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Evolução histórica do Direito Comercial.

Da comercialidade à empresarialidade

Evolução histórica do Direito Comercial. Da comercialidade à empresarialidade

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RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar o caminho evolutivo do Direito Comercial a partir das mudanças sofridas pela própria natureza da atividade mercantil, em decorrência da evolução das relações sociais. De início, busca-se a compreensão da origem do Direito Comercial, que passa pela noção de comércio e pela caracterização desse tipo de atividade através dos tempos. Após a abordagem geral, trata-se do desenvolvimento do Direito Comercial no Brasil: desde a época da colonização, passando pelo Código Comercial de 1850 e a teoria dos atos de comércio até o advento do Código Civil de 2002 e a adoção da teoria da empresa pela legislação pátria. Na sequencia, cuida-se das fontes do Direito Comercial e da transição de comércio à empresa na nomenclatura dessa disciplina. Ao final se abordada a problemática em torno da possível perda de autonomia desse ramo do direito, em razão da unificação legislativa do direito privado brasileiro.

Palavras-chave: Direito Comercial. Comércio. Código Civil.

ABSTRACT

The present work has for objective to present the evolutionary road of the Commercial Right, starting from the suffered changes for the own nature of the mercantile activity, due to the evolution of the social relationships. At the beginning, the understanding of the origin of the Commercial Right is looked for, that goes by the trade notion and for the characterization of that activity type through the times. After the general approach, it is treated of the development of the Commercial Right in Brazil: from the time of the colonization, going by the Commercial Code of 1850 and the theory of the trade acts to the coming of the Civil Code of 2002 and the adoption of the theory of the company for the legislation homeland. In the sequence, he/she takes care of the sources of the Commercial Right and of the trade transition to the company in the nomenclature of that discipline. At the end, if approached the problem around the possible loss of autonomy of that branch of the right, in reason of the legislative unification of the Brazilian private right.

Word-key: Commercial right. Trade. Civil code.


1 INTRODUÇÃO

Não há dúvida que o comércio sempre ocupou importante lugar no seio da humanidade, tendo papel fundamental no seu desenvolvimento. Isso se apresenta hoje no grande fascínio exercido pelo consumismo na vida das pessoas, o que, ajudado pelo avanço tecnológico, facilita a aquisição de bens e serviços.

Diante dos grandes conglomerados econômicos que não param de se fortalecer, fica difícil imaginar a vida sem a atividade mercantil, uma vez que, de um jeito ou de outro, praticamente todos, cada um em sua medida, estão envolvidos na rede mundial de consumo que se transformou o comércio.

Essa incrível participação das transações mercantis na vida moderna faz surgir várias outras relações jurídicas, as quais necessitam de uma regulamentação própria em razão de sua natureza específica. É aí que entra o papel decisivo do Direito Comercial, ou empresarial como muitos já o definem.

Tal disciplina da atividade mercantil, que surgiu, como se verá mais detalhadamente no decorrer deste artigo, dos usos e costumes da classe comerciante da Idade Média, adquiriu grandes proporções e elevada importância, disciplinando toda a seara mercantilista: operações de crédito, direitos do consumidor, celebração de contratos, fusão de grandes empreendimentos, controle de práticas econômicas abusivas, consumo de produtos importados, cheques sem fundos, circulação de bens e valores, entre muitas outras operações executadas pela quase totalidade dos habitantes do planeta.

Isso é apenas uma amostra de como os empreendimentos comerciais e, consequentemente, o Direito Comercial, estão presentes no atual modelo social; mais inserido na vida das pessoas do que se pode dar conta, principalmente pela tênue fronteira que separa os países em tempos de globalização, ou mundialização como preferem alguns. Se historicamente o comércio nunca conheceu fronteiras, isso está ainda mais acentuado na contemporaneidade.

Diante dessa constatação, depreende-se que só vem a aumentar a importância de se ter um Direito Comercial sintonizado com as novas exigências da vida moderna. Menos conhecido do que vários outros ramos jurídicos, como o Direito Civil ou o Direito Penal, mas talvez tão ou mais utilizado que muitos, torna-se cada vez mais necessário se estudar essa disciplina jurídica com a mesma atenção dispensada às demais.

É com essa perspectiva que este artigo será desenvolvido. Assim, buscando-se um maior entendimento sobre o atual Direito Comercial, o trabalho será iniciado ressaltando-se os principais aspectos de sua evolução histórica, a começar pelo desenvolvimento da atividade comercial, que foi seu objeto primeiro, passando pelas teorias que mais influenciaram sua evolução.

A partir daí será feita uma incursão pelo desenvolvimento do Direito Comercial em território brasileiro, das leis portuguesas ao advento do Código Civil de 2002, com ênfase na unificação legislativa do direito privado, na figura do empresário e no papel da empresa.

