificulta, quando não impede, a realização do negócio, já que traz ônus excessivo e injustificado ao consumidor.

           Nesse sentido já se posicionou a Sexta Vara Cível do Distrito Federal, em ação ajuizada pela Segunda Promotoria de Justiça (Processo n.º 19.198/95). O decisum proferido impôs à incorporadora multa de R$ 5.000,00 em caso de cobrança desta taxa.

           Em decisão publicada na Revista de Direito do Consumidor (volume 20, outubro/dezembro - 1996, pág. 234), a problemática é traduzida na voz do Juiz Torres Garcia. Na ocasião, coibiu-se a cobrança da taxa de transferência efetuada por instituição de ensino, eis que incompatível aos postulados do Código de Defesa do Consumidor. Mutati mutandis, a decisão se aplica ao caso em exame:

           "Ademais, a transferência não constitui em si mesma um serviço. Ao revés, materializa simplesmente a possibilidade da continuidade dos estudos em outra instituição de ensino, sendo descabida qualquer cobrança adicional, tal como a taxa de matrícula do ano letivo que principia, como a que lembrar o pagamento por uma verdadeira carta de alforria".

Cláusula Nona, Parágrafo Segundo:

           Este parágrafo ficou prejudicado, em razão do exposto no parágrafo anterior, devendo, portanto, ser banido do contrato.

6) Cláusula Décima

           Observação geral. Esta cláusula décima - que trata de resolução contratual por inadimplência do comprador e de prazo para se purgar a mora - embora redigida de conformidade com a Lei n.º 4.864/65, vem a demonstrar o desequilíbrio do contrato, posto que igual exigência na se faz às rés. Em caso de inadimplência do contrato por parte das contratantes, qual é a penalidade para elas? No contrato não foi previsto. Determina a lei que o contrato deve impor condições iguais para as partes e, no caso presente, tal não foi obedecido, o que demonstra a abusividade do contrato, devendo ser corrigida.

           A alínea "b" desta cláusula décima prevê resolução do contrato, caso não sejam obedecidas, por ocasião da transferência do imóvel, as condições previstas na cláusulas nona. Ora, se as disposições da cláusula nova são ilegais, ilegal é também o disposto nessa alínea. O que poderia constar aqui é que "se o mutuário-cessionário - logo após a transferência da unidade habitacional - não quitar o débito para com as rés, o valor correspondente será cobrado do novo contratante, sob pena de rescisão contratual, nas condições estipuladas na letra "a" desta cláusula décima. Isso porque o débito (acessório) acompanha o imóvel (principal).

7) Cláusula Décima Primeira

"Caput" - da ilegalidade da retenção pecuniária em caso de resolução do contrato:

           Por essa cláusula, "ocorrida a rescisão prevista na cláusula décima desse instrumento, o comprador, perderá em favor da vendedora, a título de indenização por intermediação, despesas administrativas, multa contratual, o equivalente a 30% (trinta por cento) sobre o valor pago, acrescido de despesas concernentes à notificações, taxas de cartório, correspondências, bem como todas as despesas oriundas da cobrança judicial ou extrajudicial, inclusive honorários advocatícios na base de 20% (vinte por cento)".

           Antes da fala sobre as retenções indevidas, que deverá ser longa, passa-se a discutir, de pronto, a respeito da obrigatoriedade de o consumidor ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação. Apenas a consulta ao Artigo 51, XII, do Codecon resolve a questão. Pelo proibição contida nesse dispositivo legal, vê-se que a cláusula em análise é nula de pleno direito, dado que o contrato não estabelece igual obrigação às rés. Veja, Exa., a clareza solar do dispositivo mencionado:

           "Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (....); XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor".

           Assim, essa obrigação unilateral deve ser riscada do contrato.

           Em relação a cláusula de decaimento, deve-se dizer que as retenções estipuladas são exorbitantes. Elas só vêm propiciar o enriquecimento sem causa do fornecedor em detrimento do consumidor, que se empobrece por conta da avareza criminosa da empreendedora e vendedora.

           O artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor proíbe a perda total da importância adiantada ao fornecedor:

           "Art. 53 - Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado".

           Ora, a lei considera nula a cláusula que estabeleça a perda total das prestações, significando com isso que a empresa contratado pode reter parte do que foi pago. Claro que contra isso ninguém se levanta. O que contraria a lei é a retenção abusiva, que causa enriquecimento ilícito de um e o empobrecimento injusto de outro. Em se falando em relação de consumido, todos os valores pagos ou retidos devem representar uma prestação. O fornecedor não pode exigir contraprestações gratuitas, sob pena de caracterização de apropriação indébita. Nesse particular, a jurisprudência, fruto do labor de inúmeros magistrados, dá a medida exata do percentual a ser retido, "in verbis":

           "CONTRATO - Compra e venda - Rescisão - Perda dos valores já pagos - Acolhimento que ensejaria enriquecimento indevido, em face da ausência de prejuízo - Cláusula leonina configurada - Verba Indevida - Recurso não provido." (Apelação Cível no 186.199-2 - São Paulo - Apelantes e apelados: Neide Maria de Oliveira Camargo e W.R.C. Incorporações Ltda. - RJTJESP, ED. LEX - 137/91).

           "No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo." (Súmula n.º 412 do STF)

           "COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Rescisão - Cláusula Penal - Perdas e danos consubstanciados na perda das quantias pagas - Pagamento de parcela substancial do preço que a torna excessivamente onerosa para o réu - Construtora, ademais, que lucrará com a rescisão contratual - Ofensa ao artigo 53, caput, de Código de Defesa do Consumidor, aplicável até mesmo aos atos pretéritos, ou em julgamento - Devolução das importâncias pagas ordenadas - Recursos providos para esse fim."

           "CONTRATO - Rescisão - Cláusula penal - Perdas e danos consubstanciados na perda das quantias pagas - Interpretação que deve ser feita em favor do aderente - Acolhimento da cláusula, ademais, que conduziria a condenação do próprio direito - Devolução das importâncias pagas ordenadas - Recursos próprios para esse fim." (Apelação Cível n.º 197.165-2 - São Paulo - Apelante: Osvaldo Rodrigues - Apelada Construtora e Administradora Taquaral S.A. - RJTJESP, Ed. LEX - 139/41)

           "RESCISÃO CONTRATUAL - Contrato de Adesão e o Código de Defesa do Consumidor - Aplicação imediata - Excessiva onerosidade da cláusula penal - Ofensa ao art. 53, caput da Lei 8078/90."

           "O contrato de adesão possibilita a intervenção judicial, para a correção de cláusulas excessivamente onerosas para a parte aderente. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, cujas normas são de ordem pública e de interesse social (art. 1o), considera nulas de pleno direito, cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas, no caso de resolução do contrato de compra e venda de coisa móvel ou imóvel, por inadimplemento do comprador (art. 53). Esta disposição, por ser de ordem pública, aplica-se aos contratos anteriores ao referido estatuto legal, de forma a nulificar a cláusula do contrato que estabelece a perda". (TJSP - Ap. Cível 197.165-2/3 - SP - 11a Câm. Civil Rel. Des. Pinheiro Franco - j. 22.10.92 - m. v.)

           "Aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de execução diferida, não obstante ter sido pactuado antes da vigência deste diploma legal - art. 1o. Improcede o pedido de perdas das parcelas pagas, porque nula é a cláusula contratual que a estabelece, face a sua abusividade". (TJDF - Ap. Cível 31.902/94 - DF - 3a T. - Rel. Des. Nancy Andrighi - j. 16.05.94 - m. v.)

           "Ainda que pactuada anteriormente à vigência do Código de defesa do Consumidor, a cláusula penal que estipula a perda de todas as importâncias pagas é draconiana e deve ser reduzida aos seus limites, perdendo o promissário inadimplente apenas o sinal, assegurando o seu direito de reaver as demais quantias, corrigidas após o desembolso e com juros de 6% ao ano, a partir da citação". (Ac. Da 4a Câm. Civ. Do TAMG - Ap. Civ. 158.893-4 - Rel. Juiz Jarbas Ladeira - j. 6.10.93).

           "Eficácia na resolução. Desfazendo a relação contratual e os seus efeitos, a resolução determina o retorno ao estado anterior, inclusive a devolução das parcelas do preço já pagas, exceto o sinal, por força de expressa norma legal (CC, art. 1097)". (RT 653/193).

           Neste diapasão, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça perfilhou este entendimento, proscrevendo quaisquer cobranças ou retenções aleatórias. Ademais, estabeleceu o índex de 10% do valor quitado como suficiente para suprir eventuais despesas da incorporadora. Como exemplo trazemos à colação os seguintes julgados: Resp. 59.524-DF, Resp. 51.019-SP e Resp. 45.511-SP.

           Em relação ao limite de 10% (dez por cento), assim já se pronunciou a 1a Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, no processo 011968.7592.4, onde foi relator o Juiz Claudir Fidelis Faccenda:

           "É aceita a cláusula penal ou redutor válido para a retenção de parte dos valores recebidos em contratos de compra e venda de imóveis em prestações, desde que em percentual não superior a 10%, limite imposto pelo CDC".

           Não faz sentido o argumento das incorporados de que o contratante que deu causa à rescisão deve arcar com os gastos com advogado, corretor, publicidade, intermediação e pagamento de administradora, dado que esses valores já são estipulados na planilha de custo da obra, não podendo esses valores serem cobrados em duplicidade. Por outro lado, quem contrata esses profissionais é que deve arcar com ônus da contratação e procurar elaborar com eles avenças que não venham a prejudicar os consumidores. Demais a mais, o risco do empreendimento deve ser do fornecedor-comerciante e não do consumidor.

