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Pequenas hidrelétricas de até 30.000 kW. Regime jurídico: autorização.

Desnecessidade de licitação.

Pequenas hidrelétricas de até 30.000 kW. Regime jurídico: autorização. Desnecessidade de licitação.

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Parecer sobre o regime jurídico do ato administrativo de delegação para construção de pequenas usinas hidrelétricas destinadas à produção de até 30.000 kW, o qual conclui que se trata de uma autorização, portanto prescindindo de prévia licitação.

Inteligência do artigo 26, inciso I, da lei n. 9427/96 e da alteração introduzida pela lei n. 9648/98. Autorização para construção de pequenas hidrelétricas destinadas à produção de até 30.000 kw: Regime jurídico: parecer


CONSULTA

Formula-me a consulente, por intermédio de seu eminente advogado David Waltenberg, as questões que se seguem:

"Conforme os entendimentos mantidos com V.Sa., vimos pela presente expor-lhe fatos relacionados ao aproveitamento hidrelétrico do potencial denominado Pequena Central Hidrelétrica A, situado no rio Taquari, no Estado do Rio Grande do Sul, bem como os correspondentes questionamentos jurídicos surgidos em torno da respectiva outorga para exploração, com vistas à sua superior avaliação, sob o prisma jurídico, e emissão de competente parecer.

I – PCH DA EMPRESA

Há mais de 10 anos uma empresa, posteriormente sucedida, no que diz respeito ao presente assunto, por outra empresa, vem se empenhando com vistas a tentar materializar o aproveitamento do potencial hidrelétrico proporcionado pelas águas represadas pela Barragem-Eclusa, construída pela União Federal no citado rio Taquari, no Estado do Rio Grande do Sul, com vistas à geração de energia elétrica, por meio de um aproveitamento de até 30.000 kW.

Com tal objetivo, as empresas contrataram os correspondentes estudos de viabilidade técnica e econômica do aproveitamento, bem como o respectivo projeto básico, já aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, obtiveram as necessárias licenças ambientais, tanto a licença prévia, quanto, mais recentemente, a licença de instalação, assim como cuidaram de obter a titulação de todas as áreas marginais ao trecho do rio Taquari envolvido e ao reservatório formado pela citada Barragem-Eclusa, quer por meio da aquisição do domínio, quer por meio da obtenção dos direitos relativos à exploração dessas áreas.

II – TRATATIVAS MULTI-SETORIAIS

Em paralelo, ao longo do tempo, as empresas desenvolveram intensas tratativas, quer com as Autoridades Portuárias, locais e federais, quer com autoridades do Setor Elétrico, tudo com vistas a viabilizar o pretendido aproveitamento, sob os aspectos atinentes às competências de ambas as áreas governamentais.

Em meio a tais tratativas chegou-se a avençar a celebração de um Termo de Cooperação Técnica envolvendo os Ministérios dos Transportes e de Minas e Energia, a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, responsável pela citada Barragem-Eclusa, e a ANEEL, documento esse que, após merecer a aprovação formal de todos os órgãos envolvidos, inclusive da Procuradoria-Geral da ANEEL, e ter sido assinado pelas demais autoridades, veio a ser rejeitado pela ANEEL.

Retomados os esforços, buscando superar os aspectos alvo da resistência da ANEEL, obteve-se nova definição por parte das Autoridades Portuárias, no sentido de que o aproveitamento em questão seria possível, desde que observadas determinadas condições, dentre as quais as que podem ser assim resumidas: (i) que não haja o uso da Barragem-Eclusa, ou qualquer intervenção em suas instalações; (ii) que o novo aproveitamento não cause qualquer prejuízo ao transporte fluvial, à navegação e à regularização do curso do rio, propiciada pela Barragem-Eclusa; (iii) que a captação d´água para a geração de energia elétrica seja feita a montante da Barragem-Eclusa e sua devolução ao curso normal do rio Taquari a jusante da mesma, de forma a não acarretar qualquer dos citados efeitos negativos; (iv) que o responsável pela captação d´água e pelo seu correspondente aproveitamento para fins de geração de energia elétrica contribua com o custeio das despesas de manutenção da Barragem-Eclusa, bem como com as de suas obras acessórias.

III - VIAS NAVEGÁVEIS INTERNAS - ASPECTOS JURÍDICOS

No que respeita aos aspectos jurídicos afetos à navegação interior e aos portos, instadas a se manifestar sobre o assunto, as competentes unidades do Ministério dos Transportes, inclusive sua Consultoria Jurídica, firmaram entendimento, do qual se depreende que: (i) como o pretendido aproveitamento hidrelétrico não implicará o uso da Barragem-Eclusa, descabe cogitar de licitação, por falta de objeto, vez que a citada Barragem-Eclusa continuará sob a responsabilidade e administração dos competentes órgãos da União; (ii) quanto ao aproveitamento do potencial hidroenergético caracterizado pela acumulação d’água resultante do represamento do rio Taquari pela aludida Barragem-Eclusa, nada há a providenciar na órbita do Ministério dos Transportes, vez que constitui matéria submetida à competência do Ministério de Minas e Energia e, mais precisamente, da ANEEL; (iii) que a praxe no âmbito da administração das vias de navegação internas, adotada pelo Ministério dos Transportes com relação a diversas outras obras de porte e de caráter permanente, é a da outorga de autorização administrativa para sua execução, desde que verificada a preservação dos interesses da navegabilidade e outros envolvidos na utilização das referidas vias internas.

IV - GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - ASPECTOS JURÍDICOS

Já sob a ótica da legislação relativa à geração de energia elétrica, não há dúvida que o pretendido aproveitamento envolverá a utilização de potencial hidroenergético —proporcionado pelo represamento das águas do rio Taquari pela Barragem-Eclusa—, que, por definição constitucional, contida nos artigos 20, inciso VIII, e 176 da Constituição Federal, constitui propriedade distinta da do solo em que se encontra e pertence à União, a quem cabe promover ou deliberar sobre sua exploração, diretamente ou mediante autorização ou concessão.

Portanto, tratar-se-á, efetivamente, do uso de bem público da União, qual seja, o aproveitamento do potencial hidroenergético.

Ora, de acordo com a legislação ordinária relativa a esse tipo de aproveitamento, vigente até 1998, dado o porte do empreendimento cogitado, de até 30.000 kW, deveria o mesmo, para fins de outorga de sua exploração, ser objeto de concessão, precedida de licitação. Era o que dispunham as Leis nº 9.074/95, em seu artigo 5º, inciso II, e nº 9.427/96 (Lei de criação da ANEEL), na redação original de seu artigo 26, inciso I.

Tanto era assim, que o aproveitamento hidrelétrico foi expressamente incluído no Programa Nacional de Desestatização - PND, por meio do Decreto federal nº 2.249/97, que, no parágrafo único de seu artigo 1º, explicitou que os aproveitamentos nele listados deveriam ser explorados, mediante concessão, pelos vencedores das respectivas licitações.

Ocorre que em maio de 1998, a Lei nº 9.648 deu nova redação ao citado artigo 26, inciso I, da Lei da ANEEL (Lei nº 9.427/96), para estabelecer que aproveitamentos hidrelétricos com potência superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 30.000 kW, destinados à produção independente e caracterizados como pequena central hidrelétrica, como é o caso da PCH da empresa, passariam a ser objeto de autorização da ANEEL, independente de licitação, e não mais de concessão, precedida de licitação.

V - AUTORIZAÇÕES PARA A PCH DA EMPRESA

Conjugados os aspectos jurídicos retro-expostos, relativos às vias navegáveis internas e ao aproveitamento dos potenciais hidroenergéticos com capacidade igual ou inferior a 30.000 kW, caracterizados como PCHs, deflui, naturalmente, a possibilidade de concretização do aproveitamento em atenção, desde que obtidas as correspondentes autorizações de competência do Ministério dos Transportes e da ANEEL.

A primeira das citadas autorizações foi obtida, por meio da Portaria STA/MT n° 5, de 14/02/01, da Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes.

Todavia, a segunda autorização não foi obtida, face, mais uma vez, a entendimento contrário da Procuradoria-Geral da ANEEL, desta feita, secundada pela Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia.

