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A legitimidade do Ministério Público para a instauração de ação civil pública em matéria tributária

A legitimidade do Ministério Público para a instauração de ação civil pública em matéria tributária

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No tocante à defesa dos interesses supraindividuais envolvendo questões tributárias, a legitimação constitucionalmente atribuída ao "Parquet" tem sido limitada.

RESUMO

A Constituição da República, ao conferir amplas atribuições ao Ministério Público, estabeleceu como sua missão a defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tornando o órgão ministerial o guardião preponderante do sistema jurídico. A evolução das relações sociais, alavancadas pelo ideário iluminista, pelo reconhecimento dos direitos sociais, e pela massificação da sociedade, exigiu a criação de novos mecanismos processuais, aptos a satisfazerem as necessidades da coletividade. Nesta esteira, a ação civil pública surgiu como instrumento de defesa de interesses supraindividuais, tendo sido a sua abrangência gradativamente ampliada. Contudo, no tocante à defesa dos interesses supraindividuais envolvendo questões tributárias, a legitimação constitucionalmente atribuída ao parquet tem sido limitada. Nestas condições, a legitimação do órgão ministerial para instaurar ações civis publicas envolvendo questões atinentes a matérias tributárias, na defesa do contribuinte ou do próprio interesse difuso da sociedade tem sido merecedor de estudos, em especial diante do fato de que as interpretações que atualmente ganham força, limitam, em última análise, a própria busca pelo direito. Uma vez que a Constituição Federal consignou em seus dispositivos que é função do Ministério Público exercer, além daquelas expressamente insculpidas na norma do seu art. 129, quaisquer outras funções compatíveis com sua finalidade, e tendo em vista que a discussão acerca do tema não parece ter chegado a um desfecho conclusivo, analisar-se-ão os meandros da altercação, com o intuito de contribuir, ao menos, para o fomento da discussão acerca da matéria em comento.


1. INTRODUÇÃO

A ação civil pública, moderna ferramenta jurídico-processual apta a resguardar os direitos da coletividade, vislumbra na instituição do Ministério Público seu mais assíduo manejador.

A legitimidade preponderante do parquet para promover a ação civil pública visando a proteção de interesses difusos e coletivos - expressamente consignada na norma do art. 129, inciso III, da Constituição da República - aliada aos dispositivos constitucionais expressos que delineiam a sua natureza jurídica, imputando-lhe a incumbência de defender a ordem jurídica - colocaram o órgão ministerial na posição de principal utente das normas jurídicas atinentes ao instrumento processual em análise.

Aclamada como "Constituição Cidadã", a lei suprema trouxe em seu bojo um alargamento no plexo de atribuições e funções do Ministério Público, o que representou um importante avanço para a sociedade democrática e um desafio para a instituição.

Consagrado como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, o Ministério Público recebeu a ampla incumbência de promover a defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, constatando-se que o texto constitucional esteve a conferir legitimidade ao parquet na busca pela defesa e respeito ao sistema jurídico, e, em última análise, ao devido cumprimento dos preceitos constitucionais. Decorre desta previsão constitucional a assídua atuação do órgão no ajuizamento de ações civis públicas, e, por consequencia, a insurgência de forças de reação, sendo controvertida a aceitação da legitimidade ministerial em vários casos concretos. [01]

Considerada a evolução do estado democrático de direito e o surgimento dos mecanismos de defesa de interesses transindividuais, as transformações operadas na lei reguladora da matéria e nas normas jurídicas introduzidas e modificadas pelo Código de Defesa do Consumidor colocam o direito brasileiro às voltas com a necessidade de se definir a amplitude das matérias discutíveis no bojo da ação civil publica.

Importa frisar que a interpretação das atribuições constitucionais, a teor do princípio da indisponibilidade da ação civil pública, tornam o agir do parquet, antes de um direito, um dever, posto inexistir espaço para discricionariedade em sua ação quando identificada hipótese legal de atuação. [02]

Verifica-se, seja pelos posicionamentos encontrados na doutrina, seja pelas demandas levadas a julgamento perante os Tribunais Superiores, que embora em determinadas matérias a legitimação do Ministério Público para agir seja inquestionada, como nas lides envolvendo o meio ambiente e os direitos da criança e do adolescente, tal não se dá quando se apresentam assuntos envolvendo tributos, sobretudo em razão do recentemente introduzido parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, fruto da Medida Provisória n° 2.180-35 de 2001. Nestes casos, a figuração do parquet enquanto parte legítima tem sido objeto de acirrada controvérsia, sobretudo em razão da natureza jurídica atribuída pela doutrina aos direitos e interesses dos contribuintes, considerados disponíveis sob determinado espectro.

Entretanto, levando-se em conta que as discussões alçadas pelo Ministério Público quando da propositura de ação civil pública envolvendo matéria tributária podem se dar sob diversos prismas, ora estando o parquet a defender interesses e direitos coletivos em favor do sujeito passivo tributário, ora a defender o próprio interesse público enquanto dimensão coletiva, há que se perquirir quais seriam as efetivas fronteiras jurídicas que balizam a atuação do órgão ministerial em tais demandas.


2. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA: FUNDAMENTOS

O processo histórico do direito, reflexo do desenvolvimento social da civilização, traz em si a perene criação e metamorfose de institutos jurídicos. O reconhecimento e a consequente proteção aos direitos fundamentais, destacados em razão das evoluções sociais ocorridas na civilização contemporânea – notadamente à influência do jusnaturalismo no ideário iluminista – ocorreram de forma contínua até a definitiva consagração do lema "liberdade, igualdade e fraternidade".

À luz da concepção de Rousseau, sintetizada na idéia de que os homens nascem livres e iguais em direitos, insculpiram-se no panorama jurídico, como reflexo de tal consagração, os denominados direitos fundamentais de primeira geração, assim entendidos como os direitos da liberdade, "primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente". [03]

Os institutos jurídicos desenvolvidos nesta primeira geração, caracterizados pela proteção e oposição do indivíduo em face do Estado – em homenagem ao primado da liberdade – logo fizeram surgir os direitos sociais, culturais e econômicos, amplamente discutidos no século XX e difundidos nos textos constitucionais do pós-guerra, onde se passou a considerar essencial o agir social do Estado como instrumento de garantia do direito à liberdade. [04]

Nesta condição, ao passo que a primeira geração dos direitos fundamentais representou o estabelecimento das garantias fundamentais da liberdade, a incorporação dos direitos fundamentais de segunda geração significou o ingresso à ordem jurídica de uma ordem de valores, criando princípios orientadores das Constituições. [05]

Ainda no período pós-guerra [06], quando floresciam nações em diferentes graus de desenvolvimento sócio-econômico, passou-se a buscar uma nova e mais extensa concepção do que seriam os direitos fundamentais, de modo a efetivar o primado da fraternidade. Em razão do amplo reflexo de tais direitos no seio social, os direitos e garantias individuais passaram a transmutar-se muitas vezes em direitos afetos a vários indivíduos ou grupos sociais.

A busca pela efetiva tutela de direitos fundamentais fez emergir os denominados direitos de terceira geração, guiados pelo signo da solidariedade, cuja essência transborda a proteção específica de direitos inerentes a uma coletividade.

Conforme o escólio do mestre constitucionalista Paulo Bonavides, a matriz destes direitos, dentre os quais compreendidos o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à propriedade e à comunicação, pode ser assim concebida e analisada:

(...) um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. [07]

Os desdobramentos do surgimento da denominada "terceira geração" de direitos fundamentais implicaram em premente necessidade de se promover uma extensa lapidação nos institutos jurídicos, de forma que estes fossem moldados para satisfazê-los de forma íntegra. Da mesma forma, portanto, que as normas jurídicas de cunho material, as próprias regras processuais haviam de se adequar à nova realidade social.

O fenômeno de índole social, representado pela amplitude dos direitos de terceira geração, fez surgir situações em que um determinado grupo de indivíduo se encontrava ligado por uma questão comum, mostrando-se inapropriado que o direito de ação somente pudesse ser exercido individualmente, de forma isolada.

Do ponto de vista jurídico, a amplitude dos direitos resguardados apontou para uma realidade social que fazia brotar interesses transindividuais, inerentes a uma massa de indivíduos – determináveis ou não-, anelados por uma relação fático-jurídica

O arcabouço jurídico delineado pelos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração – em atenção aos direitos sociais atrelados aos primados da igualdade, fraternidade e solidariedade –, apontou para a necessidade de que o Estado promovesse de forma eficaz a tutela dos interesses afetos ao coletivo, vez que os instrumentos processuais não se mostravam suficientes para a ampla e adequada garantia dos direitos fundamentais.

Com efeito, o capitalismo impulsionado pela Revolução Industrial empreendida no século XX gerou uma sociedade de massas, com interesses comuns a várias pessoas, nem sempre determináveis e individualizáveis. Ações nefastas ao meio-ambiente, empreendidas por grandes corporações, prejudicavam integralmente os componentes de determinado grupo social. No mesmo diapasão, a magnitude do sistema econômico passou a implicar em constante envolvimento de interesses metaindividuais nesta seara.

As regras processuais, portanto, houveram de se adequar para esta nova realidade, "para proporcionar uma resposta rápida e eficaz às lesões típicas deste novo modelo de sociedade emergente". [08]

O processo histórico da civilização, no contexto jurídico ora apontado, adentrava ao esteio das ações coletivas. Nesta mesma esteira, sintetizando a gênese do instituto jurídico-processual das ações coletivas, aponta a doutrina de Ricardo Negrão para a sociedade massificada da pós-modernidade como mola propulsora de seu incremento:

(...) de um lado há o inexorável dever das normas processuais de sempre privilegiarem a melhor realização dos ideais e aspirações sociais (para que seja possível o desenvolvimento agregado e positivo dos sujeitos que compõem a sociedade), mediante o aparelhamento da justiça com o melhor instrumental técnico possível e, de outro lado, devem aguardar o desenvolvimento das chamadas normas de conduta, cujas regras devem fazer valer (na medida em que o processo, ainda que dotado de instrumentação científica própria, visa, em última análise, a melhor aplicabilidade do direito material).

As ações coletivas são um exemplo vivo desta realidade. De fato, ainda que o fenômeno de demandas coletivas (não tomado o termo aqui no seu aspecto técnico tal qual definido hoje em lei, mas como realidade da existência de fatos ou atos jurídicos que venham a interessar um grupo de pessoas, mais ou menos determinado), não seja novo, a efetiva necessidade de sua tutela coincide com o momento histórico "pós-moderno", no qual a realidade de uma sociedade de massa se tornou efetiva (e, portanto, a necessidade do reconhecimento material de conflitos de massa e sua solução também se tornam prementes). [09]

Decorrência deste contexto foi o surgimento e aperfeiçoamento da modalidade de ações coletivas, podendo ser apontado como um dos seus primórdios o instituto das representative actions, utilizadas nos casos em que a quantidade de indivíduos envolvidos na controvérsia tornasse inviável a formação de litisconsórcio, bem como nos casos em que os indivíduos do grupo tivessem interesses comuns na controvérsia. [10]

A experiência estadunidense com as chamadas class actions (regradas desde 1912) [11], aptas a proteger interesses de grupos sociais compostos por uma coletividade de titulares de direitos, veio também a demonstrar a conveniência de um processo único, onde o grupo se fazia representar por um representante da classe. [12]

A doutrina indica que a Constituição de 1934, ao incorporar na legislação brasileira a ação popular, trouxe à luz o primeiro instrumento processual de natureza coletiva. [13] Aponta-se ainda a ação de dissídio coletivo, disciplinada pelo art. 856 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, como remoto instrumento de defesa de interesses transindividuais previsto na legislação pátria.

A Lei Complementar nº 40/81, ao dispor acerca da organização dos Ministérios Públicos Estaduais, fez uma primeira menção à ação civil pública em seu art. 3º, inciso III, conferindo ao parquet, na qualidade de defensor da ordem jurídica e dos interesses sociais indisponíveis, "a função institucional de promovê-la", conjeturando assim as normas de natureza infraconstitucional que anos após viriam a ser insculpidas na ordem jurídica, quando da entrada em vigor da Lei nº 7.347/85. A norma conta com a seguinte redação:

Art. 3º - São funções institucionais do Ministério Público:

I - velar pela observância da Constituição e das leis, e promover-lhes a execução;

II - promover a ação penal pública;

III - promover a ação civil pública, nos termos da lei.

Impulsionada pelo contexto histórico em que inserido o indigesto período da ditadura militar, a evolução constante dos direitos fundamentais e da democracia no Brasil trouxe à ordem jurídica a Constituição da República de 1988, que recepcionou e consagrou a ação civil pública, compatível com a nova ordem constitucional, o que fez em seu art. 129, inciso III, in verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos

A Constituição não apenas mencionou de forma inequívoca a ação civil pública, mas também referiu-se ao objeto de sua tutela, tornando-a mais abrangente no sentido de ter ampliado sua órbita de alcance à defesa de direitos transindividuais. Destaca-se uma sutil e importante mutação na norma, qual seja, a conversão do rol de interesses e direitos transindividuais referidos nos incisos do art. 1º da Lei nº 7.437/85 de numerus clausus para rol enumerativo, já que o texto constitucional estabeleceu como função institucional do Ministério Público a promoção da ação civil pública para a proteção "de outros interesses coletivos e difusos". [14]

Os parâmetros de utilização da ação civil pública, nos termos da Lei nº 7.347, encontram a seguinte redação normativa:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - ao meio-ambiente;

II - ao consumidor;

III – à ordem urbanística;

IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

V - por infração da ordem econômica e da economia popular;

VI - à ordem urbanística.

