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Liquidação de consórcios

responsabilidade do Banco Central e desconsideração da personalidade jurídica

Liquidação de consórcios: responsabilidade do Banco Central e desconsideração da personalidade jurídica

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Ação civil coletiva visando a reconhecer a responsabilidade do Banco Central pela lesão a consumidores, em face da liquidação extrajudicial de duas grandes empresas de consórcio, bem como a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar os bens dos sócios e de uma empresa integrante do mesmo grupo econômico e familiar dos consórcios. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região deferiu pedido de efeito suspensivo ativo, determinando o bloqueio dos bens de empresa do mesmo grupo.

EXMO. SR. JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS.

            ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ABRASCON, entidade civil de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 04.196.797/0001-03, com endereço nesta Capital à Rua Elói Mendes, nº 45, Bairro Sagrada Família, Cep 31.030-110, vem, à presença de V.Exª., para, com fulcro nos artigos 1º, II; 2º, 3º, 5º, "caput"; 11, 12, da Lei 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública, e, ainda com fundamento nos artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I e II; 82, I; 83, 84, "caput" e parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90), propor a presente AÇÃO CIVIL COLETIVA com pedido de tutela antecipada, visando a tutela preventiva de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, em face de UNIAUTO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, empresa inscrita no CNPJ sob o n. 21.334.974, situada na Rua Rio de Janeiro, n. 1.462, Bairro de Lourdes, nesta Capital, CONSÓRCIO NACIONAL LIDERAUTO LTDA – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, empresa inscrita no CNPJ sob o n. 65.144.404, situada na Rua Rio de Janeiro, n. 1.462, Bairro de Lourdes, nesta Capital, RIVADÁVIA SALVADOR DE AGUIAR, brasileiro, divorciado, empresário, inscrito no CPF sob o n. 109.399.976-49, residente e domiciliado nesta Capital na Rua Rogério Fajardo, n. 160, apt. 1302, Bairro Mangabeiras, GERALDO SALVADOR DE AGUIAR, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF sob o n. 091.270.466-72, residente e domiciliado na rua Bernardo Guimarães, n. 83, apartamento n. 1402, Bairro Funcionários, nesta Capital, NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS, brasileira, viúva, empresária, inscrita no CPF sob o n. 991.406.756-53, residente e domiciliada na Rua Alameda dos Coqueiros, n. 40, Pampulha, nesta Capital, ESPÓLIO DE ARILDO PEREIRA CAMPOS, representado por sua inventariante NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS, já qualificada nos autos, UNIÃO PATRIMONIAL LTDA, no endereço da Rua Aimorés, n. 1856, Bairro Lourdes nesta Capital e BANCO CENTRAL DO BRASIL, situado na Av. Álvares Cabral, n. 1605, nesta Capital, tudo de conformidade com os fundamentos fáticos e jurídicos a seguir aduzidos:


DA AÇÃO CIVIL COLETIVA DISCIPLINADA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

            O instituto da ação civil coletiva, disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor e supletivamente pela Lei 7.347/85, é vocacionado à tutela do consumidor em sua dimensão coletiva, podendo ser utilizado como instrumento para proteger tanto interesses difusos como coletivos, e mesmo os denominados individuais homogêneos.

            Insta ressaltar que, no regime estatuído pelo Código de Defesa do Consumidor, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos dos consumidores (art. 83). Se a Lei 7.347/85 restringia a ação civil pública à defesa de interesses difusos e coletivos, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 90, inova ao possibilitar a tutela coletiva de interesses individuais, quando decorrentes de origem comum, evitando com isso o ajuizamento de milhares de ações, proporcionando economia de tempo e dinheiro para as partes e para o Poder Judiciário.

            A classificação de um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual homogêneo está intimamente relacionada ao tipo de pretensão jurisdicional pleiteada, sendo possível, e mesmo comum, encontrar, em uma mesma ação, pedidos relativos a mais de uma espécie de interesse.

            Segundo o jurista Nelson Nery Júnior, "a pedra de toque do método classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência de um mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais."(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Forense Universitária, 1992, p. 621)

            A importância das ações coletivas deve ser aferida em face da ordem constitucional vigente que incrementou, de forma considerável, o arsenal de instrumentos jurídico-processuais aptos a propiciarem a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Evita-se, dessa forma, a pulverização de litígios similares e, ao mesmo tempo, assegura uma maior efetividade ao respeito dos direitos positivados na legislação pátria.

            A preocupação com a eficácia dos direitos contemplados no direito positivo parece ser a nota característica que se depreende do microcosmo normativo consubstanciado no Código de Defesa do Consumidor. Inicialmente, mitigou-se a autoridade do princípio do pacta sunt servanda nas relações de consumo, estipulou-se normas de caráter cogente e inderrogável, estabeleceu-se remédios para viabilizar o equilíbrio processual (inversão do ônus da prova, v.g.), admitiu-se a vulnerabilidade jurídica do consumidor, acolheu-se a teoria do risco e, por fim, contemplou-se instrumentos processuais valiosos para o atendimento das diretrizes da política nacional de relações de consumo.

            Portanto, não há como se olvidar que o Codex Consumerista constitui-se como norma protetiva, de ordem pública, caráter social, dotada de sólido estofo constitucional e cujas prescrições são inderrogáveis.

            Caracteriza-se na verdade o Diploma Consumerista como norma mista, uma vez que não abarca em seu bojo apenas normas substantivas, apresentando, outrossim, normas processuais que procuram fornecer os meios adequados para a aplicação justa da vontade da lei. Os capítulos do CDC, dedicados à defesa do consumidor em juízo, são, indubitavemente, uns dos mais pródigos em inovações, haja vista a previsão de mecanismos facilitadores para a postulação judicial dos direitos titularizados pelos consumidores. Eis que o tratamento normativo conferido às ações coletivas ganha um destaque especial, já que, com o advento do Diploma Consumerista, admitiu-se a defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, nos moldes da class actio norte-americana.

            A ação ora manejada se revela, nesse particular, um remédio hábil para minimizar a incerteza jurídica que se instalou com a questão vertente, solucionando, através do mecanismo da eficácia erga omnes, todas as situações fáticas que se enquadrem no possível decisum a ser proferido.

            Por fim, ressalte-se que, somente por intermédio de ações desse jaez, é que se pode assegurar uma proteção efetiva aos direitos vulnerados no âmbito de uma sociedade de consumo de massa, já que muitos são os obstáculos existentes para que o consumidor tenha acesso à Justiça.

            Além da delonga para a distribuição da tutela jurisdicional, os custos elevados de uma contenda judicial acabam por excluir grande parte dos consumidores lesados, obrigando-os a se resignarem ante as muralhas erigidas para adentrarem nas vias judiciárias.


DA LEGITIMIDADE DA ENTIDADE AUTORA

            A entidade autora, qualificada no preâmbulo desta exordial, encontra-se legalmente legitimada para propor a presente ação civil coletiva, conforme se infere da análise do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública, alterada pelos arts. 110 a 117 do Código de Defesa do Consumidor e do disposto no art. 82, IV e § 1º da Lei nº 8.078/90.

            Assim sendo, as entidades de defesa do consumidor foram equiparadas ao Ministério Público, adquirindo legitimidade para postular a tutela judicial protetora dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Nesse sentido, dispõe o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor:

            "Art. 82 - Para os fins do art. 100, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

            (...)

            IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear. (grifos nossos)


DA SITUAÇÃO FÁTICA

            A presente ação civil coletiva visa a proteger a coletividade dos consumidores lesados pela paralisação das atividades dos consórcios UNIAUTO e LIDERAUTO, tendo em vista recente liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central do Brasil, com base na Lei n. 6.024 de 1974. Mais de 12,5 mil pessoas em todo Brasil, sobretudo no Estado de Minas Gerais, foram surpreendidas com a notícia de que o investimento feito para a aquisição de uma carta de crédito através da adesão a um grupo de consórcio foi em vão, eis que a situação financeira debilitada destas empresas não autoriza qualquer possibilidade real de recuperação dos valores despendidos.

            Os grandes veículos de comunicação têm noticiado o desespero de pessoas que investiram importâncias até mesmo superiores a 30 mil reais, e agora estão às voltas com a ameaça de perderem tudo que pagaram. Enquanto isso, os sócios e administradores das rés desfrutam de uma vida nababesca, deixando os consumidores à sua própria sorte.

            Causa especial indignação o fato de que os acontecimentos que resultaram na liquidação extrajudicial das indigitadas instituições financeiras não podem ser atribuídos a fenômenos macroeconômicos ou qualquer evento de força maior, mas sim à gestão fraudulenta adotada pelos administradores e sócios diretores destas empresas, lançando-as à bancarrota e juntamente com elas milhares de consorciados incautos que acreditavam ter feito um bom negócio.