VI - OBJEÇÕES DA PGE/ANEEL – COMENTÁRIOS DA EMPRESA

As objeções da Procuradoria-Geral da ANEEL, contidas em seu Parecer n° 055/2001-PGE/ANEEL, de 09/04/01, vão a seguir resumidas e articuladas, em itálico, acompanhadas, com a devida vênia, dos nossos correspondentes comentários:

a) seria juridicamente frágil a situação do empreendimento se baseado em mera autorização outorgada pelo MT;

Comentário: a própria doutrina admite que, dependendo de suas condições e/ou circunstâncias, a autorização não é ato precário, gerando direitos para o autorizado; segundo o informado pelo MT, esse seu procedimento é aplicado a outros tipos de obras de travessia de vias navegáveis, de porte expressivo e caráter permanente, tais como pontes rodoviárias, dutos e linhas de transmissão de energia elétrica; não é de se imaginar que tais empreendimentos estejam em situação juridicamente frágil, sob risco de revogação dos correspondentes atos autorizativos; de outra parte, a titulação para implantação e exploração de PCHs também se dá por meio de autorização, da ANEEL, nem por isso se cogitando de fragilidade da decorrente situação;

b) vai ser usada a água de reservatório, que só existe em função de obra pública erguida com recursos públicos (barragem); o bem público que está em jogo não é a barragem, mas o reservatório; esta situação é diferente do aproveitamento de potenciais hidráulicos em seu estado natural;

Comentário: não há dúvida que vai haver o uso de bem público da União, qual seja, o potencial hidroenergético; todavia, de acordo com as normas constitucionais e legais vigentes, esse uso de bem público, envolvendo PCH com potência de até 30.000 kW, deve ser objeto de autorização da ANEEL, não precedida de licitação; a lei não faz distinção entre potenciais formados natural ou artificialmente;

c) trata-se do "..primeiro caso que se examina juridicamente de geração de energia elétrica a partir de barragem já existente, construída com recursos públicos..";

Comentário: já há precedente de autorização da ANEEL para a implantação de PCH, mediante a exploração de potencial artificial, formado por barragem construída com recursos públicos (Resolução ANEEL nº 314/00: PCH Furnas do Segredo);

d) vai haver a derivação de água de uma barragem pública, por particular, para fins econômicos;

Comentário: em todos os casos de autorização para implantação e exploração de PCHs há o uso de bem público da União (potencial hidroenergético) com fins econômicos;

e) a UHE A foi incluída no PND, pelo Decreto nº 2.249/97, devendo ser objeto de concessão precedida da licitação;

Comentário: à época da edição do Decreto nº 2.249/97, aproveitamentos com potência instalada de 30.000 kW, como é o caso da empresa, eram objeto de concessão, precedida de licitação; com a alteração da redação do inciso I do artigo 26 da Lei nº 9.427/96, determinada pelo artigo 4º da Lei nº 9.648/98, o aproveitamento de PCHs com potência instalada de até 30.000 kW passou a ser objeto da autorização, não precedida da licitação; desse modo, restaram derrogadas as normas do Decreto nº 2.249/97 referentes à PCH da empresa;

f) a licitação é necessária para resguardo de responsabilidades, por envolver interesses de terceiros;

Comentário: todos os aproveitamentos hidrelétricos, sejam objeto de concessão ou autorização, precedidos ou não de licitação, submetem-se à condição de respeito e resguardo dos interesses de terceiros, bem como do uso múltiplo das águas, face ao disposto nos artigos 143 e 152 do Código de Águas (Decreto nº 24.643/34).

VII - OBJEÇÕES DA CJ/MME – COMENTÁRIOS DA EMPRESA

As objeções acrescidas pela Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia, por meio de seu Parecer CONJUR/MME N° 061/2001, de 22/06/01, vão também a seguir resumidas e articuladas, em seqüência e em itálico, igualmente acompanhadas, com a devida vênia, dos nossos correspondentes comentários:

a) pertencendo a Barragem à União e sendo possível a exploração de seu potencial hidráulico, deve-se aplicar ao caso a regra contida no artigo 176 da Constituição, e não a do inciso I do artigo 26 da Lei nº 9.427/96, que é restrita à exploração de potenciais situados em curso normal de rios;

Comentário: o próprio artigo 176, § 1°, da Constituição admite que o aproveitamento dos potenciais hidroenergéticos pode ser feito mediante autorização ou concessão, na forma da lei; ora, a disciplina legal da matéria está contida no inciso I do artigo 26 da Lei nº 9.427/96, em sua redação vigente, que, como já afirmado, não distingue potenciais naturais de artificiais;

b) a viabilidade econômica do projeto depende do uso da barragem, tanto que há previsão de pagamento de compensação financeira ao Ministério dos Transportes;

Comentários: como explicitado no final do item II, retro, no âmbito da solução em discussão, foi definido pelo Ministério dos Transportes "..que o responsável pela captação d´água e pelo seu correspondente aproveitamento para fins de geração de energia elétrica contribua com o custeio das despesas de manutenção da Barragem-Eclusa, bem como com as de suas obras acessórias."

c) se não se cuidasse de bem público federal, não haveria necessidade de expedição da autorização pela Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes;

Comentário: não há dúvida quanto à utilização de bem público federal no caso, ou seja, o potencial hidroenergético; todavia, nos seus expressos termos, a Portaria STA/MT nº 5/01 tem por fim disciplinar a captação e restituição d´água, no âmbito da competência do Órgão expedidor, relativa ao ordenamento do uso das vias navegáveis internas;

d) tendo o aproveitamento hidrelétrico sido incluído no PND, face aos termos do artigo 10, inciso II, do Decreto nº 2.594/98, somente o Conselho Nacional de Desestatização - CND pode aprovar qualquer ato relativo à respectiva outorga de concessão ou autorização;

Comentário: como visto na letra "e", do item VI, retro, a norma que determinou a inclusão da PCH da empresa no PND foi derrogada pela nova redação dada pela Lei nº 9.648/98 ao artigo 26, inciso I, da Lei da ANEEL; logo, qualquer competência do PND quanto ao caso restringir-se-á a reconhecer e declarar tal situação;

e) a licitação da autorização relativa à exploração da PCH da empresa deve ser promovida pela ANEEL, dada sua competência para licitar concessões;

Comentário: descabe discutir competência para licitar o que não é licitável, ou seja, a autorização em atenção.

VIII - CONSULTA

Nada obstante, dada a importância e complexidade da matéria, vimos pela presente, como de início enunciado, submetê-la a sua douta e abalizada apreciação, solicitando-lhe a emissão de correspondente Parecer Jurídico, abordando as questões em discussão e outras julgadas pertinentes por V.Sa.

Adicionalmente, considerando que, por iniciativa da própria Procuradoria-Geral da ANEEL, face à caracterizada divergência de entendimento jurídico entre a mesma e a Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes, o assunto foi encaminhado à Advocacia Geral da União - AGU para apreciação e decisão, solicitamos que V.Sa. também se manifeste sobre o poder vinculante da requerida decisão da AGU, com relação à ANEEL, visto que, nos termos de sua Lei de criação (Lei nº 9.427/96), essa Agência Reguladora goza de ampla autonomia administrativa e financeira.

Segue em anexo, para pronta referência, cópia da documentação principal relativa ao caso, em especial das citadas manifestações da Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes, da Procuradoria-Geral da ANEEL e da Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia".


RESPOSTA

As diversas questões propostas pela consulente, com pertinentes comentários de seu ilustrado advogado, poderiam levar-me a uma resposta singela de que todas as referidas observações são procedentes, na medida em que os fundamentos apresentados pela Douta Procuradoria-Geral da ANEEL não estão lastreados em lei [1].

Ao contrário do que sustenta o aludido órgão jurídico, todas as posições jurídicas assumidas pela consulente na lei têm seu alicerce, configurando estrita observância dos textos vigentes emanados do Poder Legislativo, inclusive no atendimento dos objetivos maiores do legislador e de sua intenção inequívoca de acelerar o processo de implementação do setor energético, que atravessa notória crise no país [2].

Embora pacífico o princípio da reserva de lei, na doutrina e na jurisprudência, à luz do disposto no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, com a seguinte dicção:

"II. ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei",

vale a pena tecer algumas considerações a seu respeito e sobre sua força, assim como sobre as técnicas para sua interpretação, de forma que não pairem dúvidas sobre a desnecessidade de licitação para o aproveitamento hidrelétrico de potenciais energéticos até 30.000 kW, à luz da Lei 9648/98, que, ao dar nova redação ao artigo 26, inciso I, da Lei 9427/96, ofertou perfil definitivo à matéria.

A questão é, exclusivamente, uma singela questão de legalidade, consistente em saber se há ou não necessidade de licitação para a construção de pequenas hidrelétricas com produção de até 30.000 kW.

Se a lei não contemplar qualquer espécie de restrição a que tais usinas sejam construídas e instaladas mediante autorização concedida pela ANEEL, INDEPENDENTE DE LICITAÇÃO, não é de se admitir, pelo princípio da legalidade, que norteia todo o sistema jurídico nacional, possa o poder regulamentador introduzir exigências não constantes de lei e que a desnaturem [3].

O poder regulamentador do Executivo é sempre um poder limitado. A própria autorização constitucional, outorgada a apenas 2 agências (ANATEL e ANP) pelos artigos 21, inciso XI, e 177, § 2º, --a ANEEL não recebeu tal poder do constituinte, razão pela qual muitos juristas ainda discutem a constitucionalidade de sua existência--, de regular os respectivos setores, condiciona-se ao princípio maior de subserviência à lei [4].

Nenhuma agência regulatória tem o poder de regular além da lei, ou, o que é pior, contra a lei. A lei pode ser regulamentada, mas o poder regulamentador é necessariamente um poder limitado aos estritos termos traçados pela fonte primeira e única de qualquer poder, competência ou obrigação, que é a lei, elaborada nos termos do artigo 59 da Carta Magna, quanto ao seu processo produtivo [5].

Sobre esta matéria, doutrina e jurisprudência não divergem. A competência regulamentadora do Executivo é limitada, não podendo, jamais, criar obrigações legalmente inexistentes ou modificar aquelas perfiladas em lei, por atos, na feliz expressão de Alcides Jorge Cintra, produzidos por "regulamenteiros".

