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Eficácia plena e imediata da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) em face do empate no julgamento do Supremo Tribunal Federal

Eficácia plena e imediata da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) em face do empate no julgamento do Supremo Tribunal Federal

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Para afastar a aplicação da norma legal ao caso concreto, o Supremo, seguindo sua própria jurisprudência sumulada, precisaria do voto da maioria absoluta dos seus membros.

Sumário: Introdução: controvérsia jurisprudência em face da constitucionalidade da Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 ( "Lei da Ficha Limpa"); 1. Julgamento da questão no Supremo Tribunal Federal: formação do empate (e do impasse); 2. Consequências jurídicas do empate no julgamento do Supremo Tribunal Federal: ausência da maioria qualificada necessária para afastar a aplicação imediata da lei complementar; 3. Conclusão: a decisão do Supremo Tribunal Federal concede eficácia imediata à "Lei da Ficha Limpa"; Referências.


Introdução: controvérsia jurisprudência em face da constitucionalidade da Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010 ("Lei da Ficha Limpa")

Em 4 de junho de 2010, entrou em vigor a Lei Complementar nº 135, que altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (que estabelecia, de acordo com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determinava outras providências), para incluir novas hipóteses de inelegibilidade visando proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

A citada Lei Complementar surgiu em razão da nova redação do § 9º do artigo 14 da Constituição Federal, dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 7 de junho de 1994:

"Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".

A LC nº 135/2010, portanto, preencheu vazio legislativo que perdurava há quase dezesseis anos, desde a publicação da Emenda Constitucional de Revisão nº 4/94.

Por criar novas hipóteses de inelegibilidades, buscando proteger a probidade e a moralidade administrativas, notadamente nos casos de condenação criminal proferida por órgão colegiado, ainda que não transitada em julgado, e em razão da popularidade – e publicidade – que a circundou desde as suas discussões iniciais, a lei ganhou o nome popular de "Lei da Ficha Limpa".

Nada obstante o inegável caráter moralizador da lei, surgiram dúvidas sobre a constitucionalidade das novas hipóteses de inelegibilidade e, principalmente, sobre a constitucionalidade da aplicação imediata da lei, ou seja, nas eleições do mesmo ano em que entrara em vigor.

A vigência da lei foi iniciada antes da escolha dos candidatos nas convenções partidárias. Mesmo assim, muitos candidatos, que se enquadrariam, em tese, nas novas espécies de inelegibilidades, os chamados "fichas sujas", foram escolhidos nas convenções partidárias e tentaram efetuar o registro de suas candidaturas. Estes candidatos, mesmo inelegíveis em tese, resolveram disputar as eleições.

Os Tribunais Regionais Eleitorais, na análise do registro de tais candidaturas, assumiram posições díspares sobre a questão, alguns entendendo pela aplicação imediata da norma, enquanto outros, como o Tribunal Regional Eleitoral do Pará, entenderam pelo afastamento da lei complementar.

A controvérsia sobre a LC nº 135/2010 chegou ao Tribunal Superior Eleitoral, que, pelo voto da maioria de seus membros, considerou a lei plenamente constitucional e com aplicação imediata.

Por cinco votos a dois, os ministros do TSE firmaram maioria no sentido da constitucionalidade da lei complementar.

Os Ministros Arnaldo Versiani, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, o Presidente do TSE, Ministro Ricardo Lewandowski, e a Ministra Cármen Lúcia formaram a maioria vitoriosa. Os Ministros Marco Aurélio e Marcelo Ribeiro foram os votos divergentes no julgamento.

Por se tratar de matéria notadamente constitucional, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal.

No Supremo Tribunal Federal, a questão foi discutida, originariamente, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 630147/DF, interposto contra decisão do TSE que indeferira registro de candidatura com base na Lei Complementar nº 135/2010. Ao final do julgamento, a questão central controvertida era a aplicação imediata da lei ou o afastamento de sua aplicação em razão de alegada ofensa ao artigo 16 da Constituição.

A dúvida, neste caso, decorreu da interpretação do artigo 16 da Constituição Federal, que tem a seguinte previsão: "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".

Ainda que não seja fácil resumir a controvérsia, pode-se dizer que a questão, em um primeiro momento, consistiria em saber se a previsão de novas espécies de inelegibilidades altera o "processo eleitoral". É que a norma constitucional não proíbe a eficácia imediata de todas as leis eleitorais, mas apenas das leis que alterem especificamente o processo eleitoral. Além disso, ainda que se entenda ter existido alteração especificamente no processo eleitoral, é preciso levar em consideração que se trata de lei complementar com previsão expressa na Constituição. Existia, há quase dezesseis anos, um mandamento constitucional para o legislador determinando a criação de lei complementar com hipóteses de inelegibilidades baseadas na probidade e moralidade administrativas.

O STF não chegou a concluir o julgamento do recurso. Esgotados os debates, ao analisar a constitucionalidade da aplicação da lei, a votação acabou empatada, com cinco votos a favor de sua aplicabilidade e cinco contra.

Diante do empate, e considerando que uma das vagas de Ministro não está ocupada, o Supremo Tribunal Federal concluiu por suspender o julgamento, até a posse no novo Ministro, que, inevitavelmente, com o seu voto, formará maioria em um ou outro sentido.

O objetivo deste breve estudo é analisar as consequências jurídicas regulares do empate ocorrido na votação nominal do STF, que não necessariamente equivale ao empate na proclamação do julgamento. Além disso, será analisada a própria decisão do Supremo, que entendeu por suspender o julgamento até a posse do novo Ministro.

Destaque-se, desde logo, que não é objetivo deste estudo analisar o mérito em si das teses pontuadas em cada voto. Tal análise, certamente muito ampla, transborda os limites deste trabalho. Fixado o empate dos votos no Supremo, bem como a maioria consolidada no TSE, estudaremos as consequências desta situação, sem discutir, ao menos de forma primordial, os fundamentos jurídicos das teses em debate.

Ainda, apesar da eventual perda de objeto do recurso em julgamento pelo STF, conforme notícia do site do próprio Tribunal [1], a dúvida permanece, porque a questão em si continua pendente de resolução. Haverá, com certeza, diversos recursos extraordinários tratando de situações análogas.

Por fim, como se trata de questão ainda em julgamento, a referência básica do posicionamento dos Ministros foi extraída do site do próprio Supremo Tribunal Federal, notadamente da seção de notícias [2]. Além disso, o subscritor utiliza informações assistidas na transmissão, pela TV Justiça, da sessão do julgamento.


1. Julgamento da questão no Supremo Tribunal Federal: formação do empate (e do impasse)

Conforme adiantado na introdução, no Supremo Tribunal Federal, a questão em análise foi discutida, originariamente, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 630147/DF, interposto contra decisão do TSE que indeferira registro de candidatura com base em nova hipótese de inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 135/2010.