            Não é de hoje que os brasileiros presenciam escândalos que envolvem recursos da economia popular. A facilidade com que essas empresas atuam no mercado financeiro, à revelia inclusive da fiscalização do Banco Central, favorece a ação maliciosa de pessoas que administram irresponsável e fraudulentamente dinheiro alheio.

            A verdade que veio à tona após a publicação do decreto de liquidação extrajudicial das empresas de consórcio foi no sentido de que, desde 1996, as atividades das mesmas estavam sendo objeto de investigação por parte do Banco Central, embora muitos consumidores não tenham sido devidamente informados a respeito da gravidade dos problemas que foram detectados pela autarquia. Não foram poucas as pessoas que procuraram o BACEN para se informar a respeito da idoneidade dessas empresas e receberam a resposta de que inexistiam quaisquer óbices para a adesão a um determinado grupo de consórcio disponibilizado por elas.

            A imprensa tem noticiado amplamente que o patrimônio negativo da UNIAUTO e LIDERAUTO torna remota a esperança dos consumidores serem ressarcidos em face dos valores desembolados, até mesmo considerando a lista de credores privilegiados. Os consorciados figuram como credores quirografários, ou seja, os últimos a receberem qualquer valor por força do rateio a se operar com a alienação dos bens das empresas em liquidação extrajudicial.

            A solução que se vislumbra é a desconsideração da personalidade jurídica das empresas para atingir o patrimônio dos sócios e gerentes, em razão da ocorrência de fatos que se enquadram nos permissivos legais. Vale destacar que o prejuízo causado aos consumidores supera a cifra de R$ 19,9 milhões.

            Os réus Geraldo Salvador Aguiar e Rivadávia Salvador Aguiar figuravam como controladores do consórcio UNIAUTO. Já o Consórcio LIDERAUTO tinha como controlador ARILDO PEREIRA CAMPOS até 1999 (cunhado do réu Rivadávia), quando este faleceu, passando a empresa a ser controlada por NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS (irmã de Rivadávia).


A MÁ ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO FRAUDULENTA PRATICADAS PELOS ADMINISTRADORES DA LIDERAUTO E UNIAUTO – PRESSUPOSTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

            O Banco Central do Brasil, desde o ano de 1996, já havia detectado inúmeras irregularidades cometidas pelos sócios Rivadávia Salvador de Aguiar e Geraldo Salvador de Aguiar na administração da Uniauto Administradora de Consórcios Ltda, quais sejam, contemplação de consorciados cujos CPFs não constavam do cadastro de pessoas físicas da Secretaria da Receita Federal; adiantamentos a fornecedor sem resguardar interesses dos grupos; contabilidade em desacordo com a legislação. Essas conclusões constam do relatório final datado de 11 de novembro de 1997 (processo administrativo n. 9600608616), tendo sido encaminhado expediente para o Ministério Público Federal para a adoção das medidas penais cabíveis.

            Causa espanto o fato de que estas irregularidades apontadas pelo BACEN tiveram início no ano de 1995, não sendo possível conceber que estas instituições financeiras continuaram funcionando no mercado como se idôneas fossem com a chancela do Banco Central. A principal ilicitude apurada foi a fraude cometida pelos administradores do UNIAUTO em razão de contemplações feitas em favor de consorciados cujos CPFs foram forjados. O BACEN apurou que 90 (noventa) dos automóveis entregues à empresa MAXIMA VEÍCULOS LTDA até a data de 26.01.96, 42 (quarenta e dois) referiam-se a cotas pertencentes a consorciados com CPF falsos. Os administradores da empresa também lesaram os consorciados quando, através de meios fraudulentos, concederam adiantamentos em favor da MAXIMA VEÍCULOS LTDA, no total de R$ 4.500.00,00, visando na verdade capitalizá-la com dinheiro alheio. Citem-se as conclusões da representação do BACEN encaminhada ao MPF:

            "Assim, ficou evidenciado que, de um total de 152 (cento e cinquenta e duas) cotas, pelo menos 139 (cento e trinta e nove) referiam-se a cotas a contemplar ou mesmo contempladas mas que não tinham vinculação com os adiantamentos de recursos concedidos à Concessionária, configurando a operação, na realidade, empréstimo de recursos à Máxima Veículos, irregularidade esta, em tese, passível de enquadramento no art. 5 da Lei n. 7492 de 1986."

            O prejuízo causado aos grupos de consórcios em razão destas manobras ilícitas superou a cifra de 2 milhões de reais no ano de 1996, considerando tão-somente os rendimentos que o numerário repassado para a empresa MÁXIMA poderia proporcionar caso continuasse aplicado no mercado financeiro. A verdade é que os administradores da UNIAUTO, de forma inescrupulosa e à revelia da legislação que rege o sistema financeiro nacional, injetaram recursos na combalida empresa MÁXIMA VEÍCULOS, cuja falência veio a ser decretada em 26.05.97 pela 2a Vara de Falências e Concordatas de Belo Horizonte-MG. A dívida que a empresa falida apresentava na época era de exatamente R$ 4.399.371,61 em relação à UNIAUTO, que apresentou uma proposta junto ao Banco Central para o pagamento da dívida de titularidade da empresa MÁXIMA, tendo em vista os adiantamentos ilícitos realizados e também as contemplações irregulares feitas com o escopo de encobrir a transferência ilegal de recursos. Não obstante as garantias fornecidas pela empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA, holding do grupo, o Banco Central reconheceu que a proposta feita pela não seria capaz de repor os recursos indevidamente desviados dos Grupos, razão pela qual ofereceu representação perante o Ministério Público Federal (MPF) para a adoção das providências cabíveis.

            Note-se que este relatório foi encaminhado ao BACEN ainda em 1997, sendo que, naquela época, a UNIAUTO já estava impedida formalmente de constituir novos grupos, situação que posteriormente veio a se modificar. A ação penal proposta no ano de 2000 pelo MPF foi distribuída para a 4a Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais. O julgamento da ação ocorreu em 8 de fevereiro de 2002, conforme sentença prolatada pelo Juiz Federal Substituto Jorge Gustavo Serra de Macedo Costa, tendo sido os réus Geraldo Salvador de Aguiar e Rivadávia Salvador de Aguiar condenados por crime contra o sistema financeiro, qual seja gestão fraudulenta, tipificado no art. 4o da Lei n. 7.492 de 1996. O douto magistrado invocou como razão de decidir a representação da fiscalização do Banco Central, concluindo:

            "Reunidos todos esses aspectos, reveladores da conduta e intenção dos acusados, tenho que restou demonstrada a prática de gestão fraudulenta, realizada através dos sucessivos atos de administração que tinham por objetivo nítido fraudar a fiscalização, camuflando a operação irregular e temerária aos interesses da empresa.

            (...)

            A ação dos acusados, pois, subsume-se, a meu ver, ao tipo penal descrito no art. 4, caput, da Lei n. 7.496 de 1986.

            Como anota MANOEL PEDRO PIMENTEL:

            ‘Por gestão fraudulenta deve entender-se todo ato de direção, administração ou gerência, voluntariamente consciente que traduza manobras ilícitas, em emprego de fraudes, ardis e empregos.’ (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Ed.Revista dos Tribunais, 1987, página 49)

            Desse modo, o delito para restar configurado exige que as atividades de gestão (administração) estejam cunhadas de malícia, ardis, fraudes e manobras que se colocam contra a probidade inerente às atividades financeiras que, a despeito de praticadas por particulares, na sua essência, são tuteladas pelo Estado, tendo em vista que este visa preservar o alicerce e solidez de todo um sistema, cujo abalo pode provocar sérios e graves prejuízos para a sociedade."

            Em razão do exame dos fatos narrados, pode-se inferir a plena aplicabilidade do disposto no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, que trata do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, in verbis:

            "Art. 28. O Juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração."

            Muitos chegaram a defender a tese de que a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica alijaria a autonomia da pessoa jurídica. Contudo, o que prevalece hoje é a noção de que a pessoa jurídica deve atender ao fim para o qual foi concebida, não podendo jamais servir como obstáculo ao justo ressarcimento das pessoas lesadas. Nos casos em que houver a demonstração de fraude, abuso de direito, infração à lei etc., afasta-se a autonomia patrimonial da pessoa jurídica até que se obtenha a total satisfação do dano sofrido pelo consumidor.

            Para a aplicação deste importante instrumento jurídico, que visa a proteger os interesses da parte vulnerável em uma relação de consumo, é importante que o consumidor tenha sido prejudicado, em face de atos ilícitos ou até mesmo em razão do encerramento das atividades de uma empresa em decorrência de má administração. Estes pressupostos encontram-se materializados na espécie, já que restou sobejamente demonstrado nos autos que os réus pessoas físicas fazem parte de um mesmo grupo familiar que conduziu à bancarrota os dois consórcios, seja em razão da prática de crimes tipificados como gestão fraudulenta, seja em face de má gestão.

