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O crime de embriaguez ao volante da Lei nº 11.705/2008 e suas repercussões jurídico-penais.

A pseudo-efetividade e a atecnia legislativa

O crime de embriaguez ao volante da Lei nº 11.705/2008 e suas repercussões jurídico-penais. A pseudo-efetividade e a atecnia legislativa

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RESUMO

A Lei 11.705/2008 trouxe nova redação ao crime de embriaguez ao volante, previsto no art. 306 da Lei 9.503/97, criando um crime de perigo abstrato, em violação aos princípios constitucionais penais da subsidiariedade e da lesividade. Ademais, ainda que afastado o argumento da inconstitucionalidade do novel tipo de perigo abstrato criado, a atecnia legislativa da Lei 11.705/2008 reduziu sobremaneira a efetividade do tipo penal em discussão, ao criar uma elementar objetiva no tipo. Esse engessamento do tipo penal, com elementar somente detectável através de exames técnicos, acarreta uma grande dificuldade probatória, aumentando a impunidade. Ademais, vale destacar o caráter benéfico da novel lei, com a conseqüente retroatividade para os fatos pretéritos. Por fim, surgiram odiosas tentativas governamentais de tentar suprimir direitos fundamentais, bem como esdrúxulas decisões judiciais, tentando, sem sucesso, remendar o texto legal.

Palavras-chave: Código de Trânsito Brasileiro. Crime de embriaguez ao volante. Lei 11.705/2008. Inconstitucionalidade. Atecnia legislativa. Elementar objetiva. Necessidade de prova técnica. Direito a não incriminação. Impunidade. Retroatividade. Ativismo punitivista.


1.INTRODUÇÃO

A embriaguez ao volante é considerada um dos fatores preponderantes para a ocorrência de acidentes e também como um fator potencializador da gravidade dos mesmos, sendo alvo de reprovação jurídico-penal.

O Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, tipificou o crime de embriaguez ao volante no seu art. 306.

Entretanto, visando supostamente endurecer a repressão ao delito de embriaguez ao volante em questão, surgiu a Lei 11.705/2008, que alterou o crime de embriaguez ao volante, transformando-o em um crime de perigo abstrato, ou seja, daqueles em que se dispensa a demonstração do perigo de dano, já que este é presumido de forma absoluta pela legislação.

Hodiernamente, o tipo penal do art. 306 do CTB dispõe:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Demonstraremos que a verberada alteração legislativa é inconstitucional por violar os princípios penais da lesividade e subsidiariedade.

Ademais, ressaltaremos que mesmo se afastada a inconstitucionalidade do tipo de perigo abstrato criado, existem graves problemas na aplicação da novel legislação. No campo da efetividade, apesar das alterações terem sido feitas no afã de atender aos anseios sociais e políticos de endurecer a repressão ao crime de embriaguez ao volante, estas acabaram por construir um tipo penal com uma elementar objetiva – a dosagem de 0,6 dg/l de álcool -, que apenas pode ser constatada mediante a voluntária submissão do indivíduo à perícia técnica ou ao teste do etilômetro.

Isto porque é direito fundamental penal o direito ao silêncio, art. 5?, da Constituição Federal, bem como o direito a não constituir prova contra si mesmo, consectário legal do primeiro.

1.1 Os Alarmantes Índices da Violência No Trânsito

Os acidentes de trânsito são responsáveis pela a morte de cerca de 1,3 milhão de pessoas em todo mundo, segundo dados da OMS – Organização Mundial da Saúde. No Brasil, o cenário é estarrecedor, tendo sido ceifadas 66.837 vidas, no ano de 2007, segundo os dados da Seguradora Líder dos Seguros DPVAT [01], um número extremamente elevado e alarmante, que coloca o Brasil entre os países com mais mortes no trânsito no mundo. Segundo levantamento realizado pela citada seguradora, houveram, em 2007, 183 mortes por dia no trânsito brasileiro, com o estarrecedor índice de 7,6 pessoas mortas por hora.

São inúmeros os fatores que contribuem para a ocorrência dos acidentes de trânsito. A anatomia de um acidente de trânsito, assim entendida como a identificação dos componentes básicos, compreende: a(s) pessoa(s) envolvida(s); o(s) veículo(s) envolvido(s); a via e o ambiente; o aparato institucional e os aspectos sócio-ambientais (legislação, fiscalização e gestão da circulação de bens e pessoas e administração da via e de seu entorno, bem como as "regras" não escritas e não oficiais aceitas pela maioria dos usuários, que venham a fazer parte de cultura regional e que possam influenciar nos acidentes)

Dentre os fatores preponderantes para a ocorrência dos acidentes de trânsito, relacionados com as pessoas envolvidas, aparece com destaque a embriaguez ao volante.


