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Indenização contra empresa aérea por perda de bagagem em viagem

Indenização contra empresa aérea por perda de bagagem em viagem

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Petição inicial de ação de reparação de danos materiais e morais contra empresa aérea que perdeu as malas de passageiros em uma viagem ao exterior, tornando o passeio um tormento.

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da ____ Vara Cível da Comarca de Fortaleza/Ce.

MILTON..., brasileiro, casado, portador da identidade ..., PATRÍCIA..., brasileira, casada, portadora da identidade ... e RAFAELA..., brasileira, estudante, menor impúbere, representada aqui pelo pai, MILTON..., (acima qualificado), todos residentes e domiciliados na ..., vem mui respeitosamente por intermédio de seus advogados in fine firmados, mediante instrumento procuratório colacionado, (doc.01) propor a presente.

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS

contra TAP – Air Portugal, com endereço comercial na Av. Dom Luis nº 500 loja 910 (Shopping Aldeota), Fortaleza/CE.


PRELIMINARMENTE

Primeiramente, é de boa monta esclarecer que os Suplicantes constituem, pois, uma família, formada pelas seguintes pessoas, Sr. Milton... (marido), Patrícia... (esposa) e Rafaela... (filha) sendo que, em virtude do emprego do Suplicante (Milton), na empresa 360 Networks, tiveram que mudar de Porto Alegre/RS para Fortaleza/CE no final do mês de julho do ano 2000.

Desde o momento em que fora contratado pela empresa 360 Networks, o Suplicante (Milton...), já estava ciente de um curso de aperfeiçoamento oferecido e financiado pela própria empresa e que seria ministrado na Faculdade da Alcatel (IFA) cidade de Órlenas/França, com duração de 3 (três) semanas, tendo início dia 16 de Outubro e término no dia 03 de Novembro de 2000.

Vale salientar que o Suplicante (Milton...), como forma de compensar a recente mudança para Fortaleza/Ce, convidou a esposa e filha, também Suplicantes, para acompanha-lo durante o período do curso.

Os Demandantes adquiriram as passagens da viagem na empresa aérea TAP – Air Portugal, sendo que, uma já houvera sido ofertada pela empresa em que o Suplicante (Milton) trabalha e as outras duas, foram adquiridas através da agência de viagem "Delano Travel", mediante se observa pela documentação acostada aos autos. (doc.12 a 15).

Após certa dificuldade para conseguirem viajar, em virtude da demora na entrega dos bilhetes de vôo pela Suplicada, os Suplicantes conseguiram decolar no dia 14 de Outubro de 2000 às 02:00h da manhã, no vôo 4538 com destino a Paris e conexão em Lisboa.

Ao chegarem em Lisboa/Portugal, os Suplicantes tiveram que esperar por aproximadamente (3) três horas para uma conexão com destino a Paris/Fr. Neste ínterim, os Demandantes procuraram a Suplicada questionando-a sobre o destino das bagagens, tendo recebido a informação de que não se preocupassem, pois o sistema de envios de bagagens era automático.

Ao desembarcarem em Paris/Fr., dia 14 de outubro, os Suplicantes constataram, depois de mais de uma hora de espera na esteira, que toda as suas bagagens não houveram sido enviadas para Paris. Procurada pelos Requerentes, a Requerida informou que não havia motivos para preocupação, pois dentro de no máximo (48) quarenta e oito horas as bagagens já estariam em Paris.

O prazo que a Requerida tinha estipulado de (2) dois dias, respectivamente dias 15 (quinze) e 16 (dezesseis) de Outubro, esgotou-se sem que nenhuma das malas extraviadas fossem encontradas.

Insta ilustrar que durante as primeiras setenta e duas horas após o ocorrido, os Suplicantes permaneceram em um quarto de hotel, apenas com as roupas trazidas no corpo, a uma temperatura aproximadamente de (6) seis graus centígrados. Durante esse período, os Suplicantes comunicavam-se por telefone constantemente com a Suplicada, na esperança de que a bagagem aparecesse.

Vale salientar que na oportunidade, a região de Órlenas/Fr., fora vítima de grandiosas tempestades, relatas e noticiadas nas agências de notícias conforme se vê nas cópias juntadas. (doc. 16 e 17).