            Não se pode, contudo, banalizar a aplicação da teoria da disregard doctrine, porquanto consiste em uma excepcionalidade estabelecida no Código de Defesa do Consumidor e em outros diplomas legais específicos, quando restam presentes situações verossímeis que evidenciem a burla, o abuso de direito, a desídia e má administração, não se admitindo que a personalidade jurídica da empresa sirva como escudo para obstaculizar o ressarcimento dos prejuízos dos consumidores, razão pela qual o patrimônio pessoal dos administradores, gerentes e sócios respondem pelos danos causados.

            Como bem anota ZELMO DENARI em comentário ao "CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR", Forense Universitária, 2ª edição, pág.130: "O art. 28 reproduz todas as hipóteses materiais de incidência que fundamentam a aplicação da ´disregard doctrine´ às pessoas jurídicas, a saber: o abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito e violação dos estatutos ou contrato social. O dispositivo protege amplamente o consumidor, assegurando-lhe livre acesso aos bens patrimoniais dos administradores sempre que o direito subjetivo de crédito resultar de quaisquer das práticas abusivas elencadas no dispositivo".

            Este é também o entendimento da jurisprudência:

            PROCESSUAL CIVIL E DIREITO COMERCIAL – FALÊNCIA – EXTENSÃO DOS EFEITOS – COMPROVAÇÃO DE FRAUDE – APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – RECURSO ESPECIAL – DECISÃO QUE DECRETA A QUEBRA – NATUREZA JURÍDICA – NECESSIDADE DE IMEDIATO PROCESSAMENTO DO ESPECIAL – EXCEÇÃO À REGRA DO ART. 542, § 3º DO CPC - DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO.

            (...)

            III – Provada a existência de fraude, é inteiramente aplicável a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica a fim de resguardar os interesses dos credores prejudicados.

            IV - Recurso especial não conhecido.

            (STJ. RESP 211619/SP. DJ DATA:23/04/2001 PG:00160. Relator(a) Min. EDUARDO RIBEIRO (1015) Rel. p/ Acórdão Min. WALDEMAR ZVEITER)

            RESPONSABILIDADE CIVIL. NAUFRÁGIO DA EMBARCAÇÃO "BATEAU MOUCHE IV". ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA "AD CAUSAM". SÓCIOS. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA´. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO DECORRENTE DO FALECIMENTO DE MENOR QUE NÃO TRABALHAVA.

            (...)

            Acolhimento da teoria da "desconsideração da personalidade jurídica". O Juiz pode julgar ineficaz a personificação societária, sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros.

            (STJ. RESP 158051/RJ. DJ DATA:12/04/1999 PG:00159. Relator(a) Min. BARROS MONTEIRO)

            SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - CHEQUE SEM FUNDOS - DESCONSIDERACAO DA PERSONALIDADE JURIDICA - SOCIO DIRIGENTE - RESPONSABILIDADE SOLIDARIA E ILIMITADA - ART. 10 DO DECRETO 3708/10 –

            A emissão de cheque sem provisão de fundos, por sócio-gerente majoritário de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, constitui ato ilícito e fraudulento a provocar a incidência do art. 10 do Decreto 3708/10 e a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade mercantil, a fim de permitir que seu dirigente responda solidaria e ilimitadamente pela divida, notadamente quando a empresa não possuir bens suficientes para solvê-la. –

            A disregard doctrine, de origem anglo-saxonica, é o instrumento de que se vale o direito para coibir que a personalidade jurídica seja usada como anteparo para a fraude e para a pratica de atos ilícitos, violadores do bom ordenamento jurídico.

            Se o estado reconhece personificação as sociedades mercantis, através da ficção da personalidade jurídica, segundo as regras normativas, pode determinar os limites para essa concessão, bem como retirar-lhe a eficácia, ainda que temporariamente, a fim de viabilizar a fiel observância das normas legais.

            (TAMG AI 219258-9. RJTAMG 64/79)

            Ante essas premissas, é inquestionável que a desconsideração da personalidade jurídica é medida perfeitamente enquadrável no caso em tela, já que a gestão fraudulenta, a violação à lei e o abuso de direito praticados pelos sócios e diretores estão mais do que patenteados, em razão das conclusões exaradas pelo Banco Central, pelo Ministério Público Federal e, finalmente, em face do entendimento esposado pelo Juiz Federal Substituto da 4a Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais. Por outro lado, sobretudo em relação aos outros sócios não incriminados pelo BACEN e pela Justiça, há de se invocar o pressuposto que autoriza a incidência deste instituto para a hipótese de má administração, mesmo que não tenha havido fraude ou abuso de direito. Nesse aspecto, a lição de Flávia Lefèvre Guimarães merece ser transcrita:

            "Vale notar que nesta hipótese a desconsideração da pessoa jurídica acontece independentemente de se configurar fraude ou abuso de direito, o que, mais uma vez, represente inovação no que tange a disregard doctrine. Fábio Ulhoa Coelho ensina que ‘não se deve esquecer das hipóteses em que a desconsideração da autonomia da pessoa jurídica prescinde da ocorrência da fraude ou de abuso de direito. Somente diante do texto expresso de lei poderá o juiz ignorar a autonomia da pessoa jurídica, sem indagar da sua utilização com fraude ou abuso de direito.’" (Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código do Consumidor. P. 72)

            Os elementos trazidos aos autos são suficientes para deixar bem claro que os administradores das instituições em liquidação extrajudicial atuaram de forma desidiosa e incompetente, conduzindo as empresas a um estado financeiro caótico. O exemplo emblemático das transferências fraudulentas de recursos para a empresa MÁXIMA, bem como tantos outros que culminaram no decreto de liquidação extrajudicial, são robustos o bastante para autorizar a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.


DA INVESÃO DO ÔNUS DA PROVA NO QUE TANGE À DEMONSTRAÇÃO DAS FRAUDES E MÁ ADMINISTRAÇÃO

            De outra feita, não menos relevante é a menção ao disposto no art. 6, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que estabeleceu o direito à "facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência."

            Destarte, com base nos elementos já colacionados aos autos, é perfeitamente possível a inversão do ônus da prova a fim de que as rés provem não ter havido a má administração noticiada, sob pena de ser aplicada a desconsideração da pessoa jurídica. A situação narrada nestes autos não se prende somente ao pressuposto da má administração, existindo, conforme já mencionado, outros requisitos que se ajustam à dicção legal, de modo que, por quaisquer dos ângulos que se analise a questão, a plausibilidade da pretensão aqui encartada é de uma clareza solar.

            Eis o magistério da jurista Flávia Lefèvre Guimarães:

            "E, tendo-se em vista as compreensíveis dificuldades enfrentadas pelo consumidor no campo das provas, o juiz deve ser menos rígido ao apreciar as alegações do autor consumidor, autorizando, desde o início do processo, a inversão do ônus da prova. Ou seja, deve o juiz dar-se por satisfeito com a demonstração pelo consumidor de indícios de abuso de direito, excesso de poder, fraude etc., possibilitando efetividade ao direito introduzido pelo Código, garantindo-se, por meio da autorização da inversão do ônus da prova logo, junto com o despacho saneador, a desconsideração da personalidade jurídica para fazer cumprir o ressarcimento do dano sofrido pelo consumidor." (Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. P. 177)


DO ALCANCE DE TODOS OS BENS DOS SÓCIOS, INCLUSIVE AS COTAS SOCIAIS DAS SOCIEDADES DE SUA PROPRIEDADE

            A imprensa noticiou que os sócios são proprietários de inúmeras empresas. Até mesmo para evitar a responsabilização de seu patrimônio pessoal, adotaram manobras no sentido de investir seus recursos na aquisição de empresas. Apenas para se ter uma idéia, é interessante listar algumas das empresas pertencentes aos réus.

            - Rivadávia Salvador de Aguiar: Autovídeo Ltda em Belo Horizonte

            - Geraldo Salvador de Aguiar: Autovídeo Ltda, em Belo Horizonte

            - Arildo Pereira Campos, já falecido, e Nilza de Lourdes Campos: Aviário Progresso (Belo Horizonte-MG), Comercial Minassero (Belo Horizonte-MG), Frigocampos Comércio Indústria Importação e Exportação (Belo Horizonte-MG), Laticínios Vaquinha (Belo Horizonte-MG), Só Queijo (Belo Horizonte-MG), Indústria de Laticínios Del Rey de Perdigão (Perdigão-MG), Laticínios Serro Minas Ind. E Com. (Coluna – MG), Moscou Veículos (Ganhães – MG).