Por fim, serão feitas algumas considerações em torno de questões afetas às fontes do Direito Comercial, à possível mudança de nomenclatura para direito Empresarial e à sua autonomia tendo em vista sua unificação legislativa com o Direito Civil.


2 O COMÉRCIO ATRAVÉS DOS TEMPOS

Etimologicamente, o termo "comércio" vem do latim, commercium, que quer dizer "tráfico de mercadorias". Tal significado é facilmente resgatado no definição desse termo, que vem a ser a troca voluntária de produtos e serviços por outros produtos ou por valores, ou mesmo de valores entre si [01], estando implícito o ato de negociar, vender, revender, comprar algo, em síntese, são todas as relações de negócios. O comércio é uma relação social que é singular ao homem.

Vale ressaltar que o ato de comercializar precisa refletir o desejo de alguém em adquirir algo e a conveniência de outrem em cedê-lo ou vendê-lo.

Não é possível identificar a existência de comércio formalmente instituído nos tempos primitivos pelo fato de, nessa época, os produtos se destinarem apenas à subsistência; isto é, não ocorria a troca de excedentes, o que se deu gradativamente, como ensina Fran Martins (1991, p. 01):

No início da civilização, os grupos sociais procuravam bastar-se a si mesmos, produzindo material de que tinham necessidade ou se utilizando daquilo do que poderiam obter facilmente da natureza para a sua sobrevivência – alimentos, armas rudimentares, utensílios. O natural crescimento das populações, com o passar dos tempos, logo mostrou a impossibilidade desse sistema, viável apenas nos pequenos aglomerados humanos... Passou-se, então, à troca dos bens desnecessários, excedentes ou supérfluos para certos grupos, mas necessários a outros [...]. Inegavelmente, a troca melhorou bastante a situação de vida de vários agrupamentos humanos.

Nessa época remota, as mercadorias que se barganhavam eram, na verdade, o que se produzia em excesso, tornando-se mais intensa essa atividade à medida que foi sendo necessário diversificar os materiais de que se dispunha, uma vez que a produção para consumo próprio já não era suficiente e as riquezas passaram a ser produzidas com fins de permuta.

Os grupos, nômades e geralmente de uma mesma família, isolados uns dos outros eram auto-suficientes; ao iniciarem um processo de aproximação, iniciou também a primeira forma de comércio – a troca. Com as trocas, as riquezas foram sendo melhor aproveitadas e cada grupo podia se dedicar a produzir aquilo para o que fosse mais apto.

Com o desenvolvimento das relações humanas, a permuta de um produto por outro foi sendo paulatinamente substituída por itens intermediadores – gado, peixe e até conchas – que serviam como um tipo de moeda.

Avançando na história, na Grécia o comércio era à base de costumes, mas é lá que surgem os primeiros contratos e o uso da lei escrita, os quais orientavam a comercialização marítima. Em Roma, o comércio era praticado pelos estrangeiros, disciplinados pelo jus gentium, uma vez que a aristocracia não via com apreço tal atividade, tida como desonrosa.

Paulatinamente, o homem promoveu uma série de evoluções que facilitaram o fluxo de mercadorias e as atividades comerciais, então foram criadas moedas, bancos, bolsas de valores e diversos outros institutos. No entanto, nessas civilizações clássicas não havia uma legislação comercial especial, o que se inicia a partir da Idade Média. Ricardo Negrão (1999, p. 28-29), assim assevera em relação ao comércio medieval:

Nesse período, o comércio, estava ligado ao comércio itinerante: o comerciante levava mercadorias de uma cidade para outra através de estradas, em caravanas, sempre em direção a feiras que ocorriam e tornavam famosas as cidades européias [...] Em sua evolução, as feiras se especializam, surgem os mercados (feiras cobertas) [...] As lojas, cuja função é a venda constante, num mesmo local, surgem quase que simultaneamente às feiras [...] Os mascates completam o quadro de distribuição de mercadorias.

É nessa época que se pode falar do surgimento de um direito organizado para o comércio vigente, afinal já existia um considerável sistema comercial em funcionamento, distante do sistema de trocas dos povos antigos. Então, diante da fragmentação social provocada pelo sistema feudal, tornou-se necessária a formação de associações, as chamadas corporações de ofício, nascedouro do Direito Comercial, que era baseado nos costumes e tradições dos comerciantes de então.

Com o fim da Idade Média a partir do surgimento dos Estados Nacionais, essas normas passam a ser fruto da emanação estatal, adquirindo um caráter nacional. Após a Revolução Francesa e com o surgimento do liberalismo econômico, o intervencionismo estatal nas atividades econômicas, que aceleram seu processo evolucionista, diminui consideravelmente. Na França, são editados o Código Civil e o Comercial para dar conta das novas circunstâncias sociais e comerciais, os quais irão influenciar codificações posteriores.