No recurso, o TSE indeferiu o registro da candidatura de parlamentar que renunciara ao mandato para furtar-se de possível processo de cassação no Congresso Nacional.

O recorrente tornou-se inelegível em razão da alínea "k" do artigo 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, acrescentada exatamente pela Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, ao determinar que são inelegíveis:

"k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;" 

Os excertos de votos dos Ministros expostos neste capítulo, bem como suas declarações, são, em sua grande maioria, baseados nas notícias do site do Supremo Tribunal Federal [3].

De início, o Ministro Carlos Ayres Britto, relator do Recurso Extraordinário, afetou ao plenário do Supremo o julgamento da causa.

O julgamento foi iniciado no dia 22 de setembro de 2010. O Relator colocou em votação a repercussão geral do tema, que foi declarada, por unanimidade, pela Corte, por se tratar de "matéria patentemente relevante do ponto de vista político, jurídico e social". Deste modo, o recurso foi julgado na perspectiva do artigo 543-A: "O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo".

No mérito, o relator votou pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que indeferira o registro da candidatura.

Para o recorrente, o acórdão do TSE, ao aplicar a lei, ofendera normas e princípios constitucionais. Na verdade, adiante-se, desde logo, o TSE aplicou as normas legais de forma literal. A interpretação do TSE foi estrita.

Portanto, a irresignação do recorrente voltou-se contra a lei em tese, cuja aplicação foi consubstanciada no acórdão do TSE.

Deste modo, o recorrente alegou que a lei complementar desrespeitaria o princípio da irretroatividade, artigo 5º, inciso XL, da Constituição, pois atingiria uma situação jurídica anterior à sua vigência: a renúncia ao mandato parlamentar. Na mesma linha, a lei ofenderia o ato jurídico perfeito, ao trazer previsão de conseqüências posteriores à renúncia ao mandato parlamentar ocorrida antes de sua vigência. Alegou, ainda, que a lei ofenderia o princípio da presunção de inocência. Por fim, alegou que em nenhuma hipótese a lei poderia ser aplicada nas eleições deste ano, sob pena de ofensa ao princípio da anualidade eleitoral, previsto no artigo 16 da Constituição Federal.

O Ministro relator, afastando os argumentos do recorrente, confirmou a constitucionalidade da alínea "k", do inciso I, do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/1990, introduzido pela LC 135/2010.

O Ministro destacou, com base no artigo 14, § 9º, que "A Constituição, ao falar em inelegibilidade no contexto de proteção da probidade e da moralidade, mandou que a lei complementar considerasse a vida pregressa do candidato", assim, "A expressão não foi inventada pela alínea ‘k’, ela está na Constituição. E vida pregressa é vida passada, não é vida futura."

Pontuou, ainda, que a lei, de iniciativa popular, surgiu a partir da "[...] saturação e do cansaço da sociedade civil, do desencanto com a péssima qualidade de vida política do País". 

Havia, segundo ele, "[...] um foco de fragilidade estrutural que era urgente desfazer:  uma cultura política avessa aos princípios da probidade administrativa, da moralidade no exercício do mandato e da não-incidência em abuso de poder político e econômico".

Em relação à alegada ofensa ao artigo 16 da Constituição, o Ministro observou que a razão de ser de tal norma constitucional é evitar casuísmos em data próxima à eleição: "Nem a comentada alínea ‘k’ nem a Lei Complementar 135 como um todo introduziram um elemento surpresa",  afirmou,  "menos ainda surpresa oportunista ou maliciosa". A previsão da vida pregressa como causa de inelegibilidade, conforme ressaltou, remontava a 7 de junho de 1994, com a Emenda Constitucional de Revisão nº 4: "A Lei Complementar 135 chegou com 16 anos de atraso", destacou o Ministro, "E foi promulgada antes das convenções partidárias".

Por fim, o relator afirmou que a renúncia é ato que se encerra em si, terminando uma relação jurídica: o mandato parlamentar. "É um ato de cessação, e não de geração de efeitos futuros", assinalou: "A renúncia não garante imunidade à inelegibilidade. É lícita, mas não garante a elegibilidade do candidato."

Sobre a presunção de inocência do artigo 5º, inciso LVII ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"), o Ministro seguiu o entendimento adotado pelo TSE, argumentando que o princípio aplicar-se-ia apenas no campo do direito penal. As condições de elegibilidade não se confundem com licitude ou ilicitude penal: "A renúncia não coloca o renunciante na posição de acusado. Há atos lícitos que, mesmo assim, constam entre as condições de inelegibilidade". O Ministro lembrou, ainda, que o Supremo já reconhecera, por decisão plenária, que "[...] inelegibilidade não é pena".

Concluída a leitura do voto, o Presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, suscitou questão não discutida pelo Relator: a possível inconstitucionalidade formal da LC nº 135/2010. No caso, o texto originário da lei foi alterado pelo Senado e não retornou à Câmara dos Deputados. O Senado substituiu o tempo verbal "tenham sido condenados" pelo seguinte: "que forem condenados". O texto não retornou à Câmara porque os Senadores entenderam que se tratava de emenda de mera redação.

Para o Presidente do STF, no entanto, não se tratou de emenda de mera redação, mas de alteração substancial do texto legal. Por se alterar o texto legal de forma substancial, o projeto deveria ter voltado à Câmara. Como não retornou, houve violação ao devido processo constitucional legislativo, previsto no artigo 65 da Constituição.

O Ministro Dias Toffoli, que votaria depois do relator, pediu vista do processo, o que interrompeu o julgamento. Confirmado o pedido de vista do Ministro, o Presidente do STF encerrou a sessão.

O julgamento recomeçou no dia 23 de setembro, com o voto do Ministro Dias Toffoli, que deu provimento ao recurso, para alterar o entendimento do TSE. O Ministro afastou, no mérito, a preliminar de inconstitucionalidade formal suscitada. Também votou pela constitucionalidade da matéria legal, entendendo não ter ocorrido retroatividade nem violação a direito adquirido; contudo, ressalvou a impossibilidade da aplicação da lei complementar às eleições deste ano, 2010. Para o Ministro, a aplicação imediata da LC nº 135/2010 seria ofensiva ao artigo 16 da Constituição Federal.

Deste modo, para obedecer à norma prevista no artigo 16 da Constituição Federal, a lei somente poderia ser aplicada a partir das eleições de 2012.

Para a Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, a lei complementar "[...] não agrediu a Constituição, muito pelo contrário, apenas cumpriu o que nela está previsto". A Ministra acompanhou o relator, negando provimento ao recurso, lembrando que o STF já analisara a questão da anualidade de lei eleitoral, prevista no artigo 16 da Constituição Federal, quando julgou o Recurso Extraordinário nº 129392/DF. Tratava-se de recurso questionando a LC nº 64/90, que também dispôs sobre inelegibilidades - e foi exatamente a lei recentemente alterada pela LC nº 135/2010.