E, nitidamente, onde a lei não distinguir, condições onerosas que a lei não impuser, obrigações inexistentes na intenção do legislador ou no texto que produziu, impedimentos, obstáculos, vedações não constantes do diploma emanado da Casa Normativa, tudo isto não pode ser criado por ato administrativo sob pena de ferir a Constituição indiretamente e a lei diretamente [6].

No caso concreto, a questão é simples e, graficamente, pode ser resumida da forma que se segue:

1) Em 1996, a Lei 9427/96 permitiu que o funcionamento de pequenas usinas hidrelétricas, que produzissem até 10.000 kW, estivesse condicionado à autorização da ANEEL, sem necessidade de processo licitatório, estando o artigo 26, inciso I, da Lei n. 9427/96, assim redigido:

"Art. 26 Depende de autorização da ANEEL: I. o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a mil kW e igual ou inferior a dez mil kW destinado à produção independente".

2) O Decreto n. 2249/97, incluiu os aproveitamentos hidrelétricos entre as metas do Programa Nacional de Desestatização – PND, explicitando que seriam feitos mediante concessão, após licitações. À evidência, por não poder mudar a lei, visto que singelo regulamento, esse decreto só poderia cuidar, como cuidou, dos aproveitamentos hidrelétricos com produção superior a 10.000 kW. Caso contrário, o artigo 26, inciso I da Lei n. 9427/96 estaria sendo alterado por ato do Executivo, o que equivaleria a tornar o Congresso Nacional um Poder inútil, ou dedicado a meras "tertúlias acadêmicas" [7].

Como homenagem à inteligência dos autores do Decreto e de seus intérpretes, não é de se admitir entendimento no sentido de que o Decreto tenha o condão de mudar a lei e, onde a lei impôs "autorização", o decreto tenha revogado o ato legislativo e exigido "concessão por meio de licitação".

À evidência, tal "concessão" condicionada a prévio processo licitatório, seria exigível, nos termos da lei, somente para usinas com potencial superior a 10.000 kW. Até esse limite, a construção e funcionamento de usinas estava condicionado a mera autorização da ANEEL, com o que o Decreto 2249/97 não conflita, por esta inteligência, com a Lei 9648/98.

3) Em maio de 1998, a Lei n. 9648 alterou o artigo 26, inciso I, da Lei 9427/96 e elevou de 10.000 para 30.000 kW o limite para que hidrelétricas de pequeno porte pudessem ser instaladas independentemente de licitação, estando apenas sujeitas à autorização da ANEEL para sua construção e funcionamento [8].

Em face da alteração da Lei 9427/96 (artigo 26 inciso I), o limite previsto no Decreto n. 2248/97 passou a ser de 30.000, e não mais de 10.000, sendo, pois, necessário o processo licitatório apenas para as concessões de hidrelétricas com produção superior a 30.000 kW.

Tal interpretação parece-me a única possível para, na linguagem dos constitucionalistas, "salvar o decreto", dando-lhe uma interpretação "conforme a Constituição", técnica exegética que objetiva preservar textos legislativos ou normativos de configuração obscura, na busca de evitar a declaração de sua inconstitucionalidade [9].

É que, a se admitir que o Decreto (ato do Executivo) tivesse alterado a Lei de 1996 (ato legislativo), no concernente ao âmbito das "autorizações" permitidas, o veículo teria ferido diretamente a lei e indiretamente a Constituição.

Já se se admitir que suas disposições são aplicáveis apenas às usinas que a Lei 9427/96 sujeita ao regime de concessões, ou seja, àquelas com produção superior a 10.000 kW no passado, e 30.000 agora (Lei n. 9648/98), o Decreto não se mostra ilegal, mas compatível com a lei, tendo sua validade preservada.

Parece, de longe, esta, não só a melhor interpretação, mas a única compatível com a hierarquia das normas [10].

Ora, se a nova lei limitou-se a elevar o patamar do limite de capacidade de 10.000 para 30.000 kW para a instalação de pequenas usinas mediante autorização da ANEEL –ou seja, sem licitação ou concessão-- pela exegese atrás exposta, não teria derrogado o Decreto, permitindo interpretação no sentido de adequá-lo ao novo patamar legal, por se tratar de ato meramente regulamentador da norma legal de 1996, que, na essência, não foi alterada. Com efeito, a Lei de 1998 preservou o conteúdo do artigo 26, inciso I. Apenas elevou o teto de capacidade produtiva para que uma usina possa ser definida como de pequeno porte, estando sujeita ao regime de mera autorização. Em outras palavras, o Decreto só será válido se tiver hospedado a redação da Lei de 1996, nos termos da interpretação que oferto, "conforme à Constituição", readequando-se o patamar quanto às concessões nele mencionadas, para outro nível, em harmonia com a lei.

Se não for adotada a interpretação retro-citada, que me parece a única com condições de salvar o Decreto, compatibilizando-o com a lei (que é produzida nas Casas do Congresso e não nos gabinetes do Executivo), a conclusão será a de que referido ato normativo afigura-se, nesta parte, ilegal e, por conseqüência, inconstitucional.

Colocadas tais premissas, passo a responder às questões formuladas, entendendo que estão vinculadas às objeções levantadas pela Procuradoria-Geral da ANEEL, a partir de pontos específicos do questionário da consulente e da resposta constante da opinião oficial [11].

Começo, todavia, por transcrever, novamente, o artigo 26, inciso I, da Lei 9427/96, com a redação dada pela Lei 9648/98:

"Art. 26 Depende de autorização da ANEEL: I. o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1000 kW e igual ou inferior a 30.000 kW, destinado à produção independente ou autoprodução, mantidas as características de pequena central hidrelétrica".

A primeira objeção está assim referida:

"a) seria juridicamente frágil a situação do empreendimento, se baseado em mera autorização outorgada pelo MT".

O argumento da douta Procuradoria não procede.

A lei deve ser interpretada, utilizando-se todos os meios exegéticos admissíveis, pelo que nela está escrito e não apenas pela intenção do intérprete. É de Ferrara a crítica de que a pior das exegeses é aquela em que o hermeneuta coloca, na pena do legislador, o que gostaria que lá estivesse --apesar de não estar-- ou suprime aquilo que na lei está, e não lhe agrada [12].

O artigo 26 cuida exclusivamente de autorização. Distingue, para as usinas de pequeno porte, o tipo de acesso à exploração de potenciais energéticos, não exigindo a concessão, mas, apenas, autorização. E distingue claramente, pois, exige concessão precedida de licitação apenas para aquelas hidrelétricas que produzam mais de 30.000 kW. A intenção é inequívoca, ou seja, desburocratizar a atração de investimentos para este tipo de usinas, permitindo sua multiplicação no intuito de combater a imensa crise energética do país. Somente para as usinas de médio e grande porte a lei prevê a outorga de concessões.

O argumento da precariedade da autorização, em relação às concessões ou permissões, diz respeito, exclusivamente, à maior ou menor proteção ao interesse de quem a solicita, razão pela qual não pode ser oposto a quem, tendo direito pela lei, aceita as condições que a lei lhe propicia e assume os riscos decorrentes.

Ocorre, todavia, que, em direito administrativo, a doutrina vem temperando o traço de precariedade da autorização, reconhecendo que, caso a caso, ela é conformada por condições e circunstâncias que podem ou não dar maior estabilidade aos atos perfilados. Em face do objetivo de atribuir maior eficiência e agilidade aos serviços públicos –traduzido nas várias formas de privatização—a autorização vem ganhando maior espectro de utilização, como ocorre, por exemplo, no campo das telecomunicações.

Com efeito, a par das empresas concessionárias e permissionárias, sujeitas ao regime licitatório, proliferam as autorizatárias de telefonia celular, que não se sujeitam à licitação.

À evidência, o interesse público no desenvolvimento do setor justifica a flexibilização do regime, e a imposição de temperamentos ao traço de precariedade que caracteriza o instituto. O mesmo se dá no campo energético, ante a carência que o país atravessa.

Tal técnica tem sido adotada também pelo Ministério dos Transportes, em outros tipos de obras e serviços de travessia, condicionando a precariedade mencionada à recuperação dos investimentos feitos e ao retorno esperado pelo particular ao engajar-se na atividade desempenhada.

E é pacífico que, concedida a autorização, ela não pode ser revogada fora das condições nela previstas [13].

Por fim, como bem enunciado na consulta, a titularidade e exploração de PHCs têm sido outorgadas por meio de "autorizações" da ANEEL, sem que, em nenhum caso, tenha sido alegada a precariedade da autorização ou tenha ela se revelado frágil para tutelar os direitos e deveres dos autorizados [14].

Em última análise, a lei distingue os dois regimes administrativos admissíveis para a exploração de usinas de pequeno, médio e grande porte, determinando que as primeiras sejam "autorizadas", sem licitação, e as segundas e terceiras apenas mediante a celebração de contrato de concessão precedido de licitação.

Não há, pois, como acatar o argumento apresentado pelo digno parecerista da ANEEL.

"b) vai ser usada a água de reservatório, que só existe em função de obra pública erguida com recursos públicos (barragem); o bem público que está em jogo não é a barragem, mas o reservatório; esta situação é diferente do aproveitamento de potenciais hidráulicos em seu estado natural;"

A observação, do ponto de vista fático, é correta. Nada a objetar.