2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O TEMA

O Código de Trânsito Brasileiro, criado pela Lei 9.503/97, foi um marco legislativo no combate a violência no trânsito, disciplinando o trânsito brasileiro como um todo e criando sanções administrativas e penais para o descumprimento de suas normas.

A legislação brasileira tipificou como crime a embriaguez ao volante no art. 306, da Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro, prevendo penas de detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

2.1 Tipificação do Crime de Embriaguez ao Volante

O crime de embriaguez ao volante, como já mencionado, foi tipicado no art. 306 da lei 9.503/97, que em sua redação originária previa:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Este tipo penal, segundo a existência ou não de lesão ao bem jurídico penal, se classificava como um crime de perigo concreto, ou seja, aqueles em que a demonstração do perigo de dano é elementar do tipo.

Agora, visando supostamente endurecer a repressão ao delito de embriaguez ao volante, surgiu a Lei 11.705/2008, que alterou o art. 306 da Lei 9.503/97, que passou a dispor:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Com a citada novel alteração do tipo, este crime, anteriormente de perigo concreto, passou a considerado como um crime de perigo abstrato.

2.2 Crimes de Dano e Crimes de Perigo

Para entendermos a distinção acima, temos que diferenciar os crimes quanto à lesão aos bens jurídico tutelados pelo direito penal.

Os crimes, segundo esta classificação, são divididos em crimes de dano e crimes de perigo. Os crimes de dano são aqueles que provocam lesão aos bem jurídicos tutelados, sempre com alteração física nos mesmos, que é o resultado naturalístico. Já os crimes de perigo, apenas têm como conseqüência um grave risco ao bem juridicamente tutelado pelo direito penal.

Os crimes de perigo podem ser classificados como crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato. Os crimes de perigo concreto são aqueles em que é elementar do tipo penal o perigo concreto de dano, ou seja, o grave risco/perigo aos bens jurídicos tutelados deve ser demonstrado faticamente. Já nos crimes de perigo abstrato, o perigo/risco de dano já é presumido de forma absoluta pela lei, não sendo necessária a comprovação do dano para a configuração do delito.

O surgimento dos crimes de perigo decorreu da necessidade da sociedade e do Estado de reprimir condutas que, por si só, geravam forte ameaça aos bens jurídicos penais, antecipando a consumação dos delitos, para uma maior proteção dos cidadãos. Segundo o escólio do penalista Ferrajoli [02]:

Temos assistido a uma crescente antecipação de tutela, mediante a configuração de delitos de perigo abstrato, com caráter hipotético e muitas vezes improvável do resultado lesivo e pela descrição aberta e não taxativa da ação.

Hodiernamente, segundo o renomado autor, vivemos numa sociedade complexa e em contínua expansão. A violência vem tomando proporções cada vez maiores, isto vem sendo utilizado como pretexto para a criação de um direito penal de riscos, que se caracteriza por uma excessiva intervenção estatal, construindo uma "legislação de emergência", sem o estabelecimento de princípios axiológicos, desenvolvendo um direito penal "hipertrófico", com tendências intervencionistas e preventivas.


3 DA INVALIDADE DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Podemos observar que o tipo do art. 306, da Lei 9.503/97, em sua redação originária, possuía as elementares "dirigir sob influência de álcool" e "expondo a dano potencial a incolumidade de outrem".

Observa-se que além da presença do álcool no organismo do condutor, era necessária uma direção anormal, potencializadora de risco efetivo e grave a incolumidade de outrém, por isso era considerado um crime de perigo concreto.

Neste sentido o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CRIME DE PERIGO CONCRETO. POTENCIALIDADE LESIVA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. SÚMULA 07/STJ.

I - O delito de embriaguez ao volante previsto no art. 306 da Lei nº 9.503/97, por ser de perigo concreto, necessita, para a sua configuração, da demonstração da potencialidade lesiva. In casu, em momento algum restou claro em que consistiu o perigo, razão pela qual impõe-se a absolvição do réu-recorrente (Precedente). II - A análise de matéria que importa em reexame de prova não pode ser objeto de apelo extremo, em face da vedação contida na Súmula 7 – STJ (Precedente).Recurso desprovido.

(REsp 608078 / RS. STJ. QUINTA TURMA. Ministro FELIX FISCHER. DJ 16/08/2004)

Destarte, tínhamos um dispositivo legal, em consonância com Constituição Federal e com plena efetividade.