Embora o legislador constituinte apenas tenha se referido à atuação do Ministério Público em ações civis públicas na defesa dos "interesses coletivos e difusos", o ordenamento jurídico brasileiro veio a acolher, anos após, a possibilidade de instauração da ação civil coletiva para defesa dos interesses individuais homogêneos, expressão insculpida na Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, que inseriu na Lei nº 7.437/85 o art. 21, cujo teor menciona de forma expressa a defesa de interesses individuais.

Em razão de ter sido a referida norma editada no bojo do codex consumerista, estabelecedor de normas de proteção e defesa do consumidor, sua aplicabilidade restou questionada no que tange a questões não-consumeristas, assim como a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ações visando salvaguardar interesses individuais homogêneos indisponíveis e disponíveis de relevância social.

Destaca-se que a Constituição somente se referiu à legitimidade do Ministério Público para atuar na tutela dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, respectivamente nos arts. 127 e 129, inciso III.

A par de tais altercações, vê-se como inegável que o fundamento constitucional da ação civil publica tornou-a, em suma, instrumento processual destinado à defesa de diversos interesses da coletividade, conforme o magistério de Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida:

A ação civil pública é, com efeito, preordenada constitucionalmente à consecução da tutela adequada e efetiva da ampla e diversificada plêiade de direitos fundamentais difusos e coletivos, bem como dos interesses individuais das vítimas/lesados, simultaneamente lesados ou ameaçados de lesão. E é abrangente de todos os direitos e interesses derivados do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), dos alvissareiros objetivos traçados para o Estado Democrático e Social brasileiro (CF, art. 3º), dos princípios da Administração Pública (art. 37, caput), da ordem econômica e tributária (art. 170 e incisos) e da ordem social (Título VIII). [15]

(grifos nossos)

Sendo, pois, a ação civil pública, incidenter tantum da ordem jurídica constitucional [16], seu manejo se dá à luz das normas de regência, tendo sido utilizada para a tutela de uma variado plexo de direitos.

Embora seja pacífica a sua utilização para a tutela de direitos descritos literalmente na norma (meio-ambiente, consumidor, dentre outros), tem se tornado frequente a sua utilização na defesa de direitos afetos a outras áreas, tal como a tributária. Com base em interpretações do texto constitucional e da amplitude dos efeitos advindos de ações governamentais no âmbito tributário, discute-se na doutrina e na jurisprudência a possibilidade ou não de se veicular interesses relativos a tributos em sede de ação civil pública, seja para a defesa de contribuintes anelados por interesse coletivo, seja para a tutela da própria ordem econômica ou da ordem jurídica e do patrimônio público (arts. 127, caput, e 129, inciso III, ambos da Constituição).

Estas discussões, objeto do presente estudo, permeiam a natureza da ação civil pública, a legitimidade ad causam do Ministério Público e os interesses atingidos por medidas tributárias, o que se passa a analisar.

2.1. Contornos do instituto jurídico-processual

Como destacado alhures, não se pode olvidar que é uma norma constitucional, a do art. 129, inciso II, que dá supedâneo à ação civil pública, sendo portanto fonte primária desse instrumento jurídico-processual. [17]

Fruto de relevantes transformações sociais, afetadas pela evolução conceitual dos direitos humanos e por sua positivação nas ordens constitucionais, bem como pelo momento político posterior a um período ditatorial - e portanto propício à proteção de interesses sociais -, a ação civil pública emergiu sob a perspectiva da tutela de direitos enquanto dimensão coletiva em uma sociedade massificada. [18]

Como bem apontou Humberto Theodoro Júnior, com a consagração dos direitos fundamentais de terceira geração, e tendo em vista as suas peculiaridades,

(...) despertou-se o direito para interesses relevantíssimos, como meio ambiente, valores históricos culturais, saúde pública, segurança coletiva, relações de consumo, que, embora dizendo respeito a todos os indivíduos, não são suscetíveis de fracionamento para que cada um possa defendê-los particularmente. [19]

Na mesma esteira, ainda em 1978, Ada Pellegrini Grinover registrou que o surgimento de conflitos de configuração coletiva e de massa era algo típico das escolhas políticas, a indicar a necessidade de serem adotadas novas formas de participação. [20]

Conforme se depreende da análise literal das normas dos arts. 1º, incisos I a VI, e 3º da Lei da Ação Civil Pública, esta se presta à responsabilização por danos ao meio-ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem econômica e da economia popular, tendo por objeto a condenação em dinheiro ou em cumprimento de obrigação comissiva ou omissiva.

A redação originária do inciso IV do art. 1º destacava a ação civil pública como instrumento de tutela aos danos que afetassem quaisquer interesses difusos ou coletivos, induzindo à clara idéia de que o rol de interesses dispostos nos demais incisos era apenas enumerativo. Contudo, tal dispositivo foi inicialmente vetado pelo então Presidente da República José Sarney, forte em argumento segundo o qual "as razões de interesse público dizem respeito precipuamente a insegurança jurídica, em detrimento do bem comum, que decorre da amplíssima e imprecisa abrangência da expressão ‘qualquer outro interesse difuso’". [21] O legislador infraconstitucional adequou o texto legal aos preceitos constitucionais fixados no art. 129, inciso III da Lei Maior, posto que ao confeccionar a Lei nº 8.078/90 (em seu art. 111) voltou a inserir no rol dos insertos nos incisos do art. 1º da Lei nº 7.347/85 quaisquer interesses difusos ou coletivos. [22]

Limitações no âmbito de utilização da ação civil pública, em detrimento do texto constitucional, foram se agregando à lei e mesmo a entendimentos jurisprudenciais. Neste particular, norma de pouca nitidez é encontrada no parágrafo único do art. 1° da lei, segundo o qual não é cabível o ajuizamento de ação civil pública para discutir pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, FGTS ou outros fundos cujos beneficiários possam ser individualmente determinados. A propósito, a controvérsia originadora do presente estudo muito deve à aludida norma, introduzida no ordenamento jurídico no dia 24 de agosto de 2001, data da publicação da Medida Provisória nº 2.1180-35/01. A interpretação histórico-contextual do surgimento da norma não permite negar seu evidente propósito: incrementar a arrecadação de tributos e evitar demandas contra o Poder Público, o que será detidamente examinado no tópico 4.3 infra. [23]

Visando conceituar a ação civil pública, destacando seus elementos caracterizadores basilares, Rodolfo de Camargo Mancuso assinala que esta se consubstancia em:

meio processual de natureza não penal, apto à instrumentação judicial dos interesses metaindividuais, socialmente relevantes, e, mesmo quando de natureza individual, desde que qualificados pela nota da indisponibilidade ou homogeneizados pela origem comum, uns e outros portados em juízo pelos co-legitimados credenciados pelo legislador como sendo "representantes adequados", atuando em caráter concorrente-disjuntivo. [24]

Valendo-se do conteúdo legal, o magistério de Hely Lopes Meirelles é no sentido de definir a ação civil pública como "o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo". [25]

Assevera ainda que a ação civil pública "não se presta a amparar direitos individuais (outros, que não delimitados ou especificados, pelo ordenamento jurídico pátrio), nem se destina à reparação de prejuízos causados a particulares pela parte, conduta, comissiva ou omissiva do réu". [26]

Vê-se portanto que a ação civil pública é um instrumento jurídico de índole eminentemente processual-instrumental [27], cujo objetivo é tutelar interesses e direitos afetos a uma coletividade de pessoas, determináveis ou não, representados em juízo por órgãos ou entidades cujas às quais a lei conferiu legitimidade para postular, sendo, contudo, à luz da Constituição, preponderante a atuação do Ministério Público, posto ser sua função institucional promover a defesa da ordem jurídica e dos interesses coletivos.

Importa destacar que as referências encontradas nas leis ordinárias, quando cotejadas com a Lei Maior, devem levar em consideração que na fonte de todas as normas, ou seja, no texto constitucional, não há limitação imposta ao parquet na amplitude de sua função institucional de promover a ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos.

Tendo em vista tal disciplina normativa, cumpre analisar conceitualmente tais direitos e interesses, passíveis de tutela por intermédio do instrumento processual em estudo.

2.2. Direitos e interesses difusos e coletivos

É bastante vasto o conteúdo dos interesses passíveis de proteção por meio da ação civil pública, em especial devido à hodierna configuração social e a atual conjuntura de amplo acesso dos direitos sociais à proteção perante o poder judiciário, conforme já asseverado.

De fato, "constitui hoje quase um truísmo a constatação de que o surgimento de uma moderna sociedade de massas está a exigir o desenvolvimento de novas formas jurídicas que superem, tanto quanto possível, o modelo processual calcado numa concepção individualista de direito subjetivo". [28]

O art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, em seu inciso I, traz a definição legal do que sejam os interesses difusos. Registra que estes são os interesses transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Com base nesta definição, pode-se afirmar que os direitos ou interesses difusos tem como principal característica o fato de serem indivisíveis e não pertencerem a pessoas determinadas (caráter da transindividualidade). Os sujeitos se encontram anelados por circunstâncias de fato, mas a natureza da controvérsia espraia efeitos tão amplos que não é possível determinar os atingidos. [29]

A indivisibilidade dos direitos ou interesses representa a impossibilidade de se proceder com sua defesa em favor de determinado sujeito, sem que as pessoas atingidas pela mesma situação se vejam beneficiadas.

O vocábulo interesse, derivado do latim ite’rese (estar entre, estar no meio, participar) apresenta-se com dois significados intrínsecos: aquilo que desperta a atenção e aquilo que é vantajoso, benéfico, proveitoso. [30] Em outras palavras, o liame subjetivo do ser ao objeto almejado, permite conceituar o interesse como marca da "completa supressão de distância entre a pessoa e a matéria e resultados de sua ação: é a união orgânica da pessoa e do objeto". [31]

A par deste primado enunciativos, o interesse grupal (interesses denominados transindividuais ou metaindividuais), do qual emergem os direitos difusos e coletivos aludidos na legislação, representa uma posição intermediária entre o interesse público e o interesse privado, posto que compartilhado por grupos, classe ou categorias de pessoas, excedendo o âmbito estritamente individual. [32]

Além de serem caracterizados pelo compartilhamento por diversos titulares individuais coligados por uma mesma relação fática ou jurídica, os interesses transindividuais, sob o ponto de vista processual, denotam a positivação do reconhecimento de que o acesso individual dos lesados ao Poder Judiciário deve ser substituído por um processo coletivo, apto a evitar decisões contraditórias e ineficientes em proveito de todo o grupo lesado. [33]

Em suma, os interesses difusos podem ser considerados como aqueles cujos interessados são indetermináveis, sendo comum a situação fática, porém indivisível o dano. São compartilhados por um grupo indeterminável de indivíduos ou por grupo "cujos integrantes são de difícil ou praticamente impossível determinação". [34]

No tocante aos interesses coletivos, estes tem sido concebidos, lato sensu, como "interesses transindividuais, de grupos, classes ou categorias de pessoas. Nessa acepção larga é que a Constituição se referiu a direitos coletivos em seu Título II, ou a interesses coletivos, em seu art. 129, III". [35] O interesse coletivo "é correntemente qualificado como sendo aquele que, ainda que indivisível, possui grau maior de identificação dos sujeitos individuais envolvidos, na medida em que estes estão unidos entre si por uma relação jurídica base." [36]

O conceito aplicado pelo legislador, no inciso II do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, aduz que interesses e direitos coletivos são transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Assim, pode-se afirmar que os direitos e interesses coletivos tem uma abrangência mais restrita, pois se exige comunhão de relação jurídica, remanescendo contudo o caráter da transindividualidade e da indivisibilidade.

Vê-se que ambos são indivisíveis, distinguindo-se quanto à origem da lesividade e pela abrangência do grupo, sendo os difusos indetermináveis, ligados for conjecturas fáticas, enquanto os coletivos referem-se a um grupo de pessoas determinadas ou determináveis, ligada pela mesma relação jurídica base. [37]

No tocante à tutela de tais direitos ou interesses, não há controvérsia acerca da legitimidade do parquet para a instauração de ação civil pública, em razão de que a norma do art. 129, inciso III, da Constituição Federal, é clara no sentido de atribuir tal função ao Ministério Público.

Ocorre que a relação tributária implica em uma relação de direitos e deveres entre o contribuinte e o Fisco, sendo o tributo, a teor da definição legal, uma prestação pecuniária compulsória. Trata-se portanto, em princípio, de uma relação obrigacional afeta ao direito de propriedade do contribuinte, tratando-se portanto de um direito individual disponível. De fato, não pode ser obrigado o contribuinte a pleitear a repetição de valores perante o Fisco. Ocorre que, conforme se verá, o Código de Defesa do Consumidor permite a tutela coletiva de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum (art. 81, inciso III).