A empresa em que o Suplicante (Milton) é empregado, além de sua passagem, também financiou as diárias do hotel no qual os Suplicantes permaneceram durante três semanas.

Toda essa insatisfação sofrida pelos Suplicantes ficou documentalmente comprovado com a abertura de um processo no Aeroporto de Paris junto a Suplicada, sob o código nº ORYTP31872, tencionando a apurar o extravio das malas, conforme assevera-se pelas cópias juntadas. (doc. 18 a 22)

Durante o período em que eram apurado os fatos pela Requerida, vários foram os documentos comprobatórios acerca do extravio das bagagens inclusive discriminando os objetos constantes nas malas, conforme documento juntado (doc. 23).

Na oportunidade, fora inclusive pedido pelo Requerente (Milton) o auxílio da empresa em que é empregado para agilizar no que fosse possível a solução do ocorrido frente a Requerida, conforme se verifica pelo fac-símile acostado (doc. 24).

A maioria dos contatos telefônicos com a Requerida foram realizados pela Suplicante (Patrícia...) com a gerente da Demandada em Paris a Srª. Cecília Julliard, posto que o Suplicante (Milton...) passava todo o dia – das oito as dezessete e trinta horas - no curso de aperfeiçoamento na Faculdade de Alcatel (IFA) em Órlenas, nas proximidades de Paris/Fr.

Diante do passar dos dias, os Suplicantes já não mais acreditavam que suas malas chegariam a Órleans/França; tal fato forçou os Suplicantes a gastarem suas economias na compra de novas roupas, materiais de higiene pessoal dentre outros necessários para o mínimo conforto de todos eles, mediante se vê pelas cópias das notas de compras. (doc. 25 a 27).

Há de se ressaltar que os Suplicantes não dispunham de uma situação financeira confortável, que lhes permitissem repor todas as roupas levadas para as três semanas que passariam na França, sem afetar sobre maneira suas economias.

Ademais, todas as roupas constantes nas malas extraviadas, adequadas para o clima frio da região, já pertenciam aos Suplicantes desde a época em que moravam em Porto Alegre/RS.

Como fora dito em linhas pretéritas, o Suplicante (Milton), como forma de compensar a recém mudança da família para Fortaleza/CE, pois já tinham toda uma vida construída no Sul do país, tendo que começar tudo em uma nova cidade sem conhecer absolutamente ninguém; resolveu economizar durante quatro meses e financiar a viagem dos demais Suplicantes – esposa e filha - para que pudessem acompanha-lo durante o curso.

Acontece que, os Suplicantes não aproveitaram nada durante a estada em Paris. O que era para ser uma viagem familiar com um misto de estudo e lazer, não passou de um transtorno intenso que, agravava-se a cada dia que passara. Não houve passeios pela cidade, a não ser do hotel para o aeroporto para falar com a Requerida ou para comprar vestes e matérias de uso pessoal em um supermercado local.

Mister que se diga o prejuízo suportado pela filha do casal, Rafaela... também Suplicante, posto que os pais houveram conseguido uma licença especial junto à escola que a menor estuda em Fortaleza/CE, com a condição de ao retornar, ser realizado uma avaliação das disciplinas estudadas naquele período, entretanto, todo material escolar também fora perdido juntamente com as malas.

Tal fato ainda continua causando prejuízo à Suplicante (Rafaela), posto que, a perda do material de estudo fez com que a mesma diminuísse suas notas de avaliação na escola, tendo sido necessário ainda ser contratada uma professora particular para ministrar aulas de reforço escolar.

Alia-se a isso, o fato de uma criança passar mais de quatro meses sonhando com uma viagem a outro país e esta viagem, ao contrário do esperado, transformasse em três semanas de puro sufoco e decepção, em virtude da falta de organização da Requerida.

Os contatos com a Suplicada continuaram diariamente sem sucesso algum; Não obstante a Requerida ser uma empresa portuguesa, não aparentava estar falando o mesmo idioma dos Suplicantes, pois era ignorada de toda forma pela Requerida a urgência que se demonstrava a situação.

De certo era que a Requerida reconhecia o erro, mas não demonstrava resolvê-lo com a rapidez que se urgia. Como também, não se posicionou sobre o ressarcimento dos gatos extras realizados pelos Suplicantes em decorrência do ato danoso.