Diante do exposto, observa-se que desde a antiguidade o comércio faz parte da vida do homem de forma bastante decisiva, estando a história de ambos interligada: basta relembrar a formação de núcleos comerciais em torno dos castelos feudais; as grandes navegações em busca do comércio nas Índias ou as caravanas pelos desertos orientais e, com elas, o desenvolvimento dos transportes e das suas vias; a supremacia econômica do império romano, dentre tantos outros marcos da história que tem o comércio como integrante.

Como o homem, o comércio também evoluiu, indo da simples troca de itens excedentes aos mercados globalizados de hoje. Depois do desenvolvimento do comércio marítimo, na Idade Média, e do advento das feiras e mercados, acontece a Revolução Industrial que, na Idade Moderna, promoveu uma ruptura em toda a estrutura econômica e social existente.

A atividade mercantil, responsável pelo fluxo das mercadorias – outrora entre famílias e feudos – precisava agora ir mais longe para fazer a comunicação entre as cidades, que se multiplicavam, e entre os países, que se tornavam mais "próximos". Tal atividade passava a ter, mais que em qualquer outra época, o papel de integração dos povos, visto que, ao promover a circulação de produtos, também gera a comunicação entre as culturas.

O comércio exerceu uma colaboração muito importante nas sociedades, no desenvolvimento de novas tecnologias e, principalmente, na melhoria de infra-estrutura através da construção de estradas, ferrovias, portos, pontes etc., o que veio a facilitar o fluxo de mercadorias em nível planetário, até resultar no processo de globalização.

Atualmente, com o assustador desenvolvimento tecnológico e as facilidades da era digital – destaque para a internet – é possível comercializar algo com qualquer parte do planeta sem precisar, para tanto, locomover-se. Isso não significa que o comércio tradicional, face to face, tenha perdido seu lugar de destaque na sociedade; pelo contrário, ele continua em evidência e tem como maior símbolo os shoppings centers (os correspondentes modernos dos mercados e lojas referenciados anteriormente)que se multiplicam nas grandes cidades. Isso se deve ao consumismo que não pára de crescer, permitindo que o comércio de feições tradicionais e o moderno desfrutem de lucros também crescentes.

Num contexto em que o fluxo de mercadorias precisa ser crescente para dar sustentação às economias dos países, a ligação entre a atividade mercantil e a história humana fica ainda mais clara quando ocorre uma crise econômica como a atual, que abalou o poder aquisitivo das pessoas mundo a fora, em virtude da globalização, toda a estrutura econômica mundial acabou sendo afetada.

Como se pode notar, numa menor ou maior escala, o comércio sempre se fez presente na vida do homem e, como ele, vem se desenvolvendo ao longo do tempo. Na sequencia, será exposta a relação existente entre o comércio e o direito, tendo em vista ser necessária a existência de regras cada vez mais abrangentes para regulamentar a atividade mercantil.


3 DIREITO E COMÉRCIO

Inicialmente, a idéia era que o Direito Comercial se prestava a reger apenas as relações dos comerciantes, uma vez que, historicamente, foi para isso que ele surgiu. Mas, no decorrer dos anos, as atividades comerciais evoluíram sobremaneira, abrangendo a indústria e outras atividades antes não consideradas mercantis. Isso fez com que aquela idéia reducionista do Direito Comercial se tornasse insatisfatória e fosse, paulatinamente, sendo deixada de lado, como se verá adiante.

Como todas as relações humanas, também o comércio precisa de regras com vistas à otimização de seu funcionamento e à proteção das partes envolvidas. O Direito Comercial, cuja evolução histórica é o tema central deste artigo, é o ramo do direito privado responsável por regulamentar as relações comerciais. O intuito deste trabalho é o de apresentar a evolução que o Direito Comercial sofreu para acompanhar as transformações da atividade mercantil e da própria sociedade. Para tanto, será necessário entender como se deu seu surgimento histórico, como se desenvolveu e, também, qual a atual situação desse campo jurídico.

Apesar de se falar na existência de comércio desde a Idade Antiga, não se pode afirmar; pela escassez de elementos históricos, haver nas remotas sociedades um direito autônomo, com princípios, normas e institutos sistematizados, voltados à regulamentação da atividade mercantil [02]. Nos tempos antigos, de acordo com MARTINS (1991, p.5-6), são os usos e costumes advindos do comércio marítimo que regulam as relações comerciais em cada cidade, entretanto, não se pode considerar direito propriamente dito pela falta de abrangência de suas normas, o que só viria a ocorrer a partir da Idade Média.