           In casu, cumpre frisar que a retenção aleatória, na hipótese de resolução por parte do consumidor, desconfigura o equilíbrio contratual, atribuindo inúmeras vantagens à incorporadora. Porquanto, irrefragável a ilação de locupletamento ilícito, visto que ao empreendedor nenhum prejuízo resulta. Patente é a ofensa ao inciso II, do art. 51 do CDC, in verbis:

           "Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

           (...)

           II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código".

           Ademais, mesmo que a negativa de devolução se desse a título de cláusula penal, por ser leonina não poderia prevalecer, pois:

           "Não há que se falar em obrigatoriedade do contrato, posto que o CDC, pela supremacia, se sobrepõe à autonomia da vontade, ao considerar, em seus artigos 51, II, IV e XV e 53, ineficazes de pleno direito, porque abusivas as cláusulas penais estipuladas em contrato de adesão, consolidando, com isso a proteção jurisdicional ao economicamente mais fraco". (Acórdãos do Tribunal de Justiça da Bahia, Recurso Civil, In Revista do Consumidor, órgão oficial do Brasilcon, n.º 17, pág. 243/244, janeiro/março - 1996).

           Por sintetizar a explanação em epígrafe, transladou-se a ementa proferida na Apelação Cível no 31.170, apreciada pela Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

           "I - Correta é a sentença que inadmite cláusula que atribui a uma das partes vantagens desmesuradas, concedendo-lhe lucros desproporcionais em relação à sua contraprestação contratual.

           II - O princípio da autonomia da vontade não pode estabelecer uma compensação de perdas e danos que, produza, em lugar de uma justa reparação, um enriquecimento sem causa.

           III - Sentença confirmada. Apelação desprovida".

           Seja a título de cláusula penal, seja a título de perdas e danos, os tribunais brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, admite a retenção de apenas 10% do valor pago. Cabendo salientar que alguns tribunais, em caso concreto, não tem admitido retenção alguma, por entenderem que qualquer percentual de retenção ocasionaria enriquecimento ilícito.

           Assim, pelas decisões que vêm sendo tomadas pelos tribunais, deve-se firmar que a retenção permitida pelo artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor é de 10% do valor já pago, que é a quantia mais que suficiente para saldar eventuais gastos despendidos pela incorporadora e administradora.

           Em caso desse valor ser, por motivos singulares, no caso concreto, insuficiente para fazer frente as perdas das rés, estas deverão intentar a ação judicial cabível, dado que todo aquele que cause prejuízo a alguém está obrigado a repará-lo, mas não a manus militari ou através de exercício arbitrário das próprias razões. Tais perdas devem ser provadas em processo legal, onde haverá o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

           Infelizmente não é, absolutamente, dessa forma que vêm agindo as requeridas. Cita-se abaixo, a título de exemplo, um, dentre os inúmeros casos que ocorrem no cotidiano dessas empresas de incorporação, construção e venda de imóvel, onde fica patente a onipotência e prepotência delas e a deficiência, vulnerabilidade e impotência do consumidor.

           Viu-se, nesta Promotoria de Justiça, o caso de a ré Tecnifh, em contrato firmado em relação ao Residencial Caribe Parque, querer reter até 90% dos valores pagos por mutuários, em virtude de rescisão contratual. Dona Marleni Andrade Barbosa, após ter pago, por dois anos, sem receber o imóvel, R$ 4.200,00, incluindo aí o valor do sinal e do seguro, teve que rescindir o contrato por falta de condição de fazer frente aos valores contratados, dado que seu esposo ficou desempregado, Após a intervenção da Promotoria de Justiça do Consumidor, com o fim de majorar o percentual de devolução, o representante da requerida Tecnifh prometeu rever a posição. Em contato com a empresa, o esposo da Sra. Marleni obteve a promessa de devolução de 55% sobre o valor de R$ 3.200,00, pois do total de 4.200,00 pago seriam excluídos os valores referentes ao seguro (R$ 432,00) e à primeira parcela, que os réus denominam de entrada ou sinal (R$ 566,00). Como se não bastasse tal arbitrariedade, a ré Tecnifh resolveu devolver, em duas parcelas e sem correção monetária, apenas R$ 1.600,00 à mutuária, sendo que uma parcela foi paga no dia 28/01/98 e a outra será paga no dia 03/03/98.

           Nesse caso, a Tecnifh contrariou, como é de seu costume, todo os dispositivos legais, doutrinários e jurisprudencial em vigor e acima transcrito. Além de reter o valor pago a título de sinal, reteve ainda 50% do restante pago (num total de retenção de R$ 2.166,00), sendo certo que a restituição de R$ 1.600,00 está sendo feita em duas parcelas, sem juros e sem correção monetária. Tudo isso conforme comprovam os documentos juntados nos autos às f. 196 em diante do referido PA e a conversa mantida pela Sra. Marleni e seu esposo com o Promotor de Justiça que subscreve esta peça.

           Tendo sido consultado pela Sra. Marleni se ela deveria aceitar ou não o ínfimo valor oferecido em devolução, o subscritor desta lhe orientou a receber tal valor, já que tinha seu marido desempregado e o sogro hospitalizado no CTI, e que depois buscasse o ressarcimento do que ainda era devido através do Poder Judiciário, em face de ser a imposição da ré Tecnifh totalmente arbitrária e de ser o CDC uma norma de ordem pública e de interesse social.

           Apesar da profundidade do estudo acima, cabe aqui salientar que o entendimento do Ministério Público Paulista nesta área, não destoa das conclusões acima expostas. O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, sob a orientação e coordenação do Ex.mo Procurador de Justiça, Dr. José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, vem desenvolvendo trabalho em idêntico na área de incorporação, motivo pelo qual se coloca nesta petição uma nota de fim de página com a transcrição da Súmula de Estudos n.º 16, presente no Livro Promotoria de Justiça do Consumidor: Atuação Prática, de José Geraldo Brito Filomeno, com a colaboração de Dora Bussab Castelo e de Ronaldo Porto Macdo Jr., Imprensa Oficial de São Paulo, 1997, p. 103 a 111.

Cláusula Décima Primeira, Parágrafo Único:

           O contido neste parágrafo único é totalmente abusivo, dado que está eivado de má-fé e peca contra o princípio da informação. As obrigações a serem cumpridas pelo vencido em uma demanda judicial já estão previstas em lei e o juiz as fixará na sentença, inclusive os honorários advocatícios que serão estipulados nos termos do artigo 20, § 3o, do Código de Processo Civil.

           Além do mais, o artigo 51, inciso XII, estabelece que é nulo de pleno direito as cláusula que

           "obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor".

8) Cláusula Décima Segunda:

           O contrato, mediante esta cláusula, prevê que, em caso de resolução, as quantias pagas somente serão devolvidas em parcelas mensais e em número idêntico ao de prestações quitadas, devidamente corrigidas, a partir de 60 dias da rescisão, deduzidas as reduções fixadas no item anterior.

           Há aqui flagrante ofensa ao direito do consumidor. Ora, se eventuais prejuízos da vendedora já são abatidos no próprio ato da rescisão, não há motivo para reter o capital (a não ser a avidez materialista dos requeridos), vedado que é o enriquecimento ilícito em nossa grei. Portanto, deduzidas as despesas, a quantia restante deve ser devolvida de imediato, devidamente corrigida e acrescida dos juros legais.

           Isso sem contar que os réus já trabalharam com o capital do mutuário por um bom tempo, aumentando, assim, consideravelmente seus patrimônios.

9) Cláusula Décima Terceira:

           Deve-se corrigir nesta cláusula alguns senões.

           O primeiro. O consumidor jamais poderá receber o imóvel em estado precário nem ter a posse precária deste, por razões óbvias: um imóvel em estado precário não serve ao consumidor (é um produto impróprio para o fim a que se destina) e uma posse precária é uma posse injusta.

           Segundo. Não existe outorga de escritura provisória. Logo, toda escritura é definitiva.

           Terceiro. A não desocupação do imóvel, nas condições colocadas no contrato, que, como já dito, totalmente leonino, não dá a vendedora o direito de obter liminar, em ação possessória. Essa terá, no máximo, o direito de ingressar em juízo com a ação própria, requerendo concessão de liminar. A concessão ou não da liminar dependerá do caso concreto e da decisão judicial. Vê-se, portanto, que aqui também a informação é tendenciosa e enganosa, devendo ser retirada do contrato. Visa ela coagir o contratante a pagar, sem questionar, qualquer valor estipulado e cobrado e fazer com que o mutuário cumpra qualquer condição imposta pelas rés e pelos seus representantes legais.

           Quarto. Dizer que o descumprimento de qualquer condição prevista no contrato tem o condão de determinar a desocupação do imóvel nas condições definidas na cláusula décima quarta (que é também abusiva) é usar de má-fé e ofender os princípios do equilíbrio, da informação e da clareza, principalmente em se tratando de um contrato totalmente tendencioso como o é o ora examinado. Os réus devem dispor com clareza e objetividade quais são os motivos que ensejam a retomada do imóvel, mesmo porque tais motivos devem ser analisado, à luz da lei, pelos contratantes, pelos órgãos de defesa do consumidor e pelo próprio Poder Judiciário.

10) Cláusula Décima Quarta:

           Prevê a cláusula que ocorrendo a resolução contratual, as pessoas que estiverem na posse do imóvel deverão desocupá-lo, sob pena de multa diária fixada em 10% do valor da prestação. Tal disposição, além de subtrair do adquirente o direito à retenção por benfeitorias úteis e necessárias e à indenização pelas melhorias voluptuárias, ainda dispõe sobre multa em duplicata e abusiva.

           Os requeridos estão a adotar medidas paradoxais, antagônicas aos postulados do próprio Código Civil, propiciando outra vez os seus enriquecimentos sem causa.