Do ponto de vista jurídico, entretanto, é absolutamente irrelevante. A Lei n. 9648/98, ao reformular o patamar para admitir o funcionamento de usinas de pequeno porte mediante autorização, limitou-se a elevá-lo para 30.000 kW. Não cuidou de distinguir se o uso seria de bem público da União ou não [15].

Cuidou, apenas, de definir o potencial da usina de pequeno porte, exigindo, qualquer que fosse o bem a ser utilizado (público ou não), autorização para a instalação de produtoras de energia até 30.000 kW e concessão, precedida de licitação, para usinas com capacidade acima destes potenciais.

É curioso. A lei de 1998 teve um objetivo inequívoco, ou seja, aumentar o interesse de investidores em processos simplificados de admissibilidade administrativa (autorização, e não, concessão), elevando o patamar que determina usinas de pequeno porte para 30.000 kW de produção [16].

A intenção do legislador é nítida e antecipatória da crise energética, que já se vislumbrava à época.

Por esta razão, não cuidou da titulação jurídica do bem a ser utilizado (bem público ou não), mas, apenas, do tipo de vínculo administrativo para sua exploração: autorização, para usinas com capacidade de produção até 30.000 kW, e concessão, para usinas com capacidade acima desse limite.

O legislador, à evidência, procurou afastar processos mais demorados, não cabendo ao intérprete colocar na lei ou na intenção legislativa poderes e condições inexistentes.

Por fim, é de se alertar que, embora correta a afirmativa do digno procurador, de que o bem é público, não estou convencido de que, no caso, se trate de bem da União, pois o que se vai aproveitar é a água de um rio que nasce e morre dentro do Rio Grande do Sul. Nos comentários que fiz à Constituição, manifestei o meu entendimento de que, em tal hipótese, estas águas pertencem aos Estados (art. 25) e não à União (art. 20) [17].

A matéria, todavia, é despicienda, visto que o legislador deu à referida realidade importância zero.

c) trata-se do "..primeiro caso que se examina juridicamente de geração de energia elétrica a partir de barragem já existente, construída com recursos públicos..";

O argumento não necessita de exegese jurídica. O direito se interpreta, os fatos não. Ou existem ou não existem. No caso, há uma afirmação de que seria o primeiro caso autorizado pela ANEEL, afirmação que não procede, pois a Resolução ANEEL 314/00, relativa à PCH Furnas do Segredo é que tratou do primeiro caso. Certamente, o digno procurador desconhecia o fato, pois, caso contrário, não teria afirmado o que afirmou.

"d) vai haver a derivação de água de uma barragem pública, por particular, para fins econômicos".

O argumento é curioso. A Lei n. 9427/96, em seu artigo 26, inciso I, alterado pela Lei n. 9648/98 --que elevou o patamar de produção energética para efeitos de exigência de mera autorização-- cuida naturalmente de exploração de bens públicos com fins econômicos, pois ninguém iria se aventurar a investir na construção de pequenas usinas se não estivesse absolutamente convencido de que obteria algum benefício, nos termos da Constituição e da lei. Ora, a consideração do eminente parecerista não encontra qualquer espécie de sustentação jurídica, pois, o pressuposto da outorga da autorização é a existência de investidores privados interessados em construir pequenas usinas para obter algum benefício decorrencial! A objeção contida na interpretação dada pelo digno procurador, fere o princípio da legalidade garantido pela Constituição, visto que as mencionadas leis cuidam apenas de "autorização", estando implícito que a construção de pequenas usinas se destina a explorar bens públicos, no setor energético. Cabe ao intérprete apenas interpretar a lei e não se transformar em um legislador positivo, colocando na lei o que a lei não contém [18].

e) a UHE A foi incluída no PND, pelo Decreto nº 2.249/97, devendo ser objeto de concessão precedida da licitação;

O argumento, em que pese o reconhecido saber jurídico de seu prolator, também não se sustenta juridicamente. O Decreto n. 2249/97 é anterior à Lei n. 9648/98 e previa que as usinas com capacidade de produção a partir de 10.000 kW deveriam ser objeto de licitação, como definira a Lei 9427/96.

Sendo um mero ato regulamentador, sem força de lei, à evidência não poderia gerar um direito diverso da lei, nem suprimir direito por ela assegurado.

A Lei 9648 modificou o artigo 26 da Lei 9427/96, derrogando, por decorrência, nessa parte, o Decreto n. 2249/97, ou, para ter sua validade mantida, este há de ser interpretado como incorporando o limite legal, de acordo com interpretação que ofertei ao dispositivo.

A lei de 1998, por imposição do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, prevalece sobre a lei de 1996, tendo-a derrogado em parte. E, à evidência, estabeleceu, PARA TODAS AS USINAS HIDRELÉTRICAS DE PRODUÇÃO ATÉ 30.000 kW A SEREM CONSTRUÍDAS A PARTIR DELA, O REGIME JURÍDICO DA AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, VALENDO, À EVIDÊNCIA, TAL NORMA, SOBRE TODAS AS NORMAS EM CONTRÁRIO DA LEGISLAÇÃO ANTERIOR [19].

Nem caberia argumentar com a prevalência da "norma especial" sobre a "norma geral". É que não há norma especial gerada EXCLUSIVAMENTE POR DECRETO, sem fonte legislativa especial. No caso em concreto, não há que se falar em norma especial, na medida em que a disciplina sobre geração de energia, no cenário de crise que se vislumbrava e que se tornou realidade, ou é norma geral ou norma especial como um todo [20].

No caso, todavia, não há que se falar na prevalência de veículo legislativo especial sobre o veículo legislativo geral. O confronto é entre ato legislativo e ato administrativo, a lei tendo valor autônomo e independente e o Decreto não podendo inovar na ordem jurídica sem fonte legislativa, sob pena de evidente ilegalidade.

Entendo, pois, que o Decreto é válido para todas as usinas com produção superior a 30.000 kW, não podendo prevalecer sobre o regime jurídico do artigo 26 da Lei 9427/96 com a redação dada pela Lei n. 9648/98, na interpretação retro-ofertada, única forma de não torná-lo ilegal.

f) a licitação é necessária para resguardo de responsabilidades, por envolver interesses de terceiros;

O comentário a essa objeção, feito pelo ilustre advogado consulente, é suficiente para elucidar a questão. O resguardo de responsabilidades, no direito pátrio, dá-se em qualquer das 3 formas retro-mencionadas (autorização, permissão e concessão), desde que determinadas por lei --que é o caso. A não assunção de responsabilidades pactuadas por adesão, nos 3 sistemas de admissão (concessão, permissão e autorização), deve ser punida, pois qualquer que seja o ato administrativo, deve ser permeado pelos cinco princípios públicos da moralidade, impessoalidade, publicidade, legalidade e eficiência, expostos no artigo 37 da Constituição Federal assim redigido:

"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... " [21].

E qualquer dos 3 regimes jurídicos, para as 3 formas permitidas, submete-se à condição de respeito e resguardo dos interesses de terceiros, bem como ao múltiplo uso das águas, em face do disposto nos arts. 143 e 152 do Código de Águas [22].

No campo do direito administrativo, não há maior ou menor responsabilidade perante terceiros, mas a mesma responsabilidade, independente do regime jurídico aplicável.

a) pertencendo a Barragem à União e sendo possível a exploração de seu potencial hidráulico, deve-se aplicar ao caso a regra contida no artigo 176 da Constituição, e não a do inciso I do artigo 26 da Lei nº 9.427/96, que é restrita à exploração de potenciais situados em curso normal de rios;

A objeção retro e as seguintes são da Consultoria Jurídica do Ministério das Minas e Energia (parecer CONJUR/MME N. 061/2001 de 22/6/01).

Também não procede. O artigo 26 da Lei n. 9427/96 não distingue entre potenciais situados em cursos normal ou artificial, não cabendo ao intérprete distinguir. Tal interpretação distorce a lei, tornando o parecerista legislador positivo, como se lhe fosse possível subsumir o papel do Congresso Nacional, suprindo omissão intencional ou não do legislador, com inclusão de cláusula legislativa inexistente.

Além do mais, o § 1º do artigo 176 da Constituição Federal, assim redigido:

"A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas" (grifos meus).

determina que depende de lei tal exploração, que pode ser feita mediante autorização ou concessão [23].

E a lei n. 9648, de 1998, permitiu a exploração de pequenas usinas de produção até 30.000 kW mediante autorização, e não de concessão precedida de licitação, com nítido objetivo de facilitar e acelerar o processo de construção desse tipo de usina, em momento de notória crise energética no país. Se a Constituição permite a autorização para exploração de potenciais de energia hidráulica, como pode uma opinião legal opor-se à lei maior, dizendo exatamente o contrário, mormente, levando-se em conta que a lei fez menção a autorização, nos rigorosos termos constitucionais?

b) a viabilidade econômica do projeto depende do uso da barragem, tanto que há previsão de pagamento de compensação financeira ao Ministério dos Transportes;

Não se discute que a água represada viabiliza o projeto, mas há compensação financeira devida ao Ministério de Transportes, que, diga-se de passagem, autorizou sua construção, pois tal usina não prejudica a navegação do rio estadual. Tais cuidados demonstram toda a responsabilidade assumida por aquele Ministério, devendo ser objeto dos termos da autorização a ser concedida.