Naquele julgamento, a Corte entendeu que a norma não alterava o processo eleitoral - uma vez que entrara em vigor antes das convenções partidárias e dos pedidos de registro das candidaturas. Além disso, a LC nº 64/901 cumpriu determinação expressa da Constituição Federal (artigo 14, § 9º) quanto às causas de inelegibilidade. Assim, poderia ser aplicada nas eleições daquele mesmo ano.

O STF decidiu que o artigo 16 da Constituição tem como objetivo impedir o chamado "casuísmo de véspera", ou seja, a mudança legislativa destinada a favorecer a própria classe política.

Seguindo o mesmo entendimento do precedente citado, a LC nº 135/2010 poderia ser aplicada às eleições deste ano:

"Não procede o argumento de que a lei alterou o processo eleitoral, pois foi promulgada antes de iniciado o prazo para convenções partidárias que escolhem os candidatos e antecipam o período eleitoral para apresentação dos registros de candidatura".

A Ministra, ainda, rejeitou a questão de ordem.

O Ministro Joaquim Barbosa também acompanhou o relator, negando provimento ao recurso e, por conseguinte, mantendo a decisão do TSE que indeferira o registro da candidatura do recorrente. A questão de ordem suscitada pelo Presidente do STF também foi rejeitada:

"A questão da causa de pedir aberta não é pacífica e se justifica unicamente em hipóteses pontuais, geralmente quando se verifica uma possível quebra do princípio da isonomia ou da segurança jurídica com reflexos na força normativa da Constituição. Não é o caso dos autos".

O Ministro destacou que os dispositivos da lei em debate não alterariam o processo eleitoral, que seria iniciado apenas no momento dos registros das candidaturas. Como a lei entrou em vigor antes das convenções partidárias, não alteraria o "processo eleitoral" propriamente dito. Além disso, "As normas não beneficiam este ou aquele partido ou candidato", atendendo, assim, à teleologia do artigo 16 da Constituição Federal, norma que teria como objetivo evitar manipulações casuísticas durante o período eleitoral.

A lei complementar:

"[...] tem objetivo moralizador, tem fundamento constitucional e, no que tange às causas de inelegibilidade, não desestabiliza o processo eleitoral em curso e não fere o princípio da isonomia e da segurança jurídica, tampouco tem conotação casuística, pois incidirá sobre todos os pleiteantes a cargo eleitoral de forma igual".

O Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente atual do Tribunal Superior Eleitoral, também acompanhou o relator, votando pelo não provimento do recurso. Seguiu a mesma linha do voto exarado no TSE.

O Ministro voltou a citar o precedente do RE nº 129392/DF. Destacou, ainda, a inexistência de alterações no processo eleitoral, já que a lei complementar não trouxe casuísmo ou alteração na chamada "paridade de armas". Rejeitou, ainda, a questão de ordem suscitada. O Ministro relator, Ayres Britto, depois de concluído o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, pediu a palavra para também rejeitar a questão de ordem, suscitada pelo Presidente quando já proferira o seu voto.

O Ministro Gilmar Mendes discordou do relator, dando provimento ao recurso.

Segundo o Ministro, a lei não é anterior ao processo eleitoral, ainda que tenha sido publicada antes de iniciado o período das convenções partidárias.

"Todos sabem que a escolha de candidatos para as eleições não é feita da  noite para o dia. A Lei Complementar 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos, que vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. E frise-se: esta fase não pode ser delimitada entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, que tem início em outubro do ano anterior".

Citou, entre outros precedentes, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3685, onde o STF decidiu que as novas regras previstas na Emenda Constitucional nº 52/06, que pôs fim à verticalização nas coligações partidárias, não poderiam ser aplicadas às eleições do mesmo ano (2006), em face do princípio da anterioridade eleitoral, previsto no artigo 16 da Constituição:

"O julgamento da ADI 3685, em 22 de março de 2006, representa um marco na evolução jurisprudencial sobre o artigo 16 da Constituição, pois foi a primeira vez que o STF aplicou a norma constitucional para impedir a vigência imediata de uma norma eleitoral".

Ao entender que a lei complementar em análise deveria se submeter ao comando do artigo 16 da Constituição Federal, que trata da anualidade da lei eleitoral, o Ministro ressaltou que o precedente citado por outros Ministros, como Carmen Lúcia e Lewandowski, o RE nº 129392/DF, não se aplicava ao caso, porque a LC nº 64/90, discutida no citado precedente, realmente não poderia ser alcançada pela norma prevista no artigo 16, em razão de ter sido promulgada para preencher um vazio legislativo que existia na época, com relação às causas de inelegibilidade.

Portanto, a norma do artigo 16 da Constituição não poderia ser aplicada naquele precedente porque se tratava do preenchimento de uma omissão legislativa.

Cabe, aqui, um pequeno comentário.

Da mesma forma que a LC nº 64/90 preencheu um vazio legislativo existente na época, criando um sistema de inelegibilidades para as primeiras eleições democráticas realizadas depois do fim da ditadura, a LC nº 135/2010 também preencheu o vazio legislativo surgido em 7 de junho de 1994, quando a Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 7 de junho de 1994, determinou que fosse editada lei complementar estabelecendo outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

O vazio legislativo, em relação à LC nº 135/2010, durou quase dezesseis anos, não podendo a mora mais longa do legislativo, neste caso, ser utilizada como fundamento para aplicação, aqui, do princípio da anualidade eleitoral, que não foi aplicado alhures.

Pelo contrário, em termos de razoabilidade e mesmo de racionalidade, a mora mais longa do legislativo, neste caso, deixando perdurar o vazio legislativo por quase dezesseis anos, é fator que legitima ainda mais a utilização da conclusão do STF ao julgar o RE 129392/DF, deixando de aplicar-se, por conseguinte, a norma do artigo 16 da Constituição Federal. Há o mesmo fundamento, cabendo a mesma conclusão, portanto.

Além de afastar a aplicabilidade imediata da norma, o Ministro contestou a argumentação do relator no sentido de que a inelegibilidade não seria pena. "É claro que inelegibilidade não é pena, mas assemelha-se a uma sanção", pontuou.

A Ministra Ellen Gracie votou pela plena aplicabilidade da "Lei da Ficha Limpa", LC nº 135/10, nas eleições de 2010, acompanhando integralmente o voto do relator. A Ministra também citou expressamente o julgamento do RE 129392/DF, em 1990, quando o STF entendeu que a Lei Complementar 64/90, que também dispunha sobre casos de inelegibilidades, não se submetia ao princípio da anterioridade eleitoral. Ainda, rejeitou a preliminar de inconstitucionalidade formal.