           Preconiza o referido códex:

           "Art. 516 - O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, ao de levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis poderá exercer o direito de retenção".

           A boa-fé deve ser verificada na época da feitura das benfeitorias e não a partir do dia em que o contratante deve deixar o imóvel. O previsto no final da cláusula décima segunda , letra "b", não tem o condão de modificar tal realidade jurídica.

           A única multa que deve incidir no presente caso é a referente ao não pagamento das parcelas em dia, se tal ocorrer. Em caso de não desocupação do imóvel, por motivo justificadores dessa medida, deve acarretar ao contratante apenas o dever de pagar, mensalmente, a título de fruição, o valor correspondente, no máximo, ao valor de uma prestação.

           Assim, percebe-se que o valor pecuniário cobrado pela permanência no imóvel é altíssimo, devendo ser reduzindo a um quantum mais próximo da realidade do mercado e dos contratantes; quanto às benfeitorias, deve-se conceder ao consumidor o direito de retenção por benfeitorias úteis e necessárias, sendo certo que a indenização por qualquer tipo de benfeitoria realizada é obrigatória e deve ocorrer de pronto, de modo a não inviabilizar a desocupação do imóvel, em razão do direito a retenção do mesmo.

11) Cláusula Décima Quinta:

           Pelo "caput" desta cláusula, o prêmio do seguro de vida, pago pelo contratante, tem como cobertura o pagamento integral do saldo devedor. Ora, como este saldo está sendo corrigido indevidamente, com acréscimos de resíduos ilegais e que não correspondem ao que foi veiculado na publicidade feita, o preço pago pelo seguro também está exorbitante e deve ser, de pronto, corrigido.

Cláusula Décima Quinta, Parágrafo Primeiro:

           Ficou assentado neste parágrafo que "O valor do seguro será acrescido à prestação e será a partir da assinatura do presente contrato."

           Em relação a isso há ponderações e correções a fazer. A cláusula, não muito clara, deixa a entender que o pagamento das prestações correspondentes ao seguro serão pagas a partir da assinatura do contrato. Ora, se foi exatamente isso que se quis dizer, dever-se-ia ter deixado explicito essa intenção no dispositivo. Parece que a falta de clareza da cláusula é intencional, dado que o pagamento do seguro não deve ser feito a partir da assinatura do contrato, mas a partir da data em que se fizer o contrato com a seguradora.

           Em relação a seguros, os órgãos de defesa do consumidor devem ficar muito atento com as vendedoras de imóveis incorporados, dado que aí é que ocorrem as maiores lesões. Ou elas cobram o valor do seguro sem tê-los contratados ou recebem os valores correspondentes ao prêmio do seguro sem, contudo, repassar às seguradoras contratadas, obrigando estas a rescindir o contrato, em total prejuízo ao consumidor.

           Como não se sabe, no caso em exame, qual é a situação, o melhor é prevenir e corrigir o contrato para que o seguro só seja cobrado a partir do dia em que for contratado uma seguradora, com comprovação documental ao mutuário.

Cláusula Décima Quinta, Parágrafo Segundo:

           A vendedora além de se obrigar a afixar no escritório da Administradora, em lugar visível e acessível ao público, o comprovante de recolhimento do seguro e a relação dos compradores beneficiários, deve também ser obrigada a remeter aos mutuários - com o fim de se evitar a ocorrência dos problemas acima referidos - cópia da apólice, comprovante do número total de parcelas a serem pagas e o valor individual de cada parcela. Não se pode admitir que o consumidor pague algo que não sabe quando começa nem quando termina.

           Deve-se acrescentar um parágrafo a esta cláusula décima quinta que disponha que, após pago o saldo devedor, os possíveis valores remanescentes do seguro deverá ser entregue ao mutuário ou a seus herdeiros e/ou sucessores, pois só a ele pertence.

12) Cláusula Décima Sétima:

           Após relacionar várias despesas que serão da responsabilidade do consumidor-contratante depois da entrega das chaves, esta cláusula dispõe, também, genericamente, que corre igualmente por conta do contratante "outros encargos" que incidam, na data da entrega das chaves, ou que venham a incidir, ainda que lançados em nome da vendedora. Ora, não é possível fixar em contrato responsabilidades vagas para o consumidor, sem mencionar precisamente quais são elas, pois tal situação oportuniza a empresa contratada lançar débitos que o contratante não sabe quais são. Todas as obrigações pecuniárias do mutuário devem estar expressamente dispostas no contrato, para se evitar surpresas desagradáveis e para que o consumidor possa analisar sua legalidade.

           Prevê, ainda, esta cláusula que o contratante deve pagar "taxa de autorização de escritura junto à Administradora", que - segundo o parágrafo único desta cláusula décima sétima - é de valor equivalente a uma prestação. Este é outro absurdo que deve ser extirpado do contrato. A outorga da escritura é uma conseqüência do negócio feito e não um outra transação a parte. Além do mais, tudo o que não represente uma contraprestação de serviço constitui-se em enriquecimento sem causa e lesão ao consumidor.

           Outrossim, é imprescindível que o contrato disponha sobre a obrigação das empresas rés de notificar o adquirente para lhe dar ciência da ocasião em que deve providenciar a escritura e dos documentos necessários para a tomada dessa providência.

13) Cláusula Décima Oitava:

           Invocando o Artigo 1.058 do Código Civil, esta cláusula consigna um prazo de tolerância para conclusão da obra, além de estabelecer sua prorrogação por caso fortuito ou força maior ou, ainda, em razão da inadimplência de mais de 25% do total de adquirentes.

           Todas estas prorrogações constitui-se em arbitrariedade e só se encontram no contrato porque ele foi elaborado exclusivamente por uma parte, que sequer estipulou prazos de carências para o consumidor quitar sua obrigação, pelo contrário fixou multa, juros, correções monetárias e rescisão contratual caso o consumidor não pague as parcelas rigorosamente em dia, independentemente do que lhe possa sobrevir. Essa cláusula é ilegal e draconiana. Traz ela equilíbrio ao contrato.

           Todas as tolerâncias e prorrogações devem ser excluídas. O contratante não pode esperar, ad eternum, pela conclusão das obras. Seus prejuízos vão se acumulando diariamente em caso de atraso nas obras. As contratadas só prevêem prazo e mais prazos a seu favor, mas não se dispõem a pagar os alugueres para o consumidor durante o prazo de prorrogação. Isso sem dizer que esse dispositivo não determina por quanto tempo será a tolerância e que os prazos contratuais previstos (97 meses) já são extremamente longos.

           Não é lógico nem racional fixar prazo para caso fortuito e força maior. O próprio nome já diz tudo. Se se pode prever de antemão por quanto tempo durará o dito caso fortuito ou a força maior, é porque de caso fortuito ou força maior não se trata. Os réus assim dispõem com o único objetivo: alegar, diante de todo fato ocorrido, caso fortuito e força maior, como é do costume de todas as incorporadoras e vendedoras de imóvel.

           Sem dúvida, Abusiva é a exclusão de responsabilidade pela ocorrência de caso fortuito ou de força maior, pois esta cláusula ofende o artigo 51, inciso I, do CDC.

           Outrossim, deve-se dizer que a parte final do dispositivo (prorrogação em caso de inadimplência) caracteriza captação de poupança popular, para a qual é imprescindível a autorização do Banco Central.

           Resumindo a questão, cabe finalizar dizendo que o consumidor tem o direito de receber o imóvel no prazo pactuado, pois tal resulta de boa-fé, moralidade e do próprio Código de Defesa do Consumidor, que dispõe em seu Artigo 39, inciso IX:

           "É vedado ao fornecedor de produtos e serviços: (....); IX - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério".

           Estipular prazo para o cumprimento da obrigação e, logo em seguida, estabelecer inúmeros pretextos para descumpri-lo é o mesmo que não tê-lo fixado.

14) Cláusula Vigésima:

           Fixa esta cláusula que, em garantia do pagamento total da dívida, o comprador dará às empresas rés, em hipoteca, o imóvel objeto do contrato, incorporando-se a ele todos os melhoramentos eventualmente acrescidos.

           Não há equilíbrio neste dispositivo. Do consumidor se exige a garantia hipotecária, mas para as empresas rés não se exige nenhuma garantia, principalmente em relação ao dinheiro que o contratante paga mensalmente, bem como não há garantia para eventual não-entrega do imóvel objeto da avença. Para se equilibrar o contrato, em relação a esta cláusula, deve exigir garantia real dos réus.

           Os melhoramentos incorporam-se ao imóvel, como diz a lei civil, mas tal não dá direito às rés de não ressarcir devidamente as benfeitorias feitas. As empresas requeridas têm o dever de indenizar as benfeitorias feitas, mesmo na hipótese de a hipoteca vir a ser executada.

Cláusula Vigésima, Parágrafo Segundo

           A menção, no contrato, do instituto da impenhorabilidade do bem de família contemplado pela Lei Federal n.º 8.009, de 29/03/90, não faz nenhum sentido, ofendendo, sem dúvida, o princípio da informação e da lisura contratual. Isso porque o imóvel, quanto à propriedade, estará em uma das seguintes situações: a) não quitado, sem escritura para o mutuário, estando, portanto, em nome de umas das empresas rés; b) não quitado, mas já escriturado para o contratante, com garantia hipotecária; ou c) quitado e, portanto, escriturado para o contratante. No primeiro caso (letra a), em havendo necessidade de execução da dívida, não poderão os réus penhorar o que é seu. Na segunda situação (letra b), em caso de não pagamento, os réus não precisarão de se valer do instituto da penhora, posto que deverão apenas executar a hipoteca. No terceiro caso, é desnecessário dizer que o negócio já está pronto e acabado, não existindo qualquer vínculo entre contratante e contratadas, em face da quitação do imóvel, objeto da avença.