Como a Requerida não buscou solucionar o problema, nos dias finais, os Suplicantes viram-se obrigados a economizar até na alimentação para que o dinheiro durasse até o final do curso.

Somente no dia 25 de Outubro, aproximadamente duas semanas após o embarque, a Requerida informou que havia localizado três das quatro malas extraviadas, estas estavam na alfândega em São Paulo e seriam enviadas a Fortaleza/Ce. Como faltara apenas uma semana para o retorno dos Demandantes a Fortaleza/CE, já não havia mais tempo nem necessidade dessas malas encontradas serem enviadas a Paris.

Insta esclarecer que uma das malas extraviadas nunca fora localizada pela Requerida, o que causou aos Suplicantes danos irreparáveis. Segue em anexo um demonstrativo discriminando todos os objetos que haviam dentro da mala desaparecida. (doc. 28)

Ao ser pedido pelos Suplicantes o encerramento das despesas no hotel, constatou-se que os gastos com telefone e lavanderia já havia ultrapassado o valor que a empresa em que o Suplicante (Milton...) trabalha iria arcar. Vale salientar que, quase todas as ligações foram realizadas para a empresa Requerida a fim de ser solucionado o problema. (doc. 29 a 40)

Com o intuito de demonstrar os gastos matérias efetuados em virtude do dano causado pela Suplicada, segue abaixo uma tabela com a descriminação dos itens e valores dispensados. Para conversão dos valores utilizou-se o câmbio de Real para Dólar e de Dólar para Francos Franceses, chegando ao valor de 3,79FF para cada R$ 1,00, mas que pode ser melhor avaliado através da fatura do credicard a ser emitido posteriormente.

Descrição

Mala extraviada

1856,00

Telefone (3439,00FF/3,79)

907,39

Lavanderia (682,00FF/3,79)

179,95

Fotocópias (2,00FF/3,79)

0,53

Vestimentas Masc. Fem. e Infantil (3265,81/3,79)

861,69

Artigos de Higiene pessoal (97,66FF/3,79)

25,77

Total de Danos Materiais

A situação dos Suplicantes tornou-se por completamente vexatória, haja vista o único cartão de crédito já ter ultrapassado o limite de compras, devido aos gastos com roupas e material de higiene pessoal e o cheque do Sr. Milton... não ser aceito no exterior. Restou ao Suplicante (Milton...) como única solução para pagar os gastos no hotel, pedir dinheiro emprestado ao diretor da companhia a que é empregado que também fazia o mesmo curso.

É indelével que o extravio em tela acabou por prejudicar o objeto da viagem dos Suplicantes. Os Suplicantes passaram por situações constrangedoras ao empreender a viagem em grupo de colegas de trabalho e seus superiores na empresa, sem as roupas e os materiais pessoais que estavam nas malas perdidas, sujeitando-se à utilização de indumentárias adquiridas ás pressas. A partir dessa premissa, ressalta-se o sentimento de dor, humilhação e a revolta pelo fato de, na primeira viagem empreendida ao continente europeu, haverem sido extraviadas suas bagagens, ocorrendo, assim, agressão moral, considerados os direitos de personalidade dos Requerentes.


DO DIREITO

Com a publicação em 11 de setembro de 1990 do Código de Defesa do Consumidor (DOU 12/09/90). Tal Código, em seu artigo 6º, inciso VI assegura: "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;" (grifei) e, de acordo com Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge: "A possibilidade de reparação do dano moral veio a ser constitucionalmente garantida com a atual Constituição, em seu art. 5º, incs. V e X" (in Revista de Direito do Consumidor. Vol. 19, pág. 122).

O Código de Defesa de Consumidor ainda estabelece, em seu artigo 51 que:

"Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que":

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; (grifei).

Neste sentido ensina o Professor Dr. Alberto do Amaral Jr., da USP:

"SÃO NULAS, NOS CONTRATOS DE TRANSPORTE DE CARGA, AS CLÁUSULAS LIMITATIVAS DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR REFERENTES À PERDA OU AVARIA DA COISA TRANSPORTADA. O mesmo raciocínio aplica-se ao transporte de pessoas em que certa cláusula estabeleça a quantia a ser paga desde que sobrevenha o dano". (A Invalidade das cláusulas limitativas de responsabilidade nos contratos de transporte aéreo. In Ajuris. Março de 1998, Edição Especial, pág. 445).