O Ministro Marco Aurélio acompanhou a divergência, dando provimento ao recurso. Para ele, a lei complementar deveria seguir o previsto no artigo 16 da Constituição Federal. O Ministro entendeu que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (rectius: a própria lei) ofenderia os princípios da irretroatividade da lei, da anualidade da legislação eleitoral, da presunção de inocência e do direito adquirido. "Todos somos a favor da lisura e da probidade, mas não posso menosprezar aqueles princípios que são a mola mestra do estado democrático de direito", destacou.

O Ministro Celso de Mello também acompanhou a divergência, dando provimento ao recurso. Para ele, o entendimento do TSE, no sentido de que a LC nº 135/2010 valeria já para este pleito, ofenderia o artigo 16 da Constituição Federal, que trata da chamada anterioridade eleitoral. O Ministro não se posicionou sobre o mérito da preliminar, entendendo que tal questão não fora suscitada nem discutida pelas partes.

Por fim, o Ministro considerou que a inelegibilidade qualifica-se como sanção, não como sanção criminal, mas como "inelegibilidade cominada". Segundo o Ministro, "não obstante o caráter plenamente lícito do ato [renúncia ao mandato] que foi tipificado como causa geradora dessa nova modalidade de privação da cidadania passiva". O Ministro defendeu que a "inelegibilidade cominada" apresentaria conteúdo sancionatório, diferentemente da inelegibilidade inata (comum a todos os brasileiros que não têm registro de candidatura por não apresentarem pressupostos constitucionais ou legais para tê-lo). Por fim, mesmo que não se entenda ser a inelegibilidade uma sanção, o Ministro destacou que:

"[...] é fato irrecusável que ela traduz uma gravíssima limitação ao direito fundamental de participação política, pois impõe severa restrição à capacidade eleitoral passiva do cidadão, o que o priva e o destitui do direito de participação no processo político e também nos órgãos governamentais".

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, último a votar, também divergiu do relator, dando provimento ao recurso para alterar a decisão do TSE.

De início, o Ministro votou pelo acolhimento da preliminar suscitada por ele, entendendo que a norma padece de inconstitucionalidade formal, por ferir o devido processo legislativo (artigo 65 da Constituição Federal).

Ainda, afirmou o Ministro que o dispositivo legal que torna inelegível político que tenha renunciado ao mandato não pode retroagir, não podendo alcançar, por este motivo, políticos que tenham renunciado antes da entrada em vigor da lei complementar, em junho deste ano.

O Ministro também destacou que a  norma prevista no artigo 16 da Constituição seria violada com a aplicação imediata da lei complementar, pois a lei que altera as condições de elegibilidade é a que tem a "maior capacidade de atingir a correlação de forças eleitorais, porque altera o elemento mais delicado do processo eleitoral, que é o quadro da competição".

Ao analisar a alínea "k", o Ministro afirmou que admitir a possibilidade de considerar inelegível o político que renunciar ao mandato viola direitos de ordem constitucional, entre eles a proteção da dignidade da pessoa humana e a irretroatividade de sanção legal.

Depois do voto do Presidente do STF, o Tribunal chegou a um impasse, porque cinco ministros davam provimento ao recurso e cinco negavam provimento.

Após muita discussão sobre o resultado efetivo a ser proclamado, em razão do empate, o Supremo Tribunal Federal decidiu suspender o julgamento. Alguns Ministros, como o Ministro Marco Aurélio, defenderam a aplicação de norma regimental que confere ao Presidente do STF, em alguns casos, o chamado voto de qualidade, que poderia desempatar a votação. Os Ministros que votaram com o relator, pelo não provimento do recurso, argumentaram que a norma regimental não se aplicaria.

Diante do impasse, e depois de muita discussão, o Supremo Tribunal Federal, seguindo sugestão do Ministro Dias Tofolli, resolveu suspender o julgamento, para esperar a nomeação do Ministro que ocupará a vaga deixada, e ainda não ocupada, pelo Ministro Eros Grau, que se aposentou recentemente. Como o regimento não prevê uma saída para os casos de empate em que exista cargo vago, o Supremo Tribunal Federal suspendeu o julgamento e a proclamação do resultado.

Necessário destacar os protestos dos Ministros que votaram pelo não provimento do recurso, demonstrando que, no caso de empate, deveria prevalecer o conteúdo material da decisão do TSE, já que, para afastar a aplicação da norma ao caso concreto, seria necessária a maioria absoluta dos votos, o que o recorrente não obteve. Em todo caso, prevaleceu a decisão de suspender o julgamento.

O empate nas conclusões dos votos dos Ministros não reflete a discussão sobre todas as questões postas em discussão. Na verdade, é necessário analisar especificamente o voto de cada Ministro para entender a real amplitude do empate. É que, no caso, não houve um empate entre todas as teses. O empate foi parcial. Grande parte das questões discutidas foi efetivamente resolvida por maioria.

De início, é possível concluir que o STF rejeitou, por maioria, a questão de ordem suscitada, entendendo que a lei é formalmente constitucional. Esta a primeira conclusão do julgamento.

Além disso, em relação à norma em si, ficou estabelecido, também por maioria, que a LC nº 135/2010, ou melhor, a alínea "k" debatida no Tribunal, é materialmente constitucional. Certo que os ministros Cesar Peluso, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio trouxeram argumentos contra a constitucionalidade material da norma (ou, segundo os ministros, da sua aplicação pelo TSE). Em todo caso, os quatro ministros argumentaram contra a constitucionalidade da norma, alegando sua ofensa a determinados princípios constitucionais, como a irretroatividade da lei e a presunção de inocência.

O ministro Dias Tofolli, contudo, apesar de votar pelo provimento do recurso e revisão do acórdão do TSE, concluiu pela plena constitucionalidade material da norma.

Enfim, como os cincos Ministros que negaram provimento ao recurso já haviam se posicionado pela plena constitucionalidade da norma, somando-se a estes votos o do Ministro Dias Tofolli, pode-se afirmar que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de seis dos seus Ministros, concluiu pela plena constitucionalidade material da LC nº 135/2010 – na verdade, apenas a alínea "k" estava em discussão, mas, como os argumentos expostos pelos Ministros praticamente esgotaram o âmbito de constitucionalidade material de todas as alíneas previstas na lei complementar, é possível concluir que existe maioria consolidada no STF pela constitucionalidade material de todas as novas hipóteses de inelegibilidades. Ressalte-se, contudo, que se trata de conclusão teórica, porque efetivamente não foram analisadas todas as novas hipóteses de inelegibilidades.

Houve, contudo, efetivo empate na análise da constitucionalidade da aplicação da lei complementar ao caso em face do artigo 16 da Constituição Federal. Em outras palavras, cinco Ministros aplicaram a lei, entendendo não incidir a regra do artigo 16, enquanto cinco Ministros afastaram a aplicação da regra legal entendendo ter ocorrido ofensa à norma constitucional.

Eis o único e efetivo ponto em que houve o empate.