15) Cláusula Vigésima Primeira:

           Apesar de o comprador não poder intervir, direta ou indiretamente no andamento normal da obra, deve ficar ressalvado, nesta cláusula, o direito de o consumidor fiscalizar o andamento da obra, com o fim de verificar se os prazos estipulados estão sendo cumpridos ou não. Assim, as proibições de o contratante "manter entendimento com o encarregado ou com os operários da obra e o de permanecer no local, sem autorização da vendedora," deve sofrer as restrições previstas na lei e no próprio contrato, de modo a não inviabilizar o princípio do exercício legal de direitos.

16) Cláusula Vigésima Segunda:

           A obrigação imposta ao comprador pela vendedora - no sentido de que esta, mesmo após a instalação do condomínio e enquanto existirem apartamentos a serem construídos, possa manter, no empreendimento, corretores e placas promocionais, a serem afixados em local escolhido pela vendedora - deve ser revista. Ofende tal dispositivo o direito à propriedade, ao sossego e a intimidade de todos os contratante-mutuários. No mínimo, a contratada teria que afixar placas e manter corretores em locais autorizados pelos contratantes e não em lugares impostos pelas contratadas.

17) Cláusula Vigésima Quinta:

           Não há razão para se responsabilizar os herdeiros e sucessores do contratante pelo cumprimento do contrato, tendo em vista que a única responsabilidade que poderia deles se exigir seria o pagamento do saldo devedor, mas esse já será coberto pelo seguro prestamista feito. Por respeito ao princípio da informação e boa-fé, é imprescindível eliminar essa previsão do contrato. Só servirá ela para os réus criarem débitos inexistentes para os familiares do contratante pagarem.

18) Cláusula Vigésima Sexta:

           Dispõe esta cláusula que "os contratantes, em comum e recíproco acordo elegem o foro desta comarca, com renúncia de outro por mais privilegiado que seja". Esta escolha jamais foi feita de comum e recíproco acordo pelos contratantes. Primeiro, por ser o presente um contrato de adesão, onde só a vontade das contratadas prevalece. Segundo, porque o consumidor jamais escolheria um foro que lhe dificultaria eventuais discussões judiciais.

           Tal disposição poderá inviabilizar a defesa dos direitos e interesses do consumidor, principalmente em face da expressão "com renúncia de outro (foro) por mais privilegiado que seja". Em alguns casos concretos, essa disposição estará, sem dúvida, ofendendo a previsão contida no artigo 6o, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que fixa como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos. A título de elucidação, pode-se citar o caso do consumidor que se muda de Campo Grande para uma localidade distante. Nesse caso, a cláusula, como está, inviabilizaria àqueles que não têm condição de se deslocar até Campo Grande para discutir, no Judiciário, eventual direito pendente.

           Nelson Nery Júnior, "in" Comentários ao Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Editora Forense Universitária, páginas 337/338, não tem entendimento diferente:

           "Pode ser considerada abusiva a cláusula de eleição do Foro em cláusulas contratuais gerais ou em contrato de adesão se se traduzir em dificuldades de defesa para o consumidor. Não obstante seja lícita a eleição de Foro, em se tratando de competência relativa, por autorização do direito processual, a questão deve ser analisada à luz do direito material porque objeto de estipulação negocial em contrato de consumo.

           Desde que discutida livremente entre as partes, em igualdade de condições, a cláusula de eleição de foro é perfeitamente válida e eficaz."

           O princípio da "pacta sunt servanda", com o advento da Lei n.º 8.078/90, passou a ser relativizado, pois as disposições contratuais sempre serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (artigo 47 do C.D.C.).

           Dessarte, não existindo nos contratos de adesão o reconhecimento da liberdade e da vontade do consumidor, é imposição excessivamente onerosa a estipulação de foro de eleição em domicílio que dificulte a defesa do consumidor.

           Assim, essa cláusula deve ser, evidentemente, modificada, pelo menos no seu final, onde deve ser substituída a expressão "com renúncia de outro por mais privilegiado que seja", por: "salvo se não prejudicar o direito de defesa do consumidor".

20) Quadro Resumo:

Sinal

           O valor dado como sinal é ilegal. Em face dos princípios presentes no CDC, todo valor pago pelo consumidor deve representar uma contraprestação, em serviço ou bem e o referido sinal visa principalmente enriquecer ilicitamente o fornecedor, que poderá receber esse valor sem ter prestado nenhum serviço ou fornecido nenhum bem, bastando simplesmente que o consumidor não faça o negócio após o pagamento desse famigerado sinal, que é pago mesmo antes do consumidor ter conhecimento do contrato. Além do mais, vai ele contra o princípio da informação e da reflexão, dado que o consumidor paga o sinal sem qualquer informação prévia a respeito do contrato e do negócio a ser feito. Nessas condições, não consegue o consumidor sequer reflexionar tranqüilamente a respeito do negócio a ser feito, dado que estará forçado a fazer o negócio mesmo se o reputar indesejável, em razão de existência de cláusula abusiva, com as quais não concorda. Isso porque se não concretizar o negócio, assinando o contrato, perderá o valor que já deu, o que é uma lesão ao consumidor.

Item 03 - do Pedido de Reserva do Imóvel:

           Dispõe este item que "Em caso de arrependimento e desistência do negócio, se pela vendedora, esta devolverá as importâncias recebidas em dobro, se pelo(a)(s) adquirente(s), este(a)(s) perderá(ão) as importâncias pagas".

           Em primeiro lugar, há que se melhorar a redação, em respeito ao princípio da informação. A expressão "em dobro" está fora de lugar. A importância não é recebida em dobro, mas a devolução dessa importância que é feita em dobro. Assim, a melhor redação seria: "...se pela vendedora, esta devolverá, em dobro, as importâncias recebidas".

           Pelo disposto neste item, são extremamente vantajosas, para os empreendedores, esta desistência, posto que, além de reter os valores pagos a título de sinal, poderá comercializar, outra vez, referido imóvel. E assim, sucessivamente, caso ocorra outro arrependimento, ensejando, sem dúvida, enriquecimento sem causa. Assim, é mais negócio para o empreendedor, não concretizar negócio algum, que vender as unidades habitacionais por construir. E para que essa vantagem continue sempre crescente, o consumidor não deve mesmo receber nenhum informação antes de pagar o sinal, pois caso contrário nem aparecerá para dar tal sinal.

           A cobrança do sinal não faz sentido, pelo menos para a lei protetiva e para o consumidor, devendo, portanto, ser extirpada do quadro resumo. A adesão contratual não pode estar condicionada ao pagamento de qualquer valor, sob pena de nulidade.

           Ademais, o único percentual de perda que o contrato ou pré-contrato podem prever e o equivalente a 10% de qualquer valor pago.

O item 04

           Este item quatro deve ser abolido por se tratar de propaganda enganosa e por favorecer a correção mensal de parte da parcela, além de criar resíduo a ser pago no final do contrato, gerando novo encargo desnecessário e prejudicial ao consumidor.



C) DO DIREITO:

           O artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor traz o conceito de consumidor aplicável ao caso, merecendo ser transcrito:

           "Para os fins deste Capítulo e do seguinte equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas."

           A definição acima declinada visa, portanto, à proteção abstrata e preventiva daqueles consumidores que podem ser lesados pelas práticas comerciais abusivas, enquadrando-se o presente feito, perfeitamente, à hipótese legal.

           Sobre o artigo, assim comenta Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, na página 147 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Editora Forense Universitária, 3ª edição, palavras que merecem transcrição:

           "Como já referido, no conceito do art. 29, basta a mera exposição da pessoa às práticas comerciais ou contratuais para que se esteja diante de um consumidor a merecer cobertura do Código."

           "Um tal conceito é importante, notadamente para fins de controle preventivo e abstrato dessas práticas. O implementador - aí se incluindo o Juiz e o Ministério Público - não deve esperar o exaurimento da relação de consumo, para, só então atuar. Exatamente por que estamos diante de atividades que trazem um enorme potencial danoso, de caráter coletivo ou difuso, é mais econômico e justo evitar que o gravame venha a se materializar."

           Fica fácil, com tais subsídios legais e doutrinários, vislumbrar o imenso espectro de dano a que ficarão submetidos os consumidores difusamente considerados, caso sejam mantidas as cláusulas abusivas do contrato incluso no inquérito civil público que acompanha a presente, bem como na hipótese de serem mantidas as práticas abusivas utilizadas pela demandada quando do fornecimento do serviço, na forma apontada no compartimento dos fatos, desta peça.

           Cabe salientar, igualmente, que os contratos impugnados caracterizam-se como de "adesão", obrigando, então, à utilização de novos e modernos critérios para interpretá-los.

           Sobre o tema comenta a Professora Cláudia Lima Marques, em artigo publicado na página 32 da Revista de Direito do Consumidor, volume 1, editora Revista dos Tribunais, 1993:

           "O contrato, negócio jurídico por excelência, continua a ser um ato de auto-regulamentação dos interesses das partes, e, portanto, um ato de autonomia privada, mas este ato só pode ser realizado nas condições agora permitidas pela lei. É uma nova concepção mais social do contrato, onde a vontade das partes não é a única fonte das obrigações contratuais, onde a posição dominante passa a ser a da lei, que dota, ou não, de eficácia jurídica aquele contrato de consumo."

           Ainda deve ser dito que é direito básico do consumidor a proteção preventiva contra cláusulas abusivas:

           "Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

           IV- a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos e desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

           V- a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais

           VI- a efetiva PREVENÇÃO e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos;

           VII- o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;"

           Regras que buscam os mesmos resultados estão na "norma-objetivo" do artigo 4º do CDC e, especificamente, nos artigos 51 até 54 da Lei Protetiva.