            A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica para atingir as cotas sociais de empresas tem sido admitida de forma sólida pela jurisprudência:

            "EXECUÇÃO – PENHORABILIDADE DAS COTAS SOCIAIS – DÍVIDA DO SÓCIO – SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – Possível a penhora das cotas sociais do sócio, em execução por dívida particular desse, tratando-se de sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Agravo desprovido. Unânime. (TJRS – AI 599116480 – RS – 20ª C.Cív – Rel. Des. Rubem Duarte – J. 04.05.1999)

            SOCIEDADE RESPONSABILIDADE LIMITADA. SOCIEDADE DE CAPITAL. QUOTAS. PENHORA. POSSIBILIDADE. – Execução. Penhora. São penhoráveis as quotas de sociedade limitada por dividas contraídas pela pessoa física do sócio a título particular. Agravo provido. (TARS – AGI 183.054.824 – 1ª CCiv. – Rel. Juiz João Aymore Barros Costa – J. 29.11.1983)

            EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – SÓCIO-COTISTA – CONTRATO SOCIAL – PENHORA – ADMISSIBILIDADE – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO IMPROVIDO – Execução por título extrajudicial. Penhora de cota social. Possibilidade. Manutenção do despacho agravado que determinou a incidência da penhora sobre a cota que possui o agravante na sociedade comercial da qual faz parte, uma vez que a cota se constitui em valor de expressão econômica, que integra o patrimônio do executado e além disso, no caso, não há vedação expressa no contrato social, quanto à penhorabilidade. (TMA) (TJRJ – AI 3.925/97 – Reg. 050598 – Cód. 97.002.03925 – RJ – 18ª C.Cív. – Relª Juíza Helena Bekhor – J. 31.03.1998)"


DOS BENS PERTENCENTES À UNIÃO PATRIMONIAL LTDA E A FRAUDE CONTRA CREDORES

            Conforme foi também noticiado pela imprensa, existem poucos bens em nome dos sócios e administradores das empresas de consórcio ora demandadas. Esta informação não surpreende esta entidade de direito do consumidor, mormente quando se leva em conta que desde 1996 as irregularidades começaram a ser praticadas na administração do consórcio UNIAUTO sem que fosse adotada uma medida severa por parte dos órgãos públicos para evitar a superveniência de danos maiores para a economia popular. Assim sendo, os réus, sabedores das implicações que eventual condenação poderia lhes trazer, destinaram os recursos obtidos para outras empresas, praticando, ainda, atos de alienação, o que configura claramente a hipótese de fraude contra credores.

            Por outro lado, percebe-se que a empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA, de propriedade da família do sócio Rivadávia, está indo muito bem, com patrimônio superior a 50 milhões de reais. Impõe-se a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica também para atingir o patrimônio desta sociedade, em face da manobra artificiosa perpetrada, que pretende fundamentalmente esvaziar eventual responsabilização dos sócios da UNIAUTO e LIDERAUTO, frustrando eventuais credores. Na verdade, o réu Rivadávia possui pleno controle dessa sociedade, sendo que o registro dos bens em nome da entidade não é suficiente para afastar a responsabilidade em face dos prejuízos causados aos consorciados. Eis o que foi noticiado pelo Estado de Minas no dia de hoje:

            "O controlador do consórcio Uniauto, Rivadávia Salvador de Aguiar, admitiu ontem ao ESTADO DE MINAS ter patrimônio em torno de R$ 50 milhões. São vários apartamentos, lojas, fazenda, dois prédios e empresas do ramo frigorífico e laticínios. Num dos prédios, funciona o BH Bingo, que está em nome de um de seus irmãos. Na quinta-feira passada, o Banco Central liquidou os dois consórcios da família: o Uniauto e o Liderauto, por irregularidades na administração, entre elas, a contemplação de bens a consorciados laranjas. Devido às fraudes, Rivadávia e o irmão Geraldo Salvador de Aguiar foram condenados pela Justiça Federal no dia 8 deste mês.

            Do patrimônio declarado de R$ 50 milhões, o empresário diz que R$ 20 milhões foram oferecidos em garantias reais durante negociação com o Banco Central, na tentativa de evitar a abertura do processo de liquidação e o prejuízo dos 12 mil consorciados. A listagem dos bens foi entregue na sede do BC, em São Paulo, junto com títulos de propriedade e avaliações dos imóveis. Tenho como pagar os prejuízos aos consorciados,

            Dentre os imóveis relacionados, o empresário cita vários apartamentos no bairro Caiçara, região Noroeste de Belo Horizonte; a loja onde o consórcio estava instalado na avenida Prudente de Morais, região Sul; além de dois prédios um deles na avenida Catalão e o outro na rua da Bahia, no Centro. São todos imóveis urbanos e de alta liquidez no mercado, garante Rivadávia.

            No prédio a que se refere o empresário funciona o BH Bingo, à rua da Bahia, 893 (Centro). O negócio está registrado na Junta Comercial como sendo de propriedade do irmão de Rivadávia, Paulo César Salvador de Aguiar. Na prática, o bingo é administrado pelo caçula, Marcelo Salvador Aguiar.

            Os bens foram imobilizados na empresa União Patrimonial, pertencente à família de Rivadávia. Segundo o empresário, nenhum deles foi adquirido nos últimos dez anos."

            Conforme é possível inferir pela análise da própria representação encaminhada pelo Banco Central ao Ministério Público Federal, foi oferecido como garantia real para o pagamento das dívidas existentes imóveis pertencentes à empresa União Patrimonial Ltda, cujos bens foram avaliados em mais de R$ 50 milhões de reais. A extensa descrição dos bens pertencentes a essa empresa, holding do grupo, evidencia que se for determinada a indisponibilidade requerida nestes autos os consorciados terão chances reais de receberem valores pagos em favor de ambos os consórcios. Aplica-se à hipótese dos autos o disposto no art. 28 do CDC:

            Art. 28. (...)

            (...)

            § 2. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

            § 3. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

            § 4. As sociedades coligadas só responderão por culpa.

            § 5. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores.

            A promiscuidade de negócios entre as empresa evidencia a existência de fortes vínculos entre as mesmas, até mesmo porque o próprio sócio Rivadávia, conforme já anunciado, teria oferecido ao Banco Central garantias reais com base em patrimônio da UNIÃO PATRIMONIAL LTDA para evitar a liquidação extrajudicial. Citem-se alguns trechos da reportagem veiculada pelo Jornal Hoje em Dia:

            "Ainda de acordo com o advogado, durante as negociações com o BC, os consórcios teriam oferecido garantias reais no valor de R$ 20 milhões aos grupos de consórcio, que receberiam hipotecas de imóveis da empresa União Patrimonial Ltda, pertencente à família de Rivadávia. Conforme Boson Santos, o valor oferecido em garantia é apenas parte do patrimônio de R$ 50 milhões da União Patrimonial, que teria bens avaliados em cerca de R$ 50 milhões."

            A previsão da Lei n. 6.024 de 1974, visando a evitar a dilapidação do patrimônio dos administradores, gerentes, conselheiros fiscais que tenham concorrido, nos últimos 12 meses, para a decretação da liquidação extrajudicial, estipula a indisponibilidade dos bens dessas pessoas físicas.

            O Banco Central do Brasil tem a competência de instaurar um inquérito com o objetivo de apurar a responsabilidade dos administradores, devendo encaminhar ao Ministério Público as conclusões aferidas após a finalização do inquérito, ocasião em que o MP proporá ação para judicialmente definir a responsabilidade dos administradores, requerendo, ainda, o arresto dos bens dos administradores que não foram atingidos pelo decreto de indisponibilidade.

            É importante destacar que os bens da empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA não foram declarados indisponíveis pelo BACEN, conforme comprovam os comunicados anexos, porquanto nenhum dos administradores dos consórcios UNIAUTO e LIDERAUTO estão entre os sócios da aludida empresa. Embora os réus Geraldo e Rivadávia sejam usufrutuários e administradores da UNIÃO PATRIMONIAL, não existe na Lei n. 6.024 de 1974 qualquer previsão no sentido de que os bens das empresas nas quais os antigos sócios atuem como administradores também sejam atingidos pela indisponibilidade.

            Ressalte-se que a única esperança que os consorciados lesados possuem para obter o ressarcimento dos valores já despendidos em favor das instituições em liquidação extrajudicial consiste exatamente na desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o patrimônio desta empresa, existindo o risco substancial de dilapidação destes bens caso não seja determinado o arresto dos mesmos.

            De outra feita, o E. STJ. já entendeu ser possível a determinação do arresto sobre bens já declarados indisponíveis:

            INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ARRESTO.

            - O arresto dos bens previstos no art. 45 da Lei n. 6.024 de 1974 pode incidir sobre os bens que já estavam indisponíveis (art. 36).

            (STJ. RESP 185796-SP. DJ 17.12.99. p. 00375. Relator Min. Ruy Rosado de Aguair)

            Transcreve-se alguns trechos do voto do relator:

            "A tese da dispensa do arresto porque a indiponibilidade é suficiente garantia para os credores não procede. Basta pensar nos grandes valores mobiliários e nos demais bens móveis insuscetíveis de registros para perceber que aquela indisponbilidade pode se tornar uma quimera. Não é isso que a lei quer e impõe.