Assim, o empate no Supremo Tribunal Federal limitou-se à aplicação integral da lei ao caso concreto ou ao seu afastamento, em razão de ofensa ao artigo 16 da Constituição Federal.

A questão tem repercussão geral e não se limita ao recurso extraordinário interposto. As repercussões jurídicas do empate e o (des)acerto da decisão que suspendeu o julgamento no Supremo Tribunal Federal serão analisados no próximo capítulo.


2. Consequências jurídicas do empate no julgamento do Supremo Tribunal Federal: ausência da maioria qualificada necessária para afastar a aplicação imediata da lei complementar

De início, necessário esclarecer a impossibilidade da suspensão do julgamento, nos termos em que decidiu o STF. Não existe regra legal com tal permissivo.

O parágrafo único do artigo 173 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal dispõe que:

"Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de inconstitucionalidade, estando licenciados ou ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o quorum".

No caso, há um cargo de Ministro vago, não se tratando, portanto, de Ministro em licença ou ausente. A norma citada não se aplica.

O Supremo Tribunal Federal não poderia ter determinado a suspensão do julgamento. Não há permissão legal para o non liquet do STF. Necessária, pois, a retomada e encerramento do julgamento do recurso, com a devida proclamação do seu resultado, medida que privilegiará a segurança e a previsibilidade jurídica.

Além disso, o voto médio, possível critério de solução nos casos de empate no julgamento de recursos, é inviável na espécie, porque o empate efetivo se deu na questão da constitucionalidade da aplicação imediata da norma, situação concreta na qual os votos são excludentes: ou a norma é aplicada ou não, sendo inviável falar-se em voto médio. Assim, incabível a utilização deste critério para desempatar o julgamento.

Considerando a formação do empate, a impossibilidade de utilização do voto médio e o não cabimento da suspensão, deve ser analisada a possível aplicação ao caso da norma regimental que concede o voto de qualidade ao Presidente do STF.

O artigo 13 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, atualizado pela Emenda Regimental nº 35, de 2009, dispõe caber ao Presidente do Tribunal proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de impedimento ou suspeição; vaga ou licença médica superior a 30 (trinta) dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o Ministro licenciado.

A norma regimental também não se aplica ao caso. Em primeiro lugar, porque o empate não decorre de ausência de Ministro em virtude de impedimento ou suspeição nem de vaga ou licença média, o que, por si só, afastaria a aplicação da regra.

Além disso, a citada norma só seria aplicada se o regimento não trouxesse solução diversa. No caso, o artigo 146 do RISTF determina o critério de desempate quando a matéria examinada dependa da formação da maioria absoluta dos votos, nestes termos:

"Havendo, por ausência ou falta de um Ministro, nos termos do art. 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta."

Conforme será exposto adiante, o recurso extraordinário em discussão necessitaria, para ser provido, do voto da maioria absoluta dos Ministros. Por mais este motivo, restaria afastada a possibilidade de o Presidente, para desempatar a votação nominal, votar por uma segunda vez.

Por fim, pode-se questionar a constitucionalidade desta norma regimental, que concede ao Presidente a possibilidade, ao menos em tese, de votar duas vezes no mesmo processo. Tal norma quebra a tradição do chamado "Voto de Minerva" ou de qualidade, concedido ao Presidente nos casos de empate, desde que ele não tenha participado da votação.

Tradicionalmente, o Presidente seria incumbido de desempatar a questão porque, em um primeiro momento, não teria votado. A norma regimental distorce o instituto, concedendo ao Presidente, em caso de empate, a possibilidade teórica do voto duplo, violando, inclusive, a conhecida regra do "one man, one vote".

Em todo caso, ainda que se considere constitucional a norma regimental, não se aplicaria ao caso, porque ausentes os seus pressupostos de incidência: não está configurada a ausência de Ministro em virtude de impedimento ou suspeição nem de vaga ou licença média; e, ainda, existe norma regimental específica prevendo o critério de desempate para o caso (artigo 146 do RISTF).

Por outro lado, como o recurso extraordinário tem como objeto o afastamento de norma legal em razão de alegada ofensa à Constituição, tem aplicação a regra do artigo 97 da Constituição, conforme será analisado adiante.

O art. 97 da Constituição Federal dispõe que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Sendo a ação de competência dos Tribunais, a lei só será declarada inconstitucional pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos integrantes do respectivo órgão especial. [4]

Assim,

"Em instância colegiada, deve ser obedecido o princípio constitucional da reserva de plenário ou full bench, em que a decisão que declarar a inconstitucionalidade apenas pode ser tomada pela maioria absoluta dos membros pertencentes ao plenário ou a órgão especial do tribunal." [5]

Ressalte-se que, para confirmar a constitucionalidade da regra legal, é desnecessária a maioria absoluta e mesmo o julgamento plenário. A manutenção da constitucionalidade corrobora a presunção que milita em favor das normas legais. Não há maiores formalidades para aplicar a norma legal, confirmando sua constitucionalidade. A cláusula de reserva de plenário incide apenas nos casos em que a norma é considerada inconstitucional, não incidindo se o Tribunal declara a sua constitucionalidade.

A cláusula de reserva de plenário "espelha o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, que para ser infirmado exige um quorum qualificado do tribunal" [6].

Ao exigir o voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial para a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pelo tribunal, o Constituinte procurou conceder maior estabilidade à decisão que resolve a questão constitucional [7].

"Esta verdadeira cláusula de reserva de plenário atua como condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público, aplicando-se para todos os tribunais, via difusa, e para o Supremo Tribunal Federal, também no controle concentrado.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente proclamado que a desconsideração do princípio em causa gera, como inevitável efeito conseqüencial, a nulidade absoluta da decisão judicial colegiada que, emanando de órgão meramente fracionário, haja declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal". [8]

O artigo 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil, excepciona a regra do artigo 97, pois estabelece que "Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão". Como não houve pronunciamento anterior do STF, tratando-se de matéria inédita na Corte, a cláusula de reserva de plenário incide inteiramente.

Considerando o empate formado no julgamento do recurso, e depois das ressalvas acima, a questão que surge e precisa ser respondida é a seguinte: para que o Supremo Tribunal Federal afaste a aplicação de normas de uma lei complementar válida e vigente, sob o fundamento de ofensa a normas constitucionais, é necessária a observância da cláusula de reserva de plenário, prevista no artigo 97 da Constituição, exigindo-se o voto da maioria absoluta dos seus membros?

Tentar-se-á, nos parágrafos seguintes, oferecer uma resposta a esta pergunta. Para tanto, necessário delimitar o alcance da norma do artigo 97 da Constituição Federal.