Entretanto, entendeu por bem o legislador em modificar o crime do art. 306 do CTB, que passou a dispor:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Agora, visualizamos que o crime de embriaguez ao volante é configurado tão somente com a presença de 0,6 dg/l de álcool no sangue do condutor, não há necessidade de qualquer demonstração de perigo concreto. Tornou-se o crime de embriaguez ao volante num crime de perigo abstrato, com elementar objetiva, que somente pode ser mensurável por exames técnicos.

Apesar dos crimes de perigo serem amplamente utilizados em diversos ordenamentos jurídicos, o limiar constitucional destes delitos é comprovação efetiva de que, no caso concreto, a conduta humana sujeita a repressão penal gerou efetivo perigo de dano ao bem juridicamente tutelado (crime de perigo concreto).

Disto surge o problema da invalidade da norma do art. 306 da Lei 9.503/97, com sua nova redação, por vício de inconstitucionalidade material.

Isto porque, o princípio constitucional penal da lesividade ou ofensividade, impõe ao legislador que somente incrimine aquelas condutas humanas que lesionem os bens jurídicos mais importantes da sociedade (crimes de dano) ou que ao menos, importem em grave perigo concreto de danos a estes bens tutelados (crimes de perigo concreto).

As condutas imorais ou condutas que apenas prejudicam o próprio autor, mesmo que reprováveis socialmente, não podem ser erigidas como criminosas.

Os crimes de perigo abstrato presumem absolutamente o perigo aos bens jurídicos tutelados, não sendo elementar do tipo a existência efetiva do perigo. Justamente, por isso, existe a inconstitucionalidade destes crimes, já que além de violar o princípio da lesividade, violam o princípio da subsidiariedade da norma penal, que deve ser a "ultima ratio", somente sendo aplicável aos fatos mais danosos e efetivamente perigosos socialmente.

Presumir a existência de um perigo ou risco de dano é privilegiar uma concepção meramente formalista do delito, o que viola o direito fundamental da liberdade do indivíduo, tornando o direito penal uma fonte de arbítrio e violência do Estado contra o cidadão. Neste sentido preleciona Fernando Capez [03]:

Nessa esteira, vê-se que o princípio da lesividade guarda intrínseca relação com a concepção dualista da norma penal, de forma que além de se exigir um desvalor da conduta, também é indispensável o desvalor do resultado naturalístico, o que só se verifica com a afetação concreta do bem jurídico. Assim, o Direito Penal só pode atuar quando a conduta do agente ofender um bem jurídico, não sendo suficiente que essa se mostre apenas como imoral ou inadequada.

Não podemos olvidar que nos crimes de perigo abstrato não há sequer a probabilidade concreta de dano, mas somente um risco normativo.

Com o fundamento constitucional do direito penal, em conformidade com o princípio da ofensividade dos bens jurídicos, o perigo concreto constitui pressuposto à tipificação penal e "a sanção penal só se justifica quando a conduta do agente tenha submetido o bem jurídico tutelado penalmente pelo menos a um perigo real, concreto [04]"

Assim, por violar os princípios constitucionais penais da lesividade e subsidiariedade, o crime do novel art. 306 da Lei 9.503/97, com redação da Lei 11.705/2008, é materialmente inconstitucional.


4 DA ATECNIA LEGISLATIVA E SUA INEFETIVIDADE

Ademais, ainda, que afastado o argumento da inconstitucionalidade do novel tipo de perigo abstrato criado, a atecnia legislativa da Lei 11.705/2008, reduziu sobremaneira a efetividade do tipo penal em discussão.

Isto porque, foi criado um tipo penal de embriaguez ao volante com uma elementar objetiva de "0,6 dg/l de álcool no sangue", o que somente pode ser constatado mediante voluntária submissão do indivíduo aos exames técnicos específicos.

Em caso de recusa do condutor embriagado, prevalece seu ao direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo – "nemo tenetur se detegere", decorrente lógico do direito ao silêncio. O resultado disto é que somente será passível de punição penal aqueles que se prontificarem a realizarem os exames de sangue ou do etilômetro.

Observe-se que o novo tipo penal de embriaguez ao volante estabeleceu uma quantidade específica de álcool no sangue, sendo necessária a sua constatação para a configuração do crime.