2.3. Direitos e interesses individuais homogêneos

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o art. 21 da Lei nº 7.345, de 1985 ampliou expressamente o alcance da ação civil pública, possibilitando o seu manejo para a defesa dos direitos e interesses individuais homogêneos, operando a legitimação extraordinária do Ministério Público como substituto processual.

Como afirmado alhures, os direitos e interesses individuais homogêneos se consubstanciam em desdobramento daqueles afetos à uma coletividade [38]. Assim o são em razão de que embora possuam um nascedouro de índole individual, se destacam por serem coletivos nos efeitos e na forma de sua tutela em juízo. [39]

O mesmo art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, em seu inciso III, objetivou estabelecer um conceito legal de direitos e interesses individuais homogêneos, cujo teor aduz que são os decorrentes de origem comum.

O estudo da natureza jurídica do instituto, à luz da singela definição legal, induz à noção de se tratar de direito subjetivo individual complexo, caracterizado pelos anseios de uma determinada pessoa, comuns a um grupo de pessoas, tornado-os socialmente relevantes. [40] Diferencia-se, assim, o instituto da defesa de interesses coletivos de natureza individual homogênea do litisconsórcio a que se refere o Código de Processo Civil, posto que no segundo caso florescem direitos individuais simples de mais de uma pessoa, sem qualquer relevância social. [41]

A teor do magistério de Hugo Nigro Mazzilli, tal como ocorre com os interesses difusos, os individuais homogêneos decorrem de circunstâncias fáticas comuns, porém distinguem em razão de serem determináveis ou determinados, "e o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo" [42].

Para o autor, o parquet detém legitimidade para pleitear a tutela de interesses individuais homogêneos desde que o objeto da lide represente interesse socialmente relevante.

Em vista do caráter de relevância social dos direitos transindividuais, pode-se afirmar que, em relação aos direitos individuais homogêneos, se trata, em realidade, "de situações envolvendo direitos individuais que adquirem por lei tratamento de ação coletiva por terem uma origem comum, esse tratamento especial para direitos, que na sua essência tem natureza individual tem como fundamento a necessidade de efetivo acesso à justiça." [43]

No tocante ao aspecto patrimonial, e acerca da disponibilidade, verifica-se que "os interesses individuais homogêneos são de natureza individual, divisíveis e integrantes do patrimônio individual de cada um dos seus titulares. Portanto, podem ser transmitidos, renunciados ou transacionados livremente, salvo as exceções legais". [44]

A análise sob o espectro do sistema tributário induz a uma difícil conceituação quanto à índole dos interesses e direitos afetados por determinada matéria envolvendo tributos. A amplitude de ações tais como imposição irregular de obrigação tributária, a concessão de isenções, restrição às imunidades tributárias constitucionais, dentre tantas outras, deságuam em altercação acerca da natureza dos interesses envolvidos, posto que a noção de sistema demonstra ser o objeto indivisível (sistema econômico-financeiro-tributário), sendo habitualmente impossível identificar as pessoas ligadas pelo mesmo laço fático ou jurídico.

Devido a tal abrangência, a análise da relevância social ganha contornos diferenciados, pois a despeito da disponibilidade do direito patrimonial do contribuinte, eventual medida nesta seara pode irradiar efeitos no patrimônio público, na ordem econômica, dentre outros interesses protegidos pelo parquet e passíveis de tutela por meio de ação civil pública.

De outra banda, em que pese a amplíssima extensão social dos efeitos decorrentes de medidas adotadas no âmbito tributário, casos há em que a discussão afeta diretamente a esfera patrimonial de determinado grupo de indivíduos, sujeitos passivos tributários ou não, o que torna acirrada a discussão acerca das possibilidades de utilização da ação civil pública enquanto instrumento de defesa dos interesses coletivos, afetos à toda a sociedade ou ao contribuinte, de forma mediata ou não.

2.4. A relação jurídico-tributária

A Constituição de 1988 traz em seu bojo normas que estruturam o denominado Sistema Tributário Nacional, que nada mais é senão "um conjunto de elementos organizados de forma harmônica, formando um todo uniforme através de princípios que presidem o agrupamento desses elementos". [45]

Nestas condições, afirma-se que a base do sistema reside em normas tributárias guiadas por princípios de status constitucional, de forma que o Estado, alicerçado nestas premissas maiores, se utiliza de um conjunto de tributos para manter o seu funcionamento. Tais obrigações tributárias representam uma prestação em pecúnia, devida pelo contribuinte em caráter compulsório, eis que decorrente de lei, conforme preceitua o art. 3º do Código Tributário Nacional, in verbis:

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada

Segundo a doutrina de Ricardo Lobo Tôrres,

a relação jurídica tributária é complexa, pois abrange um conjunto de direitos e deveres do Fisco e do contribuinte. A Fazenda Pública tem o direito de exigir do contribuinte o pagamento do tributo e a prática de atos necessários a sua fiscalização e determinação; mas o dever de proteger a confiança nela depositada é pelo contribuinte. O sujeito passivo, por seu turno, tem o dever de pagar o tributo e de cumprir os encargos formais necessários à apuração de débito; mas tem o direito ao tratamento igualitário por parte da Administração e ao sigilo com relação aos atos praticados. [46]

Com relação ao contribuinte, a natureza obrigacional da relação tributária revela o caráter de disponibilidade, haja vista seu caráter patrimonial. [47]

A par desta constatação, vozes na doutrina tem defendido a impossibilidade de se inserir direitos do contribuinte no âmbito dos direitos difusos, vez que a disponibilidade da prestação pecuniária representaria óbice à verificação da transindividualidade, vez que estes, "caracterizados pela indivisibilidade, indeterminação do indivíduos e indisponibilidade (...) jamais compreenderão temas tributários, marcados pela divisibilidade, identificação do titular e disponibilidade, posto que de cunho eminentemente patrimonial".. [48]

Com fundamento nesta construção teórica, parte da doutrina tem se posicionado de forma desfavorável à legitimação do Ministério Público para a propositura de ação civil pública em que se discute matéria tributária, uma vez que o art. 127 do texto constitucional aduz que a atuação do órgão ministerial se restringe à defesa dos direitos indisponíveis.

Contudo, a controvérsia acerca da disponibilidade intrínseca à relação tributária e a conseqüente impossibilidade de se veicular ação civil pública pelo parquet (o que – ainda que de forma oblíqua – usurparia o direito de ação e de propriedade dos contribuintes), tem recebido contornos interpretativos baseados na magnitude do sistema tributário, haja vista a possibilidade de medidas em âmbito tributário implicarem em lesão ou ameaça a direito ou interesse afeto indistintamente à coletividade, conforme se passa a analisar.

2.4. A questão da disponibilidade e a relevância social

Conforme já asseverado, o Código de Defesa do Consumidor ampliou o rol de legitimados para a promoção da defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Para Vinícius Caldas da Gama e Abreu, "deve ser questionada a constitucionalidade destes dispositivos legais, que ampliam o rol de competência do Ministério Público, atribuindo-lhe a defesa judicial de direitos individuais disponíveis, quando a Constituição da República, de forma clara, limitou a atuação da instituição à defesa de "interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, "caput")". [49]

Entretanto, as funções institucionais do Ministério Público e o disposto acerca da ação civil pública no art. 129, inciso III, da Constituição, tem levado a jurisprudência a se manifestar quanto a possibilidade de tal proteção, desde que em certas circunstâncias.

Consoante a orientação dos tribunais, o conceito de direito indisponível, para efeito de autorizar a atuação do Ministério Público em sua defesa, decorre da circunstância de o interesse coletivo apresentar-se em primeiro plano, tornando-se, na perspectiva jurídica, menos relevante o interesse privado do titular em sua efetivação.

Embora, de regra, seja "desprovida de importância prática no que se refere aos efeitos de admissibilidade da ação civil pública" [50], a classificação dos interesses coletivos tem sido utilizada pela doutrina e pela jurisprudência para solucionar questões envolvendo a legitimidade do Ministério Público para propor demandas envolvendo matéria tributária.

Sempre tendo como suporte normativo o texto constitucional, a discussão reside, substancialmente, à possibilidade de se conferir legitimidade ad causam ao Ministério Público na tutela de interesses disponíveis.

A Constituição Federal esclarece que é permitido ao Ministério Público promover a defesa de interesses individuais difusos e coletivos, bem como os interesses sociais e individuais indisponíveis (arts. 127 e 129, inciso III). A par desta constatação, tem-se admitido que a legitimidade do parquet exsurge quando a defesa dos interesses atinge relevância coletiva.

Buscando discernir a atividade ministerial da própria advocacia privada, sob o ponto de vista dos efeitos econômicos da tutela, Hugo de Brito Machado [51] externa entendimento segundo o qual, para que possa haver a atuação ministerial, além de os interesses necessitarem de relevância coletiva, as cotas individualizáveis não devem ter grande expressão econômica:

Existem direitos individuais homogêneos nos quais as quotas individualizadas ou individualizáveis são de valor economicamente significativo. Os indivíduos, titulares dessas quotas, por isto mesmo são motivados a defendê-las. No caso da cobrança de um tributo inconstitucional isto geralmente acontece.

(...)

Existem, todavia, direitos individuais homogêneos que, embora tenham, globalmente, considerados, expressão econômica elevada, não são economicamente significativas as parcelas ou quotas individuais. Os titulares desses direitos, por isto mesmo, não são motivados a defendê-los individualmente.

(...)

O entendimento segundo o qual todos os direitos individuais homogêneos podem ser defendidos pelo Ministério Público leva a conclusão de que os membros do parquet podem advogar, e tal conclusão conflita flagrantemente com a norma constitucional que expressamente o proíbe. O entendimento segundo o qual somente os direitos difusos ou coletivos podem ser defendidos pelo Ministério Público deixa inúteis as normas da Constituição segundo as quais tem o parquet o dever de zelar pelo efetivo respeito aos direitos nela assegurados, e nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Judiciário.

Penso que as normas de leis ordinárias que legitimam o Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos nos casos aqui referidos, são meramente explicitantes ou exemplificativas. Aliás, a não ser assim, seriam inconstitucionais. Como a Constituição não deu, explicitamente, ao Ministério Público, tal legitimação, de duas uma: ou se entende que se trata de legitimação implícita na Constituição, e neste caso não pode ser restrita aos casos indicados em leis ordinárias, ou então ter-se-á de concluir que a mesma não está implícita na Constituição, e neste caso as leis que a conferem , como fizeram as de início referidas, são inconstitucionais.

Conclui-se, portanto, que o Ministério Público está legitimado para a defesa dos direitos individuais homogêneos que tenham duas características, a saber: a) sejam, em sua globalidade, de grande expressão coletiva e b) em suas quotas, ou parcelas, individualizadas, ou individualizáveis, sejam de valor econômico não significativo. Não, porém, para a defesa daqueles direitos cujas parcelas individualizadas ou individualizáveis sejam de porte econômico capaz de estimular a defesa, individualmente, por seus titulares. Ainda que tenham grande expressão coletiva.

Na doutrina, entendimento diverso é do eminente jurista Ives Gandra Silva Martins, para quem tão somente o titular de um direito pode dele dispor, "não podendo ser substituído por ninguém contra sua vontade, contra sua autorização, contra sua deliberação. O MP não pode dispor de direito individual de um cidadão, sem que este o autorize, razão pela qual não lhe outorgou a CF competência para proteção dos direitos individuais se não aqueles que são indisponíveis." [52]

Contudo, vale mencionar o teor da súmula nº 329 do STJ, cujo teor esclarece que "o Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa do patrimônio público". Como conciliar a pretensa vedação constitucional à proteção pelo parquet de interesses disponíveis, quando a ausência de tal proteção possa afetar interesses maiores, como o patrimônio público?

A Lei Complementar nº 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União (aplicável aos órgãos ministeriais estaduais por força do disposto no art. 80 da Lei nº 8.625/93), estabelece em seu art. 5º, que é função institucional a defesa do patrimônio social (inciso III, alínea ‘b’), ao passo que em seu art. 6º, inciso VII, alínea ‘d’, e inciso XII, que lhe incumbe a proteção de interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos, e ainda propor ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos.

Os perigos decorrentes da ampliação da legitimação do parquet na defesa dos interesses individuais homogêneos, sob o prisma da disponibilidade, é tema analisado também por Kazuo Watanabe. Este admite que os direitos disponíveis podem ser tutelados pelo parquet, desde que haja expressão coletiva, ou seja, relevância social:

Em linha de princípio somente os interesses individuais indisponíveis estão sob a proteção do parquet. Foi a relevância social da tutela a título coletivo dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador a atribuir ao Ministério Público e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda molecular. Como já ressaltado, somente a relevância social do bem jurídico tutelando ou da própria tutela coletiva poderá justificar a legitimação do Ministério Público para a propositura de ação coletiva em defesa de interesses privados disponíveis. [53]

Embora o Código de Defesa do Consumidor tenha consagrado a tutela dos interesses individuais homogêneos, os direitos individuais disponíveis já foram mencionados na legislação pátria, em especial na lei de ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores do mercado de valores mobiliários (Lei nº 7.913/89) e a lei de ação por responsabilidade por prejuízos causados aos credores por ex-administradores de instituições financeiras em liquidação ou falência (Lei nº 6.024/74).