Como a citada regra constitucional exige a reserva de plenário apenas quando o Tribunal "declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo", tornou-se comum, nos Tribunais, o afastamento da aplicação de determinadas regras legais em casos concretos, com fundamento em normas constitucionais, sem a declaração formal de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo. Deste modo, o Tribunal descumpria o artigo 97 da Constituição Federal, porque, na prática, entendia que a norma era inconstitucional, afastando-a, mas, como não declarava expressamente a sua inconstitucionalidade, ignorava a necessidade de maioria absoluta bem como o julgamento pelo plenário. A cláusula de reserva de plenário, na prática, era seguidamente desobedecida.

O Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, coibiu este tipo de manobra hermenêutica, exigindo o cumprimento do artigo 97 sempre que determinada norma fosse afastada com fundamento em critérios constitucionais, mesmo que não houvesse a declaração formal de inconstitucionalidade da norma no acórdão:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DE NORMA FEDERAL. CAUSA DECIDIDA SOB CRITÉRIOS DIVERSOS ALEGADAMENTE EXTRAÍDOS DA CONSTITUIÇÃO. RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. LEI COMPLEMENTAR 118/2005, ARTS. 3º E 4º. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (LEI 5.172/1966), ART. 106, I. RETROAÇÃO DE NORMA AUTO-INTITULADA INTERPRETATIVA.

‘Reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que - embora sem o explicitar - afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição’ (RE 240.096, rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 21.05.1999). Viola a reserva de Plenário (art. 97 da Constituição) acórdão prolatado por órgão fracionário em que há declaração parcial de inconstitucionalidade, sem amparo em anterior decisão proferida por Órgão Especial ou Plenário. Recurso extraordinário conhecido e provido, para devolver a matéria ao exame do Órgão Fracionário do Superior Tribunal de Justiça."

(RE 482090/SP, STF, 2008)

Os seguidos precedentes no mesmo sentido do acórdão citado ensejaram o surgimento da Súmula Vinculante nº 10, do STF, nestes termos:

"Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte."

Aplicando-se a Súmula Vinculante nº 10, do próprio STF, à questão em discussão, a conclusão a que se chega é a de que a decisão que afaste a aplicação imediata da LC nº 135/2010, com fundamento em norma constitucional (artigo 16 da Constituição Federal), deve obedecer à cláusula de reserva de plenário.

Afastar a aplicação da jurisprudência sumulada do STF justamente nos processos em que se discute a constitucionalidade de uma regra legal com nítido caráter moralizador é de um injustificável casuísmo.

A questão é: pode o STF afastar a incidência de uma norma legal, com fundamento na Constituição, sem obedecer à cláusula de reserva de plenário e a sua própria Súmula Vinculante nº 10?

A única resposta para esta questão, salvo se entender-se que o Supremo está acima da própria Constituição, é negativa. O STF é guardião da Constituição Federal, mas em hipótese nenhuma pode descumprir suas disposições.

Conforme disposição do 9º, II, do RISTF, compete às Turmas, e não ao Plenário, o julgamento do recurso extraordinário.

No entanto, o artigo 22 do RISTF determina que: "O Relator submeterá o feito ao julgamento do Plenário, quando houver relevante argüição de inconstitucionalidade ainda não decidida". Foi exatamente o que aconteceu no presente caso. Seguindo as observações acima e a norma regimental, o Ministro relator do recurso extraordinário, compreendendo o alcance constitucional da causa, afetou o processo ao plenário, nos termos do artigo 22.

Deste modo, o relator cumpriu a cláusula de reserva de plenário, afetando ao órgão colegiado o julgamento de processo que tinha como objeto o afastamento de norma legal em razão de alegada ofensa a normas constitucionais.

Aliás, a regra geral, nos processos de competência do Plenário, é que o Presidente do Supremo Tribunal Federal não vote. Essa a interpretação que exsurge da leitura da norma do artigo 146 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. O voto do Presidente, no plenário, é, pois, excepcional.

No caso, o Presidente do STF votou – foi o voto dele que ocasionou o empate. Qual a justificativa para o voto do Presidente? Ora, o Presidente votou porque se tratava de questão constitucional. Conforme lição do Ministro Gilmar Mendes, durante o julgamento da Extradição nº 1085 (2010), "A regra é muito clara, o Presidente do Plenário não proferirá voto, salvo em matéria constitucional". E a matéria constitucional discutida no processo, que autorizou o voto do Presidente, foi exatamente a possibilidade de afastamento da aplicação da lei complementar em razão de alegada ofensa a normas constitucionais.

Não fosse o caso, o voto do Presidente seria discutível. Deve-se ressaltar que, não tivesse votado o Presidente, não haveria o empate nominal na votação, mas, sim, maioria no sentido de negar provimento ao recurso. Só que o voto do Presidente restou justificado na hipótese, na medida em que a discussão central do processo centrou-se na constitucionalidade da lei complementar.

Deste modo, como se tratava de afastar a aplicação de uma regra legal com fundamento em norma extraída constitucional, a jurisprudência sumulada do STF impõe a necessidade de cumprimento do artigo 97 da Constituição Federal, que exige a formação de maioria absoluta para afastamento da norma legal. Deste modo, a norma legal só poderia ser afastada pelo voto da maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal, ou seja, pelo voto de seis Ministros.

Como não houve a formação da maioria absoluta, já que apenas cinco Ministros, com base no artigo 16 da Constituição, afastaram a aplicação da norma, não houve quórum suficiente.

Assim, aplicando-se a norma do artigo 97 ao caso, como não houve a necessária maioria absoluta, mantém-se o conteúdo material, indeferimento do registro da candidatura, da decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que também aplicara a norma à espécie, restando, por conseqüência, improvido o recurso extraordinário.

Chega-se a mesma conclusão, não provimento do recurso extraordinário, ao analisar-se a norma do artigo 146 do RISTF, anteriormente citada:

Art. 146. Havendo, por ausência ou falta de um Ministro, nos termos do art. 13, IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta.

E não se trata de manter a decisão de um Tribunal hierarquicamente inferior, o TSE, em face da decisão de Tribunal superior, STF, como comentou o Ministro Gilmar Mendes durante a sessão de julgamento.

Ora, a distribuição de competências entre o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal não se resolve pela hierarquia. O STF, nada obstante sua importância, não possui o poder de revisão ordinário das decisões do TSE, fator essencial para configuração da hierarquia. Há, no caso, competência revisora material específica: o Supremo só é órgão revisor das decisões do TSE em matéria constitucional e no caso de denegação de remédios constitucionais específicos.

Conforme o artigo 120, § 3º, da Constituição Federal, "São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de "habeas-corpus" ou mandado de segurança".

O poder revisor do STF, portanto, é restrito à matéria constitucional e à análise da decisão que denega certos remédios constitucionais. Tratando-se de outras matérias, não há qualquer outro Tribunal acima do TSE. Hierarquia propriamente dita não existe; há, apenas, distinções de competência em razão da matéria.

No caso, aliás, seria o STF o Tribunal a afastar a aplicação imediata da norma, com base em fundamentos constitucionais. O TSE, anteriormente, aplicara a norma em sua literalidade. Foi no Supremo Tribunal Federal, reitere-se, que se o afastamento da aplicação da norma legal convenceu metade dos Ministros.