Da relação jurídica de consumo.

É necessário salientar, diga-se de passagem, que, em uma relação jurídica de consumo. E o Código de Defesa do Consumidor diz ser consumidor claramente: "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º).

Assim, Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge esclarecem:

"No que diz respeito aos contratos de transporte em geral, INEXISTEM maiores dificuldades em se concluir pela APLICABILIDADE do CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR aos mesmos. (...) Antônio Herman Vasconcelos e Benjamim observa, aliás, que esse tipo de contrato, dentre outros, tem maior potencial para causar acidentes de consumo" (in Revista de Direito do Consumidor. Vol. 19. Pág. 127-128).

Portanto, o passageiro que tem sua bagagem extraviada é considerado consumidor, pois se encaixa na definição do Código de Defesa do Consumidor, configurando-se, entre o passageiro e a companhia aérea, a relação "CONSUMIDOR-FORNECEDOR-PRODUTO OU SERVIÇO".


Da prevalência do Código de Defesa do Consumidor.

de acordo com o seu artigo 1º, sendo que a autonomia da vontade foi deixada num plano secundário. Por este motivo é que a incidência das normas do referido Código "é cogente, não podendo ser afastada pela vontade das partes" (Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge. Op. Cit. Pág. 126).

E o Código de Defesa do Consumidor, editado nos termos do art. 5º, inc. XXXII e do art. 170, V, da Constituição Federal, bem como a defesa do consumidor erigida à altura do princípio geral da atividade econômica (art. 170, inc. V), NÃO podem ser relegados a um plano inferior ao da Convenção de Varsóvia.

Entretanto alega-se, em parte da doutrina, que dita Convenção preponderaria sobre a legislação interna, o que não é verdade. Apesar de os tratados e convenções serem atos internacionais de grande importância, onde a "palavra" do Estado está em jogo, SUAS NORMAS NÃO PODEM SER SOBREPOSTAS À LEI MAIOR DO PAÍS. Há sim, o controle de constitucionalidade também em relação aos tratados (Ver manual de Direito Internacional Público de Francisco Rezek, pág. 104), pois estes devem se submeter à ordem interna para poderem ter acolhida no ordenamento nacional.

Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge arrematam:

"Assim, o fato da Convenção de Varsóvia não ter sido denunciada pelo Governo brasileiro (tal como previsto no art. 39 da Convenção) NÃO QUER SIGNIFICAR QUE OS LIMITES DE INDENIZAÇÃO NELA PREVISTOS PREVALEÇAM AINDA HOJE, pois que virtualmente incompatíveis com o regime do Código de Proteção e Defesa do Consumidor que, como visto, deita raízes na própria Carta de 1988" (Op. Cit. Pág. 135).

À assertiva de que a Convenção é lei especial e, portanto, nos critérios de solução de antinomias prevaleceria sobre o Código de Defesa do Consumidor, deve-se manter distância. Sucede que o Código de Defesa do Consumidor também é lei especial, pois regula universalmente toda e qualquer relação de consumo. Ademais, foi editada com o escopo de defender e proteger o consumidor que, diga-se, em nada era beneficiado pela Convenção de Varsóvia ou o Código Brasileiro de Aeronáutica.

Em resumo, pode-se dizer claramente e com toda a certeza que em conflito entre a Convenção de Varsóvia e o Código de Defesa do Consumidor, prevalece este último, posto que hierarquicamente superior (editado nos termos do art. 5º, inc. XXXII da Constituição Federal), especial (o CDC regula toda relação de consumo) e, como se não bastasse, posterior (tendo sido publicado em 11/09/1990 e entrado em vigor em 13/03/1991, enquanto que a Convenção ingressou no ordenamento nacional em 24/11/1931).

E este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

"INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - EXTRAVIO DE MALA EM VIAGEM AÉREA - CONVENÇÃO DE VARSÓVIA - OBSERVAÇÃO MITIGADA - CONSTITUIÇÃO FEDERAL - SUPREMACIA" - "O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República - incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil." (RE 172.720-9, Rio de Janeiro. Rel. Min. Marco Aurélio. 06.02.96).