Ora, em nenhum momento, a lei considerou que tais fatores são impeditivos da autorização, até porque, qualquer que seja o regime jurídico (se se tratasse de usina superior a 30.000 kW, o regime seria de concessão), a viabilidade do projeto depende do represamento das águas [24].

Em outras palavras, a condição em que se alicerça esta objeção não consta da lei e não pode ser causa de vedação, risco de se tornar, o administrador público, um legislador positivo, colocando impedimentos onde a lei não os coloca.

c) se não se cuidasse de bem público federal, não haveria necessidade de expedição da autorização pela Secretaria de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes;

Ainda aqui os argumentos do douto advogado consulente prevalecem. A Portaria STA/MT 5/01 tem por fim disciplinar a captação e restituição da água, no âmbito de órgão expedidor [25].

Mais uma vez, realço que as "objeções legais" constantes do parecer dos dois eminentes consultores não constam de lei. São, portanto, irrelevantes para o caso, que é saber se pode ou não o regime jurídico ser de autorização, visto que o art. 26 inciso I, na redação da lei de 1998, o permite. Todo o resto poderia ser objeto de legislação "de lege ferenda", mas não "de lege lata" [26].

d) tendo o aproveitamento hidrelétrico sido incluído no PND, face aos termos do artigo 10, inciso II, do Decreto nº 2.594/98, somente o Conselho Nacional de Desestatização - CND pode aprovar qualquer ato relativo à respectiva outorga de concessão ou autorização;

O argumento já foi atrás exaustivamente tratado, no corpo do parecer e na resposta aos quesitos. Decreto não é lei e, mesmo que o fosse, como lei posterior, derrogaria a lei anterior. À evidência, o Decreto n. 2594/98 não pode prevalecer sobre disposições legais posteriores ou anteriores, por ser um singelo ato administrativo, não aprovado pelo Congresso Nacional. Na interpretação, todavia, que oferto, visando a integração, tal Decreto está necessariamente regulando as concessões para as usinas com porte superior de produção a partir de 30.000 kW.

O PND é válido e, no intuito de rever seu poder regulatório por decreto, para as pequenas usinas, só pode ser aplicado à luz de regime "autorizativo" e não "concessivo" [27].

e) a licitação da autorização relativa à exploração da PCH da empresa deve ser promovida pela ANEEL, dada sua competência para licitar concessões;

Ainda aqui não procede o argumento. Se obrigatória fosse a concessão, a licitação se imporia, mas, como não o é, prevalece a autorização, cujo regime administrativo prescinde de licitação. Impor licitação para autorizações, não me parece o caminho que respeite as regras próprias do direito administrativo [28].

Colocadas todas as respostas às objeções apresentadas pelos doutos consultores, e tendo sido submetida a matéria à Advocacia Geral da União --cujo Ministro Chefe é eminente constitucionalista, reconhecido no país e fora dele-- tenho forte expectativa de que seu exame, à luz da constitucionalidade da pretensão da consulente e da inconstitucionalidade e ilegalidade da exegese dos dois eminentes pareceristas oficiais do Ministério de Minas e Energia, venha dirimir a questão, fazendo prevalecer o disposto no artigo 26, inciso I, da Lei n. 9427/96 com a redação dada pela Lei n. 9648/98, que impõe, para as hidrelétricas de produção de até 30.000 kW, o regime jurídico da autorização, a qual prescinde de licitação.

S.M.J.

São Paulo, 30 de Agosto de 2001.

IGSM/mos

PhidroeleBomRetiro2001-16publ


NOTAS

1.Gilberto de Ulhôa Canto e Fábio de Sousa Coutinho ensinam: "O princípio da legalidade é, portanto, a regra maior, de hierarquia superior. O que se chama, correntemente, de princípio da "reserva da lei" é conseqüente daquele outro. Mas, há que distinguir entre a doutrina e a regra de direito positivo. A Constituição de cada país pode adotar o princípio nos termos que correspondam às conveniências e peculiaridades desse país, satisfazendo-se com a respectiva observância pela forma que eleger, e até mesmo abrindo-lhe as exceções que considera necessárias" (Caderno de Pesquisas Tributárias vol. 6, Princípio da Legalidade, 2ª. tiragem, ed. Editora Resenha Tributária/Centro de Extensão Universitária, 1991, p. 290/291).

2.Escrevi: "Tenho para mim que a Medida Provisória é constitucional. Defendi em 1997, no volume 5 dos Comentários à Constituição (Editora Saraiva), elaborados com Celso Bastos, que, em certas circunstâncias, até mesmo o estado de defesa poderia ser acionado para a garantia das Instituições democráticas, como sabiamente previu o constituinte em 1988 (art. 136), em havendo cataclismos que inviabilizem a prestação regular de serviços públicos. Não vi, inclusive, inconstitucionalidade nas medidas originais, em que o governo adotava política tarifária mais severa para impor o racionamento, objetivando evitar o pior, ou seja, o corte generalizado de energia. A medida provisória atual é, todavia, menos polêmica e, na minha exegese, rigorosamente conformada à Constituição. A Nação já está a demonstrar maturidade, ao se esforçar em atingir as metas preparadas, mesmo antes do início do racionamento. E sendo totalmente direcionado para a solução da crise, o acréscimo tarifário, nada tão legítimo quanto o esforço atual para se evitar o pior" (A constitucionalidade da MP sobre energia elétrica, O Estado de São Paulo, 26/6/01, p. A2).

3.Em ação direta de inconstitucionalidade que não conheceu, mas em que claramente definiu o âmbito da normação regulamentar, declarou o STF:

"Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - AGRAVO REGIMENTAL - IMPUGNAÇÃO DE INSTRUÇÃO NORMATIVA DO DEPARTAMENTO DA RECEITA FEDERAL - ALEGADA VULNERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS - SEGUIMENTO NEGADO - NATUREZA DAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS – CARÁTER ACESSÓRIO DO ATO IMPUGNADO - JUIZO PRÉVIO DE LEGALIDADE – MATÉRIA ESTRANHA AO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA PROVISÓRIA - DISCIPLINA CONSTITUCIONAL DAS RELAÇÕES JURÍDICAS FUNDADAS EM MEDIDA PROVISÓRIA NÃO CONVERTIDA EM LEI – EFEITOS RADICAIS DA AUSÊNCIA DE CONVERSÃO LEGISLATIVA - INSUBSISTÊNCIA DOS ATOS REGULAMENTARES FUNDADOS EM MEDIDA PROVISÓRIA NÃO-CONVERTIDA - AGRAVO NÃO PROVIDO.

- A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL TEM-SE ORIENTADO NO SENTIDO DE REPELIR A POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, POR VIA DE AÇÃO, NAS SITUAÇÕES EM QUE A IMPUGNAÇÃO "IN ABSTRACTO" INCIDE SOBRE ATOS QUE, INOBSTANTE VEICULADORES DE CONTEÚDO NORMATIVO, OSTENTAM CARÁTER MERAMENTE ANCILAR OU SECUNDÁRIO, EM FUNÇÃO DAS LEIS, OU DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS, A QUE ADEREM E CUJO TEXTO PRETENDEM REGULAMENTAR. EM

TAIS CASOS, O EVENTUAL EXTRAVASAMENTO DOS LIMITES IMPOSTOS PELA LEI, OU PELA MEDIDA PROVISÓRIA, CARACTERIZARA SITUAÇÃO DE MERA ILEGALIDADE, INAPRECIÁVEL EM SEDE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.

- HÁ CRISES DE LEGALIDADE, QUE IRROMPEM NO ÂMBITO DO SISTEMA DE DIREITO POSITIVO, CARACTERIZADAS POR INOBSERVÂNCIA, PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, DO SEU DEVER JURÍDICO DE SUBORDINAÇÃO A LEI, REVELAM-SE, POR SUA NATUREZA MESMA, INSUSCETÍVEIS DO CONTROLE JURISDICIONAL CONCENTRADO, CUJA FINALIDADE EXCLUSIVA RESTRINGE-O, TÃO-SOMENTE, A AFERIÇÃO DE SITUAÇÕES CONFIGURADORAS DE INCONSTITUCIONALIDADE.

- AS INSTRUÇÕES NORMATIVAS, EDITADAS POR ORGÃO COMPETENTE DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, CONSTITUEM ESPÉCIES JURÍDICAS DE CARÁTER SECUNDÁRIO. CUJA VALIDADE E EFICÁCIA RESULTAM, IMEDIATAMENTE, DE SUA ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS LIMITES IMPOSTOS PELAS LEIS, TRATADOS, CONVENÇÕES INTERNACIONAIS, OU DECRETOS PRESIDENCIAIS, DE QUE DEVEM CONSTITUIR NORMAS COMPLEMENTARES. ESSAS INSTRUÇÕES NADA MAIS SÃO, EM SUA CONFIGURAÇÃO JURÍDICO-FORMAL, DO QUE PROVIMENTOS EXECUTIVOS CUJA NORMATIVIDADE ESTÁ DIRETAMENTE SUBORDINADA AOS ATOS DE NATUREZA PRIMÁRIA, COMO AS LEIS E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS, A QUE SE VINCULAM POR UM CLARO NEXO DE ACESSORIEDADE E DE DEPENDÊNCIA. SE A INSTRUÇÃO NORMATIVA, EDITADA COM FUNDAMENTO NO ART. 100, I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, VEM A POSITIVAR EM SEU TEXTO, EM DECORRÊNCIA DE MÁ INTERPRETAÇÃO DE LEI OU MEDIDA PROVISÓRIA, UMA EXEGESE QUE POSSA ROMPER A HIERARQUIA NORMATIVA QUE DEVE MANTER COM ESTES ATOS PRIMÁRIOS, VICIAR-SE-Á DE ILEGALIDADE E NÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

- MEDIDAS PROVISÓRIAS. A REJEIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA DESPOJA-A DE EFICÁCIA JURÍDICA DESDE O MOMENTO DE SUA EDIÇÃO, DESTITUINDO DE VALIDADE TODOS OS ATOS PRATICADOS COM FUNDAMENTO NELA.