           Resta induvidoso, desta forma, que as normas do CDC se aplicam diretamente ao contrato impugnado e às práticas comerciais abusivas apontadas, bem como que a prevenção é um dos mais importantes fundamentos da nova lei.

1) Significado das Expressões "de Ordem Pública" e "Interesse Social":

           No artigo 1º da Lei nº 8.078, de 11.09.90, é dito que as normas de proteção e defesa do consumidor estabelecidas pelo Código são:

           "de ordem pública e interesse social ..."

           Tal determinação, inserida no primeiro artigo do CDC, significa que suas regras devem ser aplicadas até mesmo de ofício pelo Magistrado, mitigando o princípio dispositivo existente no direito processual civil.

           Com efeito, na forma comentada acima por Antônio Herman Benjamin, não somente as cláusulas apontadas pelo autor como abusivas podem sofrer os efeitos da declaração de abusividade decorrente da prestação jurisdicional, mas qualquer outra que desrespeite as regras inclusas nos artigos 51 até 54 do CDC.

           Neste sentido é a lição de Nelson Nery Júnior, inclusa na Revista do Consumidor nº 1, editora Revista dos Tribunais, p. 201, palavras que merecem transcrição:

           "O art. 1º do CDC diz que suas disposições são de ordem pública e interesse social. Isto quer dizer, em primeiro lugar, que toda a matéria constante do CDC deve ser examinada pelo juiz ex officio, independentemente de pedido da parte...".

           Tal posição é pacífica e dispensa maiores comentários, eis que o artigo é auto-explicativo.

           Não se olvide, também, a regra inclusa no artigo 47, quando é delimitada a maneira de interpretar as cláusulas contratuais modernamente.

           A presente ação visa impugnar as cláusulas específicas do contrato juntado ou de outros que venham a substituí-lo, mas que contenham os mesmos termos, conteúdo, objetivo e resultados abusivos ora apontados, bem como visa retirar e ajustar as cláusulas e práticas comerciais abusivas utilizadas no contrato ora examinado.

           Além destas cláusulas outras poderão ser reconhecidas como abusivas pelo Magistrado, já que as normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e de interesse social, na forma já ressaltada.

           Também deve ser destacado que o contrato impugnado deverá atender às exigências do artigo 54 e seus parágrafos, do C.D.C, pois suas disposições são de difícil leitura e não estão destacadas aquelas disposições que limitam direitos dos consumidores.

2) Das Conseqüências do Uso de Cláusulas Abusivas em contrato de adesão:

           Tanto no direito pátrio quanto no direito estrangeiro é proibido o uso de cláusulas abusivas em contratos de relação de consumo, em ambos os direitos a conseqüência do uso desse tipo de cláusulas é uma só: o reconhecimento de sua nulidade.

           Sobre o assunto, a doutrina lusitana dispõe:

           "O consumidor deve ter em atenção a possibilidade de serem inseridas, neste tipo de contratos (2), cláusulas abusivas, isto é, formuladas de tal forma que obriguem os consumidores contra a própria vontade, contra os seus interesses ou mesmo em violação de normas legais.

           As cláusulas proibidas são nulas, ou seja, não produzem qualquer efeito válido e qualquer interessado pode invocar essa nulidade, a todo o tempo, perante o fornecedor ou perante os tribunais. (....).

           Por outro lado, as cláusulas que normalmente passem despercebidas, ou pela epígrafe enganosa ou pela especial apresentação gráfica (por, exemplo, em caracteres reduzidos), não geram também quaisquer obrigações para o consumidor.

           Proibição de utilização das cláusulas abusivas:

           A lei oferece outro caminho, visando já não tanto o seu contrato em particular, mas a proibição da utilização de cláusulas abusivas em qualquer contrato.

           Assim, ao ter conhecimento da utilização de cláusulas proibidas, pode o consumidor comunicar a uma Associação de Consumidores, ao Provedor de Justiça ou ao Ministério Público, de forma a que o tribunal venha a proibir o seu uso." (Doutrina retirada do site da INFOCID, entidade portuguesa, no endereço: "http://www.infocid.pt/Infocid/1215_1.htm").

           No direito brasileiro, o Artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que são nulas de pleno direito, não produzindo qualquer efeito, as cláusulas abusivas e este mesmo artigo, em seu parágrafo 4o, estabelece que:

           "É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou que de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes."

           Inegável a ingerência do princípio da autonomia da vontade no direito contratual. Tal asserção, aliás, integra o próprio contexto evolutivo da livre iniciativa e da liberdade mercantil, cujo pressuposto vestibular é igualdade das partes.

           Se de um lado sazonaram os regulamentos acerca do "pacta sunt servanda", não menos certo é que estes devem ser analisados com extrema desconfiança, mormente quando a ferir interesses coletivos e homogêneos.

           Indubitavelmente, esta máxima cede diante do interesse público na subjugação do equilíbrio nas relações de consumo. Ausente este requisito, iníquo qualquer dispositivo pactuado.

           A maioria das transações imobiliárias opera-se através da assinatura de documentos nefastos, cujo conteúdo encerra patente agressão aos ditames legais, quer omitindo cláusulas essenciais, quer limitando direitos por lei assegurados. São os chamados contratos de adesão, ardil predileto dos gananciosos, onde não há vez para as exigências dos consumidores. Sua previsão legal encontra-se positivada em nosso CDC, no art. 54, "caput", in verbis:

           "Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo".

           Assim, como bem salienta Leonardo Roscoe Bessa, Promotor de Justiça do Distrito Federal,

           "é utópico falar-se nesta área em liberdade contratual e autonomia da vontade. Não há qualquer espaço para expressão da vontade do consumidor. O propalado ´pacta sunt servanda´ deve ser olhado com forte desconfiança. E, ainda, depois de ´celebrado´ o contrato, havendo divergência quanto à legalidade de alguma cláusula, caberá a ele o ´ônus´ de acionar a empresa, já que esta tem sempre a posse antecipada de parte do preço".

           Ora, como bem se explicitou, não há que se questionar o desequilíbrio existente no caso sub judice. Embaídas por uma lábia extremamente sedutora, várias pessoas confiaram suas reservas patrimoniais à administração das requeridas, na esperança de adquirir um imóvel residencial.

           Deste modo, estando repleto de cláusulas restritivas e ajustes leoninos, a reformulação do conteúdo contratual impõe-se de forma soberana.

           Na Apelação Cível n.º 213.070 - 1, onde foi Relator o Juiz Duarte de Paula, a 3a Terceira Câmara do TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS, analisando a existência de cláusulas abusivas em contratos de adesão, assim decidiu:

           "A lei veda a imposição destas cláusulas, mormente quando utilizadas em contratos de adesão, onde a superioridade econômica e jurídica de uma das partes leva a imposição de todas as cláusulas do negócio sem qualquer possibilidade de discussão da parte mais fraca. A esta cabe somente aderir ou não aderir ao contrato, como um todo, sem previsão alguma de negociação para efeito de acordo, já que o contrato lhe é apresentado pronto, estereotipado, alheio a qualquer restrição humana, fato que compromete sobremaneira o prestígio da autonomia da vontade". (Ac. Da 3a Câm. Civ. Do TAMG - ApCiv 213.070 - 1 - rel. Juiz Duarte de Paula - j. 15.05.1996 - v.u.)

           Na atual fase de globalização, bem assim da corrida tecnológica averiguada nos diversos métodos de produção, é o consumidor o alvo imediato das ávidas concentrações capitalistas. A peça mais frágil nesta execrável corrente de dominação econômica.

           Outrossim, a Constituição Federal e o Código do Consumidor, como instrumentos da Justiça que são, patrocinam arrimo ao consumidor indefeso, esbulhado em seus direitos, proporcionando o acesso àquilo que lhe é próprio. Altercando sobre sua hipossuficiência, reza o artigo 4o deste Códex:

           "Art. 4o - A política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

           I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo".

           À Magistratura incumbe zelar por relações sociais harmônicas, bem assim propugnar pelo equilíbrio ora inexistente, expungindo do contrato todas as cláusulas abusivas. Nos termos da lei protetiva, principalmente no que dispõe seu artigo 51:

           "Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

           I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

           II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código;

           (....);

           IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquias, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

           (....);

           VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

           (....);

           X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

           (....);

           XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

           XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

           (....);

           XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;

           XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

           § 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

           I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

           II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;

           III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

           § 2º - A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

           (....).

           § 4º - É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou que de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes."

           "Artigo 52 - No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

           I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

           II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

           III - acréscimos legalmente previstos;

           IV - número e periodicidade das prestações;

           V - soma total a pagar, com e sem financiamento.

           § 1º - As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação. (Nova redação dada pelo Art. 1º da Lei n.º 9.298, de 1/08/96).

           Pontifica Nelson Nery Júnior que

           "Por sistema de proteção ao consumidor há de se entender não apenas o Código de Defesa do Consumidor, mas, também, aqueles diplomas legais, que, indiretamente, visem a proteção do consumidor, entre os quais pode-se citar a Lei de Economia Popular (Lei 1.521/51)".

           Em comentários a esta Lei, Nelson Hungria declara guerra aos dardanários, profiteurs e burlões, que não sabem acomodar seu próprio interesse com os do público, desconhecendo que direito algum pode ser exercido em contraste com o princípio da solidariedade social.

           Assevera, ainda, o jurisconsulto:

           "As ávidas concentrações capitalistas, o arbítrio dos interesses individuais coligados, a opressão econômica, a artificial desnormalização dos preços, os lucros onzenários, o indevido enriquecimento de alguns em prejuízo do maior número, as arapucas para a captação do dinheiro do povo, as cláusulas leoninas nas vendas a prestações, o viciamento dos pesos e medidas, e, em geral, as burlas empregadas em detrimento da bolsa popular já não poderão vingar impunemente".