Portanto, é elementar do crime a existência de 0,6 dg/l de álcool no sangue. Destarte, somente um exame de sangue ou seu equivalente, exame por meio de etilômetro, são capazes de aferir a quantidade de álcool do suposto condutor infrator. Neste sentido ensina Luiz Flávio Gomes [05]:

Agora, pela nova redação típica do art. 306 do CTB, a quantidade mínima de álcool no sangue - e não a mera influência pelo álcool - é que constitui a elementar do tipo penal, de tal sorte que se não comprovada essa quantidade mínima, não estará demonstrada a tipicidade da conduta. E essa quantidade mínima de álcool no sangue só tem como ser verificada, de forma segura e adequada, por meio dos mencionados exames de dosagem alcoólica no sangue ou de dosagem alcoólica no ar pulmonar. Jamais por exame clínico (visual), que pode indicar um estado de embriaguez do condutor, mas nunca a quantidade mínima de álcool que ele traz no sangue.

Sob o pretexto de criar uma lei mais gravosa, o no mínimo imprudente e ingênuo legislador criou um empecilho a mais ao combate do crime de embriaguez ao volante. Isto porque, se o estado não dispuser de bafômetro, ou se o próprio condutor não se sujeitar voluntariamente a fazer tal prova, o resultado poderá ser a absolvição ou mesmo o arquivamento do inquérito.

Vale lembrar que muito embora o exame clínico possa determinar se uma pessoa consumiu ou não álcool, somente exames técnicos - exames de sangue ou bafômetro - podem mensurar o nível de álcool no sangue, determinando se foi ultrapassado o limite legal, pois há pessoas com maior resistência ao álcool do que outras.

O resultado deste erro do legislador é que a grande maioria dos condutores que ingerem álcool e são flagrados pela polícia ou agentes de trânsito recusam-se a realizarem os testes de alcoolemia, em exercício regular do seu direito constitucional a não produzir prova contra si.

Desta forma, ao invés de uma maior punição aos condutores que abusam do álcool, demagógica justificação da alteração do tipo penal, tem-se uma diminuição da efetividade da norma penal.

O pior é a constatação que haverá punição somente daqueles condutores embriagados que voluntariamente colaborarem com o Estado.

Vale destacar que a colaboração do infrator denotaria o reconhecimento de seu erro, primeiro passo para ressocialização do indivíduo. Ao revés de privilegiar esta conduta, o Estado incrimina somente esta conduta, deixando livre da sanção penal aqueles que negam-se a realizar os exames.

Corroborando com nosso entendimento,o Exmo. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Eros Grau, apreciando pedido cautelar no HC 100.472, decisão publicada em 02 setembro de 2009, assim se manifestou sobre a necessidade do exame técnico para configuração do delito:

DECISÃO: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato monocrático consubstanciado em decisão, do STJ, que indeferiu pleito cautelar em idêntica via processual. O paciente, preso em flagrante sob a acusação da prática do crime tipificado no art. 306 do Código de Trânsito, foi posto em liberdade mediante o pagamento de fiança arbitrada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Os impetrantes alegam que à configuração do mencionado delito é necessária a comprovação clínica da embriaguez, que se dá com a presença de 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue. Assim, não tendo havido essa comprovação, sua conduta seria atípica. Requerem seja afastada a Súmula 691 desta Corte e concedida a liminar a fim de suspender a audiência destinada à proposta de transação penal, a ser realizada no dia 1º de setembro vindouro. É o relatório. Decido. O tipo previsto no art. 306 do CTB requer, para sua realização, concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas por litro de sangue. Parece-me evidente que a imputação delituosa há de ser feita somente quando comprovado teor alcoolico igual ou superior ao previsto em lei. Ora, não tendo sido realizado o teste do "bafômetro", falta, obviamente, a certeza da satisfação desse requisito, necessário, repita-se, à configuração típica. O periculum in mora resulta da possibilidade de a transação penal ser concretizada, com gravames para o paciente; se não for, a instauração de ação penal em situação passível de ser reconhecida a atipicidade justifica, igualmente, a concessão de liminar. Excepciono a regra da Súmula 691/STF e concedo a liminar, a fim de suspender a audiência designada para o dia 1º de setembro do corrente ano. Comunique-se a decisão ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e ao Juízo de Direito da Vara de Delitos de Trânsito de Brasília (fl. 96 do apenso). Publique-se. Brasília, 27 de agosto de 2009. Ministro Eros Grau - Art. 38, I, do RISTF - 1

Observe-se que pela redação anterior do art. 306 da Lei 9.503/97, o crime configurava-se pela condução "sob influência de álcool", passível de comprovação por prova técnica ou testemunhal, somada a "condução anormal", plenamente possível de aferição por prova testemunhal. Por isso, fica óbvio a maior efetividade desta legislação revogada.