Acerca da questão envolvendo a possibilidade de o Ministério Público propor ação civil pública com o objetivo de discutir interesses individuais homogêneos de relevância social, o Ministro do Celso de Mello, quando do julgamento do Recurso Extraordinário 472.489/RS, exarou voto cuja fundamentação possui o teor a seguir reproduzido:

A existência, na espécie, de interesse social relevante, amparável mediante ação civil pública, ainda mais se põe em evidência, quando se tem presente - considerado o contexto em causa - que os direitos individuais homogêneos ora em exame revestem-se, por efeito de sua natureza mesma, de índole eminentemente constitucional, a legitimar, desse modo, a instauração, por iniciativa do Ministério Público, de processo coletivo destinado a viabilizar a tutela jurisdicional de tais direitos. [54]

Verifica-se portanto uma tendência jurisprudencial no sentido de considerar, antes de todos os aspectos, se a questão posta atinge relevância social, ou seja, se independentemente de se tratar de direito patrimonial disponível, podem haver desdobramentos que interfiram em interesses metaindividuais de índole difusa.

Seria o caso, por exemplo, de medidas tributárias que embora atinjam determinado grupo de indivíduos, acabam por gerar lesão ao patrimônio público de forma indistinta.

Vê-se portanto uma tendência jurisprudencial no sentido de considerar, antes de todos os aspectos, se a questão posta atinge relevância social, ou seja, se independentemente de se tratar de direito patrimonial disponível, podem haver desdobramentos que interfiram em interesses metaindividuais de índole difusa.

Insta transcrever o parecer da Procuradoria-Geral da República, nos mesmos autos de Recurso Extraordinário, que em brilhante análise, expõe e defende:

Inicialmente, vale frisar ser incorreta a afirmação genérica de que o ‘Parquet’ não pode defender interesses individuais homogêneos. Tal afirmação é demasiadamente superficial. Se a defesa de tais interesses envolver relevante abrangência social, como a hipótese dos presentes autos, que trata do direito dos segurados da previdência social obterem certidão relativa ao seu tempo de serviço, deverá a ação civil pública correspondente ser intentada pela instituição. Ou seja, se, no caso concreto, a defesa coletiva de interesses transindividuais assumir importante papel social, não se poderá negar ao Ministério Público a defesa desses direitos.

(...)

Destarte, válido ainda destacar que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 129, inciso III, traz apenas as expressões ‘interesses difusos e coletivos’, pois foi em 1990, ano da edição do Código de Defesa do Consumidor, que a expressão ‘interesses individuais homogêneos’ foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, quando a Carta Magna diz ‘interesses difusos e coletivos’, na realidade, está a referir-se aos interesses transindividuais ‘lato sensu’, nos quais também estão abrangidos os ‘interesses individuais homogêneos’

Os interesses individuais homogêneos, considerados, portanto, denominação reconhecida doutrinariamente para representar os interesses afetos a um grupo de pessoas, muitas das vezes, em que pese a dita disponibilidade ou não, são circundados pelo próprio interesse coletivo, tendo em vista as repercussões econômico-sociais advindas da sua violação ou da ameaça à sua violação.

Se as opiniões dividem-se as quanto à legitimidade ministerial para defender interesses individuais homogêneos alheios ao direito do consumidor, dada a previsão legal no bojo do codex consumerista, amplia-se a discussão quando se passa a tratar da disponibilidade dos interesses individuais homogêneos, posto que estes, via de regra, seriam direitos patrimoniais disponíveis, o que configuraria vilipêndio ao art. 127, caput, da Constituição Federal.

Em fevereiro de 1995, a Egrégia Corte Cidadã externou entendimento segundo o qual "legitimidade tem o Ministério Público para a ação civil pública em prol de interesses coletivos de comunidade de pais e alunos de estabelecimento de ensino" [55], denotando assim que o norte preponderante a ser destacado pelo intérprete da norma reside na relevância social da questão afeta aos direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis.

Tal entendimento torna inevitável a verificação dos precedentes emanados no âmbito da Corte Constitucional, vez que o próprio texto constitucional, em 1988, conferiu ampla atuação ao Ministério Público enquanto guardião da ordem jurídica e dos direitos sociais, podendo exercer quaisquer funções compatíveis com esta finalidade.

Assim, por ocasião no julgamento do Recurso Extraordinário 163231-3, originário de São Paulo, restou assentado no Supremo Tribunal Federal o entendimento segundo o qual a disponibilidade dos direitos individuais homogêneos não é óbice à atuação ministerial, vez que, inegavelmente, o aumento indevido de mensalidades escolares – discussão central do aludido recurso excepcional – afeta não apenas o patrimônio dos pais de alunos, mas também o direito à educação, havendo portanto interesses transindividuais relevantes socialmente, a ensejar a atuação do órgão ministerial nos termos do texto constitucional.

Dado o relevo constitucional do direito à educação, a Suprema Corte entendeu ser legítima a atuação do parquet por meio de ação civil publica, em especial "quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em conteúdo de extrema delicadeza e significado social". (grifamos).

A decisão restou assim fundamentada:

Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, strictu sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas". "As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos". "Cuidando-se do tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido de capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em conteúdo de extrema delicadeza e significado social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. [56]

Nota-se que o legislador conferiu legitimidade in thesis ao parquet para a defesa dos interesses supraindividuais, sendo, pois, vedado ao intérprete e ao legislador infraconstitucional questionar a presença do interesse social legitimador de sua intervenção, posto que este interesse já se encontra presumido pela própria norma, podendo-se compreender que o Código de Defesa do Consumidor apenas consagrou a permissão ao Ministério Publico para o ajuizamento de ação civil publica para resguardar direitos e interesses inerentes coletivos, difusos ou individuais homogêneos, não apenas em matérias relativas às relações consumidor-fornecedor, mas a qualquer seara jurídica afeta a interesses supraindividuais. [57]

Constata-se, enfim, que o Ministério Público, assim considerado o órgão incumbido da missão de ser o guardião do Estado Democrático de Direito, detém legitimidade decorrente do texto constitucional para proteger interesses metaindividuais mesmo que disponíveis, posto que a defesa ou não destes, ainda que integrem a esfera de disponibilidade dos cidadãos, importam muitas das vezes em intensa repercussão social.

A observância de princípios constitucionais atinentes aos tributos, tais como a legalidade, a progressividade sobre a propriedade territorial urbana ou rural, a não-cumulatividade, o não-confisco e a não-surpresa, dentre tantos outros, irradiam efeitos em toda a coletividade. Neste ponto reside a controvérsia acerca da possibilidade de se manejar ação civil pública para discutir questões afetas à seara tributária.

Com efeito, as regras constitucionais que limitam o poder de tributar consubstanciam-se em verdadeiro feixe de direitos fundamentais dos cidadãos, vez que tratam desde questões relativas à imposição tributária pelo Estado até os poderes tributárias e as consequentes garantias dos cidadãos-contribuintes perante estes poderes.

Importa destacar as limitações constitucionalmente insculpidas, em especial nos arts. 150 e 151 da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Art. 151. É vedado à União:

I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

II - tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes;

III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Assim, a título exemplificativo, consideremos a hipótese de determinado Estado aumentar tributo de sua competência, tal como o de circulação de mercadorias, de forma ilícita, em ofensa ao princípio da anterioridade. Tome-se ainda como exemplo situação em que determinado Município exija imposto de sua competência sobre templos de determinado culto.

Inevitavelmente a adoção de medidas contrárias à lei afetaria não somente os indivíduos diretamente atingidos, tais como as empresas sediadas no território do Estado, no primeiro caso, e os frequentadores de determinado culto religioso.

A lesão ou a ameaça a lesão afetaria indistintamente a todos os consumidores de artefatos produzidos no determinado Estado, posto que a medida elevaria abruptamente os preços de produtos ali confeccionados e consumidos. A própria liberdade de culto, na segunda hipótese, seria o interesse vilipendiado pelo ato de âmbito municipal, a interferir indistintamente nos interesses supraindividuais da comunidade ali localizada.


3. A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal e a lei da ação civil pública impõem ao Ministério Público o dever de atuar na defesa dos interesses da sociedade, refletindo assim o cerne do órgão, qual seja, a promoção do estado democrático de direito e a luta contra violações aos direitos dos cidadãos por parte do Estado. De fato, a legitimação conferida ao Ministério Público para a propositura de ação civil pública encontra diversas vantagens, dentre as quais a sua estrutura de abrangência nacional e o compromisso da instituição com o interessa da comunidade, haja vista a sua missão de defender o interesse social. [58]

Por seu turno, o art. 6º do Código Processo Civil estabelece que a ninguém é dado pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

Nelson Nery Júnior, em seu curso de direito processual civil, assevera que os "legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão." [59]

Vê-se portanto que ao parquet foi conferida legitimidade por força de lei, para propor ação judicial visando defender interesses metaindiviuais.

Trata-se de legitimação extraordinária, exercida mediante o "comparecimento em juízo de pessoa que, atuando em nome próprio, pleiteia direito alheio, legalmente autorizado". [60]

A legitimação extraordinária é caracterizada pela ausência de coincidência entre o legitimado e a titularidade da relação jurídica de direito material, a atribuição da ação a quem não detém titularidade do direito material, a atuação em nome de outrem, a defesa de direito material alheio e a dependência de autorização legal. [61]

O legislador, ao confeccionar os moldes legais da ação civil pública, permitiu a órgãos estatais a defesa de interesses referentes a toda uma coletividade, e, no caso do Ministério Público, lhe cominou legitimação ordinária para a promoção da defesa dos interesses metaindividuais, tratando-se de exercício de função atribuída de forma expressa e inequívoca pelo legislador constituinte.

Acerca da matéria, Hugo Nigro Mazzilli entende se tratar de caso de legitimação extraordinária, cujo sistema fora "concebido justamente para permitir que indivíduos, fragmentariamente lesados pela violação de direitos, sejam substituídos no pólo ativo de um único processo coletivo por um legitimado ativo" [62].

3.1. Status constitucional da legitimação

A Constituição Federal de 1988, tida como a "Constituição Cidadã", insculpiu em seu art. 127 o perfil constitucional do Ministério Público, lhe conferindo status de instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, atribuindo-lhe o dever de promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A atuação do parquet no âmbito cível se dá enquanto órgão interveniente na qualidade de custos legis ou órgão agente, caso da ação civil pública visando defender interesses transindividuais.

A par do princípio dispositivo, as características inerentes ao órgão ministerial tornam aplicáveis os princípios da taxatividade e da indisponibilidade da sua atuação, quando verificadas lesões ou ameaças a direitos e interesses da coletividade, devendo a legitimação constitucional ser interpretada de maneira ampla. Apesar do disposto no art. 129, inciso II, da Constituição, não há legitimidade exclusiva do parquet para a propositura da ação civil pública, mas há a necessidade de que o órgão atue como interveniente.

Com base nas verificações indicadas, pode-se advogar a tese segundo a qual a Constituição conferiu ampla liberdade de atuação para o Ministério Público na defesa do patrimônio público e da ordem jurídica, de forma que interesses e direitos metaindividuais, sejam difusos e coletivos ou individuais homogêneos, são plausíveis de serem tutelados mediante legitimação extraordinária para defender interesses individuais homogêneos disponíveis nas estritas hipóteses de expressão e relevância social afetas às atribuições constitucionais lhe cominadas.

Examinando a legitimação para agir sob o ponto de vista do direito público, Piero Calamandrei aponta o dever de ofício decorrente da legitimação conferida pelo Estado por intermédio do texto constitucional:

como entre os poderes de disposição está compreendido também o poder de invocar a garantia jurisdicional, a distinção entre direito privado e direito público no campo substancial se projeta no processo através da legitimação para agir: e, se tem, em consequencia, ação privada quando o poder de provocar o exercício da jurisdição está reservado de um modo exclusivo ao titular do interesse individual que a norma jurídica protege, e ação pública quando tal poder é confiado pelo Estado a um órgão público especial, que age, independente de qualquer estímulo privado, por dever de ofício. [63]

Nestas condições, a função ministerial de promover a defesa dos interesses da coletividade, da ordem jurídica, da ordem econômica e dos interesses difusos indisponíveis, cria uma amplitude de atuação, de modo que as medidas tributárias, inseridos no macrossistema da ordem econômica e financeira, formam linhas que jamais podem ser vistas como paralelas. Em outras palavras, o direito ou interesse afeto à seara tributária atinge de forma imediata o contribuinte – titular do direito –, mas afeta também, de forma mediata, toda a sociedade de forma indistinta, haja vista que o sistema tributário se anela intimamente ao sistema financeiro.