            O arresto tem força muito mais contundente do que a mera indisponibilidade, seja porque atinge de forma eficaz ( e não teórica) os bens móveis, seja porque pode abranger (e geralmente abrange) não só o poder de dispor como os demais poderes inerentes ao domínio, os de usar e fruir.

            É exatamente por isso que o embargante, de forma leal e expressa, se apega à tese da dispensabilidade do arresto, valendo-se ainda do princípio segundo o qual a execução se fará na forma mais favorável ao devedor.

            Este último princípio vai preponderar a final, quando, eventualmente e, por exemplo, vierem a ser vendidos bens do devedor. Não agora ainda se está na fase de se conseguir eficácia para a garantia patrimonial a que faz jus todo credor, particularmente aquele amparado pela Lei n. 6.024 de 1974.

            Todos os rendimentos, todos os frutos dos bens meramente indisponíveis e que continuam indefinidamente no poder direto do devedor dificilmente chegarão às mãos do credor.

            Esse gravíssimo risco não se verifica na hipótese de tratar-se de administrador antigo, que não sofreu a indisponibilidade de seus bens, mas que os teve arrestados."

            Os réus Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar destinaram, em grande parte, seus ganhos para a formação do patrimônio da empresa retrocitada, procurando, assim, eximir-se de responsabilidade na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica de uma de suas empresas.

            A UNIÃO PATRIMONIAL LTDA foi constituída no ano de 1987 por SUELI ROBINI AGUIAR E VANIA COSTA, mas sua administração foi repassada, com poderes ilimitados e em caráter vitalício, para os não sócios Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar, donos da UNIAUTO, conforme se infere da certidão passada pelo Registro Civil de Pessoas Jurídicas desta Capital. No ano de 1987, os réus citados passam a integrar a sociedade. Eis a descrição do que consta na Certidão:

            "O capital social de CZ$ 1.000.000,00 é elevado para CZ$ 48.760.000,00 proveniente do aproveitamento de valores registrados na conta de empréstimo de terceiros (pessoas físicas), compostos pelos seguintes credores: Rivadavia Salvador Aguiar – CZ$ 36.960.000,00. Geraldo Salvador Aguiar – CZ$ 10.800.000,00. Os dois credores Rivadavia Salvador Aguiar, brasileiro, desquitado, empresário, residente nesta Capital, e Geraldo Salvador Aguiar, brasileiro, casado, empresário, residente nesta Capital, respectivamente, passam a integrar a sociedade, cujo capital ficou assim distribuído... A sociedade será administrada pelos dois sócios majoritários: Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar."

            Em 05.05.88, o sócio Geraldo Salvador de Aguiar resolveu doar parte de suas cotas para os filhos menores Vinicius Ferreira de Aguiar, Elem Ferreira de Aguiar, Vlancio Ferreira de Aguiar e Vladimir Ferreira de Aguiar e o restante das cotas resolveu transferir para Rivadávia, que por sua vez doou todas as suas cotas para parentes (Vania Costa, Sueli Robini de Aguiar Rodrigues, Sergio Robini Aguiar, Celio Robini de Aguiar, Lilian Salvador de Aguiar, Rivadávia Salvador de Aguiar Junior). Após essas transferências a título gratuito, Rivadávia Salvador de Aguiar e Geraldo Salvador de Aguiar tornaram-se administradores da empresa (22 de junho de 1988).

            A partir de então o capital social sofreu inúmeras alterações para maior em razão de cessões e doações realizadas em favor da empresa. Apesar de não ser possível verificar em vários registros qual a origem dos créditos, pode-se detectar que esses recursos foram cedidos de forma gratuita. Na verdade, ficou de forma nítida evidenciada a intenção de fraudar credores, na medida em que as transferências feitas pelos réus Rivadávia Salvador de Aguiar e Geraldo Salvador de Aguiar tinham como escopo evitar que bens ficassem registrados em seus nomes. Existem diversas averbações de empréstimos e doações feitas pelos sócios mencionados, de modo que o patrimônio da sociedade em questão foi constituído exclusivamente com base em créditos de titularidade dos mesmos. Em razão destas sucessivas incorporações de créditos, o capital social da empresa aumentou no ano de 1995 de R$ 4,53 milhões para R$ 5,5 milhões.

            No ano de 1998, foi reservado aos réus Rivadávia e Geraldo o usufruto vitalício sobre as cotas, de modo que os mesmos auferem os lucros e dividendos, mas não são formalmente os donos da sociedade. Alem do mais, os citados réus continuam sendo os administradores da UNIÃO PATRIMONIAL LTDA.

            Por outro lado, é interessante observar os objetivos sociais da empresa: intermediação em vendas de cotas de consórcios de bens móveis duráveis e imóveis, participação no capital de outras empresas, podendo ou não controlá-las, prestação de serviços gerais, técnicos e comerciais. Dessa forma, é patente a existência de estreitos vínculos entre as empresas UNIAUTO, LIDERAUTO e a UNIÃO PATRIMONIAL LTDA, todas elas pertencentes de um mesmo grupo econômico e familiar.

            É interessante observar que a própria Lei n. 6.024 de 1974, que dispõe sobre a liquidação extrajudicial, prevê a possibilidade de atingir bens de outras sociedade, inclusive quando verificada a participação no capital social de cônjuges e parentes até o segundo grau:

            "Art. 51. Com o objetivo de preservar os interesses da poupança popular e a integridade do acervo das entidades submetidas à intervenção ou a liquidação extrajudicial, o Banco Central do Brasil poderá estabelecer idêntico regime para as pessoas jurídicas que com elas tenham integração de atividade ou vínculo de interesse, ficando os seus administradores sujeitos aos preceitos desta lei.

            Parágrafo único. Verifica-se integração de atividade ou vínculo de interesse, quando as pessoas jurídicas neste artigo forem devedoras da sociedade sob intervenção ou submetida a liquidação extrajudicial, ou quando seus sócios ou acionistas participarem do capital desta em importância superior a 10% (dez por cento), ou sejam cônjuges, ou partes até o segundo grau, consaguíneos ou afins, de seus diretores ou membros dos conselhos consultivo, administrativo, fiscal ou semelhantes."

            Nesse particular, vale citar a lição de João Casilo referenciada pelo relator no julgamento do Ag Rg ERESP n. 86502-SP:

            "A jurisprudência americana em inúmeros casos tem entendido também que a personalidade jurídica de uma empresa pode ser desconsiderada para que se exija o cumprimento de obrigações por outra pessoa jurídica formalmente distinta, mas de tal modo ligadas uma a outra, que chegam a se identificar no mundo fático. Normalmente são situações onde uma pessoa jurídica controla o capital da outra, ou o de ambas é exageradamente controlado por uma só pessoa. As diretorias e administrações se confundem e os negócios são de tal forma entrelaçados, que se torna difícil a distinção do que interessa a quem."

            Sucessivamente, caso não seja reconhecida a possibilidade de todos os bens da empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA serem alcançados para fins de ressarcimento dos consumidores, faz-se necessário decretar a nulidade de todas as transferência de créditos feitas pelos réus Rivadávia e Geraldo em favor da aludida empresa, consoante sólido entendimento jurisprudencial:

            EMENTA: RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS EX- INTEGRANTES DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. TEORIA DA DESCONSIDERAÇAÕ DA PERSONALIDADE JURIDICA. FRAUDE CONTRA CREDORES. ABUSO DE DIREITO.

            Estando comprovada a retirada dos sócios da empresa e a posterior dissolução da pessoa jurídica, com intuito de fraudar os credores da sociedade, em evidente abuso de direito, havendo a transferencia das quotas sociais ao funcionário utilizado como testa-de-ferro para eximir as responsabilidades societárias, conduta que não esta pautada pela boa-fé, impõe-se a condenação solidária dos ex-integrantes da sociedade. Aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Inteligência do art. 10 do decreto do decreto nº 3708, de 10/01/19. Cabimento da indenização por danos morais. provido em parte os recursos da autora e dos réus Paulo Carlos e Ana Koehler e improvido o apelo dos réus Maria e Paulo Roberto Fernandes. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70002056000, QUINTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. SÉRGIO PILLA DA SILVA, JULGADO EM 31/05/01)

            (TJ. RS. Ap. Cível n. 70002056000. RELATOR: SÉRGIO PILLA DA SILVA

            EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA EM BENS DE SOCIO DA SOCIEDADE COMERCIAL DEVEDORA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE E COMUNICACAO DA RESPONSABILIDADE AOS SOCIOS.