           Neste sentido torna-se imprescindível a atuação jurisdicional a fim de repelir as cláusulas abusivas, retificar as imperfeições contratuais, bem como suprir as omissões verificadas, restabelecendo o equilíbrio nas relações de consumo.

3) Da Propaganda Enganosa:

           A respeito do tema a doutrina portuguesa se manifesta no seguinte teor:

           "A publicidade, que consiste na acção dirigida ao público com o objectivo de promover, directa ou indirectamente, produtos e serviços ou uma actividade económica, procurando persuadir os seus destinatários sobre a excelência dos seus objectos publicitados, poderia ser, em princípio, útil aos consumidores, mas transforma-se em muitos casos num obstáculo a uma livre escolha, utilizando em favor das empresas a ignorância e a vulnerabilidade dos consumidores.

           A publicidade está sujeita legalmente a um conjunto de princípios, estabelecendo-se paralelamente um número apreciável de proibições.

           Vejamos mais de perto essas regras.

           (....).

           A veracidade

           a publicidade deve ser verdadeira não deformando os factos.

           Todas as informações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados, devem ser exactas e comprováveis, isto é passíveis de prova, a todo o momento.

           É assim proibida a publicidade enganosa, aquela que por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, induza ou seja susceptível de induzir em erro os seus destinatários ou possa prejudicar um concorrente." ("Informação da responsabilidade do Instituto do Consumidor. Retirado do site da INFOCID, no endereço: http://www.infocid.pt/Infocid/1218_1.htm - Doutrina Portuguesa).

           A inflacionar o semblante admoestatório desta empáfia, estão as campanhas publicitárias que, entre outras quimeras, propalam negócio único e irrecusável, incutindo no espírito do comprador vantagens promissoras, atitude própria da lábia dos corretores.

           Necessária a alusão de que a percepção de valores residuais é já um truísmo. Inúmeras são as pessoas ludibriadas. Ávido e cúpido, o engenho humano tende a consubstanciar em convenções escritas os mais sórdidos embustes. As cláusulas abusivas encontram hoje campo fértil para proliferarem, assegurando a volúpia dos novos césares do mercado imobiliário.

           Não há que se discutir o seu teor prejudicial. Ao comprar o imóvel, não fora o contratante cientificado acerca da existência do débito residual, o que basta para epitetar de infausta a medida.

           Como mencionada na doutrina portuguesa, a publicidade não pode ser enganosa, mas deve espelhar a verdade dos fatos. Engana-se até por omissão. Claro está que, no caso vertente, muitos consumidores deixariam de adquirir a unidade habitacional se soubesse da existências de inúmeros resíduos. Numerosos e exorbitantes o suficiente até para inviabilizar sua quitação.

           Explícito restou o dolo empregado na propaganda enganosa levada a efeito pelas reclamadas, objetivando induzir em erro os ofendidos. Dolo e erro nada mais são que vícios de vontade existentes no ato jurídico. É sabido, também, que todo negócio jurídico eivado de qualquer vício de consentimento é anulável, em conformidade com o que dispõem os artigos. 86 e 92 do Código Civil:

           "Art. 86 - São anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial".

           "Art. 92 - Os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for a sua causa".

           Nesse sentido merece transcrição o magistério de Arruda Alvim:

           "A publicidade enganosa constitui-se em figura jurídica autônoma, se bem que esta se aproxima do dolo daquele que anuncia, objetivando induzir em erro o consumidor ".

           E acrescenta:

           "Quando o Código de Proteção e Defesa do Consumidor qualifica como enganosa a publicidade que possa induzir em erro o consumidor, também se está referindo a erro substancial, erro este, sem o qual inexistiria o ato de consumo, pois relativo às qualidades essenciais, que elenca sobre produtos e serviços".

           Seduzidos pelas artimanhas ventiladas pelas rés, inúmeras foram as pessoas lesadas. Nos diversos anúncios realizados, registram-se propostas tentadoras, capazes de induzir em erro tanto o incauto quanto o astuto.

           Ora, em momento algum fora noticiada a existência de qualquer quantia além daquelas cem parcelas iniciais, no valor de um salário mínimo e meio, como asseveram os próprios consumidores mediante contato telefônico.

           O montante residual somente fora consignado no contrato de adesão, porquanto, por única e exclusiva iniciativa do fornecedor. Tolhido em sua autonomia volitiva, ao consumidor restou resignar-se aos ajustes leoninos.

           Cabe acrescentar que o consumidor só recebe após tê-lo assinado e só o assina após ter pago o predito sinal, sem tempo algum para reflexão, sendo certo que esta restrição ao direito do consumidor não vem com destaque no instrumento.

           Assim, independentemente, de qualquer propaganda enganosa praticada, a cláusula que prevê outras parcelas além das 100 iniciais já é nula de pleno direito, por se constituir em cláusula surpresa, dado que nem os próprios réus, representantes da requeridas, sabem qual o desdobramento danoso que tal disposição trará para o mutuário no final do contrato. Não resolve a questão a afirmação do representante da Nova Cap no sentido de que a empresa fará qualquer negócio para resolver o problema do consumidor.

           Destrate, através de sua conduta incidiram as rés nas proibições constantes do art. 37 do CDC, in verbis:

           "Art. 37 - É proibida toda a publicidade enganosa ou abusiva.

           Parágrafo primeiro - é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços."

           In casu, bem preleciona Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, ao dizer que

           "Não se imagine que, em marketing, só a publicidade pode ser contaminada por enganosidade ou abusividade. Todas as técnicas mercadológicas dão azo a tais desvios. Por conseguinte, as promoções de venda também podem ser enganosas ou abusivas".

           O consumidor é isento de encargos excessivos que extrapolem a esfera do justo, máxime quando dissimulado o escopo do fornecedor. Assim, não há como lhe atribuir o ônus do montante residual ou quaisquer outras obrigações exorbitantes, posto que a celebração do negócio jurídico não se deu nestas condições.

           Outrossim, caracterizado o dolo empregado na propaganda enganosa, patente é a nulidade da cláusula, porquanto, imprescindível a atuação jurisdicional.

           A oferta propalada através de massiva campanha publicitária, nos moldes do CDC, vincula fornecedor ao seu cumprimento integral. Tal obrigação tem origem na veiculação da propaganda, quando o adquirente manifesta sua aceitação. Este não é senão o axioma contido no art. 30 do CDC, in verbis:

           "Art. 30 - Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer, veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

           O preceito em epígrafe nada mais representa que uma tautologia do art. 1.080 do Código Civil, onde se encontra disciplinada a progênie contratual. Ao regrá-la estabelece a responsabilidade do proponente em relação às obrigações assumidas, vejamos:

           "Art. 1.080 - A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso".

           Não obstante, o art. 31 do CDC determina expressamente que

           "a oferta e apresentação dos produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos, que apresentam à saúde e segurança dos consumidores".

           Após a análise do conteúdo publicitário em seus tópicos principais, infere-se como irrefragável a violação aos ditames legais. Pecou a propaganda por falta de informações essenciais. Se a requerida, entre outros absurdos, almejava a percepção do montante residual, tal restrição deveria constar expressamente do anúncio, sob pena de nulidade do negócio jurídico.

           Em tempos hodiernos, a subjetividade do marketing comercial é cerne de interpretações dúbias, que fogem à inteligência mediana. Imprescindível pois a clareza de idéias para que o consumidor não seja induzido ao erro.

           Nesse vértice, trazemos à colação alguns julgados que melhor exemplificam a matéria:

           "Consumidor. Propaganda enganosa. Induzimento do consumidor, através da embalagem visível, à aquisição de produto, o que daria direito à participação de sorteio de prêmios, àquela altura, segundo o regulamento oculto no interior da embalagem, já realizado. Responsabilidade do fabricante". (Ac. Da 5a Câm. Cív. Do TJRS - ApCiv 596.126.037 rel. Des. Araken de Assis - j. 22.08.1996 - v.u.)

           "Incorre nas penas do art. 66, caput, da Lei 8.078/90, a agente que, na qualidade de vendedora, faz afirmações falsas para conseguir vender livros, tanto em relação aos autores quanto a respeito da qualidade da mercadoria vendida, vez que tal procedimento não se trata de mera técnica comercial de venda, mas de comportamento falso e mentiroso, com o intuito de enganar as vítimas, que de boa-fé acabam por adquirir os produtos". (Ac. Da 2a Câm. Do TACrimSP - Ap. 888.013-0 - rel. Juiz Rulli Júnior - j. 20.10.1994 - v.u.)

           "OFERTA PUBLICITÁRIA - Passagem aérea com desconto - Não concessão ao consumidor - Violação ao dever de boa-fé - Restituição devida.

           Pecou a propaganda pela falta de informação essencial.

           Se pretendia a requerida colocar em promoção somente as passagens que não tivessem preço reduzido, porque protecional, a exceção deveria constar expressamente do anúncio.

           Não foi sem razão que o Código de Defesa do Consumidor chegou às raias de especificar a oferta de produtos e serviços no mercado.

           A oferta vincula, obriga e integra o contrato que vier a ser vinculado." (Processo 359/96 - Juizado Central II - Juiz José Ernesto de Mattos Lourenço - São Paulo, in Revista de Direito do Consumidor, vol. 20, págs. 239 a 243).

           No caso em questão, se as rés anunciaram as unidades habitacionais por um número x de salários mínimo, deverão agora ser condenadas a dar por quitado o imóvel quando o mutuário tiver pago a quantidade anunciada.