Os princípios – a partir da nova ordem constitucional pós-positiva –, tem como papel resguardar os direitos individuais e coletivos lhe inerentes, insculpidos até mesmo na defesa da ordem econômica (art. 170 da Constituição da República). Por tal motivo, o nível constitucional dado à legitimidade ministerial encontra respaldo no próprio interesse social envolvido na defesa dos direitos fundamentais, base maior de toda a legislação infraconstitucional.


4. A PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Repisando, a regra constitucional preconiza que compete ao Ministério Público a garantia da ordem social, consagrando assim o campo de atuação do Ministério Público. O interesse público é, portanto, o norte da atuação ministerial. No exercício deste mister, diversas vezes esteve o parquet a instaurar ações civis públicas cujo objeto versa acerca de tributos, seja para proteger direitos transindividuais atinentes à cobrança de impostos ou taxas ilegais, seja no que diz respeito ou mesmo na defesa do patrimônio público afetado por termos de acordo de regime especial de tributação, dentre outras situações analisadas no tópico subsequente.

Destacando o interesse público que deve revestir a ação civil pública, Edis Milaré conceitua-na como "o direito expresso em lei de fazer atuar, na esfera cível, em nome do interesse público, a função jurisdicional. [64]

Não obstante a imperatividade das normas constitucionais, a atuação do parquet nas questões envolvendo tributos tem sido controvertida, sendo notório que há oscilação na jurisprudência e que ainda não foi plenamente assimilado o teor do art. 1º, parágrafo único, da lei da ação civil pública (introduzido por intermédio de uma medida provisória).

A este propósito, em que pese o desenvolvimento das instituições sociais e do Estado Democrático de Direito, Ada Pelegrini Grinover destaca como "nota dissonante, nesse cenário, a atitude do governo, que tem utilizado Medias Provisórias para inverter a situação, com investidas contra a Ação Civil Pública, tentando diminuir sua eficácia, limitar o acesso à justiça, frustrar o momento associativo, reduzir o papel do Poder Judiciário. [65]

Como asseverado alhures, o Ministério Público tem conferida a legitimidade ativa na tutela dos direitos e interesses coletivos – aí incluídos os direitos individuais homogêneos – sempre que houver interesses materiais discutidos que tornem a questão socialmente relevante.

A despeito disto, as discussões acerca da questão quase que inevitavelmente passam pelo tema da defesa dos interesses dos contribuintes enquanto coletividade. Conforme já explanado, o fato de ser divisível e individualizável o interesse do contribuinte tem levado muitos à conclusão de que inexiste legitimidade ativa do Ministério Público para discutir questões afetas aos contribuintes. O caráter patrimonial do ônus tributário e a sua disponibilidade tem sido apontados como fatores impeditivos da atuação ministerial.

Como já ressaltado, o fato de a ampliação do âmbito de alcance da ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos encontrar-se inserta no Código de Defesa do Consumidor, é também utilizado como argumento para flexibilizar a atuação do parquet nesta esfera, posto que "a relação jurídico-tributária não constitui relação de consumo, de modo a permitir a utilização dos mecanismos de defesa do consumidor para se questionar a constitucionalidade de tributo" [66].

Corroborando este entendimento restritivo, o Supremo Tribunal Federal, no ano de 1999, chegou mesmo a exarar entendimento segundo o qual a defesa dos interesses supraindividuais dos contribuintes não se amolda às categorias de interesses difusos, coletivos, nem mesmo aos individuais homogêneos.

A ação fora proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná, visando impugnar a cobrança e restituir valores indevidamente cobrados a título de Imposto de Propriedade Territorial Urbana no município de Umuarama. Ao final, a egrégia Corte Constitucional entendeu pela ilegitimidade do órgão. É o que se infere da ementa que abaixo se reproduz:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE.

Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III.

I. - A ação civil pública presta-se a defesa de direitos individuais homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25.

II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III.

III. - O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança e pleitear a restituição de imposto - no caso o IPTU - pago indevidamente, nem essa ação seria cabível, dado que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) uma relação de consumo (Lei 7.374/85, art. 1º, II, art. 21, redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25, IV; C.F., art. 129, III), nem seria possível identificar o direito do contribuinte com "interesses sociais e individuais indisponíveis." (C.F., art. 127, caput).

IV. - R.E. não conhecido. [67]

Quando do julgamento do aludido Recurso Extraordinário, o eminente Ministro Marco Aurélio de Mello externou sua discordância para com a decisão acima. Em suma, a decisão considera que não cabe a defesa de interesses individuais homogêneos por meio de ação civil pública, posto inexistir relação de consumo entre sujeito ativo e passivo de tributo.

No entendimento de Marco Aurélio de Mello, a interpretação sistemática da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 75/93 induzem à idéia de que não há fundamentação plausível para não se considerar que a cobrança irregular de tributo não tenha pertinência a direitos supraindividuais.

O teor de seu brilhante voto possui a seguinte fundamentação:

Senhor Presidente, faço uma outra leitura do disposto no inciso III do artigo 129 da Constituição Federal:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Essa cláusula final, sob a minha óptica, revela que o preceito não é taxativo, não é numerus clausus. Além da proteção ao patrimônio publico, social e, também, ao meio ambiente, podemos ter outros interesses alcançados, desde que difusos e coletivos. Por outro lado, o artigo 127, ao dispor sobre a atuação do Ministério Publico na defesa dos direitos e interesses sociais e individuais indisponíveis, alberga os homogêneos.

O código de Defesa do Consumidor acabou por explicitar uma espécie de interesses compreendida no gênero coletivo. Refiro-me aos interesses individuais homogêneos. Ora, na espécie dos autos, trata-se de interesses individual homogêneo? A resposta, para mim, é desenganadamente positiva, porque a ação foi intentada objetivando beneficiar todos os contribuintes de um município. O interesses social salta aos olhos, considerada a globalidade dos que residem no município, valendo notar a natureza publica da relação jurídica tributaria.

Na espécie, tem-se o interesse social, um predicado que direciona à conclusão do envolvimento de interesses individuais homogêneos, que é justamente o aspecto social.

Estou lembrado de uma hipótese, que não diria mais ou menos favorável do que a retratada nestes autos, na qual o Plenário concluiu no sentido de reconhecer a legitimidade do Ministério Publico. Aludo ao problema das mensalidades escolares. Caminhamos nesse sentido, dando uma interpretação, portanto, teleológica ao inciso III do artigo 129 da Constituição Federal, considerada a repercussão no tecido social, ou seja, o interesse abrangente dos cidadãos.

O Ministro Ilmar Galvão menciona a inibição – eu diria a acomodação – dos contribuintes quanto ao acesso ao Judiciário para reclamar, relativamente a tributo, lesão ou ameaça de lesão a direito. Isso é uma constante, porque o cidadão geralmente aquilata os aspectos negativos e positivos da ação, considerados os aborrecimentos que tem e as despesas, no que precisa contratar um profissional da advocacia. Esperar-se que cada qual, residente no Município de Umuarama, ajuíze a ação para impugnar a majoração do tributo tida como ilegal é simplesmente assentar-se que não teremos tal ajuizamento.

Chegou ao meu conhecimento, certa vez, discutindo-se a constitucionalidade ou não de um diploma que majorava ou introduzia tributo, indagou-se a percentagem, e seria essa a expressão, "a percentagem de inconstitucionalidade", a qual estaria norteada não pelo teor da norma em cotejo com a Carta da República, mas pelo numero de cidadãos que, de regra, vêem no acesso ao Judiciário, o exercício de um direito inerente à cidadania e formalizam a irresignação para vê-la aplicada pelo Judiciário.

Senhor Presidente, conforme parecer da Procuradoria-Geral da República – pelo menos não estou sozinho nessa óptica, estou com um fiscal da lei -, Hugo Nigro Mazzilli, ao discorrer sobre essa mesma matéria, a legitimidade do Ministério Público, asseverou:

No caso de ajuizamento visando a obter a devolução de tributos ilegalmente retidos ou recolhidos de milhares ou milhões de contribuintes (...), negar o interesse da sociedade como um todo na solução deste litígios e exigir que cada lesado comparecesse a juízo em defesa de seus interesses individuais, seria negar os fundamento e os objetivos da ação coletiva ou da ação civil publica. (op. Cit., p.80).

Acrescentaria: isto para não se falar em verdadeira reserva de mercado.

Há outro aspecto a respaldar a conclusão sobre a legitimidade em foco. Viabiliza a desburocratização do Judiciário, concentrando pretensões em um único processo, alem de implicar freio à fúria arrecadadora do Estado. Sob o ângulo negativo, não vejo qualquer inconveniente na iniciativa do Ministério Publico.

Por ultimo, atente-se para a Lei Complementar regedora da atividade do Ministério Publico – Lei Complementar nº 75/93. O artigo 5º, inciso II, impõe-lhe zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos ao sistema tributário e entre eles estão as limitações ao poder de tributar. Cumpre ao Judiciário agasalhar as iniciativas voltadas ao restabelecimento da paz social, ao equilíbrio das relações Estado-cidadão, viabilizando, até mesmo, o melhor funcionamento da grande máquina que encerra.

Peço vênia àqueles que entendem de forma diversa para conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma em que colocado, endossando, portanto, a manifestação do Ministério Publico Federal.

É o meu voto.

No mesmo ano, o órgão Pleno do mesmo Supremo Tribunal Federal veio a externar entendimento segundo o qual o Ministério Público deteria legitimidade para defender interesses difusos, mas não aqueles "de grupo ou classe de pessoas, sujeitos passivos de uma exigência tributária cuja impugnação, por isso, só pode ser promovida por eles próprios, de forma individual ou coletiva". [68]

Verifica-se, portanto, que mesmo tendo a própria Constituição assegurado o direito ao acesso coletivo à jurisdição, inclusive por meio de ação civil pública para a defesa de quaisquer interesses transindividuais, parte dos estudiosos passou a entender alguns que as lesões a contribuintes "não poderiam ser objeto de discussão em ação civil pública, por não envolverem consumidores, como se, após a integração da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, já não tivesse ficado claro que o sistema de tutela coletiva abrange a defesa de quaisquer interesses transindividuais, e não apenas aqueles ligados à relação de consumo". [69]

Os contornos constitucionais da legitimidade atribuída ao órgão ministerial não permitem que tal interpretação restritiva seja unânime na doutrina e na jurisprudência, e, ainda que assim se considerasse, há que se ter em mente que a ação civil pública envolvendo tributos não necessariamente estará a tratar de defesa coletiva de contribuintes individualizáveis, vez que, frise-se, há uma vasta gama de interesses e direitos inerentes ao sistema tributário, que, em última análise, encontram-se interligados à economia e às finanças, a implicar na inexorável conclusão de que medidas em matéria tributária constantemente afetam interesses difusos.

O sistema de ações coletivas estabelecido na legislação pátria, pelo qual alguns co-legitimados podem, em uma única ação de índole coletiva, obter a decisão sobre a existência ou não de um direito pertinente a todo um grupo de pessoa, foi elaborado com o propósito de evitar que inúmeras ações individuais viessem a abarrotar os órgãos do Poder Judiciário, demorando décadas para serem julgadas e recebendo decisões divergentes, o que culminaria com o desprestígio da Justiça e mesmo o abandono do direito. [70]

Em defesa da aplicação irrestrita da norma constitucional, a despeito da disponibilidade ou não dos direitos discutidos, Walter Nunes da Silva Junior assevera:

Não importa se o direito é disponível, ou não. Basta que ele seja difuso, coletivo ou individual homogêneo. Não procede, penso, o entendimento, preservado por parte da doutrina, segundo o qual o Ministério Público não teria legitimidade para defender direitos individuais homogêneos disponíveis, uma vez que a Constituição, no art. 127, caput, restringiu a atuação do Ministério Público à defesa dos direitos ali especificados, sendo vedado ao legislador infraconstitucional ampliar as hipóteses.

Ora, a norma insculpida no caput do art. 127 da Carta Política preceitua garantia de ordem social, devendo, por conseguinte, de acordo com regra de hermenêutica adotada em nossa ordem jurídica, ser interpretada de forma extensiva, cabendo ao exegeta entender que se trata de campo de atuação mínima do Ministério Público, sendo permitido ao legislador subconstitucional, desde que não caracterize desvirtuamento dos fins institucionais do órgão estatal em referência, estender a sua área de ação em defesa de interesses da sociedade. [71]

A repercussão das questões tributárias na ordem econômica são apontadas por Walter Barral como elemento ensejador da atuação ministerial, posto ser "

perceptível, na configuração sócio-institucional contemporânea, a mescla de interesses entre o Ministério Público e a população local. Inconcebível, a partir daí, imaginar-se que poderia seu representante permanecer inerte face à violação de interesses de toda a comunidade. Interesses que, embora, fluidos, se substanciam numa ordem econômica estável. [72]

Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho, as questões de ordem pública e privada se mesclam na seara econômico-financeiro-tributária, vez que são conglobantes as linhas mestras dos sistemas componentes destas esferas de atuação estatal:

surpreendido no seu significado de base, o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema. [73]

Assim, evidencia-se que as questões envolvendo tributos ganham relevo, em especial devido ao fato de que os princípios gerais do sistema tributário nacional interferem diretamente nos interesses sociais de compleição supraindividual.