O Tribunal de Justiça de São Paulo também já decidiu neste sentido:

"INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Transporte aéreo - Extravio da bagagem - Ressarcimento - Limitação prevista na Convenção de Varsóvia - INAPLICABILIDADE - Declaração do conteúdo e pagamento de tarifa compatível - Orientação inexistente no bilhete de passagem - Verba devida - Fixação por arbitramento - Recurso provido." (Apelação Cível n. 43.874-4, São Paulo. Relator: Des. Laerte Nordi. 12-8-97.)

INDENIZAÇÃO – Extravio de bagagem – Dano moral – Convenção de Varsóvia que contempla somente danos materiais – IRRELEVÂNCIA, em face da supremacia da Carta Política brasileira, em relação a tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil – Verba devida – Inteligência do art. 5º, incs. V e X, da CF. "Ementa Oficial: O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes de extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República – incs. V e X do art. 5º no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil. (RE 172.720-9-RJ – 2ª T. – j. 6-2-96 – rel. Marco Aurélio – DJU 21-2-97.)" "Responsabilidade Civil – Transporte Aéreo Internacional – Extravio de Bagagem – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Na atualidade tem-se firmado o correto entendimento no sentido da INAPLICABILIDADE do CIV para a solução das questões relativas ao extravio de bagagens, prevalecendo as regras do Direito Comum, aí incluídas as do CÓDIGO CIVIL e as do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Correto o entendimento jurisprudencial de se deferir de forma integral, a indenização, em não havendo acidente, vale dizer, quando a empresa de transporte aéreo não sofreu qualquer prejuízo. A razão disto é, justamente, evitar o enriquecimento ilícito pela mera alegação de que a mercadoria transportada não chegou ao destino, com pagamento de indenização inferior ao prejuízo efetivamente suportado por aquele que contratou o transporte a responsabilidade limitada, segundo as disposições do CBA, fica, assim, restrita às hipóteses de ocorrência do risco do transporte aéreo, quando a transportadora também arca com prejuízos, com o que se dá interpretação não vedada pela liberalidade das disposições contidas nesse Diploma Legal (JTACSP 146/112) (1º Colégio Recursal de São Paulo –JECSP – Rec. 1.796 – rel. Torres Garcia – j. 7.3.96 – RJEsp – Fiúza Editores/SP – vol. I, jul-set/96, p.45)".

Outrossim, quanto ao exame da ocorrência, ou não, do dano moral, ninguém coloca em dúvida as repercussões nefastas do extravio de bagagem em viagem, especialmente se realizada fora do País. Os transtornos são imensos, ocasionando os mais diversos sentimentos para o viajante. No que concerne ao dano moral, há de se perquirir a humilhação e conseqüentemente, o sentimento de desconforto provocado pelo ato, o que é irrefutável na espécie.

Os Suplicantes, que pretendiam usufruir da viagem, viram-se de repente sem roupas e demais pertences que levaram para tanto. Tiveram de recorrer, no campo da improvisação, à compra, em território estrangeiro, de peças que viabilizassem a continuidade da viagem, lançando mão, até mesmo, com inegável constrangimento, do empréstimo de roupas dos integrantes do grupo.

Sobre o assunto, é pacífico o entendimento dos nossos tribunais como adiante se assevera:

"O dano simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio não há como ser provado. Ele existe tão somente pela ofensa, e dela é presumido, sendo bastante para justificar a indenização". (TJPR – 4 Câm. – Ap. Rel. Wilson Reback – j. 12.12.90 – RT 681/163)."

Finalizando, Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge ensinam:

"Há, é claro, que se analisar, se o caso concreto, está em face de relação albergada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Tal poderá perfeitamente suceder se se estiver em face de uma relação de consumo, pura e simples, como é o caso do consumidor que sofre danos em sua bagagem. Nesse caso, a responsabilização do fornecedor transportador aéreo não se limita ao teto do art. 260 da Lei 7.505/86 (sic), supra mencionada" (Op. Cit. Pág. 133).


A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor.

Visto o problema da antinomia das normas, parte-se agora para a responsabilidade civil no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

Citando mais uma vez os mestres Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim:

"O Código de Proteção e Defesa do Consumidor regulamenta a responsabilidade por serviços fundamentalmente em dois dispositivos: no art. 14, trata da responsabilidade civil pelo fato do serviço; no art. 20, trata da responsabilidade civil pelo vício do serviço".