O que o discurso demagógico punitivista do legislador não percebe é que a maior repressão a embriaguez no volante se consegue com uma maior fiscalização, baseada no aparelhamento, capacitação e valorização dos agentes de trânsito e policiais. Sem deixar de lado as políticas públicas de conscientização e educação de trânsito, que de forma preventivamente.


5 DA RETROATIVIDADE DA NORMA BENÉFICA

O ordenamento jurídico pátrio abarcou o princípio da retroatividade benigna da lei penal garantia de índole constitucional, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal.

Como já demonstrado, o novo tipo penal de embriaguez ao volante estabeleceu uma quantidade específica de álcool no sangue – 0,6 dg/l – para a configuração do crime, ao contrário do tipo revogado que apenas estipulava que o condutor estivesse "sob influência de álcool", sem mensurar o montante.

Portanto a novel legislação, ao estabelecer critérios estritamente objetivos para a caracterização do crime de embriaguez, trouxe uma limitação no que concerne a prova da embriaguez, que agora somente pode ser aferida por provas técnicas, ou seja, pelo exame de sangue ou bafômetro

O Tribunal vem se manifestando a favor da retroatividade do novel art. 306, do CTB, conforme se observa do decisium abaixo:

Ementa: HABEAS CORPUS - CONSTATAÇÃO DE EMBRIAGUEZ - ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS - ART. 306 DO CTB - CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL NO SANGUE - EXAMES TÉCNICOS ESPECÍFICOS - IMPRESCINDIBILIDADE.

I. A ANTIGA REDAÇÃO DO ART. 306 DO CTB EXIGIA APENAS QUE O MOTORISTA ESTIVESSE SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL, SEM INDICAR QUANTIDADE ESPECÍFICA. SIMPLES EXAME CLÍNICO PODERIA PERFEITAMENTE ATENDER À EXIGÊNCIA DO TIPO.

II. A LEI 11.705/08 INCLUIU NA REDAÇÃO DO ARTIGO A "CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS" OU "TRÊS DÉCIMOS DE MILIGRAMA POR LITRO DE AR EXPELIDO DOS PULMÕES" (ART. 2º DO DECRETO 6.488 DE 19.06.08).

III. A PROVA TÉCNICA É INDISPENSÁVEL E SÓ PODE SER AFERIDA COM O USO DO CHAMADO "BAFÔMETRO" OU COM O EXAME DE DOSAGEM ETÍLICA NO SANGUE.

IV. O LEGISLADOR PROCUROU INSERIR CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CARACTERIZAR A EMBRIAGUEZ, MAS INADVERTIDAMENTE CRIOU SITUAÇÃO MAIS FAVORÁVEL ÀQUELES QUE NÃO SE SUBMETEREM AOS EXAMES ESPECÍFICOS. A LEI QUE PRETENDIA, COM RAZÃO, SER MAIS RIGOROSA, ENGESSOU O TIPO PENAL.

V. SE A LEI É MAIS FAVORÁVEL, RETROAGE PARA TORNAR A CONDUTA ATÍPICA.VI. ORDEM CONCEDIDA PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL, POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

(HC 2008.00.2.009130-0. TJDFT. Órgão Julgador : 1ª Turma Criminal. Rel: SANDRA DE SANTIS. DJ-e: 26/11/2008)

Assim, criou-se uma situação mais favorável àqueles condutores flagranteados que, na vigência da lei anterior, não foram submetidos aos exames técnicos, o que acarreta, indubitavelmente na retroatividade da lei nova mais branda ocasionando a atipicidade da conduta dos mesmos.

6 DA EXISTÊNCIA DE PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA PARA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Vale lembrar que não estamos a defender a não punição administrativa da embriaguez ao volante. Esta sempre foi prevista no art. 165 do CTB, como infração gravíssima, com pena de multa multiplicada por cinco, suspensão do direito de dirigir, além da medida administrativa de retenção do veículo até apresentação de condutor habilitado.

Argumentamos, no entanto, que esta novel lei está incriminando e marginalizando muitos cidadãos, que beberam e não dirigiram de forma "anormal", ou seja, não provocaram acidentes ou sequer minimamente criaram risco a segurança viária ou a outrem.

Entendemos que uma melhor política criminal seria a criminalização da embriaguez ao volante, que sempre foi uma infração administrativa de trânsito, somente quando esta gera um perigo concreto de dano a segurança viária ou a outrem. Vale dizer, quando a embriaguez ao volante aparece somada a uma condução anormal.