            A personalidade jurídica não pode ser usada como anteparo da fraude. Assim, a separação da responsabilidade social da responsabilidade dos sócios, ou a autonomia dos patrimônios, não prevalece diante da contratação, do ato ilícito e da fraude. O principio jurídico da nao-confusao das personalidades não pode entravar a ação do Estado-Jurisdição, na realização da justiça. Fraude comprovada, no caso, por assumir a sócia representante legal acordo, quando sem patrimônio para garantir a divida a sociedade, e pela dissolução irregular da mesma sociedade. Sentença confirmada pelos próprios fundamentos. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 192261352, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE ALÇADA DO RS, RELATOR: DES. ARNALDO RIZZARDO, JULGADO EM 10/02/93)

            (TJRS. AP. CIVEL 192261352. RELATOR: ARNALDO RIZZARDO

            EMENTA: ACAO PAULIANA. FRAUDE A CREDORES. COMPRA E DOACAO DE IMOVEIS APOS FIRMADA A CONFISSAO DA DIVIDA. DIANTE DA PROVA DOS AUTOS, RESTA EVIDENTE O INTUITO, POR PARTE DOS REUS, DE SUBTRAIREM DOS CREDORES GARANTIAS PATRIMONIAIS, CONFIGURADO QUE ESTAVA SEU ESTADO DE INSOLVENCIA.

            A aquisição de terras após firmada a confissão de divida, sua doação aos filhos e constituição de usufruto vitalício em favor dos devedores evidencia fraude a credores, pelo que procede a pleiteada anulação do ato de disposição. APELO DESPROVIDO. (7FLS.) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 598429959, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA, JULGADO EM 28/11/01)

            (TJRS. Ap. Cível n. 598429959. RELATOR: ANTÔNIO CORRÊA PALMEIRO DA FONTOURA)

            EMENTA: ACAO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. DOACAO.

            1. Tendo os devedores doado imóvel ao filho após contraído divida em virtude de aval dado a sociedade da qual eram sócios, reduzindo-se a insolvência, caracterizada esta a fraude contra credores, ensejando a anulação da transmissão (CC, art. 106).

            2. Tratando-se de doação, presume-se o "concilium fraudis", desnecessária a prova da má-fé do beneficiário.

            3. Entende-se em beneficio da família o aval prestado pelo cônjuge em favor de sociedade da qual era sócio-gerente, quando mais também dela era sócia sua esposa. apelo desprovido. unanime. (7FLS.) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 598554509, VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. RUBEM DUARTE, JULGADO EM 03/05/00)

            (TJRS. Ap. Civel n. 598554509. Ap. Cível RELATOR: RUBEM DUARTE)

            EMENTA: ANULAÇÃO DE ESCRITURA PUBLICA. FRAUDE A CREDORES.

            Impõe-se a anulação de negocio jurídico por fraude a credores se presentes os elementos que integram a fraude: no plano objetivo, a maliciosa redução do patrimônio, chegando a insolvência; no plano subjetivo, a deliberada intenção de ilidir o pagamento da indenização e prejudicar o credor. apelos parcialmente provido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 599050457, PRIMEIRA CÂMARA DE FÉRIAS CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. GENARO JOSÉ BARONI BORGES, JULGADO EM 11/05/99)

            (Ap. Civel n. 599050457. RELATOR: GENARO JOSÉ BARONI BORGES)

            Eis o entendimento do STJ:

            EMBARGOS DE DIVERGENCIA. CIRCUNSTANCIAS FATICAS DIVERSAS. DOUTRINA DO "DISREGARD OF LEGAL ENTITY". DIVERGENCIA INEXISTENTE.

            Hipótese em que o acórdão embargado admitiu a aplicação da doutrina do "disregard of legal entity", para impedir a fraude contra credores, considerando válida penhora sobre bem pertencente a embargante, nos autos de execução proposta contra outra sociedade do mesmo grupo econômico.

            (STJ. AERESP 86502/SP. DJ DATA:30/06/1997 PG:30850. Relator(a) Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO)

            Transcreve-se trecho do voto do relator Min. Ruy Rosado de Aguiar no julgamento do RESP 86502:

            "Nessas condições e tendo em consideração que a ação de prestação de contas cuja sentença se executa foi aforada no já longinquo ano de 1976 e que a citação da Distribuidora Telespeaker S.A foi efetivada na pessoa do referido Eduardo Santos Guimarães... que dela cuidou de se afastar formalmente, pode-se concluir que essas sociedades (e talvez outras) não passam de entidades de existência meramente formal, que são utilizados como meio de E.S.G. exercer atividades no mundo de negócios com limitação das responsabilidades pelas obrigações que essencialmente são suas, mas são assumidas em nome das sociedades, sendo os patrimônios de umas esvaziados em benefício das outras de forma a frustar credores. Nessas condições, incensurável que se coíba essa manobra mediante a aplicação dos princípios éticos e jurídicos que compõem a chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, fazendo a penhora alcançar bens do real e efetivo devedor, Eduardo.... estejam em nome deste ou de uma das entidade por detrás das quais atuava."

            De outra feita, são nulos pelas mesmas razões acima todas as transmissões de bens, onerosa ou gratuita, a terceiro, a partir de 1996, realizadas pelos réus RIVADÁVIA SALVADOR DE AGUIAR, GERALDO SALVADOR DE AGUIAR, NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS e ARILDO PEREIRA CAMPOS, tendo em vista a prática de inúmeras irregularidades na administração do consórcio, que resultaram no estado financeiro periclitante que se encontra as empresas UNIAUTO e LIDERAUTO.

            Maria Helena Diniz comenta o dispositivo constante do art. 106 do CC:

            "I – Fraude contra credores e seus elementos. A fraude contra credores constitui a prática maliciosa, pelo devedor, de todos que desfalcam seu patrimônio, com o fim de colocá-lo a salvo de uma execução por dívidas em detrimento dos direitos creditórios alheios. Dois são seus elementos: o objetivo (eventus damni), que é todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter sido realizado em estado de insolvência, e o subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, a intenção de prejudicar do devedor ou do devedor aliado a terceiro, ilidindo os efeitos da cobrança. (Código Civil Anotado, n. 3 ed. Editora Saraiva, 1997. P. 125-126)

            A anulação das transmissões ocorridas deve-se dar com base não só dispostos nos artigos 106, 107 e 109 do Código Civil, mas também em todos os princípios e fundamentos que regem o Código de Defesa do Consumidor, mormente os previstos nos artigos 4º, "caput" e inciso III, 6º, incisos VI e VIII, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, 83 e 84, "caput" e § 5º, "in verbis":

            "Art. 106. Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzidos à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos (art. 109).

            (....).

            Art. 107. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente.

            (....).

            Art. 109. A ação, nos casos dos arts. 106 e 107, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé."

            "Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

            (....);

            III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

            (.....).

            Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

            (....);

            VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

            (....);

            VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

            (....).

            Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, ANALOGIA, costumes e eqüidade.

            Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

            (....).

            Art. 25. (....).

            § 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

            (....).

            Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

            (....).

            Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

            (....);

            § 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial."

            No caso em exame, a única providência que pode assegurar o ressarcimento dos consumidores é a declaração da nulidade de toda transmissão, gratuita ou onerosa, de bens dos réus para terceiro. Assim, tal medida há de ser tomada, para se fazer efetiva a proteção e ressarcimento dos danos dos consumidores lesados e para se cumprir o preceituado no artigo 84, "caput", do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.


DA RESPONSABILIDADE DO BRANCO CENTRAL EM FACE DOS EVENTOS DANOSOS

            Além da responsabilidade afeta às empresas administradoras do consórcio e dos respectivos sócios face aos prejuízos causados aos consumidores, resta saber se o Banco Central agiu de forma diligente.

            Muitos consumidores, antes de assinar o contrato sobretudo com a empresa LIDERAUTO, recorreram ao Banco Central do Brasil para se informar a respeito da idoneidade desta instituição financeira. Esta empresa foi impedida de constituir novos grupos de consorciados em 23.09.99, sendo que, em 06.12.99, obteve uma ordem judicial que determinou a habilitação de novos grupos de consorciados, passando o BACEN a informar que a empresa não possuía qualquer espécie de restrição. Na data de 29.08.2000, a LIDERAUTO é novamente impedida de formar grupos de consorciados e apenas em 21.02.02 o Banco Central decreta a liquidação extrajudicial dos consócios UNIAUTO e LIDERAUTO.

            Com relação à UNIAUTO, conforme se infere da documentação anexada aos autos, existiam inúmeras reclamações e denúncias contra a empresa, desde o ano de 1995. Não obstante a empresa estivesse impedida de constituir novos grupos desde 1996, o BACEN não informou adequadamente aqueles consorciados que aderiram a grupos em andamento, deixando de esclarecer a realidade da instituição financeira.

            De outra feita, a negligência do BACEN é insofismável quando sabia da situação irregular na UNIAUTO e deixou de alertar os consorciados que aderiram aos grupos da LIDERAUTO, administrada pelo mesmo grupo familiar, embora já estivesse apurado a ocorrência de crimes de gestão fraudulenta e má administração. Há de se apurar ainda se o BACEN agiu de forma danosa ao deixar de decretar a intervenção de ambas as instituições financeiras para o fim de sanear as empresas e evitar a liquidação extrajudicial, mormente quando já tinha sido verificada a ocorrência de várias irregularidades na administração dos consórcios.