ESSA MESMA CONSEQüÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL DERIVA DO DECURSO "IN ALBIS" DO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS, SEM QUE, NELE, TENHA HAVIDO QUALQUER EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DECISÓRIA DO CONGRESSO

NACIONAL. A DISCIPLINA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS FORMADAS COM BASE NO ATO CAUTELAR NÃO CONVERTIDO EM LEI CONSTITUI OBRIGAÇÃO INDECLINÁVEL DO PODER LEGISLATIVO DA UNIÃO, QUE DEVERÁ REGRÁ-LAS MEDIANTE PROCEDIMENTO LEGISLATIVO ADEQUADO. O EXERCÍCIO DESSA PRERROGATIVA CONGRESSIONAL DECORRE, FUNDAMENTALMENTE, DE UM PRINCÍPIO ESSENCIAL DE

NOSSO SISTEMA CONSTITUCIONAL: O PRINCÍPIO DA RESERVA DE COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL. A DISCIPLINA A QUE SE REFERE A CARTA POLÍTICA EM SEU ART. 62, PARÁGRAFO ÚNICO, TEM, NA LEI FORMAL, DE EXCLUSIVA ATRIBUIÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL, SEU INSTRUMENTO JURÍDICO IDÔNEO.

- OS ATOS REGULAMENTARES DE MEDIDAS PROVISÓRIAS NÃO-CONVERTIDAS EM LEI NAO SUBSISTEM AUTONOMAMENTE, EIS QUE NELAS RESIDE, DE MODO DIRETO E IMEDIATO, O SEU PRÓPRIO FUNDAMENTO DE

VALIDADE E DE EFICÁCIA. A AUSÊNCIA DE CONVERSÃO LEGISLATIVA OPERA EFEITOS EXTINTIVOS RADICAIS E GENÉRICOS, DE MODO A AFETAR TODOS OS ATOS QUE ESTEJAM, DE QUALQUER MODO, CAUSALMENTE VINCULADOS A MEDIDA PROVISÓRIA REJEITADA OU NÃO-TRANSFORMADA EM LEI, ESPECIALMENTE AQUELES QUE, EDITADOS PELO PRÓPRIO PODER PÚBLICO, COM ELA MANTINHAM - OU DEVERIAM MANTER - ESTRITA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA NORMATIVA E DE ACESSORIEDADE JURÍDICA, TAIS COMO AS INSTRUÇÕES NORMATIVAS.

Observação

VOTAÇÃO: UNÂNIME.

RESULTADO: IMPROVIDO.

VEJA ADIN-311.

N.PP.:(21). REVISÃO:(NCS).

ALTERAÇÃO: 18.11.93, (MK ).

Legislação:

LEG-FED CFD-****** ANO-1988

ART-00062 PAR-ÚNICO

****** CF-88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL

LEG-FED MPR-000195 ANO-1990

ART-00005

LEG-FED MPR-000200 ANO-1990

LEG-FED MPR-000212 ANO-1990

LEG-FED MPR-000237 ANO-1990

LEG-FED INT-000102 ANO-1990

DEPARTAMENTO DA RECEITA FEDERAL DA SECRETARIA DA

FAZENDA NACIONAL.

Indexação

CT0862, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, instrução NORMATIVA, IOF, LEGALIDADE

CT1108, MEDIDA PROVISÓRIA, conversão em lei, ausência, efeitos" (AGRADI-365/DF AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, RELATOR MIN. CELSO DE MELLO, PUBLICADO DJ 15/3/91, PP-02645, EMENT. VOL. 01612-01, PP-00017, JULGAMENTO 7/11/90, TRIBUNAL PLENO) (grifos meus).

4.Os artigos 21, inciso XI, e 177, § 2º da C.F. têm a seguinte dicção: "Art. 21 Compete à União:.... XI. explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais";

"Art. 177 - § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: I. a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional; II. as condições de contratação; III. a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União" (grifos meus).

5.O artigo 59 está assim redigido: "O processo legislativo compreende a elaboração de: I. emendas à Constituição; II. leis complementares; III. leis ordinárias; IV. leis delegadas; V. medidas provisórias; VI. decretos legislativos; VII. resoluções", tendo eu o comentado assim: "O constituinte brasileiro, sabiamente, referiu-se ao processo por seus tipos enunciados, deixando ao legislador infra-constitucional a definição dos procedimentos de concreção dos veículos mencionados para a elaboração legislativa. E fê-lo com pertinência e adequação.

São sete os veículos escolhidos, colocados, a meu ver, em rigorosa ordem de importância, a saber: emenda à Constituição, lei complementar, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.

Os sete veículos, entendo eu, são os únicos permitidos pela lei maior, no âmbito do Poder Legislativo, revestindo-se de manifesta inconstitucionalidade qualquer outra forma de legislar, naquela esfera, que não tenha a forma de um dos sete tipos pela lei suprema referidos" (Comentários à Constituição do Brasil, 4º vol., tomo I, Ed. Saraiva, 2ª. ed., 1999, p. 318).

6.Lê-se no texto da ementa da ADIN – MEDIDA CAUTELAR N. 1347/DF o seguinte:

"INTERPRETAÇÃO ADMINISTRATIVA DA LEI E CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO.

- SE A INSTRUÇÃO NORMATIVA, EM DECORRÊNCIA DE MÁ INTERPRETAÇÃO DAS LEIS E DE OUTRAS ESPÉCIES DE CARÁTER EQUIVALENTE, VEM A POSITIVAR UMA EXEGESE APTA A ROMPER A HIERARQUIA NORMATIVA QUE DEVE OBSERVAR EM FACE DESSES ATOS ESTATAIS PRIMARIOS, AOS QUAIS SE ACHA VINCULADA POR UM CLARO NEXO DE ACESSORIEDADE, VICIAR-SE-Á DE ILEGALIDADE - E NÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE -, IMPEDINDO, EM CONSEQUÊNCIA, A UTILIZAÇÃO DO MECANISMO PROCESSUAL DA FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA. PRECEDENTES: RTJ 133/69 - RTJ 134/559.

- O EVENTUAL EXTRAVASAMENTO, PELO ATO REGULAMENTAR, DOS LIMITES A QUE SE ACHA MATERIALMENTE VINCULADO PODERÁ CONFIGURAR INSUBORDINAÇÃO ADMINISTRATIVA AOS COMANDOS DA LEI. MESMO QUE DESSE VÍCIO JURÍDICO RESULTE, NUM DESDOBRAMENTO ULTERIOR, UMA POTENCIAL VIOLAÇÃO DA CARTA MAGNA, AINDA ASSIM ESTAR-SE-Á EM FACE DE UMA SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE MERAMENTE REFLEXA OU OBLÍQUA, CUJA APRECIAÇÃO NÃO SE REVELA POSSÍVEL EM SEDE JURISDICIONAL CONCENTRADA" (RELATOR MIN. CELSO DE MELLO, DJ. 01/12/95, P. 41685, EMENT. VOL. 1811, P. 241, DATA DE JULGAMENTO 5/9/95 – TRIBUNAL PLENO) (grifos meus).

7.Decreto n. 2249/97, § único do art. 1º está assim redigido: "Os aproveitamentos hidrelétricos referidos neste artigo serão explorados, mediante contrato de concessão, pelos vencedores das licitações respectivas, processadas na conformidade da legislação específica".

8.O artigo 26, inciso I, passou a ter a seguinte redação (Lei 9648/98): "Art. 26 Depende de autorização da ANEEL: I. o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1000 kW e igual ou inferior a 30.000 kW, destinado à produção independente ou autoprodução, mantidas as características de pequena central hidrelétrica".

9.Celso Ribeiro Bastos ensina: "Esta é uma técnica a que deve obediência o intérprete da lei infraconstitucional, sempre que isso for possível. Portanto, já não se está mais no campo do Direito Constitucional, e sim no das demais leis, sobre as quais se aplica esta orientação. Nesse sentido, adverte Jorge Miranda: "Tema próximo do da interpretação constitucional, embora dele distinto, vem a ser o da interpretação da lei em face da Constituição ou, num sentido muito amplo, da interpretação conforme à Constituição", concluindo a seguir que "A chamada interpretação conforme à Constituição (...) vem a ser mais do que a aplicação de uma regra de interpretação. É um procedimento ou regra própria da fiscalização da constitucionalidade, que se justifica em nome de um princípio de economia do ordenamento ou de máximo aproveitamento dos actos jurídicos –e não de uma presunção de constitucionalidade da norma".