           Para finalizar, é bom lembrar que cabe ao fornecedor provar que sua publicidade não é enganosa, ficando a cargo da autoridade competente aplicar ao infrator as sanções cabíveis, com o fim de proteger os consumidores.

           Ao consumidor basta apenas denunciar as autoridades que foi enganado, sendo que se a partir daí se aplica a inversão do ônus da prova. Tal não é só entendido em nosso direito, como também na doutrina aplicada aos países da União Européia (3).

4) Aspectos Formais do Contrato:

           A Lei no 8.078/90 realçou o aspecto formal dos contratos. Com efeito, passaram a ser repelidas as letras miúdas, linguagens prolixas e quaisquer técnicas que dificultem a leitura do consumidor. É o que disciplina o art. 54, parágrafos terceiro e quarto, do CDC:

           "Art. 54 - (...)

           § 3o - Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

           § 4o - As cláusulas que implicarem em limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão".

           No mesmo sentido é a lei e a doutrina portuguesa, como já citado acima (4), que prescrevem que cláusulas assim redigidas não geram qualquer obrigação para o consumidor.

           No caso vertente, bem se percebe a afronta à legislação especial, posto que destaque algum é reservado às convenções mais prejudiciais.

           Por força do artigo 46 do CDC, o consumidor deve ter prévio acesso ao contrato, a fim de inteirar-se acerca das condições de celebração do negócio jurídico:

           Art. 46 - "Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".

           Ora, não foi isto que se averiguou nos autos de Procedimento Administrativo. Consoante se infere dos fatos aduzidos, os contratantes, apostando na idoneidade das rés, celebram o negócio nas condições veiculadas pela mídia. Sequer imaginam as inúmeras disposições draconianas, mesmo porque disto não lhes foi dado ciência.

           Destarte, não pode prosperar tão ignóbil acordo, pois como diz Leonardo Roscoe Bessa,

           "A inobservância destes preceitos acarreta a nulidade de cláusulas, de acordo com o disposto no artigo 51, XV da Lei no 8.078/90, vez que se trata de normas de ordem pública e interesse social que integram o sistema de proteção ao consumidor".

5) Do Dever de Restituir o que Cobrou ou Reteve Indevidamente:

           Em seu artigo 964, reza o Código Civil:

           "Art. 964 - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir".

           Outrossim, o Código de defesa do Consumidor determina, no parágrafo único do artigo 42, que os valores correspondentes à devolução devem ser corrigidos, em dobro e acrescidos dos juros legais:

           "Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

           Neste diapasão, cumpre esclarecer que inexistem adminículos justificadores da cobrança promovida pelas rés. Ao contrário, os indicativos de sua ilegalidade são sobejos. Assim, tem-se por excluída a exceção de "engano justificável´, mormente quando dissimuladas suas intenções através de folders falaciosos, isto quanto aos valores recebidos a mais do que a quantidade de salários mínimos veiculada. Quanto ao resíduos e as multas cobradas a maior, resta evidente que os réus tinham pleno conhecimento de sua ilegalidade, mesmo porque a ninguém é dado desconhecer a lei.

           Caso propugne a defesa pela aplicação do Código Civil, só fará ratificar as verdades preditas neste venábulo, máxime porque ausentes as exceções contempladas nos artigos 969, 970 e 971 daquele Códex.

           Jurídico e moral é também o dever de indenizar e a proibição de enriquecimento ilícito. Assim, o que as empresas rés retiveram indevidamente, em razão da rescisão contratual, devem elas restituir, devidamente corrigido e acrescido de multa e juros legais, sob pena de caracterização da prática do crime de apropriação indébita.

6) Da Desconsideração da Personalidade Jurídica das rés:

           Ante o exposto, tem-se como certa a lesão a uma congérie de pessoas, que, ludibriadas, despenderam o capital necessário à aquisição de futuras unidades habitacionais.

           Para que as requeridas não se eximam das responsabilidades que lhes são próprias, para tanto abrigando-se sob a colgadura da personalidade jurídica, mister se faz sua desconsideração. É o que expressamente dispõe o artigo 28 e seu parágrafo quinto do CDC.

           É nesse sentido a lição do ilustre Prof. Arruda Alvim, em seu "Código do Consumidor Comentado", pág. 76:

           "Inocorrendo suporte da pessoa jurídica para arcar com as conseqüências, o juiz pode desconsiderá-la e responsabilizar o verdadeiro autor da prática do ilícito. Por isso mesmo, e principalmente, se a empresa não tiver meios para pagar, poderá o juiz, aplicando o artigo 28, em questão, desconsiderá-la, condenando o próprio fornecedor".

           A posição idêntica é a dos Tribunais brasileiros:

           "Apelação Cível. Embargos de Terceiro. Sócios de Sociedade Irregular. Falta de bens. Penhora em bens dos sócios. Possibilidade. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Provido.

           (...)

           Não encontrados bens de propriedade da sociedade irregular, é cabível a penhora e bens dos sócios. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ajusta-se a casos em que a fraude é praticada através daquela personalidade.

           Provida. (AC, q, 890. Dourados. Rel. Des. José C. C. Castro Alvim. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 12.02.88. DJ-MS, 18.03.88, pág. 07)".

7) Da Legitimidade "Ad Causam" do Ministério Público:

           A presente "actio" tem como cerne a proteção dos consumidores que estão ou que poderão vir a ser lesados em seus direitos, em razão das abusividades e ilegalidades inseridas no Instrumento Particular de Compra e Venda elaborado, em conjunto, pela Nova Cap e Progemix.

           Inúmeros foram e serão os contratantes burlados, o que impossibilita determinar de antemão tal universo.

           Portanto, indiscutível a natureza transindividual e indivisível da maioria dos direitos pleiteados, constituindo-se alguns deles em direitos e interesses difusos, outros coletivos e outros ainda individuais homogêneos, cuja titularidade está difusa pela sociedade ou pertence a um grupo, categoria ou classe de pessoas, que o legislador tratou de amparar, através de alguns legitimados específicos.

           Tanto a Constituição da República Federativa do Brasil (5) quanto as leis que tratam da matéria (6) asseguram ao Ministério Público a legitimidade acima referida, sendo certo que a doutrina (7) e a jurisprudência (8) tem entendimento pacífico a respeito da questão.

           Assim, em sendo as pretensões contidas na exordial de direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, legitimado está o Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação.



4) DOS PEDIDOS:

           Por todo o exposto, o Ministério Público requer que V. Exa.:

  1. declare a nulidade das cláusulas contratuais 4a, 5a, 6a, 8a, 9a, 10a, 11a, 12a, 13a, 14a, 15a, 17a, 18a, 21a, 22a, 25a, 26a e seus parágrafos, em face das ilegalidades apontadas no item 2 ("das cláusulas abusivas), extirpando-as do contrato, corrigindo-as ou substituindo-as, fazendo-se, enfim, as integrações necessárias, nos termos do Artigo 51, § 4o, do Codecon, de modo a corrigir o instrumento contratual, dele expurgando todas as abusividades, sem, entretanto, comprometê-lo em seu todo;
  2. declare também a nulidade de qualquer outra cláusula que possa vir a ser considerada abusiva por V. Exa., em virtude do caráter de ordem pública e interesse social de que são dotadas as normas existentes no Código de Defesa do Consumidor;
  3. condene as rés a obrigação de não fazer, consistente em abster-se de inserir em seus contratos e regulamentos futuros qualquer cláusula ou estipulação que forem tidas como abusivas pelo Poder Judiciário, nesta ação, sob pena de pagamento de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por cada contrato que for firmado com qualquer das cláusulas apontada nesta ação como abusiva, sendo que os valores daí resultantes, após atualizados monetariamente, deverão ser depositados no Banco HSBC Bamerindus S.A., Agência 1687 - URB CEAP, conta corrente n.º 10951-29, em favor do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor - FEDDC, criado pelo Artigo 8o da Lei Estadual n.º 1.627, de 24 de novembro de 1995.
  4. condene as rés a incluir em seu contrato informações completas, precisas e em conformidade com os termos do artigo 54 e parágrafos do CDC, redigindo com destaque as cláusulas que restrinjam, de alguma forma, direitos e interesses dos consumidores, não só no contrato ora objurgado, como também em todos os outros contratos que já foram ou serão elaborados por eles, sob pena de pagamento da mesma multa acima estipulada por cada contrato firmado em desconformidade com o aqui estabelecido;
  5. condene, ainda, as rés a reterem, em caso de rescisão contratual, apenas o valor equivalente de 10% do valor recebido, a qualquer título, do mutuário ou do futuro mutuário, sob pena do pagamento de 1.000 Ufires por cada restituição a menor, sem prejuízo da prática de crime e desobediência, devendo quaisquer outros gastos ou prejuízos que reputar ter sofrido ser reclamado em juízo, sob pena de cometimento do crime de "exercício arbitrário das próprias razões";
  6. condene, também, genericamente, as rés, nos termos do artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, a restituírem, em dobro, devidamente corrigido e acrescido dos juros legais: a) tudo quanto recebeu indevidamente, desde julho/96 até a decisão final da ação, a título de multa por atraso; b) tudo quanto reteve indevidamente daqueles consumidores que, por qualquer razão, deram causa à rescisão contratual; e c) todos os valores que recebeu dos mutuários a título de seguro que não foram repassados a seguradora, em virtude de o contrato não ter sido ainda firmado ou em razão de ter recolhido a maior dos contratantes;
  7. condene, igualmente, as rés a devolver, ao mutuário ou a seus herdeiros e sucessores os valores que, repassados pela seguradora, forem superiores ao saldo devedor a unidade habitacional adquirida, dado que quem paga o prêmio é o mutuário e não a empreendedora ou a administradora;
  8. determine que as rés tragam, com a contestação, lista dos nomes, endereços e telefones de todos os mutuários do conjunto residencial Nova Europa que rescindiram o contrato de compromisso de compra e venda com as rés, ou que após terem dado o sinal não assinaram o contrato, discriminando, de forma clara e objetiva, os valores totais pagos e o percentual que lhes foram devolvidos, bem como tragam a mesma lista em relação aos mutuários que, a partir de agosto/96, quando entrou em vigor a Lei n.o 9.298, de 1/08/96, pagaram multa por atraso no percentual de 10%, estipulando-se também o valor total pago por cada mutuário;
  9. condene, ainda, as rés a darem por quitada a unidade habitacional respectiva após os mutuários terem feito o pagamento de 100 prestações, ao valor equivalente ao número de salário mínimo que foi vinculado na publicidade;
  10. proíba a vinculação de publicidade com pagamento da casa própria com base no salário mínimo, mesmo que este seja tido apenas como limitador de valor de prestações;
  11. condene, outrossim, as rés a equilibrarem o contrato, dando garantia real ao consumidores; inserindo cláusulas que garantam aos contratantes o recebimento de juros e multas ou abatimento destes nas prestações futuras, nas mesmas proporções que pagam às contratadas, caso haja atraso na entrega das obras, independentemente de qualquer notificação; dando possibilidade aos consumidores de optarem pela rescisão do contrato em caso de atraso das obras, ou se estas não ficaram como prometidas, ou se as rés não tiverem como concluir as obras, com devolução de tudo quanto foi pago, devidamente corrigido e acrescido de multa (o equivalente a 10% do que foi pago pelo contratante) e juros legais, tudo sem prejuízo de pagamento de eventuais perdas e danos, que os contratantes poderão postular em ação própria;
  12. condene, da mesma forma, as empresas rés a indenizarem todas as benfeitorias feitas no imóvel, independentemente de sua natureza, mesmo em caso de ocorrer a execução da hipoteca;
  13. determine que as rés tão somente cobrem as parcelas referentes aos prêmios de seguro prestamista após terem contratado uma seguradora, provando (documentalmente) tal fato ao mutuário, bem como determine que elas forneçam aos mutuários uma cópia da apólice respectiva e comprovem, mensalmente, aos mutuários o repasse (dos valores pagos por eles) à seguradora respectiva;
  14. condene, finalmente, as rés a fazerem uma ressalva na cláusula vigésima primeira, conferindo ao consumidor o direito de fiscalizar o andamento da obra, com o fim de verificar se os prazos estipulados no instrumento contratual estão sendo cumpridos;
  15. desconsidere a personalidade jurídica das empresas rés, com o fim de se responsabilizar seus representantes legais, caso os bens das requeridas não sejam suficientes para fazerem frente aos prejuízos causados aos consumidores; e
  16. declare a inversão do ônus da prova, nos termos dos art. 6º, VIII, do CDC, tanto pela verossimilhança dos fatos alegados, como pela hipossuficiência dos consumidores na relação de consumo que ora se tratada.