Por fim, o conteúdo material da decisão do TSE deve permanecer não porque se trata de Tribunal superior – e não se trata, mas porque o empate no Supremo Tribunal Federal tem como consequência a plena constitucionalidade e aplicabilidade da lei.

Além disso, ao final, é a decisão do Supremo Tribunal Federal que subsiste, ainda que tenha conteúdo material idêntico à decisão do TSE. A decisão do STF, no recurso extraordinário, substitui a decisão do TSE. É o chamado efeito substitutivo dos recursos.

Conhecido o recurso, e não sendo o caso de error in procedendo (que ensejaria a anulação da decisão recorrida, não sua reforma), mas de error in judicando, a decisão que o julga substitui a decisão recorrida.

A substituição ocorre independentemente do reconhecimento do efetivo error in judicando, que pode existir ou não. Mantendo ou alterando a decisão recorrida em razão do error in judicando, a decisão que julga o recurso a substitui, já que é juridicamente impossível que subsistam "duas decisões com o mesmo objeto" [9].

Portanto, é a decisão do próprio Supremo que deverá ser aplicada ao caso. Como, para afastar a aplicação da norma, o STF teria que formar maioria absoluta, o que não aconteceu, a norma deve continuar sendo aplicada imediatamente.

Então, diferentemente do que afirmou o Ministro Gilmar Mendes, não é a decisão do TSE que permanece; mas, sim, a decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda que tenha o mesmo conteúdo material da decisão do TSE – o que, aliás, é meramente circunstancial.

Por fim, data vênia, não tem razão o Presidente do STF ao afirmar que, no caso, afastara-se apenas uma interpretação inconstitucional do TSE, o que justificaria o afastamento da cláusula de reserva de plenário. Acrescentou o Presidente que, se fosse aplicado o artigo 97 a todas as questões constitucionais, o STF não poderia julgar recursos extraordinários por suas Turmas.

O artigo 102, III, da Constituição Federal dispõe que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: contrariar dispositivo da Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; ou, por fim, julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

É claro que, no caso concreto, é possível que o STF julgue recurso extraordinário, que envolva questão constitucional, no âmbito de suas turmas. Aliás, a competência ordinária para o julgamento de recursos extraordinários, no STF, é das Turmas (artigo 9º, II, do RISTF).

Contudo, conforme exposto, o artigo 22 do RISTF determina que: "O Relator submeterá o feito ao julgamento do Plenário, quando houver relevante argüição de inconstitucionalidade ainda não decidida". Assim, ainda que a competência ordinária para julgamento de recursos extraordinários seja das Turmas do STF, sempre que houver relevante arguição de inconstitucionalidade, o relator submeterá o julgamento do feito ao plenário. Em outras palavras, é condição necessária para a fixação da competência ordinária das turmas que o Supremo Tribunal Federal, na apreciação do processo, não afaste a aplicação de norma legal válida e vigente com base em critérios constitucionais.

Se for o caso de afastar a aplicação de uma norma legal válida e vigente em razão de ofensa à Constituição Federal, o STF, como os demais Tribunais, está sujeito à norma do artigo 97 da Constituição Federal. A competência do processo deve ser afetada ao pleno e o afastamento da norma dependerá da formação da maioria qualificada.

Reitere-se este ponto: o Supremo Tribunal Federal não está acima da Constituição. Pelo contrário, deve ser o seu "guardião precípuo", o que exige que fiscalize o seu cumprimento, mas também que a cumpra, sob pena de uma precípua guarda capenga.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal tem tanto cuidado na obediência da cláusula de reserva de plenário que editou a citada Súmula Vinculante nº 10, para coibir manobras hermenêuticas objetivando o descumprimento material da norma do artigo 97.

Cabe citar, para demonstrar o cuidado do STF na exigência do cumprimento do artigo 97 da Constituição, o julgamento do AI 472897/PR (2007), da Relatoria do Ministro Celso de Mello, no qual o Supremo Tribunal Federal consignou:

"A estrita observância, pelos Tribunais em geral, do postulado da reserva de plenário, inscrito no art. 97 da Constituição, atua como pressuposto de validade e de eficácia jurídicas da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público. Doutrina. Jurisprudência. - A inconstitucionalidade de leis ou de outros atos estatais somente pode ser declarada, quer em sede de fiscalização abstrata (método concentrado), quer em sede de controle incidental (método difuso), pelo voto da maioria absoluta dos membros integrantes do Tribunal, reunidos em sessão plenária ou, onde houver, no respectivo órgão especial. Precedentes. - Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal, em conseqüência, dispõe de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público. Essa magna prerrogativa jurisdicional foi atribuída, em grau de absoluta exclusividade, ao Plenário dos Tribunais ou, onde houver, ao respectivo Órgão Especial. Essa extraordinária competência dos Tribunais é regida pelo princípio da reserva de plenário inscrito no artigo 97 da Constituição da República."

Diante do exposto, a conseqüência jurídica do empate é a impossibilidade de afastamento da aplicação imediata da norma, porque não formada a maioria absoluta, e, por conseqüência, a plena aplicabilidade da lei complementar às eleições deste ano.

Esclareça-se que não se trata de proclamar o empate em si, já que a tutela, ou a negativa dela, há de ser dada em sua completude. O recorrente precisava do voto da maioria dos membros da Corte para que o seu recurso fosse provido. Como não obteve esta maioria, a conclusão a que se chega é a de que o recurso deve ser improvido.

O Tribunal, por maioria, deve negar provimento ao recurso, fazendo constar no resultado que o recorrente necessitava do voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal para afastar a aplicação da norma, o que não obteve.

Conforme artigo 135 do RISTF:

Art. 135. Concluído o debate oral, o Presidente tomará os votos do Relator, do Revisor, se houver, e dos outros Ministros, na ordem inversa de antigüidade.

§ 1º Os Ministros poderão antecipar o voto se o Presidente autorizar.

§ 2º Encerrada a votação, o Presidente proclamará a decisão.

Neste ínterim, necessário destacar que resultado da votação em si, empate, não se confunde, no caso, com a proclamação final do resultado do julgamento.

É que, apesar do empate na votação nominal, a incidência da norma do artigo 97 da Constituição afasta a possibilidade de igual empate na proclamação do resultado. Em outras palavras, a votação efetiva terminou empatada, mas o resultado do julgamento, pela aplicação da norma do artigo 97 da Constituição, deve ser proclamado em desfavor do recorrente, que não conseguiu a maioria absoluta dos votos dos membros da Corte.

O Supremo Tribunal Federal, por maioria, manteve o acórdão do TSE, entendendo pela aplicabilidade imediata da Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010.