Assim, reservaríamos o direito penal às condutas humanas mais danosas à sociedade e estaríamos em consonância com o princípio penal da subsidiariedade.


7 DAS ODIOSAS TENTATIVAS DE REMENDAR A LEI

Visando, pragmaticamente, solucionar a atecnia legislativa, surgem odiosas tentativas governamentais em tentar suprimir direitos fundamentais, bem como esdrúxulas decisões judiciais, que em um ativismo punitivista violam o princípio penal da tipicidade, visando remendar o texto legal atécnico.

7.1 Atos normativos infra-legais tentam dar efetividade a novel legislação

Logo após a publicação da novel legislação e a constatação de sua inefetividade, a Advocacia Geral da União, instada a pronunciar-se pelo DPRF – Departamento de Polícia Rodoviária Federal, publicou parecer, determinando, pasmem, a prisão por desobediência daqueles que se recusassem a realizar os exames de alcoolemia.

O pior viria a seguir, o Parecer nº 121/2009/AGU/CONJUR/DPRF/MJ, publicamente divulgado no site do site Conjur (http://www.conjur.com.br/2009-set-07/agu-sustenta-recusar-teste-bafometro-crime), sugeriu ao Diretor Geral do DPRF:

"Diante do exposto, restituo os autos ao Diretor-Geral, com proposta favorável ao acolhimento da Nota de fls. 03/11, uma vez que a matéria encontra-se muito bem fundamentada, cujo entendimento já foi tratado no Fórum Brasileiro de Segurança realizado na cidade do Rio onde se chegou a conclusão de que o Uso do Bafômetro é legal e caso o condutor nega-se a fazer o teste este deve ser enquadrado no crime de desobediência art. 330 do Código Penal.

Sugiro ainda que seja dado conhecimento a todas as Regionais para aplicação do contido na Nota de fls. 03/11, devendo alertar as Regionais que em caso de descumprimento responderá sob as penas da lei aquele que deu causa ao seu não cumprimento" (grifos aditados)

Desta forma, tentando desesperadamente dar efetividade a um texto legal esdrúxulo e demagogicamente feito, se impôs aos policiais rodoviários federais o cumprimento deste parecer citado, ordenando que prendessem aqueles que se recusassem a realizar os testes de alcoolemia. Tendo, inclusive, se utilizado da ameaça da esfera correicional para aqueles que não seguissem o parecer.

Entretanto, um ato administrativo não possui o condão de afastar princípios constitucionais penais, como o direito ao silêncio e a não produzir provas contra si mesmo.

O ilustre penalista Damásio E. de Jesus [06] esboça entendimento similar ao exposto, afirmando que:

Ora, se o direito à não-auto-incriminação adquiriu um status constitucional, é evidente que nenhuma outra regra, muito menos de cunho administrativo, pode servir de instrumento de persuasão para que o indivíduo viole as suas próprias convicções e, especialmente, os seus direitos fundamentais.

Depois de seguidas e contundentes críticas à posição adotada pela AGU e pelo DPRF, formuladas por penalistas, jornalistas e sociedade civil. O Departamento de Polícia Rodoviária Federal voltou atrás e publicou a Instrução Normativa 3, de 25 de agosto de 2009, (disponível em http://www.conjur.com.br/2009-set-14/policia-rodoviaria-ignora-agu-nao-prendera-quem-recusar-bafometro) instruindo os policiais que "não configura crime a recusa do condutor em realizar qualquer um dos procedimentos deste manual".

7.2 Decisões judiciais adotam um ativismo punitivista, violando o princípio da legalidade penal

A inefetividade da novel legislação é cada vez mais afirmada e aceita doutrinariamente e jurisprudencialmente, entretanto alguns julgados destoam na realidade e procuram adotar um ativismo punitivista, violando o princípio da legalidade penal.

Isto porque, em desrespeito ao tipo legal do novel art. 306 do CTB, querem dar novo entendimento ao dado objetivo de 0,6 dg/l de álcool, o viola diretamente o princípio da legalidade penal.

O princípio da legalidade penal determina que somente existirá crime quando estritamente configurados os elementos do tipo penal, o que somente pode ser previsto em lei.

Apesar disto, algumas decisões, querem emendar a lei, para dar efetividade ao crime de embriaguez, como se o julgador agora pudesse criar novos crimes para atender ao clamor público por justiça.