Durante a Idade Média, todavia, o comércio já atingira um estágio mais avançado, e não era mais uma característica de apenas alguns povos, mas de todos eles. É justamente nessa época que se costuma apontar o surgimento das raízes do Direito Comercial. [...] é a época do renascimento das cidades ("burgos") e do comércio, sobretudo o marítimo. [03]

Na verdade, não existe consenso quanto ao início histórico do Direito Comercial: enquanto alguns estudiosos defendem uma divisão conforme a divisão clássica da história do homem; outros, os quais aqui serão considerados, apontam a Idade Média como sendo o marco inicial do Direito Comercial, tendo em vista as idéias econômicas que, ligadas à ascensão da classe burguesa urbana, contrapunham-se ao feudalismo predominante, o que promoveu uma verdadeira revolução no mundo ocidental. A partir daí, o Direito Comercial apresentaria diferentes momentos, conforme o contexto histórico em que está situado, cuja divisão tem por norte as características que o particularizam nas diferentes épocas, desde a sua utilização até a forma como é estipulado para a sociedade, como se expõe a seguir.

3.1 Divisão do Direito Comercial

Como exposto anteriormente, o Direito Comercial surgiu formalmente na Idade Média devido à ascensão de formas de comércio mais organizadas, surgimento das corporações de mercadores e crescimento das cidades medievais. Tudo isso gerou, naturalmente, a necessidade de se criar normas que regulamentassem essas atividades, as quais foram criadas pela classe comerciante e, dessa forma, privilegiava-lhe.

Com a filosofia liberal da Idade Moderna, que dava ênfase à igualdade entre os cidadãos, criou-se uma forma de regulamentação das atividades mercantis que não se sujeitasse à conveniência da classe dos comerciantes, reorientando o foco daqueles que faziam parte das corporações para qualquer um que se enquadrasse como realizador de uma atividade tida como comercial.

Com os novos horizontes alcançados pelo mundo do comércio, com o capitalismo e sua revolução nos sistemas de produção, também essa forma de regulá-lo ficou obsoleta, o que faz surgir uma nova visão para o Direito Comercial. Nessa nova ótica, entre em cena a figura do empresário, o conceito de empresa, a distribuição de bens e de serviços em larga escala, e o Direito Comercial precisou ser o disciplinador, também, das empresas comerciais. Assim, tendo em vista as mudanças de contexto pelas quais passou o comércio e, consequentemente, o Direito Comercial, sua evolução é dividida em fases históricas.

Conforme Negrão [04], que segue a divisão proposta por Oscar Barreto Filho com o Direito Comercial dividido em quatro fases históricas, a primeira delas, que vai o século XII ao XVI, está assim caracterizada: existência de um direito de classes, no caso a dos comerciantes, com regras estabelecidas por eles e para eles, sem a participação estatal, apenas podendo ser usadas por quem integrasse as corporações de ofício. É a época do comércio itinerante, que evolui para feiras, mercados e lojas. Seriam os serviços originados nessas feiras os responsáveis pelo surgimento de vários institutos jurídicos, como o câmbio, os títulos de crédito, os bancos e as bolsas; surgindo aí, inclusive, os mercados financeiros acionários. Ocorre a evolução das sociedades marítimas (um sócio em terra e outro na embarcação, negociando pelos mercados por onde passa), as quais viram a ser reguladas pelas Ordenações Filipinas em 1603. Ainda são identificadas nesse período as companhias (instituições familiares, mais tarde chamadas de sociedade por causa da solidariedade e da não limitação de responsabilidade perante terceiros) e as sociedades por ações, que são as últimas a surgir.

A segunda fase, caracterizada pelo mercantilismo e pela colonização, está compreendida entre os séculos XVII e XVIII. Época em que se observa a evolução das grandes sociedades. Aqui as normas do Direito Comercial, como todas as outras, tem origem num poder soberano central – o rei. Na Europa, surgem as codificações tanto para matéria de direito marítimo quanto para de direito terrestre.

A terceira fase do Direito Comercial compreende o século XIX e é marcada pelo liberalismo econômico. Aqui, com a promulgação do Código Napoleônico de 1806, surge o conceito objetivo de comerciante, que seria todo aquele que praticasse atos de comércio profissionalmente e de forma habitual. O Direito Comercial deixa de ser dos comerciantes e passa a ser dos atos de comércio, isto é, perde o caráter subjetivo, pessoal, e adquire um caráter objetivo ligado às atividades tidas legalmente como comerciais. A Teoria dos Atos de Comércio será tratada de forma mais detalhada posteriormente.

A quarta e última fase, que é a contemporânea, caracteriza-se por uma nova visão do Direito Comercial que culmina com a terminologia do direito de empresa, ou empresarial, a qual foi adotada inicialmente pelo Código Civil italiano de 1942 e integra o Livro II do Código Civil brasileiro de 2002. A Teoria da Empresa também será tratada em tópico específico.