Dada a complexidade do sistema econômico-tributário, mesmo as violações sensíveis aos preceitos tributários, acabam por interferir na esfera econômica dos demais entes federativos, transpassando a esfera dos interesses individuais disponíveis e divisíveis.

Ainda à luz do magistério de Paulo de Barros Carvalho, ao compor o estrato da Constituição, infere-se que "o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes".

Assim sendo, à luz do amplíssimo plexo de atribuições constitucionais, conclui-se que a Constituição Federal estabeleceu propriamente um subsistema constitucional tributário, em cuja essência encontram-se protegidos interesses transindividuais fundamentais de índole social, afetos a toda coletividade, servindo se barreira para a livre atuação do Estado.

4.1. Exegese do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85

Com o advento da conversão da Medida Provisória n° 2.180-35/01em lei, restou manifesto o intuito do Estado no sentido de evitar que discussões acerca de tributos fossem levadas ao Judiciário no bojo de uma ação civil pública. De fato, a situação econômica da época em que editada era propícia para que Estado se resguardasse de meios que lhe impedissem de sofrer as consequencias processuais típicas das ações civis públicas.

De acordo com o aludido parágrafo único, "não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados".

Como bem asseverou Hugo Nigro Mazzilli, inobstante a clara dicção constitucional "que assegura que a tutela coletiva é um direito fundamental, e caberá em quaisquer interesses difusos e coletivos, lato sensu, o governo federal não teve pejo em, mais uma vez, abusando da edição de medidas provisórias, buscar evitar ou impedir exatamente o acesso coletivo à jurisdição, em matérias que poderiam voltar-se contra o interesse público secundário (visto pelo ângulo da Administração)." [74]

Forte neste entendimento, Cínthia Theresinha Mua destaca que a intersubjetividade do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana restou afetado pela medida restritiva advinda de uma Medida Provisória.

De acordo com seu entendimento,

barrar a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos por meio da ação civil pública, instrumento ordinário da atuação ministerial na provocação do Estado-Juiz, é ignorar a intersubjetividade da dignidade da pessoa humana, inibindo que desalinhos sejam coibidos eficientemente, e não apenas nos limites de múltiplas ações individuais, a produzir mudos efeitos, desproporcionalmente acanhados para colmatar lesões provenientes de acidentes de coletivização, que imputam reverberações no tecido social muito mais amplas que a mera afetação da órbita singular dos diretamente envolvidos, que, aliás, sequer são conhecidos, e por isso são tratados como coletividade abstrata, só cognoscíveis subjetivamente na executio. Impor a pulverização de ações em hipóteses tais é assegurar apenas formalmente o acesso à jurisdição, pressupondo que todos os titulares das pretensões individuais estejam em condições de superar as barreiras e lutar por seus direitos. [75]

Ainda de acordo com Hugo Nigro Mazzilli, ao ilustrar a atitude tomada pelo governante, a medida é semelhante à do pai que entrega com uma mão para tirar com a a outra, pois como a Constituição e as leis instituíram um sistema de defesa de direitos e interesses metaindividuais, e tal sistema pode ser usado contra o governo, criou-se mecanismo para impedir o seu funcionamento. [76]

De fato, o novel texto legal atingiu no âmago a defesa coletiva dos interesses da coletividade, tornando a situação mais confortável para o Estado, posto que o cidadão ou contribuinte se veria às voltas com problema que, embora afeto a todo o seu grupo de indivíduos, haveria de ser resolvido mediante ingresso em juízo com a contratação de advogado, com todos os consectários desgastantes decorrentes de tal medida.

Contudo, o teor normativo do parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, além de permitir dúbias interpretações, encontra-se dissonante e limitativo do texto constitucional que lhe informa.

Primeiramente, ao dispor que não se pode discutir matéria relativa a tributos, esteve a norma a criar limitação extremamente ampla, o que se distancia das normas superiores já analisadas à exaustão. Isto pelo fato de que, se a intenção do legislador era – como de fato é – de golpear a facilitação da defesa do contribuinte em juízo, este esteve por outro lado a possibilitar discussões acerca da legitimidade para discutir danos aos demais interesses expostos na Lei nº 7.347/85 quando estes envolvam tributos, posto que a amplitude da dicção "envolver tributos" pode abranger universo não almejado pela lei.

Ainda, verifica-se que houve uma tentativa de delimitar tal dicção normativa, a ponto de se considerar que não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvem tributos "cujos beneficiários podem ser individualmente determinados".(grifamos)

Contudo, tal como explanado alhures, os beneficiários de decisões proferidas em sede de ação civil pública envolvendo tributos, em verdade, são no mais das vezes indetermináveis e indivisíveis, dado o já mencionado caráter sistêmico-conglobante das esferas econômica, financeira e tributária.

Tal alteração legislativa não corresponde com o entendimento que até então se exarava no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Até o surgimento da Medida Provisória nº 2.180-35/01, o entendimento consolidado na Segunda Turma da Corte Cidadã era no sentido de admitir que "a soma dos interesses múltiplos dos contribuintes constitui o interesse transindividual, que possui dimensão coletiva, tornando-se público e indisponível, apto a legitimar o Parquet a velá-lo em juízo". [77]

Asseveram doutrinadores do quilate de Welber Barral e Hugo Mazzilli que tal entendimento encontra-se consonante com a Lei Maior, não senso plausível admitir sua revogação a pretexto de se atender a uma lei ordinária federal, especial por ter sido editada em contexto que torna escancarado o seu objetivo escuso sob o ponto de vista da ordem jurídica constitucionalmente estabelecida.

Assim, à luz das regras constitucionais norteadoras, exsurge o entendimento segundo o qual a legitimidade do parquet não se circunscreve apenas aos direitos individuais homogêneos expressos na legislação, como acontece no Estatuto do Idoso, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código de Defesa do Consumidor, na defesa dos investidores do mercado de valores imobiliários (Lei nº 7.913/89) ou dos credores de instituições financeiras em regime de liquidação extrajudicial (Lei nº 6.024/74).

Exarando juízo pelo qual entende que se encontra afetada por inconstitucionalidade a aludida norma, Cínthia Theresinha Mua assevera que

manietar a ação do Órgão a este viés – autorização da legislação infraconstitucional – subverte a ordem axiológica do sistema e esbarra na sua conhecida e intrínseca incompletude. É a casuística, e não os iluminados, que fará colorir a legitimidade do Parquet ora telada, sua matriz estará sempre correlacionada ao precípuo papel que lhe confiou o Constituinte originário --- guardião da democracia substancial. Por isso, a fonte da legitimidade é mais altiva e independe da benevolência do legislador ordinário.

(...)

Não é razoável conferir interpretação restritiva à dicção abrangente do Constituinte originário, manietando o Órgão-Agente de seu mister, ceifando garantias constitucionais211 ao pleno exercício da cidadania, com escopo na maior aproximação possível do Estado histórico ao Estado idealizado no Documento Maior, que pressupõe e almeja a concreção da democracia substancial. [78]

A restrição encontra eco na doutrina no que atine à impossibilidade de se utilizar a ação civil pública como via oblíqua para o controle de constitucionalidade da norma em seara tributária.

Ainda de acordo com o magistério de Cínthia Theresinha Mua,

No seio do Colendo Superior Tribunal de Justiça a questão apresentava-se dicotomizada. Num primeiro flanco, o entendimento de que mesmo consolidada a lesão aos interesses individuais homogêneos em matéria tributária, a ação civil pública não poderá cotejar o exame da inconstitucionalidade da lei instituidora, sequer incidentalmente, porquanto tal prática representaria via obliqua de controle concentrado de constitucionalidade (REsp 169602/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, j. 16/08/2001, DJU 08/10/2001, p. 191).

No pólo oposto, a consagração do remédio como idôneo para tal fim, entendendo "(...)lícita a argüição incidental de inconstitucionalidade de norma tributária em sede de Ação Civil Pública, porquanto nesses casos a questão da ofensa à Carta Federal tem natureza "prejudicial", sobre a qual não repousa o manto da coisa julgada" (REsp 478944/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, j. 02-09-2003, DJ 29-09-2003, p. 153, unânime).

Assim, defende a autora que nada impede que a ação civil pública tenha por base uma inconstitucionalidade, a ser argüida pela via difusa. Conquanto tenha a ação civil pública o objetivo peculiar de defender direitos constitucionalmente tutelados, enquanto a declaração de inconstitucionalidade por via de ação é a retirada da lei do ordenamento jurídico, dada a sua eficácia erga omnes, a inconstitucionalidade de uma norma, quando reconhecida no bojo de uma ação civil pública, torna impossível a sua produção de efeitos, mas não a sua retirada do mundo jurídico. [79]

Partindo-se de uma análise sistêmica das normas legais e constitucionais, pode-se argumentar que questões tributárias cuja propagação de efeitos irradiam por todas as entranhas sociais, não encontram efetivo óbice legal para que sejam discutidas no âmbito de uma ação civil pública, frustram as funções institucionais do parquet.

Neste sentido leciona Antonio Souza Prudente:

De ver-se, assim, que, em matéria tributária, os interesses individuais homogêneos, legalmente definidos, como aqueles decorrentes de origem comum, uma vez agredidos, coletivamente, em seu núcleo originário (hipótese de incidência tributária e conseqüente fato gerador, de natureza homogênea, a gestar obrigações tributárias e resultantes interesses individuais também homogêneos), sofrem, por força do impacto agressor, o fenômeno da atomização processual, em defesa de interesse coletivo e social, relevantes a legitimar a pronta atuação do Ministério Público, na linha de determinação institucional dos arts. 127, caput e 129, III, da Constituição da República, traduzidos nas disposições dos arts. 5º, II, a e 6º, incisos VII, a e d e XII, da Lei Complementar n.º 75/93, mediante as garantias instrumentais da Ação Civil Pública, evitando, assim, a pulverização dos litígios, com o conseqüente acúmulo de feitos judiciais, nos Tribunais do País, nessa seara histórica de abusos tributários, onde o contribuinte, individualmente considerado, sem recursos e órfão da assistência judiciária do Estado, queda-se inerte e vitimado, sem qualquer defesa, ante a brutal arrogância do Fisco.

(...)

Com o devido respeito às opiniões contrárias, entendo que a única interpretação válida, nesse contexto, é aquela que brota do tecido constitucional e se mantém fiel e conforme a Constituição, no corpo da normativa legal, a ponto de não frustrar a vocação institucional do Ministério Público, essencial à função jurisdicional do Estado, feito guardião da ordem jurídica, do regime democrático, do sistema tributário nacional e dos interesses individuais homogêneos, coletivos e sociais, no espaço tributário. A hermenêutica gestada nas entranhas da legislação ordinária, sem força bastante para alcançar os comandos constitucionais em referência, afigura-se insuficiente à garantia plena dos direitos do contribuinte e da Justiça tributária, no Estado democrático de direito. [80]

Nesta toada, reconhecida a legitimidade do Ministério Público para a defesa mediata dos interesses individuais homogêneos em matéria tributária, e a discussão acerca de possível ofensa ao texto constitucional perpetrada pela dicção do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, certo é que não necessariamente se estará a falar em defesa de determinado grupo de contribuintes e de seus respectivos direitos e interesses individuais disponíveis, posto ser inderrogável que o interesse público que alimenta a atuação do órgão ministerial, visando o interesse difuso da preservação e da "consolidação da liberdade negativa de quaisquer dos cidadãos da República, estejam eles agrupados em feixes identificáveis ou não, também poderá municiar ações ministeriais na busca de recursos legítimos que, por omissão de dados agentes públicos, não estejam aportando ao Erário, prejudicando o financiamento das políticas públicas que colorirão de eficácia os direitos prestacionais". [81]

4.2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores

A acirrada discussão acerca da matéria não encontra unanimidade nos Tribunais pátrios. Como dito alhures, a menção genérica à vedação de questões que "envolvam tributos", levou o Recurso Extraordinário nº 576.155/DF, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, a ganhar status de repercussão geral. No aludido recurso excepcional, o ponto central de discussão reside na legitimidade do Ministério Público do Distrito Federal para a propositura de ação civil pública, objetivando a cassação de termo firmado entre o Governo do Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal.

No recurso extraordinário, em trâmite, a discussão cinge-se a decidir se o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública visando anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE firmado entre o Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal, ao argumento de que a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal teria desrespeitado os ditames de um Decreto regulamentar, determinando percentuais de crédito fixos para diversos produtos, reduzindo assim a arrecadação de ICMS do ente federativo. Em suma, o Termo de Acordo teria causado prejuízo mensal ao ente variável entre 2,5% a 4%, nas saídas interestaduais, e de 1% a 4,5%, nas saídas internas.

A questão posta, quando analisada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, foi no sentido de inadmitir a possibilidade de veiculação de matéria atinente a tributos em sede de ação civil pública com base na determinação trazida pela Medida Provisória 2.180-35/01, o que se denota da análise da ementa infra:

EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANULAÇÃO DE TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL - TARE FIRMADO PELO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL E CONTRIBUINTE. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA.