Um evidente exemplo deste equivocado ativismo punitivista foi uma decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 306 DO CTB. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL. COMPROVAÇÃO DA EMBRIAGUEZ. EXAME DE ALCOOLEMIA NÃO REALIZADO POR AUSÊNCIA DE EQUIPAMENTOS NA COMARCA. REALIZAÇÃO DE EXAME CLÍNICO.

I - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006). Na hipótese, há, com os dados existentes até aqui, o mínimo de elementos que autorizam o prosseguimento da ação penal. II - Para comprovação do crime do art. 306 do CTB, o exame de alcoolemia somente pode ser dispensado, nas hipóteses de impossibilidade de sua realização (ex: inexistência de equipamentos necessários na comarca ou recusa do acusado a se submeter ao exame), quando houver prova testemunhal ou exame clínico atestando indubitavelmente (prontamente perceptível) o estado de embriaguez. Nestas hipóteses, aplica-se o art. 167 do CPP. III - No caso concreto, o exame de alcoolemia não foi realizado por inexistência de equipamento apto na comarca, e não houve esclarecimento da razão pela qual não se fez o exame de sangue. Entretanto, foi realizado exame clínico. Desta forma, considerando que não houve a produção de prova em sentido contrário, é demasiadamente precipitado o trancamento da ação penal.

(HC 132.374/MS. STJ. 5ª Turma. Rel. Min. Felix Fischer, DJ: 16.11.09)

Aqui pedimos vênia para destacar e enaltecer o escólio dos ilustres penalistas de Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel [07], que discorreram brilhantemente sobre o verberado decisum acima:

"A decisão encerra um equívoco técnico inadmissível. Conforme já mencionado, a quantidade mínima de álcool por litro de sangue, de acordo com a nova redação típica do art. 306 do CTB, passou a constituir elementar do tipo penal. Nada tem a ver com a materialidade delitiva sobre o "estado de embriaguez", mas com a tipicidade da conduta. Se a quantidade mínima de álcool no sangue do condutor não ficar comprovada e, portanto, não for mencionada expressamente na denúncia ou queixa, o fato narrado na exordial será evidentemente atípico, sendo o caso de rejeição da peça acusatória, ex vi do disposto no art. 395, I c/c art. 41, ambos do Código Processual Penal de regência, ou mesmo rejeição por falta de uma das condições da ação (art. 395, II do CPP), qual seja, a possibilidade jurídica do pedido, em razão da atipicidade do fato (dirigir sob o efeito de álcool, por si só, não é crime; crime é conduzir veículo com o mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue)... Fechado esse primeiro ponto, é pertinente ainda colocar que a decisão do Superior Tribunal de Justiça merece ser repudiada pela insegurança jurídica ínsita nela mesma (insegurança, a propósito, incompatível com a certeza probatória exigida pelo direito penal incriminador), na medida em que aceita que um exame visual, inclusive feito por testemunhas, ateste a comprovação da "quantidade" de álcool no sangue exigida para a tipicidade da conduta. É que o álcool age de forma diferente no organismo humano, de acordo com uma série de fatores endógenos, tais como sexo, idade, peso, hábito ou não de beber etc. Assim, v.g. num bloqueio policial, uma mulher magra, sem hábito de beber e com o estômago vazio poderá ser responsabilizada por estar com sintomas "evidentes" de embriaguez (atestados pelo exame visual de policiais desprovidos do etilômetro) em razão da ingestão de uma cerveja em lata; ao passo que no mesmo bloqueio policial poderá não ser constatada a embriaguez de um homem obeso, que acabou de fazer uma reforçada refeição, habituado a beber e que acabara de ingerir três cervejas em lata. Nesse exemplo, o condutor com maior quantidade de álcool no sangue não será responsabilizado; a condutora, com menos quantidade de álcool no sangue, será punida. Tudo a depender do tão criterioso quanto subjetivo exame visual das testemunhas (policiais ou civis).

Este abalizado entendimento dos supracitados doutrinadores deve prevalecer na jurisprudência. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Eros Grau, apreciando pedido cautelar no HC 100.472, decisão publicada em 02 setembro de 2009, assim se manifestou sobre a necessidade do exame técnico para configuração do delito:

DECISÃO: Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra ato monocrático consubstanciado em decisão, do STJ, que indeferiu pleito cautelar em idêntica via processual. O paciente, preso em flagrante sob a acusação da prática do crime tipificado no art. 306 do Código de Trânsito, foi posto em liberdade mediante o pagamento de fiança arbitrada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Os impetrantes alegam que à configuração do mencionado delito é necessária a comprovação clínica da embriaguez, que se dá com a presença de 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue. Assim, não tendo havido essa comprovação, sua conduta seria atípica. Requerem seja afastada a Súmula 691 desta Corte e concedida a liminar a fim de suspender a audiência destinada à proposta de transação penal, a ser realizada no dia 1º de setembro vindouro. É o relatório. Decido. O tipo previsto no art. 306 do CTB requer, para sua realização, concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas por litro de sangue. Parece-me evidente que a imputação delituosa há de ser feita somente quando comprovado teor alcoolico igual ou superior ao previsto em lei. Ora, não tendo sido realizado o teste do "bafômetro", falta, obviamente, a certeza da satisfação desse requisito, necessário, repita-se, à configuração típica. O periculum in mora resulta da possibilidade de a transação penal ser concretizada, com gravames para o paciente; se não for, a instauração de ação penal em situação passível de ser reconhecida a atipicidade justifica, igualmente, a concessão de liminar. Excepciono a regra da Súmula 691/STF e concedo a liminar, a fim de suspender a audiência designada para o dia 1º de setembro do corrente ano. Comunique-se a decisão ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e ao Juízo de Direito da Vara de Delitos de Trânsito de Brasília (fl. 96 do apenso). Publique-se. Brasília, 27 de agosto de 2009. Ministro Eros Grau - Art. 38, I, do RISTF - 1


8 CONCLUSÃO

O art. 306 da Lei 9.503/97, com redação da Lei 11.705/2008, traz consigo o vício constitucional de invalidade por afronta aos princípios penais da ofensividade e subsidiariedade.

Ademais, mesmo que superado o argumento de sua invalidade material, a aplicabilidade deste novel crime esbarra na atecnia legislativa na construção do tipo penal. Já que sobre o pretexto de endurecer a repressão ao crime de embriaguez ao volante criou-se um critério objetivo para configuração do crime, engessando o tipo e favorecendo a impunidade.

Isto porque somente com exames técnicos, exame de etilômetro ou exame de sangue, se poderá inferir se o agente está ou não com a dosagem etílica configuradora do crime de embriaguez ao volante. O suposto suspeito poderá, exercendo seu direito constitucional ao silêncio, recusar-se a produzir prova contra si.

Além disto, sendo uma lei posterior benéfica, ela retroage aos fatos praticados anteriormente a sua publicação, o que certamente acarretará na atipicidade de todos aqueles condutores presos na vigência da lei anterior e que não realizaram exames técnicos.

Percebemos claramente que o clamor público e o discurso político demagógico cegaram o legislador, levando-o a criação de um tipo penal esdrúxulo, inconstitucional e sem efetividade.

Voltamos a afirmar, uma maior repressão a embriaguez no volante, fator preponderante para ocorrência e potencialização da gravidade dos acidentes, se consegue com uma maior fiscalização, que deve vir lastreada no aparelhamento, na capacitação e na valorização dos agentes de trânsito e dos policiais que a realizam. Sem deixar de lado as políticas públicas de conscientização e educação de trânsito, que atuam de forma preventiva.


9 REFERÊNCIAS

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ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Editora Vega. 2004


Notas

Transportadas ou Não. A Lei 6.194/74 determina que todos os veículos automotores de via terrestre, sem exceção, paguem o Seguro DPVAT. A obrigatoriedade do pagamento garante às vítimas de acidentes com veículos o recebimento de indenizações, ainda que os responsáveis pelos acidentes não arquem com a sua responsabilidade.

  1. DPVAT - Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre ou por sua Carga a Pessoas
  2. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. p.436.
  3. CAPEZ, Fernando. A Constituição Federal e os crimes de perigo abstrato. Texto disponível no site <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070214091633277>. <Acesso em 21/03/2010.>
  4. BRODT, Luiz Augusto. Do estrito cumprimento de dever legal. p 114
  5. GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Crime de embriaguez ao volante e ativismo punitivista do STJ (Parte 1). Disponível em http://www.lfg.com.br - 21 janeiro. 2010.
  6. JESUS, Damásio E. de. Limites à prova da embriaguez ao volante: a questão da obrigatoriedade do teste do bafômetro. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 344, 16 jun. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5338>. Acesso em: 21 mar. 2010.
  7. GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Crime de embriaguez ao volante e ativismo punitivista do STJ

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VIEIRA, Fernando Batista de Oliveira. O crime de embriaguez ao volante da Lei nº 11.705/2008 e suas repercussões jurídico-penais. A pseudo-efetividade e a atecnia legislativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2567, 12 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16963. Acesso em: 5 maio 2024.