Na visão de Ramos [05], que apresenta uma divisão menos fragmentada, o Direito Comercial teria três períodos históricos, os quais são a seguir apresentados apenas para fins de comparação com a caracterização anterior:

Primeiro período: compreende a Idade Média e tem por contexto o mercantilismo, o ressurgimento das cidades, a aplicação dos usos e costumes mercantis e a codificação privada do Direito Comercial – pelos comerciantes, tendo assim um caráter subjetivista.

Segundo período – abrange a Idade Moderna que, com a formação dos Estados Nacionais monárquicos e a consequente monopolização jurisdicional, objetiva o Direito Comercial, que deixa de ser da classe dos comerciantes e passa a valer para qualquer cidadão que exerça uma atividade comercial; destaque para a Codificação Napoleônica com a bipartição do direito privado – civil e comercial – e para a teoria dos atos de comércio.

Terceiro período – corresponde à Idade Contemporânea. tem como marco o Código Civil Italiano de 1942 e se caracteriza pela unificação formal do direito privado, pela prevalência da teoria da empresa no regime jurídico-empresarial e pelo papel da empresa como atividade econômica organizada.

Como é possível observar, a opção por uma ou outra divisão não interfere no entendimento da evolução histórica da disciplina comercial, pois as duas trazem informações similares sobre o tema, diferindo apenas no corte temporal. O importante a observar em ambas as divisões é o reflexo imediato dos acontecimentos sociais e políticos de cada época no contexto de criação e utilização das regras que regulamentam as atividades mercantis.

Isso demonstra que, assim como o comércio se desenvolveu conforme o homem e suas relações, o direito que o rege tem acompanhado esse desenvolvimento, indo da inexistência de regras ou das regras direcionadas a um determinado grupo, para ser o regulador de todas as atividades mercantis, sejam elas comerciais ou empresariais.


4 OS ATOS DE COMÉRCIO

O Direito Comercial como um direito profissional e corporativista desaparece quando são editados, na França, os códigos napoleônicos de Direito Civil e Comercial, respectivamente, em 1804 e 1808. Passa, então, a existir um sistema jurídico estatal para disciplinar as relações mercantis em lugar do antigo direito de classe, não mais norteado pela óptica dos comerciantes, mas sim, pelo espírito da burguesia comercial e industrial, valorizando a riqueza imobiliária; e um Código Civil que atendia os interesses da burguesia fundiária, pois estava centrado no direito de propriedade [06].

Diante dessa divisão, cria-se a necessidade de se delimitar, através de critérios claros, a atuação do código comercial que surgiu como um regime jurídico especial para a regulamentação das atividades comerciais. Assim, surge a teoria dos atos do comércio que, segundo Coelho [07], resume-se, rigorosamente falando, a uma relação de atividades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento interno de ligação.

Os atos de comércio eram definidos pelo legislador, tendo como uma de suas funções a de atribuir a qualidade de comerciante a quem os exercesse. Dessa forma, tem-se que eram expressos em lei quais atos eram de natureza mercantil e, automaticamente, quem os praticasse era qualificado como comerciante e estava sujeito às regras do Direito Comercial.

Muda-se, assim, o foco da mercantilidade: antes subjetivista, pois se aplicava o Direito Comercial apenas aos comerciantes membros das corporações de ofício; agora objetiva – os atos de qualquer cidadão, independente de ser filiado ou não a uma corporação, desde que tidos como legalmente de comércio, seriam regidos pelo Direito Comercial. Assim, o objeto do Direito Comercial passa a ser a atividade comercial em si e não mais a pessoa que a executava, por isso falar-se em sua objetivação a partir de então.

Com a codificação francesa de princípios do século XIX, o Direito Comercial abandonava o sistema subjectivo – segundo o qual este direito se aplicava apenas a quem estivesse inscrito como comerciante no correspondente registro –, adaptando o sistema objectivo: o Direito Comercial aplica-se a todos os actos de comércio, praticados por quem quer que seja, ainda que ocasionalmente [...]. [08]

Essa objetivação reflete, na verdade, o princípio da igualdade entre os homens oriundo da Revolução Francesa, que se contrapunha ao favorecimento de uma classe em detrimento das demais, como ocorria com o sistema subjetivista dos atos de comércio.

Por se resumir ao estabelecimento de uma relação de atividades econômicas, o sistema francês dos atos de comércio gerou indefinições quanto à natureza mercantil de algumas delas, principalmente, porque quando de sua definição pelo legislador, apenas foi considerada a natureza comercial dos atos que já eram realizados pelos comerciantes da época; ou seja, não existiram critérios científicos para defini-los, mas sim, apenas fatores da tradição histórica. Também foi essa a razão de se ter deixado de fora atividades importantes como a prestação de serviço, a agricultura e a negociação imobiliária, uma vez que essas atividades não eram tradicionalmente desenvolvidas pelos comerciantes.