Dessa forma, justifica-se o estudo desta técnica nesta obra apenas na medida em que funciona como uma forma de integrar a lei à Constituição, de acordo com o significado já interpretado desta, constituindo, nesta medida, uma das conseqüências da interpretação constitucional, já que se à Lei Constitucional é conferido um determinado sentido, e se à lei ordinária não se pode atribuir senão um significado oposto ou incompatível com o primeiro, então o resultado direto daquele primeiro significado será a declaração da inconstitucionalidade da lei infraconstitucional.

Deve-se ter, ainda, em mira, ao abordar este tema, que esta indicação, mais do que uma técnica de salvamento da lei ou do ato normativo (doutrina americana), consiste já numa técnica de decisão.

Pela interpretação conforme à Constituição, uma lei não deve ser declarada nula quando seja passível de uma interpretação que a coloque em plena sintonia com o conjunto normativo-constitucional" (Hermenêutica e Interpretação Constitucional, Celso Bastos Editor, IBDT, 1997, p. 166/167).

10.Caio Mário da Silva Pereira ensina: "O legislador exprime-se por palavras, e é no entendimento real destas que o intérprete investiga a sua vontade. Os órgãos encarregados da execução ou da aplicação da norma jurídica penetram, através da sua letra, no seu verdadeiro sentido. Toda lei está sujeita a interpretação. Toda norma jurídica tem que ser interpretada, porque o direito objetivo, qualquer que seja a sua roupagem exterior, exige seja entendido para ser aplicado, e neste entendimento vem consignada a sua interpretação. Inexato é, portanto, sustentar que somente os preceitos obscuros, ambíguos ou confusos, exigem interpretação, e que a clareza do dispositivo a dispensa, como se repete na velha parêmia "in claris cessat interpretatio". Inexato o brocardo (ver CUNHA GONÇALVES, VICENTE RÁO), como outros muitos que amiúde se repetem com o propósito de orientar o intérprete (RUGGIERO), mas que na verdade muito comumente lhe falseiam o trabalho. Poder-se-á dizer, e isto é correto, que o esforço hermenêutico é mais simples ou mais complexo, conforme a disposição seja de entendimento mais ou menos fácil, pois que sustentar a clareza do preceito, é já tê-lo entendido e interpretado, tanto mais quanto a própria clareza é em si muito relativa, dependendo do grau de acuidade de quem o lê ou aplica, de seus conhecimentos técnicos, de sua experiência. Há sempre necessidade de investigar a essência da vontade legislativa, não apenas na exteriorização verbal, mas naquilo que é a sua força interior e o poder de seu comando. Interpretar não é tão-somente contentar-se com o que a letra da lei revela, pois que, na sociedade animada pela civilização jurídica, a fórmula sacramental perdeu a validade que era o seu prestígio num estágio primitivo, em que dominava a escravidão da forma. Por isso mesmo já o romano sentenciava que "scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac potestatem" (Instituições de Direito Civil, volume I, 12ª ed., ed. Forense, 1990, p. 135/136).

11.Arnoldo Wald relembra sobre o processo lógico que: "Outro processo é o lógico ou racional, que atende ao espírito da lei, extraindo as várias interpretações possíveis e, eliminando as que possam parecer absurdas; descobrindo as finalidades, os fundamentos da lei, o espírito e a razão de ser das leis, ratio ou mens legis e, finalmente, estudando as circunstâncias históricas da sua elaboração, a ocasião em que a lei foi elaborada, occasio legis, que, muitas vezes, permite uma interpretação mais clara, quando se vê, por exemplo, os motivos que fizeram com que o legislador aprovasse a forma atual da norma" (Curso de Direito Civil Brasileiro – Introdução e parte geral, 5ª. ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1987, p. 70).

12.Hamilton Dias de Souza refere-se ao livro de Francesco Ferrara (Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª. ed., Coimbra, 1963, p. 129) ao dizer: "deve-se lembrar a lição de Francesco Ferrara, segundo a qual o excessivo apego à letra da lei é pernicioso, mas, ainda mais grave é o perigo de que o intérprete force a exegese, encaixando no texto aquilo que gostaria que lá estivesse ou suprimindo o que contrariasse suas preferências" (Direito Tributário 2, José Bushatsky Editor, 1972, p. 32).

13.Toshio Mukai lembra que a autorização contém suas próprias condições, obrigando-se a Administração aos termos nela constantes: "A autorização é conferida por escrito e tem em vista o interesse do particular, razão por que tem caráter transitório. Em regra, a autorização é outorgada sem prazo, podendo ser revogada a qualquer momento.

Se for fixado prazo para a autorização, esta perde o seu caráter de precariedade. Dessa forma, a Administração fica adstrita à observância do prazo e se, por motivo de interesse público, revogar a autorização, poderá ter de indenizar o particular.

Não há necessidade de lei para a outorga de autorização, nem de realização de procedimento licitatório. Qualquer tipo de bem público pode ser objeto de autorização" (Direito Administrativo Sistematizado, Ed. Saraiva, 1999, p. 186).

14.Neste sentido, veja-se a Resolução ANEEL 314/00, relativa à PHC Furnas do Segredo, cuja ementa é a seguinte: "AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA – ANEEL

RESOLUÇÃO N. 314, DE 25/8/2000.

Autoriza a Guascor Serviços Ltda. e a Companhia Estadual de Energia Elétrica, integrantes do Consórcio Jaguari, a estabelecerem como Produtores Independentes de Energia Elétrica, mediante o aproveitamento do potencial hidráulico denominado PCH Furnas do Segredo, localizado no rio Jaguari, Município de Jaguari, Estado do Rio Grande do Sul".

15.Aplicar-se-ia ao caso o princípio de "ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit: "Quando a lei quis, determinou; sobre o que não quis, guardou silêncio". Com efeito, se não quis distinguir, guardou, o legislador, silêncio, não cabendo ao intérprete colocar em sua boca o que não quis dizer.

"Quando o texto menciona o gênero, presumem-se incluídas as espécies respectivas; se faz referência ao masculino, abrange o feminino; quando regula o todo, compreendem-se também as partes. Aplica-se a regra geral aos casos especiais, se a lei não determina evidentemente o contrário.

Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus: "Onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir".

Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tende distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas" (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª edição, Ed. Forense, 1979, p. 246).

16.E, à evidência, a lei de 1996 foi derrogada. José de Oliveira Ascensão denomina a interpretação aplicável de abrangente, ao dizer: "Entre os possíveis resultados da interpretação está a chamada interpretação ab-rogante. Aí o intérprete não mata a regra, verifica que ela está morta. Após a busca do sentido possível, tem de concluir que há uma contradição insanável, donde não resulta nenhuma regra útil. A fonte tem, pois, de ser considerada como ineficaz" (Enciclopédia Saraiva do Direito, vol 45, 1980, p. 454).

17.Escrevi: "O inciso I dá, em parte, nova redação ao artigo 5º da Constituição anterior, na dicção ofertada pela E.C. nº 16/80, assim redigido: "Art. 5º - Incluem-se entre os bens dos Estados e Territórios os lagos em terrenos de seu domínio, bem como os rios que neles têm nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não-compreendidas no artigo anterior".

Pelo artigo anterior, estavam entre os bens dos Estados:

1) os lagos em terreno de seu domínio;

e

2) os rios com nascimento e foz em seu território.

Pelo atual dispositivo, o constituinte preferiu referir-se a

1) águas superficiais

2) águas subterrâneas

3) águas fluentes

4) águas emergentes

5) águas em depósito,

ressalvando aquelas águas que entraram no domínio do Estado por força de leis da União.

As águas superficiais podem ser fluentes e em depósito, isto é, rios ou lagos, havendo de se entender que apenas serão dos Estados aquelas que estiverem por inteiro em seu território.

Ao determinar, o constituinte, que determinados rios pertencem à União (os que estão em seu domínio, banham mais de um Estado, sirvam de limites com outros países e se estendam a território estrangeiro ou dele provenham) à nitidez, considerou, por exclusão, como pertencentes aos Estados, aqueles rios ou quaisquer correntes de água que não se enquadram nas referidas hipóteses.

O mesmo se diga em relação aos lagos, razão pela qual o discurso repetitivo e diverso do inciso I do artigo 26, apenas esclarece que aqueles rios e lagos que não forem da União serão dos Estados, sejam rios e lagos expostos à luz do sol, sejam rios e lagos subterrâneos.

A novidade também está em se ressalvar as águas oriundas das obras da União, seja por desvio de seu curso, seja por barragem para as usinas hidroelétricas, seja por qualquer outra forma de atuação da União que leve a um Estado águas que não lhe pertenceriam naturalmente.

Uma última observação mister se faz. Por águas emergentes e fluentes, há de se entender, as primeiras, como aquelas que nascem no território e fluam no mesmo território e, por fluentes, aquelas que, nascidas e correndo pelo próprio território, nele venham a morrer. É o retorno ao conceito das nascentes e foz dentro do Estado, a que se referia a Constituição pretérita" (Comentários à Constituição do Brasil, 3º vol., tomo II, Ed. Saraiva, 1993, p. 102 a 105).