           Sem prejuízo da responsabilidade penal, pelos crimes de desobediência (Artigo 330 do Código Penal), Requer o autor que seja fixada multa de 1.000 UFERMS - Unidade Fiscal Estadual de Referência do Mato Grosso do Sul, pelo descumprimento de cada determinação e condenação judicial, sendo que o valor referente a multa devida deve ser recolhido no Banco HSBC Bamerindus S.A., Agência 1687 - URB CEAP, conta corrente n.º 10951-29, em favor do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor - FEDDC, criado pelo Artigo 8.o da Lei Estadual n.o 1.627, de 24 de novembro de 1995.

           Requer, igualmente, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto nos artigos 18, da Lei 7.347/85 e 87 da Lei 8.078/90.

           Requer, ainda, a citação do demandado, na pessoa de seu representante legal, com a autorização de que trata o artigo 172, §2º, do Código de Processo Civil, no endereço inicialmente referido, para, querendo, contestar a ação ora proposta, sob pena de revelia, advertência esta que deverá constar do mandado.

           Também é requerida a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte deste Órgão de Defesa do Consumidor, tudo com previsão no Artigo 94, da Lei 8.078/90.

           Embora esta ação seja de natureza economicamente inestimável, dá-se à causa, meramente para os efeitos legais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

           Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito permitidos, notadamente por perícias, juntada de novos documentos, oitiva dos representantes das demandadas e de testemunhas, cujo rol será oferecido oportunamente.

           Termos em que

           Pede deferimento.

           Campo Grande, 26 de fevereiro de 1998.

Amilton Plácido da Rosa
Promotor de Justiça do Consumidor



NOTAS

(1) O contrato padrão aqui referido é o usado pela Empresa Tecnifh, juntado à f. 192 do PA que instrui a presente inicial. A disposição mencionada encontra-se nos parágrafos oitavo e nono da cláusula nona daquele contrato padrão.

           (2) O autor está a falar de contrato de adesão.

           (3) "¿Debo probar que la publicidad me engañó? Su papel se limita a denunciar que le han engañado o que considera que los datos de una publicidad son falaces. Es el anunciante quien debe probar que las informaciones que ha dado son ciertas.

           No es necesario que Vd. demuestre la existencia de un perjuicio o negligencia por parte del anunciante o una intención real de engañar al consumidor.

           En último término, puede llevarse el caso ante los tribunales, que podrán adoptar sanciones. En el caso de una empresa que no respeta la normativa sobre la publicidad de medicamentos, las autoridades responsables de sanidad pueden retirar la autorización de comercializar el producto." (Guía Del Consumidor Europeo en el Mercado Único - http://europa.eu.int/en/comm/spc/cg/es/index.htm).

           (4) "Por outro lado, as cláusulas que normalmente passem despercebidas, ou pela epígrafe enganosa ou pela especial apresentação gráfica (por, exemplo, em caracteres reduzidos), não geram também quaisquer obrigações para o consumidor." (http://www.infocid.pt/Infocid/1215_1.htm)

           (5) Constituição Federal, artigos 127 e 129, incisos lll e IX, c.c. os artigos 5º, inc. XXXlI e 170, inciso V.

           (6) Lei 7.347, de 24/07/1985 (artigos 5o, "caput" e §§ 1o, 3o e 5o); Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor (artigos 81, parágrafo único, inciso III; e 82); Código de Processo Civil (artigos 81 e 82); Lei Federal 8.625/93 - Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados (artigo 25, inciso IV, letra "a"); e Lei Complementar Estadual nº 072, de 18 de janeiro de 1994 (artigo 26, inciso IV, letra "a").

           (7) "Não obstante toda a legislação citada pelo autor, para demonstrar sua legitimidade, parece-me que, na hipótese, tem aplicação especifica o disposto no art. 51, § 4º, do CDC, verbis: "É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. (....)

           Então, em principio, é o Ministério Público parte legitima, ativa, muito principalmente por se tratar, na minha ótica, de um direito difuso, pois se trata de uma pretensão para se obter a declaração de interpretação de uma cláusula contida em um contrato standard lesivas aos interesses econômicos dos consumidores que adquirirem e usarem um produto com garantia que lhes é prejudicial." (Sentença publicada na Revista do Consumidor, n.º 20, editada pelo Brasilcon, p. 226).

           "Por esse dispositivo - complementado pelos arts. 91-100 do CDC quanto aos interesses (ou direitos) individuais homogêneos - o ordenamento pátrio marcou um importante passo no caminho evolutivo das ações coletivas, iniciado pela LACP (Lei 7.347/85). Esta só havia cuidado da defesa dos interesses difusos e coletivos (transindividuais de natureza indivisível), voltando-se á proteção dos consumidores e do ambiente, em sentido lato, na dimensão da indivisibilidade do objeto. Agora, com o inc. III do art. 81 do CDC, complementado pelos arts. 91-100 do mesmo Código, o sistema brasileiro abre-se para o tratamento coletivo da tutela de direitos subjetivos individuais, que podem ser defendidos isoladamente, na linha clássica, mas que também podem ser agrupados em demandas coletivas, dada sua homogeneidade. É a transposição, para o ordenamento brasileiro, das class actions for damages ou dos mass tort cases do sistema da common law." (A Professora Ada Pellegrini Grinover, em parecer publicado na Revista de Direito do Consumidor, Ed. RT, vol. 5, pp. 213/217).

           (8) "LEGITIMIDADE ATIVA DO MP - CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS - INTERMEDIAÇÃO DE IMÓVEIS PARA A LOCAÇÃO - CDC.

           Ementa: O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação visando a nulidade de cláusula de contrato de adesão. (Ac. Da 5a Câm. Cív. Do TARS - ApCiv 195.136.106 - rel. Juiz Rui Portanova - 08.08.1996 - v.u.)"

           "Apelação Cível. Ação Civil Pública. Autor Ministério Público. Preliminar de falta de legitimidade, rejeitada. Defesa de interesses coletivos.

           Ementa: O MP tem legitimidade processual para mover ação civil pública em defesa dos interesses coletivos".

           (AC, B-XXI, 38.474-1. Dourados. Rel. Des. Alécio Antônio Tamiozzo. 1a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 20-12-94. DJ-MS, 23-03-95, pág. 06).

           "Ministério Público. Recurso provido. Sentença anulada.

           O Ministério Público está legitimado extraordinariamente para aforar ação civil pública, podendo exercitá-la em caso de defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos, decorrendo essa legitimidade da disposição da CF, da própria Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor."

           (AC, B-XXI, 39.316-8. Rio Verde de MT. Rel. Des. Joenildo de Souza Chaves. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 25-04-95. DJ-MS, 09-06-95, pág. 05).


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido da. ACP sobre cláusulas abusivas em contrato imobiliário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16022. Acesso em: 1 maio 2024.