A inexistência de um critério científico na divisão das atividades econômicas em civis e comerciais e a exclusão de importantes atividades do rol dos atos comerciais constituem os principais motivos para que a teoria dos atos de comércio perdesse prestígio e fosse substituída pelo sistema italiano da teoria da empresa. Vale destacar que tal substituição só ocorre mais de um século após terem sido editados os códigos napoleônicos, tempo mais que suficiente para servirem de inspiração para praticamente todas as codificações que a eles se seguiram, inclusive o Código Comercial Brasileiro de 1850.


5 TEORIA DA EMPRESA

Com a Revolução Industrial e a consequente efervescência econômica por ela trazida, a teoria francesa não conseguiu acompanhar a rápida evolução das atividades econômicas, o que a tornou ultrapassada por não mais identificar com precisão a matéria comercial. Como tal teoria não era mais suficiente para abarcar as inovações do campo mercantil vivenciadas do século XIX para o XX, surge, em sua substituição, a teoria da empresa – uma fórmula para se definir a comercialidade das relações jurídicas.

A teoria da empresa foi inserida no Código Civil italiano de 1942 que, diferentemente do sistema francês, não dividiu as atividades econômicas em dois grandes regimes – civil e comercial, passando a disciplinar os dois num único diploma legal, uniformizando a legislação do direito privado para por fim à diferença de tratamento entre eles existente.

Conforme Coelho [09], apesar dessa teoria ser um modelo mais adequado ao capitalismo dominante, não ocorre a extinção da diferença de tratamento entre as atividades econômicas, ela apenas muda de foco, saindo do tipo de atividade e indo para o nível de importância econômica. Assim, o autor não concorda que ela tenha significado a unificação do direito privado, e sim, que ela seja o núcleo de um sistema novo de disciplina privada da atividade econômica.

Enquanto a teoria dos atos de comércio exclui da abrangência do Direito Comercial atividades de grande importância como a agricultura e a negociação imobiliária, que ficavam sob o regime do Direito Civil, a teoria italiana deixa fora da jurisdição comercial apenas algumas atividades de menor expressão econômica, como os profissionais liberais e pequenos comerciantes – para essas, é reservada uma disciplina específica.

A teoria da empresa elaborada pelos italianos não se preocupa com o gênero da atividade econômica. O que importa é o desenvolvimento da atividade econômica mediante a organização de capital, trabalho, tecnologia e matéria-prima, que resulte na criação e na circulação de riquezas. Com ela o Direito Comercial passa a ser baseado e delimitado na atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, libertando-se da arbitrária divisão das atividades econômicas segundo o seu gênero, como previa a teoria dos atos de comércio.

Para a teoria da empresa, o Direito Comercial não se limita a regular apenas as relações jurídicas em que ocorra a prática de um determinado ato definido em lei como ato de comércio (mercancia). A teoria da empresa faz com que o Direito Comercial não se ocupe apenas com alguns atos, mas com uma forma específica de exercer uma atividade econômica: a forma empresarial. [...] Fica superada, portanto, a dificuldade, existente na teoria francesa dos atos de comércio, de enquadrar certas atividades na disciplina jurídico-comercial [...] Para a teoria da empresa, qualquer atividade econômica, desde que exercida profissionalmente e destinada a produzir ou fazer circular bens ou serviços, é considerada empresarial e pode submeter-se ao regime jurídico comercial. [10]

Assim, o sistema italiano superou os defeitos da teoria francesa, ampliou o campo de abrangência do Direito Comercial e, a partir de meados do século XX, a tendência das legislações de direito privado é a de não mais fazer a divisão dos empreendimentos em civil ou comercial, com regimes de regulação diferenciados, mas sim, discipliná-los através de um regime geral que deixa de fora apenas algumas atividades com mínima expressão econômica.


6 O DIREITO COMERCIAL NO BRASIL

É possível dizer que a história do Direito Comercial brasileiro se inicia em 1808, com a chegada da família real portuguesa (que se refugiava do domínio napoleônico na Europa) e a abertura dos portos às nações amigas que a ela. Isso ocorreu através da Carta Régia de 28 de janeiro desse mesmo ano. Além deste, outros importantes atos foram editados para disciplinar o comércio, sendo exemplos: o Alvará de 1º de abril, que permitiu o estabelecimento livre de fábricas e manufaturas; e o de 12 de outubro, que criou o Banco do Brasil.