18.Manoel Gonçalves Ferreira Filho escreve: "Se é reservado à lei determinar que se faça ou que não se faça alguma coisa, forçoso é reconhecer que os próprios poderes do Estado somente podem atuar dentro do campo estabelecido pela lei e segundo seus ditames. A Administração Pública e os órgãos jurisdicionais hão de aplicar a lei, o que significa que sua função vai, essencialmente, resumir-se em transformar em comandos individuais as ordens genéricas da lei, do legislador. Assim, Executivo e Judiciário não podem criar obrigações novas nem reconhecer direitos novos. Sua ação se limita ao cumprimento da lei" (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1, Ed. Saraiva, 1990, p. 29).

19.O artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil tem a seguinte dicção: "Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência".

20.Escrevi: "Assim é que a cabeça do artigo delimita o aspecto temporal, informando que uma lei vigora até que seja revogada ou modificada por outra.

Se se pode discutir eventual redundância dos verbos utilizados "modificar" e "revogar", posto que a explicação do § 1º demonstra que a revogação, por sua extensão vernacular, abrange qualquer forma de afastamento do direito anterior, inclusive a derrogação, ou seja, a alteração parcial, tal redundância, em se admitindo já que há autores que defendem a explicitação-, não prejudica a clareza do comando legislativo, o qual esclarece que em três hipóteses ocorre a revogação, a saber: de forma expressa, pela incompatibilidade das disposições, prevalecendo a nova conformação legislativa, e pela inteira regulação da lei anterior.

As três hipóteses, portanto, estalajam as gamas possíveis de modificação total ou parcial (ab-rogação ou derrogação), ressaltando-se a importância do § 2º que retira abrangência das duas hipóteses finais do § 1º (incompatibilidade e regulação completa) e do § 3º que evita a repristinação.

Ora, o § 2º explicita a possibilidade convivencial de normas não conflitantes que se coloquem em regência paralela, vigendo lei nova e lei pretérita, seja no concernente às disposições gerais, seja no concernente às disposições especiais" (Direito Econômico e Empresarial, Co-edição IASP/CEJUP, 1986, p. 60/61).

21.José Cretella Jr. sobre o primeiro dos princípios (legalidade) declara: "O princípio da legalidade, assim denominado por Leon Duguit e enunciado, em resumo, nas seguintes proposições: a) no Estado de direito, ou seja, que se admite ser governado pelo direito, nenhuma autoridade pode tomar decisão individual que não se contenha nos limites fixados por disposição geral, isto é, por lei no sentido material: b) para que um país possua o Estado de direito, é preciso que nele exista alta jurisdição, que reúna todas as qualidades de independência, imparcialidade e competência, diante da qual possa ser apresentado recurso de anulação contra toda a decisão que tenha violado ou pareça ter violado o direito.

Nenhum ato jurídico é válido a não ser que seja conforme às regras editadas pelo Estado. Nenhuma autoridade de nenhum dos Poderes pode tomar decisões que contrariem normas válidas do sistema jurídico em que se encontram. Mesmo a mais alta das autoridades deve "suportar a lei que editou", até que esta seja derrogada por outra mais recente.

O princípio da legalidade, que informa todos os recantos da ciência do direito, não somente assume particular relevância no âmbito do direito constitucional, como no do direito administrativo, ou seja, informa todo o setor publicístico. É o grande princípio que domina a atividade do Estado –o da submissão à legalidade lato sensu--, sentido em que é tomado hoje, na linha tradicional da antiga fórmula do Estado legal ou Estado de direito" (Comentários à Constituição 1988, vol. IV, Forense Universitária, 1991, p. 2142).

22.Os artigos 143 e 152 do Código das Águas têm a seguinte dicção: "Art. 143 Em todos os aproveitamentos de energia hidráulica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses gerais: a) da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas; b) da salubridade pública; c) da navegação; d) da irrigação; e) da proteção contra as inundações; f) da conservação e livre circulação do peixe; g) do escoamento e rejeição das águas";

"Art. 152 As indenizações devidas aos ribeirinhos quanto ao uso das águas no caso de direitos exercidos, quanto à propriedade das mesmas águas, ou aos proprietários das concessões ou autorizações préexistentes, serão feitas, salvo acordo em sentido contrário, entre os mesmos e os concessionários, em espécie ou em dinheiro, conforme os ribeirinhos ou proprietários preferirem.

§ 1º Quando as indenizações se fizerem em espécie serão sob a forma de um quinhão d’água ou de uma quantidade de energia correspondente à água que aproveitavam ou a energia de que dispunham, correndo por conta do concessionário as despesas com as transformações técnicas necessárias para não agravar ou prejudicar os interesses daqueles.

§ 2º As indenizações devidas aos ribeirinhos quanto ao uso das águas, no caso de direitos não exercidos, serão feitas na forma que for estipulada em regulamento a ser expedido".

23.Pinto Ferreira lembra que: "A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica, só poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei" (Comentários à Constituição Brasileira, 6º vol., Ed. Saraiva, 1994, p. 384), reafirmando em seus comentários o texto maior.

24.Do parecer do eminente Dr. Aristarte Gonçalves Alves Leite Jr., Coordenador-geral de Assuntos Técnicos de Transportes do Ministério dos Transportes lê-se: "5. Sob o ponto de vista legal, não vemos qualquer óbice nas modificações propostas, pois fica mantido o aspecto jurídico-formal da minuta do Termo de Cooperação Técnica.

6. Assim, entendemos que não há impedimento de natureza técnica para o atendimento das modificações propostas, na conformidade com a Nota Técnica n. 042/2000, emitida pelo STA/DHI, pois permanece respeitado principalmente a finalidade principal da Barragem da empresa que é a navegação e a operação com a eclusa.

7. Nestas condições, não vislumbro nenhum vício jurídico no Termo de Cooperação Técnica acostado aos autos, por estar revestido de constitucionalidade e juridicidade, com amparo na Lei n. 9074, de 7 de julho de 1995, que estabelece normas para outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviços públicos".

25."PORTARIA Nº 005, de 14 de Fevereiro de 2001.

O SECRETÁRIO DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, tendo em vista o disposto no art. 8º, Anexo I ao Decreto n. 1642, de 25 de setembro de 1995, e considerando o que consta do Processo n. 50000 001589/2001-21, resolve:

I. Aprovar no que diz respeito às atribuições do Departamento de Hidrovias Interiores- DHI, desta Secretaria, o projeto de captação e restituição das vazões afluentes ao reservatório da barragem de navegação da empresa, no rio Taquari, Estado do Rio Grande do Sul, conforme o apresentado nos desenhos n. 8575/US-10-16-0001/REV 0 – Planta de Localização e Acessos e n. 85755/US-3G-16-0003/REV 0 – UHE da empresa – Projeto Básico;

II. Ressalvar os aspectos relativos ao ordenamento do espaço aquaviário, bem como a implantação e manutenção dos requisitos de segurança à navegação no local, exigidos pelo Comando da Marinha, do Ministério da Defesa;

III- Todos os demais aspectos e condicionantes relativos ao empreendimento sujeitar-se-ão às normas e regulamentos da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, do Ministério das Minas e Energia;

IV. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União.

WILDJAN DA FONSECA MAGNO".

26.As objeções de alguns pareceristas não resistem às técnicas hermenêuticas lembradas por Vicente Rao, ao dizer: "Em seguida, passa-se à interpretação da norma, investigando-se, segundo os princípios e leis científicas estabelecidas pela hermenêutica, qual é o seu fiel conteúdo e qual o seu alcance, qual o seu sentido, quais os seus fins; e, na falta da norma, procede-se à operação dita integrativa do direito, que consiste na procura de um preceito outro, aplicável à espécie.

E depois, só depois de todas essas operações, procede-se à adaptação do preceito normativo ao caso concreto, fechando-se, com esta ação terapêutica, o ciclo do tratamento jurídico da situação de fato.

Cinco operações, ou fases, marcam, pois, esse ciclo: a) a análise direta do fato, ou diagnóstico do fato; b) sua qualificação perante o direito, ou diagnóstico jurídico; c) a crítica formal e a crítica substancial da norma aplicável; d) a interpretação desta norma; e) sua aplicação ou adaptação ao fato, ou caso concreto" (O direito e a vida dos direitos, vol. 1, tomo III, Ed. Resenha Universitária, São Paulo, 1977, p. 444/445).

27.Roque Carrazza ensina: "De conseguinte, os únicos regulamentos conciliáveis com as exigências da Lei Maior brasileira são os que se subordinam inteiramente à lei, denominados executivos (ou de execução).

Podemos, pois, dizer que, no Brasil, o regulamento é um ato normativo, unilateral, inerente à função administrativa, que, especificando os mandamentos de uma lei não auto-aplicável, cria normas jurídicas gerais" (O regulamento no direito tributário brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p. 13/14).

28.Hely Lopes Meirelles ensina: "Autorização é o ato administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração, tais como o uso especial de bem público, o porte de arma, o trânsito por determinados locais etc." (Direito Administrativo Brasileiro, 21ª. ed., Malheiros Editores, 1996, p. 171).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Pequenas hidrelétricas de até 30.000 kW. Regime jurídico: autorização. Desnecessidade de licitação.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16461. Acesso em: 18 maio 2024.