(...)

O tema controverso é, particularmente, de natureza essencialmente tributária. A apuração de eventual irregularidade no acordo fiscal ajustado pelo Distrito Federal com a empresa contribuinte, seja no aspecto de autorização legal, seja no atinente aos benefícios ou prejuízos sociais produzidos, remete ao necessário exame da estrutura e da política tributária empreendida pela Fazenda Pública local, em face, inclusive, de outras unidades da Federação, por se tratar de ICMS.

3. É caso de conflito legal de natureza tributária, situação que, na espécie, torna manifesta a ilegitimidade ativa do Ministério Público para a causa, conforme estabelecido no art. 1º da Lei nº 7.347/85.

(REsp 701.913/DF, Rel. Min. José Delgado, DJU de 27.08.2007)

(grifamos)

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, verifica-se divergência de posicionamentos. O Relator do recurso, Ministro Ricardo Lewandowski, deu provimento ao recurso do parquet do Distrito Federal, entendendo que a questão posta, embora envolva tributos, remete à defesa do patrimônio público, havendo portanto a veiculação de interesses metaindividuais aptos a ensejar a proposição de ação civil pública pelo órgão ministerial, o que se infere do teor exposto no Informativo de jurisprudência nº 545, de 04 a 08 de maio de 2009, do Supremo Tribunal Federal, cujo teor se transcreve abaixo:

Preliminarmente, o Tribunal indeferiu o pedido de adiamento do julgamento. Quanto ao mérito, o Min. Ricardo Lewandowski, relator, deu provimento ao recurso. Entendeu que a ação civil pública ajuizada contra o citado TARE não estaria limitada à proteção de interesse individual, mas abrangeria interesses metaindividuais, pois o referido acordo, ao beneficiar uma empresa privada e garantir-lhe o regime especial de apuração do ICMS, poderia, em tese, implicar lesão ao patrimônio público, fato que, por si só, legitimaria a atuação do parquet, tendo em conta, sobretudo, as condições nas quais foi celebrado ou executado esse acordo (CF, art. 129, III). Reportou-se, em seguida, à orientação firmada pela Corte em diversos precedentes no sentido da legitimidade do Ministério Público para ajuizar ações civis públicas em defesa de interesses metaindividuais, do erário e do patrimônio público. Asseverou não ser possível aplicar, ao caso, o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, que veda que o Ministério Público proponha ações civis públicas para veicular pretensões relativas a matérias tributárias individualizáveis, visto que a ação civil pública, na espécie, não teria sido ajuizada para proteger direito de determinado contribuinte, mas para defender o interesse mais amplo de todos os cidadãos do Distrito Federal, no que respeita à integridade do erário e à higidez do processo de arrecadação tributária, o qual apresenta natureza manifestamente metaindividual. No ponto, ressaltou que, ao veicular, em juízo, a ilegalidade do acordo que concede regime tributário especial à certa empresa, bem como a omissão do Subsecretário da Receita do DF no que respeita à apuração do imposto devido, a partir do exame da escrituração do contribuinte beneficiado, o parquet teria agido em defesa do patrimônio público.

RE 576155/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.5.2009. (RE-576155). [82]

Por seu turno, o saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito entendeu que os beneficiários da medida são individualmente determinados, de forma que veicular pretensões envolvendo tributos esbarraria na proibição prevista no parágrafo único do art. 1º da lei de ação civil pública, no que foi acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Cármen Lúcia. É o que se denota da reprodução infra:

Em divergência, o Min. Menezes Direito desproveu o recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia e Eros Grau. Inicialmente, rejeitou a preliminar argüida pela defesa da empresa recorrida no que concerne ao conhecimento do recurso extraordinário, por tratar-se de matéria eminentemente infraconstitucional, ou seja, em torno da legitimação ativa do Ministério Público em face do disposto na Lei 7.347/85. Frisou ter sido tal alegação superada quando do julgamento da questão de ordem em que se dera a repercussão geral, dado que se entendera que a matéria comportaria, por ser de direito, o exame do STF. No mérito, considerou incidir, na espécie, o aludido parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, haja vista ser a ação civil pública analisada uma dentre mais de 700 ações que combatem, especificamente, termos de ajustes no que tange ao regime tributário especial de apuração do ICMS, salientando que os beneficiários podem ser, inclusive, individualmente determinados. Salientou, ademais, que essa ação teria como fundamento a articulação de inconstitucionalidade de lei distrital no que diz respeito à instituição desse regime tributário especial de apuração de ICMS, e que a ação civil pública não poderia ter essa serventia. Por fim, afirmou ser necessário levar em conta que, como os beneficiários podem ser individualmente determinados, evidentemente de direito metaindividual não se cuidaria, porque o direito metaindividual, neste caso, estaria substituído pelo tópico específico em que as ações são postas e o ataque é feito. Por outro lado, aduziu que a instituição de regimes especiais tributários seria uma questão de política tributária, a qual estaria ao alcance dos Estados federados, seria editada por lei e, portanto, obedeceria ao sistema de oportunidade e conveniência, concluindo que, se porventura essa legislação que cria o regime especial tributário fosse inconstitucional, certamente caberia contra ela o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade. Após, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.

RE 576155/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 6.5.2009. (RE-576155) [83]

Percebe-se que neste caso em específico, a questão envolvendo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, embora afetasse de forma imediata uma pessoa jurídica de direito privado e um ente federativo, implica em prejuízo ao patrimônio público, evidenciando-se assim a necessidade de se examinar com mais profundidade o já aludido caráter sistêmico que envolve as searas financeira e tributária.

A despeito da questão posta no recurso extraordinário acima aduzido, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, mesmo considerando os arts. 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal, já decidiu no sentido de inexistir legitimidade do parquet para propor ação civil pública objetivando a impugnação e a restituição de tributos. Isto com base no entendimento segundo o qual não há relação de consumo entre sujeito ativo e sujeito passivo tributário, a ensejar a defesa dos interesses individuais homogêneos envolvidos. Ademais, prevaleceu entendimento pelo qual tais interesses seriam disponíveis.

É o que se infere da análise das ementas infra reproduzidas:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: MINISTÉRIO PÚBLICO: TRIBUTOS: LEGITIMIDADE. Lei 7.374/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25 . C.F., artigos 127 e 129, III.

I. - O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança de tributos ou para pleitear a sua restituição. É que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) relação de consumo, nem seria possível identificar o direito do contribuinte com "interesses sociais e individuais indisponíveis". (C.F., art. 127).

II. - Precedentes do STF: RE 195.056-PR, Ministro Carlos Velloso, Plenário, 09.12.99; RE 213.631-MG, Ministro Ilmar Galvão, Plenário, 09.12.99, RTJ 173/288.

III. - RE conhecido e provido. Agravo não provido.

(RE 248.191-SP. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Rel. Min. Carlos Velloso. 2º Turma. Unânime. Julgamento em 01.10.2002. DJ 25.10.2002)

EMENTA: Agravo regimental em Agravo de Instrumento. 2. Recurso Extraordinário. Ação Rescisória. 3. Ilegitimidade ativa de associação de defesa do consumidor para propor Ação Civil Pública na defesa de direitos individuais homogêneos. Matéria devidamente prequestionada. Questão relativa às condições da ação não pode ser conhecida de ofício. 4. Empréstimo compulsório sobre a aquisição de combustíveis. Qualificação dos substituídos como contribuintes. 5. Inexistência de relação de consumo entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte). 6. Precedentes do STF no sentido de que o Ministério Público não possui legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de impugnar a cobrança de tributos. 7. Da mesma forma, a associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para propor ação civil pública na defesa de contribuintes. 8. Agravo regimental provido e, desde logo, provido o recurso extraordinário, para julgar procedente a ação rescisória

(AI 382.298-RS. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Rel. Min. Gilmar Mendes. 2ª Turma. Unânime. Julgamento em 04.05.2004. DJ 28.05.2004)

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ao ser analisada questão envolvendo a atuação ministerial com o objetivo de resguardar interesses sociais amplos, em especial o erário, entendeu-se que o Ministério Público não tem legitimidade para postular a restituição de valores pagos indevidamente pela União, posto que tal atuação configuraria a representação judicial de entidades públicas, o que, no caso, incumbiria à Advocacia Geral da União.

Neste sentido é a ementa abaixo reproduzida:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA –RESSARCIMENTO À UNIÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS DO FUNDO DE INDENIZAÇÃO DO TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO (FITP) – REPETIÇÃO DO INDÉBITO – CONFLITO DE CARÁTER TRIBUTÁRIO – INTERESSE SECUNDÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1. Se o provimento é completo, hígido e robustamente fundamentado, a oposição de embargos declaratórios revela tentativa vã de obter a revisão do julgado, em desrespeito aos limites estreitos traçados no permissivo legal.

2. O Ministério Público Federal não ostenta legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação civil pública objetivando o ressarcimento, em favor da União, de valor indevidamente recebido por trabalhador portuário avulso, oriundo do Fundo de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso - FITP, porquanto a sua atuação, in casu, não denota defesa do erário, ao revés, revela repetição do indébito, ora rotulada de ação civil pública, em nome da União, que, inclusive, dispõe de Procuradoria para fazê-lo. Precedente da Primeira Turma no REsp 799.883/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 04/06/2007.

3. No caso em tela, conforme bem observou o Tribunal de Apelação, o órgão ministerial pretende substituir-se às prerrogativas da Advocacia da União na defesa de interesse eminentemente fazendário.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 1.126.242-RS. Rel. Min. Eliana Calmon. 2ª Turma. Unânime. Julgamento em 05.11.2009. DJ 20.11.2009)

(grifamos)

Em um precedente mais remoto emanado da Corte Cidadã, em época em que inexistia o parágrafo único do art. 1º na Lei da Ação Civil Pública, entendia-se que a discussão acerca da exigibilidade de taxas de iluminação pública, dado o seu caráter metaindividual, tornava apta a utilização da ação civil pública pelo parquet. Confira-se a ementa:

Processual Civil. Ação Civil Pública para defesa de interesses e direitos individuais homogêneos. Taxa de iluminação pública. Possibilidade.

A Lei n. 7.345, de 1985, é de natureza essencialmente processual, limitando-se a disciplinar o procedimento da ação coletiva e não se entremostra incompatível com qualquer norma inserida no titulo III do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90).

É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei de mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu contexto. O artigo 21 da Lei n. 7.345, de 1985 (inserido pelo artigo 117 da Lei n. 8.078/90) estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública a defesa dos interesses e "direitos individuais homogêneos", legitimando o Ministério Público, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (artigo 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/90).

Os interesses individuais, "in casu", (suspensão do indevido pagamento de taxa de iluminação pública), embora pertinentes a pessoas naturais, se visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, transcendem a esfera de interesses puramente individuais e passam a constituir interesses da coletividade como um todo, impondo-se a proteção por via de um instrumento processual único e de eficácia imediata - "a ação coletiva". O incabimento da ação direta de declaração de inconstitucionalidade, eis que, as Leis Municipais nos. 25/77 e 272/85 são anteriores à Constituição do Estado, justifica, também, o uso da ação civil pública, para evitar as inumeráveis demandas judiciais (economia processual) e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas.

Recurso conhecido e provido para afastar a inadequação, no caso, da ação civil pública e determinar a baixa dos autos ao tribunal de origem para o julgamento do mérito da causa. Decisão unânime.

(RESP 0049272/94-RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, unânime, 1ª Turma., DJ de 17.10.1994, p. 27868)

(grifamos)

Em obediência ao disposto no novel parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, decidiu-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que a concessão de benefício fiscal atinente ao ICMS atingiria interesses individuais plenamente identificados, a ensejar a ilegitimidade do parquet por força do aludido dispositivo legal.

EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ICMS. PORTARIA DA SECRETARIA DE FAZENDA E PLANEJAMENTO DO DISTRITO FEDERAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE.

1. O art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85 não autoriza o Ministério Público a utilizar a ação civil pública com o objetivo de deduzir pretensão alusiva à matéria tributária quando os interesses individuais forem plenamente identificados. Precedentes da Primeira Seção e da Segunda Turma.

2. Recurso especial não provido.

(REsp 878.312/DF, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 21.05.2008).

(grifamos)

Para alcançar o teor da ementa acima, onde se vislumbra o entendimento segundo o qual a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública versando sobre questão envolvendo tributos se limitaria àquelas em que presentes interesses difusos, o relator do recurso especial, Ministro Castro Meira, vencido, exarou fundamentação que, qualquer ação

A Segunda Turma desta Corte vinha decidindo que o artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.437/85 não veda o manejo de ação civil pública sobre questão de natureza tributária. Apenas não autoriza que o Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, defenda, por vias transversas, interesses individuais disponíveis de um grupo de contribuintes, prejudicados pela alegada inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma tributária impositiva.

Entendia-se, pois, não apenas pela legitimidade do Ministério Público, como pela adequação da ação civil pública ao fim colimado pelo autor. Contudo, em 26.09.06, a Segunda Turma deste Tribunal modificou o entendimento, ocasião em que fiquei vencido. Esse órgão colegiado passou a considerar que o artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85 proíbe que o Ministério Público utilize a ação civil pública com o objetivo de deduzir pretensão alusiva à matéria tributária quando os interesses individuais forem plenamente identificados.