Em 1815, com a paz novamente reinando na Europa, D. João VI retorna a Portugal dando condições para que aqui surgisse o estado brasileiro, o que é concretizado em 1822 com a independência. Mesmo independente, até ser sancionada a Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, que fez nascer o Código Comercial Brasileiro, as relações jurídico-mercantis do Brasil eram regidas pelas leis portuguesas e os Códigos Comerciais da Espanha e da França. Isso acontecia em razão de entre as leis portuguesas existir a "Lei da Boa Razão" a qual previa que, no caso de lacuna da lei portuguesa, fossem aplicadas as leis das "nações cristãs, iluminadas e polidas para dirimir os conflitos [11].

Como o Brasil apresentava grande potencial econômico, surgiu a necessidade de se ter um código comercial próprio em substituição às disciplinas estrangeiras, culminando com a aprovação, pelo então Imperador D. Pedro II, do Código Comercial Brasileiro, inspirado diretamente no Código Comercial francês.

Dessa maneira o direito brasileiro passou a disciplinar a atividade econômica pelos critérios da teoria dos atos de comércio, embora nenhum dos seus artigos apresente a enumeração desses atos, como acontece no Código Comercial francês de 1807 nos artigos 632 e 633. Essa ausência foi proposital e se justificou pelos problemas que a enumeração causava na Europa em relação à caracterização da natureza comercial ou civil de determinadas atividades econômicas constantes da lista dos atos de comércio. Temendo que isso se repetisse no Brasil, o legislador optou por não inserir tal enumeração no Código Comercial Brasileiro.

[...] trouxe para o direito nacional o sistema francês de disciplina privada da atividade econômica. O próprio Código não menciona a expressão "atos de comércio" e tampouco os enumera. [...] Contudo, a despeito dessa proposital inexplicitação, todos os dispositivos do Código são acentuadamente marcados pela teoria dos atos de comércio. E, de qualquer modo, a legislação brasileira não teve como fugir do elenco normativo desses atos, editando-se, ainda em 1850, o Regulamento n. 737, diploma processual de qualidade técnica destacada, em cujo art. 19 definem-se as atividades sujeitas à jurisdição dos Tribunais do Comércio. [12]

A importância da lista do Regulamento 737 só vem a diminuir a partir de 1960 quando o direito brasileiro começa a se aproximar do italiano e de sua disciplina privada uniformizada.

A utilização de um sistema geral para disciplinar a atividade econômica, deixando de fora apenas certas modalidades menos importantes, adotado desde 1942 pelo direito italiano, atraiu muitos países de tradição romanística, entre eles o Brasil. Vigente desde 1850, em muitas das tentativas de reforma do Código Comercial Brasileiro houve intenção de unificar o direito privado.

O projeto Inglês de Sousa do código comercial foi apresentado, em 1912, ao governo Hermes da Fonseca, juntamente com a alternativa de um código único de direito privado. Em 1941, o ministro Francisco Campos recebeu de Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães o anteprojeto de código das obrigações. A mesma orientação unificadora esteve presente no código encomendado a Caio Mário da Silva Pereira em 1961[...]. [13]

A tão buscada unificação do direito privado brasileiro veio a ocorrer, formalmente, apenas em 2002, com o novo Código Civil. Mas, apesar dessa "unificação" ter se consolidado apenas aí, é possível constatar que desde os anos 1970 o sistema italiano da teoria da empresa já vinha sendo considerado pela doutrina pátria; bem como, vinha sendo utilizado em julgados de causas mercantis em razão da teoria francesa não mais abarcar os conflitos que surgiam.

O Direito Comercial brasileiro filia-se, desde o último quarto do século XX, à teoria da empresa. No anos 1970, a doutrina comercialista estuda com atenção o sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica. Já nos anos 1980, diversos julgados mostram-se guiados pela teoria da empresa para alcançar soluções mais justas aos conflitos de interesse entre empresários. A partir dos anos 1990, pelo menos três leis (Código de Defesa do Consumidor, Lei das locações e Lei do Registro do Comércio) são editadas sem nenhuma inspiração na teoria dos atos do comércio. O Código Civil de 2002 conclui a transição, ao disciplinar, no Livro II da Parte Especial, o direito de empresa. [14] (grifos do autor)

As dificuldades encontradas na definição da comercialidade das relações jurídicas e a adoção da teoria da empresa para caracterizar determinadas atividades econômicas como comerciais caracterizam o período de transição do Direito Comercial brasileiro. Esse período transitório entre a teoria dos atos de comércio, presente no Código Comercial, e teoria da empresa, já usada no âmbito jurídico-mercantil na doutrina, na jurisprudência e algumas leis comerciais, se vê finalizado com a edição do novo Código Civil brasileiro.