            Eis o que dispõe a Constituição Federal, artigo 37, §6o estabelece que:

            "Art. 37 - (....).

            § 6º - "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."(Grifo do autor).

            No mesmo diapasão, prevê o CDC, em seu artigo 7º, parágrafo único, e artigo 25, parágrafo 1º, "in verbis":

            "Art. 7º.- (....).

            Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

            Art. 25 (....).

            § 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

            No campo das condutas negativas, de seu turno, a mais abalizada doutrina acaba por deslocar a discussão às raias da teoria subjetiva, que exige a demonstração de culpa ou dolo. Veja-se a seguinte lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

            "Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.

            Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva." (Curso de Direito Administrativo. 8ª ed. São Paulo : Malheiros, 1996, p. 586).

            Não é, portanto apenas a ação do administrador (e de quaisquer outros agentes públicos) que pode produzir danos e gerar direito `a indenização, mas também a omissão (do latim OMISSIO, de OMITERE) que significa negligência, esquecimento, inatividade, desídia, inércia, ou "o que não se fez, o que se deixou de fazer, o que foi desprezado" (cf. PLÁCIDO E SILVA, "Vocabulário Jurídico", vol. III, p. 1.093).

            A omissão do agente público configura culpa in omitendo ou culpa in vigilando, podendo causar prejuízos aos administrados, à própria Administração e ao agente público responsável, pois "se se cruza os braços ou não se vigia, quando deveria agir, o agente, público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como bonus administrator." (CRETELLA JÚNIOR, "Tratado de Direito Administrativo", vol. VIII, Forense, p.210, n.161).

            Convém ressaltar que o Tribunal de Justiça de São Paulo vem decidindo reiteradamente pela responsabilização e conseqüente reparação, tanto nos casos de típica omissão, como nos casos de falta de presteza do agente; ainda que não se saiba quem é o responsável pelo prejuízo causado ao particular (culpa anônima), o Tribunal condena a Administração pela reparação dos prejuízos (cf. RJTJESP 97/342). E até mesmo quando haja fiscalização, mas sendo ela deficiente, caracteriza-se a omissão geradora da responsabilidade civil do estado (cf. RT 445/844 e 389/161).

            Veja o entendimento jurisprudencial"

            RESPONSABILIDADE CIVIL DO BACEN POR FALTA NO SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO NO MERCADO DE CAPITAIS - PREJUIZO CAUSADO PELO GRUPO COROA BRASTEL - PROCEDENCIA DA AÇÃO.

            1. Superadas ficam as preliminares de carência de ação, porque situada a controvérsia no campo da responsabilidade civil da autarquia – Art. 159 do Codigo Civil e art. 37, parag. 6 da Constituição Federal.

            2. Desnecessidade de prova oral porque controversa tão-somente materia de direito.

            3. Farta prova documental da culposa ausência de fiscalização por parte do BACEN, em evidente transgressão aos deveres que lhe são impostos por lei - Lei n. 4.595, de 31.12.65.

            4. Indenização pelo valor integral dos investimentos, sub-rogando-se o BACEN nos créditos habilitados no processo falimentar do grupo Coroa Brastel.

            (TRF-1 REGIÃO. APELAÇÃO CIVEL - 01002080

            Relator JUÍZA ELIANA CALMON)

            ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CIVIL DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. GRUPO COROA BRASTEL.

            I. O art. 18, da Lei 6.024, de 1974, diz respeito às ações e às execuções propostas contra a entidade liquidanda, não havendo, deste modo, impossibilidade de ser intentada ação contra o Banco Central do Brasil, objetivando-se indenização por ter faltado ao serviço, como na hipótese em estudo.

            II. Demonstração pelos aplicadores dos danos sofridos com a omissão do Banco Central do Brasil, que, inclusive, suspendendo a fiscalização do Grupo Coroa S/A, permitiu que as irregularidades e falcatruas praticadas por esse Grupo continuassem, de molde a prejudicar os investidores.

            (TRF-1 REGIÃO. AC 96.01.07859-2 /DF ; APELAÇÃO CIVEL Relator JUIZ TOURINHO NETO. (Publicação DJ 24 /05 /1996 P.34052 )

            DA NECESSIDADE DE DECRETAR A INDISPONIBILIDADE DOS BENS DOS SÓCIOS E DA UNIÃO PATRIMONIAL EM SEDE CAUTELAR

            A responsabilidade dos sócios e administradores das empresas UNIAUTO e LIDERAUTO foi claramente evidenciada em itens anteriores. Agora, cumpre demonstrar que a indisponibilidade dos bens dessas pessoas torna-se imprescindível para o efetivo ressarcimento dos danos causados aos consumidores.

            Em que pesem os argumentos acima colacionados e todas as garantias previstas para a proteção dos interesses dos consumidores, é preciso perquirir quais medidas de natureza processual devem ser adotadas para assegurar o resultado útil do processo e a efetiva satisfação da pretensão deduzida em juízo. De nada adiantará obter um provimento favorável após vários anos de batalha judicial, se os réus já houverem dilapidado seus respectivos patrimônios, frustrando assim futura execução de sentença.

            Nesse caso, impõe-se, em sede liminar, a adoção de medidas constritivas incidentes sobre os bens de todos responsáveis pelo ressarcimento, sujeitando-os aos efeitos da sentença que vier a ser prolatada. Tal medida estaria em consonância com a corrente moderna do Processo Civil, que se preocupa muito mais com a praticidade e utilidade das medidas judiciais, do que com os excessivos rigores formais, que de resto só atravancam o desenvolvimento da técnica processual.

            Portanto, mister se faz a indisponibilização de todos os bens existentes em nome da empresa RIVADÁVIA SALVADOR DE AGUIAR, GERALDO SALVADOR DE AGUIAR, NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS. Com esta medida, garante-se, antecipadamente, o resultado útil do processo, sem o risco de se pleitear um provimento inócuo ante a escassez patrimonial. Com efeito, o conjunto de bens registrados em nome dos responsáveis pela recomposição dos danos é, provavelmente, assaz vultoso e capaz se fazer frente às indenizações pleiteadas.

            Através do poder geral de cautela, o magistrado adota, de plano, as medidas imprescindíveis para garantir a eficácia de futura sentença de mérito, primando pela presteza e pela efetividade da tutela jurisdicional.

            Assim, na concessão de liminares, antecipações de tutela, ou medidas cautelares, o critério que o magistrado deverá levar em conta, mediante um juízo de certa forma discricionário, é a garantia de eficácia da decisão que vier a ser proferida, ou seja, a garantia de um resultado útil, o que pode ser aquilatado por dois requisitos fundamentais: o fumus boni juris e o periculum in mora.

            Não é necessário muito esforço para vislumbrar a enorme área de risco a que ficarão submetidos os consumidores caso esta medida constritiva não seja decretada de imediato. Com efeito, se isto vier a ocorrer, os réus irão procurar se desfazer de suas posses, alienando ou doando bens de sua propriedade, reduzindo-se à insolvência, tudo no afã de se esquivarem à responsabilidade de reparar os danos. Esta situação se torna ainda mais grave quando se alisa o estado de insolvência das empresas UNIAUTO e LIDERAUTO.

            Essa medida mostra-se indispensável considerando o significativo valor do prejuízo, bem como a real possibilidade de dilapidação do patrimônio, o que já vem ocorrendo, e a conseqüente ineficácia do provimento jurisdicional principal.

            Consigne-se, ainda, que o direito material acha-se suficientemente demonstrado nos documentos que instruem esta inicial, o mesmo ocorrendo com a possibilidade do perigo que poderá representar a demora da prestação jurisdicional final conforme já ressaltado.

            Fica, assim, claramente evidenciada a necessidade de amparo judicial urgente para afastar de pronto os riscos de perecimento dos bens que representam a garantia de eficácia da sentença de mérito postulada por meio desta ação civil pública.