"É mister, pois, que tenha havido evento danoso, decorrente de defeito no serviço prestado, para que se possa falar em responsabilização nos moldes do art. 14. Ou, então, que o evento danoso tenha decorrido de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, o que se pode chamar de defeito de informação" (Op. Cit. Pág. 138).

O artigo 14, que diz responder o fornecedor pelo evento danoso, independentemente de culpa, consagra a sua modalidade objetiva. Já seu parágrafo 3º comporta as causas de exclusão, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente, da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(...)

"§ 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar":

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro:

Assim, se provado o defeito do serviço (extravio da bagagem), o transportador somente deixará de ser responsabilizado quando a responsabilidade advier de fato de outrem ou fato próprio do consumidor.

Colhe-se da jurisprudência:

"Responsabilidade Civil. Transporte aéreo e extravio de bagagem. Indícios de extravio em terra, além de não estar relacionado com acidente. Responde a transportadora pela indenização integral regulada no Código Civil, afastando a indenização tarifada da Lei 7.565/86, prevista para acidente aéreo. Interpretação que também se harmoniza com o Direito do Consumidor. Ação procedente. Decisão mantida." (Ap. Cív. 548.098-4, rel. Márcio Franklin Nogueira, j. 26.05.93, in JTA-LEX 142/144).

Atraso e extravio de Bagagem. Dano Material e Moral. Não ofende a CF art. 178 a decisão judicial que condena companhia aérea ao pagamento de dano material e moral por atraso e extravio de bagagem (STF, 2a T. AgRgAg 198380-9-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, v.u., j. 27.4.1998, BolAASP 2071/246-e).

Deve-se agora tratar, haja vista que a lei aplicável ao caso é o Código de Defesa do Consumidor, da espécie de responsabilidade civil do transportador, qual seja, a responsabilidade objetiva.


Da Responsabilidade Objetiva

O Professor Fernando Noronha conceitua responsabilidade objetiva como "a obrigação de reparar determinados danos causados a outrem, independentemente de qualquer atuação dolosa ou culposa do responsável, mas que tenham acontecido durante atividades realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa responsável".

Do conceito apresentado inferem-se três requisitos básicos para que se configure a responsabilidade objetiva: 1) o fato; 2) o dano; 3) o nexo de causalidade.

O fato na hipótese levantada é extravio da bagagem e o dano configura-se pela perda de documentos, material pessoal, roupas, jóias, enfim o que sair do patrimônio do transportado em virtude da perda de suas malas. Quanto ao nexo de causalidade, diz a teoria da causalidade adequada que, um fato é causa de um dano quando este seja conseqüência normalmente previsível daquele.

"E para sabermos se ele (o dano) deve ser considerado conseqüência normalmente previsível, devemo-nos colocar no momento anterior àquele em que o fato aconteceu e tentar prognosticar, de acordo com as regras da experiência comum, se era possível antever que o dano viesse a ocorrer. Quando a resposta for afirmativa, teremos um dano indenizável".

Ora, é sabido da desordem que muitas vezes povoa nossos aeroportos, tanto que é muitíssimo comum as malas de um cearense serem encontradas em Assunção ou em Porto Alegre. Portanto, pode-se afirmar que num aeroporto em que não há um controle rígido das bagagens, é perfeitamente possível antever-se que, sem serem tomadas estas as devidas cautelas, quaisquer malas teriam grande chance de se extraviarem. Assim sendo, no momento anterior ao fato era possível prever-se a ocorrência do dano, não tendo sido tomada nenhuma providência para que tal não ocorresse.

Conclui-se, portanto que, presentes os requisitos configuradores da CULPA OBJETIVA, quais sejam o fato, o dano e o nexo de causalidade, estamos diante de um dano indenizável.


Da

A prática ensina que, na maioria das empresas de aviação, não são exigidas declarações minuciosas do conteúdo da bagagem. O transportado não teria, pois, como provar o conteúdo das malas, posto que seria considerado documento unilateral (o próprio consumidor, após a constatação do extravio, faz uma lista do que foi perdido). Mas de nada valem estes argumentos, pois no Código de Defesa do Consumidor o ônus da prova é invertido, devendo o transportador comprovar que a mala extraviada não continha tais objetos.