(grifamos)

No que tange à ampla irradiação de efeitos na sociedade, dado o contexto em que inserido o sistema tributário, ainda que assim se tenha aduzido, a Corte Cidadã deixou de reconhecer a legitimidade ministerial, destacando ainda que este fora exatamente a mens leges nos bastidores da confecção da norma, o que se infere da transcrição infra:

A premissa do pedido do Ministério Público de que a estratégia fiscal, por via oblíqua, atinge os demais contribuintes, revelando interesses transindividuais violados, é exatamente a que inspirou o legislador a vetar a legitimatio do Parquet com alteração do parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, que o deslegitima a veicular pretensões que envolvam tributos. (Art. 1º § único da Lei 7.347⁄85, com a redação dada pela Medida Provisória 2.180⁄2001)

(REsp 691.574⁄DF, Min. Luiz Fux, DJU de 17.09.2006)

(grifamos)

Nesse diapasão, nota-se com clareza que a fonte das controvérsias acerca da matéria, não apenas no âmbito doutrinário mas também jurisprudencial, tende a residir na amplitude dos efeitos que são irradiados por medidas tomadas na área tributária, que muitas das vezes transbordam a esfera de interesse do contribuinte e do ente arrecadador, para atingir a coletividade de forma indistinta.

Ao passo que a Constituição Federal confere um amplo plexo de atuação ao Ministério Público, persistem altercações conceituais envolvendo a alteração legislativa (art. 1º, parágrafo único, da LACP) e a controvérsia dos direitos coletivos individualizáveis e disponíveis.


5. CONCLUSÃO

A questão envolvendo a restrição ao uso da ação civil pública às questões envolvendo tributos não é nova. Tampouco são pacíficos os entendimentos verificados na doutrina e na jurisprudência.

Em que pese a aparente tentativa de se cercear o âmbito de atuação do parquet, por meio da adição do parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 7.347/85, está longe de ser pacificada a questão, mormente em razão do possível tolhimento na aplicação de norma constitucional em razão de norma infraconstitucional. A lei, da maneira como se apresenta, atende aos interesses do Estado em sua função arrecadatória, porém, não atende plenamente ao interesse da coletividade, composta por indivíduos: o povo, do qual emana todo o poder.

A propósito, tendo em vista que o poder constituinte originário elegeu o povo como detentor do poder, e estabeleceu que todo o poder deste emana, não se pode temer afirmar que configura violência à Constituição da República a vedação ao Ministério Público de exercer em inteireza sua função constitucional, posto que questões tributárias, por estarem inseridas em um sistema amplo, podem vir a afetar direitos e interesses coletivos: difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Conquanto não se almeje que a indiscriminada utilização da ação civil pública venha a torná-la mecanismo banalizado no Poder Judiciário, tampouco que se torne o parquet instrumento de defesa de interesses eminentemente privados, a jurisprudência, alavancada por abalizada doutrina, haverá de solucionar a limitação imposta por norma infraconstitucional, reconhecendo que interesses de relevância social transpassam a sua elocução.


REFERÊNCIAS

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THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v.1.


Notas

  1. FOWLER. Marcos Bittencourt. A legitimação para agir do Ministério Público na ação civil pública. Curitiba, 1997. 144 f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.
  2. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 77.
  3. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 563.
  4. Ibidem, p. 564.
  5. Ibidem, p. 568.
  6. Referimo-nos ao período subsequente ao da denominada Segunda Guerra Mundial.
  7. Ibidem, p. 569.
  8. DIAS, Mônica Nazaré Picanço. Ação civil pública como instrumento de defesa do meio ambiente do trabalho. Apresentação de trabalho no XV Congresso Nacional do Conpedi, Manaus, 2006.
  9. NEGRÃO. Ricardo. Ações coletivas: enfoque sobre a legitimidade ativa. São Paulo: LEUD, 2004, p. 18-19.
  10. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro. Lumen Júris, 2005, p. 4.
  11. DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 26.
  12. Idem
  13. A redação do art. 113, § 38, da Constituição de 34, estabelecia que "qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios".
  14. Ibidem, p. 7.
  15. YOSHIDA. Consuelo Yatsuda Moromizato. Ação civil pública: judicialização dos conflitos e redução da litigiosidade. In: MILARÉ, Edis (Coord.). A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: RT, 2005. p. 116.
  16. Idem.
  17. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação ... , p. 6.
  18. GRAVONSKI, Alexandre Amaral. Das origens ao futuro da lei de ação civil pública: o desafio de garantir acesso à justiça com efetividade. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Op. cit. p. 17.
  19. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v.1, p. 45.
  20. GRINOVER, apud CARVALHO FILHO, Op. cit., p. 27.
  21. Mensagem de veto publicada no Diário Oficial da União de 25.07.1985.
  22. Tramita atualmente no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 5.100/05, de autoria do Deputado Maurício Rands, que visa alterar o inciso V do art. 1º da Lei nº 7.347/85 para ali fazer constar que o instrumento processual se presta a proteger qualquer outro interesse difuso ou coletivo, inclusive individual homogêneo. O PL, contudo, não pretende alterar substancialmente o parágrafo único do art. 1º, dele excluindo tão-somente a menção à impossibilidade de se discutir o FGTS em sede de ação civil pública. "Questão de Estado": esta é a justificativa adotada pelo autor do projeto para o restante do parágrafo único mantenha-se inalterado no tocante a tributos e contribuições previdenciárias.
  23. Importa destacar o contexto econômico da edição da MP 2.180-35/01: o ano de 2001 representou, à época, recorde de arrecadação agregada, que atingiu R$406.87 bilhões, em um acréscimo de 13,6% ao ano de 2000. cf. Informativo da Receita Federal do Brasil, disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Carga_Fiscal/2001/ArrecTributaria.htm>. Acesso em 13 de abril de 2010.
  24. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos. Revista LTR,  São Paulo, v. 60, n.9,  p. 1180-1196, set. 1996.
  25. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 697.
  26. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 170.
  27. Rodrigo de Camargo MANCUSO discorre acerca da discussão sobre o caráter de normas da Lei nº 7.347/85, se materiais ou processuais, concluindo ser predominantemente processuais, visto que buscam instrumentalizar a efetivação da tutela de interesses difusos reconhecidos nos textos legais substantivos, e espraiam dispositivos sobre normas tipicamente processuais, como foro, pedido, possibilidade de ação cautelar, rito, legitimação, sentença e outros (MANCUSO, Rodrigode Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: Lei 7.347/85 e legislação complementar. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 31-22)
  28. MENDES, Gilmar da Silva. Ação civil pública e controle de constitucionalidade. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Op. cit. p. 195.
  29. Observa-se que o legislador adotou a denominação "interesse" para destacar o fenômeno da transindividualidade, destacando-a da expressão "direito". Os motivos para tal podem ser verificados partindo-se de três hipóteses: a primeira, consistente na tradicional conceituação segundo a qual o interesse, por não estar agasalhado pelas normas, representaria esfera diversa à do direito: este sim, acolhido pelo ordenamento jurídico. A título de exemplo, o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor veio a se referir expressamente aos interesses coletivos, positivando a sua tutela e estabelecendo o direito à sua proteção; a segunda, de cunho político, reside na necessidade de afastamento do modelo liberal clássico em cujo centro estaria o direito subjetivo, pelo que se fez necessária a fixação de outro ponto de equilíbrio; e a terceira hipótese, consistente na exigência de caracterizar-se corretamente as distinções entre os interesses difusos e coletivos – marcados pela transindividualidade, indivisibilidade e amplo potencial conflituoso – e o direito subjetivo. Todas as hipóteses vertem para um mesmo alvo, indicando a tendência pelo reconhecimento e garantia dos direitos difusos e coletivos. In FOWLER, Op. cit. p. 80.
  30. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 957.
  31. DEWEY, John. Democracia e educação. Tradução: Godofredo Rangel e Anísio Teixeira. São Paulo: Nacional, 1979, p. 97.
  32. MAZZILLI, Op. cit., p. 46.
  33. Idem.
  34. Idem.
  35. Ibidem, p. 50.
  36. NEGRÃO, Op. cit., p. 169;
  37. Idem.
  38. STF - RTJ 178/377-378 - Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno.
  39. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A natureza jurídica do direito individual homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 3.
  40. Ibidem, p. 33.
  41. Ibidem, p. 34.
  42. MAZZILLI, Op. cit., p. 51.
  43. FRAGA, Simone de Oliveira. A tutela jurisdicional na gestão do risco: uma abordagem constitucional – a tutela inibitória e as urgências jus ambientais. Florianópolis, 2006. 206 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina.
  44. FOWLER, Op. cit., p. 93.
  45. HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 302.
  46. TÔRRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.186.
  47. CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 2ª ed. São Paulo: RT, 1996, p. 213.
  48. Idem.
  49. ABREU, Vinicius Caldas da Gama e. Ação civil pública em matéria tributária. Disponível em < http://jus.com.br/revista/texto/3610>. Acesso em: 05 de julho de 2010
  50. FOWLER, Op. cit., p. 94.
  51. MACHADO, Hugo de Brito. O Ministério Público e os direitos individuais homogêneos. Repertório IOB de jurisprudência nº 18/96, Caderno n. 3, artigo n.12437, p. 323-324, 2ª quinzena de setembro de 1996.
  52. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Ação civil pública é veículo imprestável para proteção de direitos individuais disponíveis. Revista dos Tribunais: São Paulo, v. 707, p. 19-32, set. 1994.
  53. WATANABE, apud GRINOVER, Ada Pellegrini et ali. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado. 6ª ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 735.
  54. STF, RE 472489-RS, Rel. Min. Celso de Mello, 2º Turma.
  55. STJ – REsp 39757-MG – Rel. Min. Fontes de Alencar – 4ª Turma. No mesmo sentido entenderam os Ministros da Quarta Turma, quando do julgamento do REsp 38176-MG.
  56. STF – RE 163231-SP - Rel. Min. Mauricio Correa – Pleno. . No mesmo sentido entenderam os Ministros da Primeira Turma, quando do julgamento do RE 190976-SP.
  57. MAZZILLI, Op. cit., p. 92.
  58. FOWLER, Op. cit., p. 137.
  59. JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 57.
  60. Ibidem, p. 139.
  61. Idem.
  62. MAZZILLI, Op. cit., p. 103.
  63. CALAMANDREI, apud MAZILLI, Op. cit., p. 65.
  64. MILARÉ, Edis. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 6.
  65. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação civil pública refém do autoritarismo, In Revista de Processo, São Paulo, v. 96, p. 28-36, 1999.
  66. STJ, REsp 521807-SC, Rel. Min. Denise Arruda, 1º Turma.
  67. STF – RE 195.056-PR - Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno.
  68. STF. RE 213631-MG. Rel. Min. Ilmar Galvão, Pleno.
  69. MAZZILLI, Op. cit., p. 126.
  70. Ibidem, p. 127.
  71. SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos individuais homogêneos disponíveis. Disponível em <http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina111.doc>. Acesso em: 12 de abril de 2010.
  72. BARRAL, Welber. Notas sobre a ação civil pública em matéria tributária. Revista de Processo, São Paulo, n. 80, p. 152, out./dez. 1995.
  73. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário.12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.128.
  74. MAZZILLI, Op. cit., p.127
  75. MUA, Cíntia Theresinha Burhalde. Acesso material à jurisdição: da legitimidade ministerial na defesa dos individuais homogêneos. Porto Alegre, 2006. 414 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
  76. MAZZILLI, Op. cit., p. 128.
  77. STJ - REsp 478944-SP - Rel. Min. Luiz Fux – 2ª Turma.
  78. MUA, Op. cit., p. 165-168.
  79. FOWLER, Op. cit., p. 157.
  80. PRUDENTE, Antônio Souza. Legitimação constitucional do ministério público para ação civil pública em matéria tributária, na defesa de direitos individuais homogêneos. Disponível em <http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=91&cat=Artigos&vinda=S>. Acesso em: 13 de abril de 2010.
  81. MUA, Op. cit., p. 172.
  82. STF. Informativo de jurisprudência nº 545, de 04 a 08 de maio de 2009.
  83. Idem.

Autor

  • Julian Henrique Dias Rodrigues

    Advogado em exercício no Brasil, em Portugal e na União Europeia.

    Licenciado pela Faculdade de Direito de Curitiba desde 2008, é pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná, em Direito do Desporto pela Universidade Castelo Branco, e em Direito da Medicina pela Universidade de Lisboa.

    Mestrando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa.

    Integrou a Comissão de Direito do Desporto da Ordem dos Advogados do Brasil (PR), e diversos Tribunais de Justiça Desportiva. Atuou como assessor de magistrado junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

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RODRIGUES, Julian Henrique Dias. A legitimidade do Ministério Público para a instauração de ação civil pública em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2636, 19 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17436. Acesso em: 3 maio 2024.