DOS PEDIDOS

            1) Do pedido de concessão de medidas cautelares:

            Diante do exposto, a entidade autora requer à V.Exa a concessão de liminar, "initio litis" e "inaudita altera pars", com expedição de mandado, para:

            1. desconsiderar a personalidade jurídica das sociedades UNIAUTO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL e CONSÓRCIO NACIONAL LIDERAUTO LTDA – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, com o fim de alcançar os bens dos réus RIVADÁVIA SALVADOR DE AGUIAR, GERALDO SALVADOR DE AGUIAR, NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS, ESPÓLIO DE ARILDO PEREIRA CAMPOS, e UNIÃO PATRIMONIAL LTDA, tudo com o fim de garantir a real proteção e indenização dos consumidores lesados;

            2. indisponibilizar todos os bens dos réus acima declinados, oficiando aos órgãos competentes para que não os transfiram para terceiro sem a autorização judicial, com o fim de garantir os ressarcimentos futuros dos consumidores;

            3. determinar a indisponibilidade de todos os valores existentes em conta corrente e em aplicações bancárias em nome dos réus mencionados, determinando, ainda, a expedição de ofício ao Bacen para fornecer os nomes das agências bancárias onde os réus mantêm movimentações financeiras, com discriminação de número de contas e valores lá depositados;

            4. determinar o arrestos dos bens declarados indisponíveis, que deverão ser colocados a disposição desse Juízo, embora possam ficar sob a responsabilidade de quem os detêm até o pagamento completo de todos os consumidores lesados;

            5. Seja determinado o arresto de todos os rendimentos auferidos em razão do usufruto instituído sobre as cotas sociais da empresa UNIÃO PATRIMONIAL LTDA em favor dos réus Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar, determinando-se, liminarmente, o bloqueio de todo e qualquer valor auferido pelos mesmos em razão deste usufruto para fins de ressarcimento dos consumidores.

            6. determinar aos réus que relacionem todos os bens, móveis e imóveis, que possuíam desde 1996, especificando o atual destino de cada um e a forma como foram transferidos, se os foram, bem como informar os bens que foram adquiridos posteriormente;

            Requer, ainda, que seja fixada, sem prejuízo de responsabilização por prática de crime de desobediência a ordem judicial, com expedição imediato de mandado de prisão em caso de descumprimento, multa na forma e valor adequados, de forma a desestimular o descumprimento de cada uma das determinações desse Juízo.

            Requer, igualmente, que seja oficiado aos CRIs, ao Detran e aos Bancos em geral, para comunicar o teor da decisão a ser prolatada liminarmente e para requisitar certidão dos bens e valores que estavam em nome dos réus desde 1996 e quem foram transmitidos, bem como o saldo existentes nas contas correntes, caderneta de poupanças e em outras aplicações em nome dos réus, quebrando, assim, o sigilo bancário dos mesmos, em defesa dos direitos dos consumidores.

            2. Dos pedidos referentes à tutela definitiva:

            a) a citação dos réus, sob a autorização do artigo 172, § 2º, do mesmo Código de Processo Civil, para que, querendo, contestem a presente, sob pena de revelia

            b) seja julgada procedente da presente demanda, para manutenção definitiva das liminares requeridas, desconsiderando a personalidade jurídica das sociedades UNIAUTO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL e CONSÓRCIO NACIONAL LIDERAUTO LTDA – EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, para que os réus RIVADÁVIA SALVADOR DE AGUIAR, GERALDO SALVADOR DE AGUIAR, NILZA DE LOURDES AGUIAR CAMPOS, ESPÓLIO DE ARILDO PEREIRA CAMPOS e UNIÃO PATRIMONIAL LTDA sejam condenados a ressarcir todos os consumidores lesados nos valores correspondentes às prestações desembolsadas pelos mesmos, em face de adesão aos grupos de consórcio das duas empresas, devidamente atualizados monetariamente e acrescido de juros de mora, compensando-se eventuais valores recebidos por força do procedimento de liquidação extrajudicial;

            c) Caso não seja deferida a desconsideração da personalidade jurídica da UNIÃO PATRIMONIAL LTDA para atingir os bens pertencentes à empresa, requer seja declarada a nulidade de todas as transferências de créditos (doações, cessões gratuitas etc.) feitas pelos réus Rivadávia Salvador Aguiar e Geraldo Salvador Aguiar em favor da empresa aludida, revertendo os valores cedidos para o patrimônio dos mesmos e, por via de consequências, destinados para o ressarcimento dos prejuízos auferidos pelos consorciados dos consórcios UNIAUTO e LIDERAUTO;

            d) seja o BANCO CENTRAL DO BRASIL condenado, de forma solidária, a indenizar os consumidores lesados nos valores correspondentes às prestações desembolsadas pelos mesmos, em face da adesão aos grupos de consórcio, devidamente atualizados monetariamente e acrescido de juros de mora, compensando-se eventuais valores recebidos por força do processo de liquidação extrajudicial;

            e) a inversão do ônus da prova, em favor do consumidor, por se tratar de relação de consumo, onde fica, por conseqüência, evidenciada a vulnerabilidade do consumidor;

            f) a condenação da requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios;

            g) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, à vista do disposto nos artigos 18, da Lei 7.347/85 e 87 da Lei 8.078/90;

            h) a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte deste Órgão de Defesa do Consumidor, tudo com previsão no artigo 94, da Lei 8.078/90.

            Protesta provar o alegado pelos meios de prova em direito permitidos, notadamente por perícias, a juntada de novos documentos, oitiva do representante da demandada e de testemunhas, cujo rol, se necessário, será oferecido oportunamente.

            Pede deferimento.

            Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2002.

Roberto de Carvalho Santos - OAB-MG 76656

Daniel Diniz Manucci - OAB/MG 86.414

Kátia Oliveira Rocha Antônio - OAB/MG 80.734

Eduardo Lanna - OAB/MG 86.309


A seguir, o despacho do TRF da 1ª Região deferindo efeito suspensivo ativo no agravo:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

            AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2002.01.00.008152-5 / MG

            Processo na Origem: 2002.38000059460

            RELATOR: JUIZ ALOISO PALMEIRA LIMA

            AGRAVANTE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ABRASCON

            AGRAVADOS: UNIAUTO ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA E OUTROS

            DESPACHO

            1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor - ABRASCON contra despacho proferido pelo MM. Juiz federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, Dr. Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, que indeferiu antecipação de tutela na ação ordinária ajuizada pela agravante contra os agravados, seus diretores, e Banco Central do Brasil.

            2. Sustenta a agravante que a ação civil coletiva foi ajuizada com o objetivo de garantir o ressarcimento de valores pagos pelos consorciados em favor das empresas Uniauto e Liderauto, cuja liquidação extrajudicial foi decretada pelo Banco Central do Brasil em fevereiro deste ano. Esclarece que o BACEN declarou indisponíveis os bens dos administradores dessas empresas, embora a medida não tenha sido adotada em relação à empresa União Patrimonial Ltda, que pertence ao mesmo grupo econômico e familiar dos sócios das instituições liquidadas. Salienta que tais bens são insuficientes para garantir a devolução de valores pagos pelos consorciados, o que exigiria a desconstituição da personalidade jurídica, a fim de alcançar os bens pertencentes à União Patrimonial Ltda. Aduz haver equívoco na decisão agravada, ao afirmar que essa última empresa tem como proprietários os administradores das empresas liquidadas e, assim, seus bens já estariam indisponíveis porque a empresa em questão pertence aos familiares do sócio Rivadávia Salvador Aguiar, integrantes do mesmo grupo econômico e familiar, como comprovariam os documentos de fls. 136 a 153. Ressalta que os bens da União Patrimonial Ltda e de seus sócios estariam indisponíveis, o que representa grave perigo de dano irreparável ou de difícil reparação para os consorciados lesados.

            3. Vê-se pelo documento de fls.166 que Rivadávia Salvador Aguiar, sócio majoritário detentor de 90% das cotas do capital social da empresa Uniauto Administradora de Consórcios Ltda, ora agravada, apesar de não ser, formalmente, sócio da empresa União Patrimonial Ltda, detém a administração dessa empresa, com poderes ilimitados, irrestritos e vitalícios para realização de negócios, representação da sociedade perante quaisquer órgãos municipais, estaduais e federais, estabelecimentos privados e bancos. Pode assinar qualquer documento, inclusive de compra e venda ou operações de qualquer natureza. No mesmo documento, observa-se que a sócia Sueli Robini Aguiar, detentora de 50% do capital social da empresa União Patrimonial Ltda, ostenta o mesmo sobrenome "Aguiar" de Rivadávia Salvador.

            4 - Os amplos poderes de administração conferidos a Rivadávia Salvador Aguiar, a par de semelhança de sobrenomes de Rivadávia e Sueli - sócia efetiva da empresa União Patrimonial Ltda -, indicam, além do grau de parentesco entre ambos, a existência de participação daquele como sócio da empresa. Verificados, então, portanto, a verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

            5 - Em face do exposto, recebo o agravo com efeito suspensivo para conceder a antecipação de tutela, com fundamento no artigo 273 do Código de Processo Civil e seu inciso I, e determinar o bloqueio dos bens da empresa União Patrimonial Ltda e de seus sócios.

            6 - Intimem-se os agravados para responder no prazo legal (Código de Processo Civil, artigo 527, inciso V). Dê-se ciência ao MM. Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais.

            7 - Publique-se.

            Brasília, 8 de abril de 2002

            Juiz ALOISIO PALMEIRA LIMA

            Relator



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANUCCI, Daniel Diniz; SANTOS, Roberto C.. Liquidação de consórcios: responsabilidade do Banco Central e desconsideração da personalidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16505. Acesso em: 24 abr. 2024.