3. Conclusão: a decisão do Supremo Tribunal Federal concede eficácia imediata à "Lei da Ficha Limpa"

A proibição do non liquet, da decisão de Pilatos, é princípio geral do direito que deve nortear a atividade de todos os julgadores. Efetivamente, ao analisar a constitucionalidade da aplicação imediata da "Lei da Ficha Limpa", o que o Supremo Tribunal Federal, em sua composição atual, fez foi consagrar o non liquet, o "lavar as mãos", deixando a solução de toda a controvérsia para o próximo Ministro, que sequer foi nomeado.

Permanecendo o non liquet atual do Supremo, a responsabilidade para decidir sobre a constitucionalidade da aplicação imediata da lei caberá unicamente ao Ministro que será nomeado a termo incerto. Consequentemente, o STF concede ao Presidente da República, por vias transversas, já que cabe a ele escolher o novo Ministro, uma importância primordial – e desnecessária - no deslinde da questão.

De qualquer forma, a solução será dada apenas depois das eleições.

Neste ínterim, diversos candidatos, concorrendo a cargos majoritários e proporcionais, participarão da disputa sofrendo o sério risco de um revés jurídico posterior, o que repercutirá em outros candidatos; pois, se o Ministro nomeado a termo pelo Presidente concluir pela aplicação imediata da norma, os votos dos inelegíveis que tenham disputado as eleições serão considerados nulos.

Para os cargos majoritários, a solução jurídica é mais simples, bastando considerar eleito o segundo candidato mais votado. Nas eleições proporcionais, contudo, em razão do quociente eleitoral, o indeferimento posterior da candidatura de um Deputado Federal ou Estadual repercutirá nos demais candidatos a Deputado da mesma e de outras legendas, podendo beneficiar estes e prejudicar aqueles.

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, com elevada eloquência e acuidade, discutiram diversos princípios jurídicos durante o julgamento, mas acabaram por consagrar a insegurança jurídica. A suspensão do processo, além de não possuir previsão normativa, prejudica o andamento das eleições e causa sérias incertezas jurídicas e sociais.

Não há justificativa para qualquer tipo de suspensão. A questão efetivamente encontra-se resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, bastando que se proclame o resultado do julgamento, negando-se provimento ao recurso extraordinário.

Conforme exaustivamente exposto no decorrer do trabalho, tratava-se de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral que aplicara a norma literalmente.

Para afastar a aplicação da norma legal ao caso concreto, com base em critério constitucional, o Supremo, seguindo sua própria jurisprudência sumulada, precisaria do voto da maioria absoluta dos seus membros. Não alcançada a maioria, já que apenas cinco Ministros se posicionaram pelo afastamento imediato da lei complementar, a aplicação da norma resta plenamente válida e constitucional.

E, reitere-se, não é a decisão do TSE que prevalece, mas a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o recurso, substitui a decisão recorrida, ainda que mantenha o mesmo conteúdo material ou a mesma conclusão. Como o STF não formou maioria absoluta no sentido da inconstitucionalidade da regra legal, é forçoso concluir que o Tribunal considerou a aplicação imediata da norma plenamente constitucional. Essa a decisão, do STF, que deve prevalecer.

Em outras palavras, os casos de inelegibilidades criados pela Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, são constitucionais e devem ser aplicados nas eleições deste ano.

Espera-se que o Supremo Tribunal Federal retome o julgamento do processo, enfrente e resolva, de forma efetiva, a questão, proclamando o resultado de um julgamento que, afinal, já está concluído. Não há razão para suspender a proclamação do resultado de um julgamento já encerrado.

Não havendo maioria absoluta no sentido de afastar, com base em ofensa à Constituição, a aplicação imediata da lei complementar, o Supremo Tribunal Federal garantiu a incidência imediata das novas hipóteses de inelegibilidade.

Tentou-se, neste estudo, examinar a aplicabilidade imediata da "Lei da Ficha Limpa" tendo como base o resultado do processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal e, como perspectiva, a eminentemente técnica; mas, em conclusão, impossível deixar de citar o conclusivo parecer do Ministro Carlos Ayres de Britto: "O cumprimento da probidade pode esperar?"

Utilizando interessante expressão (mas não conclusão) do Ministro Gilmar Mendes, "até as pedras" sabem a resposta...


REFERÊNCIAS

AGRA. Walber de Moura. O sincretismo da jurisdição constitucional brasileira. In: NOVELINO. Marcelo (org.). Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade e hermenêutica constitucional. Salvador: Juspodim, 2008.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do controle da constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 85.

MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 5.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 1999.

MELO FILHO, João Aurino de. Controvérsia jurisprudencial em face do marco inicial para contagem do prazo prescricional nos casos de indébitos tributários. Autoridade do Supremo Tribunal Federal nas questões constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2550, 25 jun. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/15094>. Acesso em: 26 set. 2010.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. Recurso Extraordinário nº 482090/SP. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Decisão unânime. Brasília, 18.6.2008. DJ de 13/3/2009. Disponível a partir de: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2391597>. Acesso em: 25 de setembro de 2010

______. Tribunal Pleno. Recurso Extraordinário nº  630147/DF. Relator: Ministro Carlos Ayres de Britto. Processo em julgamento. Disponível a partir de: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3950619>. Acesso em: 25 de setembro de 2010

______. Tribunal Pleno. Agravo de Instrumento nº 472897/PR. Relator: Ministro Celso de Mello. Decisão unânime. Brasília, 18.9.2007. DJ de 26/10/2007. Disponível a partir de: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=472897&classe=AI-AgR&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M#>. Acesso em: 26 de setembro de 2010

______. Tribunal Pleno. Extradição nº 1085. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Decisão por maioria. Brasília, 16.12.2009. DJ de 16/4/2010. Disponível a partir de: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2514526>. Acesso em: 26 de setembro de 2010

Site: http://www.stf.jus.br


NOTAS

  1. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=162424
  2. A partir de: http://www.stf.jus.br/portal/cms/listarNoticiaUltima.asp
  3. A partir de: http://www.stf.jus.br/portal/cms/listarNoticiaUltima.asp
  4. MELO FILHO. João Aurino de. Controvérsia jurisprudencial em face do marco inicial para contagem do prazo prescricional nos casos de indébitos tributários. Autoridade do Supremo Tribunal Federal nas questões constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2550, 25 jun. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/15094>. Acesso em: 26 set. 2010.
  5. AGRA. Walber de Moura. O sincretismo da jurisdição constitucional brasileira. In: NOVELINO. Marcelo (org.). Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade e hermenêutica constitucional. Salvador: Juspodim, 2008, p. 222.
  6. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 88.
  7. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do controle da constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 85.
  8. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 1999, p. 542.
  9. MOREIRA. José Carlos Barbosa, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 5, p. 268.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO FILHO, João Aurino de. Eficácia plena e imediata da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) em face do empate no julgamento do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2646, 29 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17507. Acesso em: 23 abr. 2024.