E, nem mesmo é necessário o pedido de inversão do onus probandi, pois, em sede de direito do consumidor, pode-se operar de ofício, ou seja, sem requerimento das partes. É que o Código de Defesa do Consumidor elevou suas normas à condição de normas de ordem pública e de interesse social (art. 1º), e as normas de ordem pública, segundo Carlos César Hoffmann, com base em Nery Jr. "compreendem-se aquelas que devem ser apreciadas e aplicadas de ofício, e em relação às quais não se opera a preclusão, podendo, as questões que delas surgem, serem decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição" (A Inversão do ônus da prova. FURB. Pró-Reitoria de Pesquisa em Pós-Graduação, 1998. Págs. 83-84).

A Jurisprudência é vasta:

"RESPONSABILIDADE DO PRESTADOR DE SERVIÇOS. Ônus da prova segundo o Código de Defesa do Consumidor. Suficiência da verossimilhança do alegado para transferir ao prestador de serviços o encargo probatório (Lei 8.078/90, arts. 6º, VIII, e 14, parág. 3º). Sentença Confirmada". (TJRS - Ap. Cív. 593133416-6 6ª Câm. - Rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrício - RJTJRS 163/393).

"PROVA - Ônus - Inversão - Critério do Juiz, quando reputar verossímil a alegação deduzida - Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com o flagrante intuito de facilitar o ajuizamento da ação, reserva ao Juiz o poder de dispensar o autor do encargo de provar o fato constitutivo de seu direito, quando, a critério exclusivo do Magistrado, reputar verossímil a alegação deduzida" (TJSP - 7ªC. - Ap. Cív. 198.391-1- Rel. Des. Leite Cintra - JTJ/LEX 152/128).

Portanto, nos contratos de transporte aéreo, tanto internacional quanto nacional, a responsabilidade do transportador, pelos danos causados à bagagem, é sempre objetiva, tendo em vista a relação de consumidor-fornecedor que existe. Não é necessário se provar dolo ou culpa. Basta simplesmente a prova do fato ocorrido e o nexo de causalidade entre o fato e o dano.

O ônus desta prova, de acordo com o Código do Consumidor, há de ser operado inversamente, ou seja, o fornecedor deve provar fato que desconstitua o direito alegado pelo consumidor.

Como visto antes, a Convenção de Varsóvia se tornou parcialmente incompatível com o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a Lei 8.078/90 é posterior, especial e editada nos termos da Constituição Federal, não podendo, assim, sobressair-se no ordenamento nacional em detrimento de outros diplomas legais.

Diante dos fatos e da evidência das provas documentais, não poderão subsistir argumentos que lhe afastem o reconhecimento do dano material e moral. Aliás, o brocardo latino "furtum sine dolo malo non committitur", (não se comete furto sem dolo mau), socorre aqueles que tiveram as bagagens extraviadas, desaparecidas, furtadas, sumidas etc., pois, o dolo está presente quando não se pretende vigiar adequadamente o bem depositado à vigilância da transportadora.


DO PEDIDO

sendo que, destes R$ 50.000,00 (Cinqüenta mil reais) pelos danos sofridos por parte do Suplicante (Milton...), R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelos danos sofridos pela Suplicante (Patrícia...) e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelos danos sofridos pela menor e também Suplicante (Rafaela...).

02) - Reparação dos Danos Materiais causados pela Suplicada, estes no valor de R$ 4.161,00 (quatro mil, cento e sessenta e um reais).

03) – Que seja concedida o benefício da justiça gratuita conforme pedido PRELIMINAR.

Protesta provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidas, em especial o depoimento pessoal das partes, a oitiva de testemunhas, prova pericial, apresentação de novos documentos, e quaisquer outras que se fizerem necessárias.

Determinar a CITAÇÃO dos Réus, para dentro do prazo legal, contestar a presente ação.

Fixar os honorários advocatícios na ordem de 20%, sobre o valor da causa.

Dá-se à causa o valor de R$ 114.161,00 (centro e quatorze mil e cento e sessenta e um reais).

Deferimento

Fortaleza/Ce, 21 de dezembro de 2000.

    Carlos César de Carvalho Lopes
    Advogado



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Carlos César de Carvalho. Indenização contra empresa aérea por perda de bagagem em viagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16105. Acesso em: 19 maio 2024.