7 O NOVO CÓDIGO CIVIL E O DIREITO DE EMPRESA

As mudanças ocorridas na sociedade, com a evolução cultural e com o desenvolvimento científico, provocaram transformações em todo o planeta no último século. Como não podia ser diferente, diante do caráter social que tem o Direito, essas mudanças exigiram que as normas jurídicas se adaptassem às novas situações existentes nas relações que elas intermediam. No Brasil, merecem destaque as muitas modificações pelas quais passou o Direito Civil, que culminaram com o novo Código Civil.

Promulgado em janeiro de 2002, o novo Código Civil brasileiro (Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002), entrou em vigor em janeiro de 2003, revogando expressamente o Código Civil de 1916 (Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916) e a Parte Primeira do Código Comercial (Lei n° 556, de 25 de junho de 1850), que trata do "Comércio em Geral".

É bem verdade que a morosidade é uma das características marcantes da história do novo Código Civil, ao ponto dele já ser considerado um código ultrapassado em alguns aspectos. Isso se deve ao grande tempo que levou para ser editado, uma vez que ele tramitava no Congresso Nacional desde 1975 (Projeto n° 634/75).

Uma das maiores mudanças do novo diploma legal foi a tão aguardada unificação formal (legislativa) do direito privado brasileiro, disciplinando tanto a matéria civil quanto a matéria comercial, a exemplo do que ocorreu na Itália em 1942. Finalmente, depois de décadas de uma nítida aproximação do sistema italiano da teoria da empresa, Código Civil e Comercial são unificados e o direito brasileiro abandona a teoria francesa dos atos de comércio.

Ao afastar-se da antiga idéia francesa da enumeração não criteriosa de atividades econômicas tidas, legalmente, como atos de comércio, o Brasil abandona a prática que excluía, do regime comercial, importantes atividades econômicas por causa do gênero como, por exemplo, a prestação de serviços e a atividade imobiliária. Ao adotar a teoria da empresa, o novo Código Civil brasileiro unifica a legislação nacional do direito privado e consolida o Direito Comercial como o direito da empresa, maior e mais adequado para disciplinar o desenvolvimento das atividades econômicas no país.

O Código possui 2.046 artigos e divide-se, fundamentalmente, em Parte Geral e Parte Especial. A Parte Geral possui três Livros: I. Das Pessoas; II. Dos Bens; III. Dos Fatos Jurídicos. A Parte Especial contém cinco Livros: I. Do Direito das Obrigações; II. Do Direito de Empresa; III. Do Direito das Coisas; IV. Do Direito de Família; V. Do Direito das Sucessões. As disposições finais e transitórias estão previstas no Livro Complementar.

Baseado no Código Civil italiano de 1942 (conhecido pela unificação legislativa do direito privado e, também, por apresentar uma nova teoria para disciplinar as atividades econômicas, a teoria da empresa) o novo Código Civil brasileiro promove a substituição da imprecisa e ultrapassada teoria dos atos de comércio. Isso, consequentemente, culminou com a revogação da Primeira Parte do Código Comercial de 1850, fazendo desaparecer a noção jurídica de "atos de comércio", uma vez que a parte revogada era a que conferia um regime jurídico diferenciado para os atos jurídicos que fossem considerados como "atos de comércio" e para os comerciantes.

O Código Civil de 2002 trata, no seu Livro II, Título I, do "Direito de Empresa". Desaparece a figura do comerciante, e surge a figura do empresário (da mesma forma, não se fala mais em sociedade comercial, mas em sociedade empresária). A mudança, porém, está longe de se limitar a aspectos terminológicos. Ao disciplinar o direito de empresa, o direito brasileiro afasta-se, definitivamente, da ultrapassada teoria dos atos de comércio, e incorpora a teoria da empresa ao nosso ordenamento jurídico, adotando o conceito de empresarialidade para delimitar o âmbito de incidência do regime jurídico comercial. [15]

Economicamente falando, no entanto, os "atos de comércio" não desapareceram. O que deixou de existir foi apenas sua dimensão jurídica. Dito de outro modo, o ato de comprar e vender algo continua ocorrendo como antes, só que agora sem existir diferença entre uma compra e venda mercantil e uma compra e venda civil, sendo qualquer ato dessa natureza regido pelo novo Código Civil, que agora também engloba, formalmente, a disciplina mercantil.

Além dos atos de comércio, com o advento do novo Código Civil, também sai de cena o termo "comerciante" (que era toda pessoa física ou jurídica que praticasse atos de comércio em nome próprio com habitualidade, profissionalismo, como meio de vida e intuito de lucro), que foi substituído por "empresário".

Tendo o Código Civil de 2002, conforme vimos, adotado a teoria da empresa, restou superado o ultrapassado e deficiente critério do código comercial de 1850, que definia o comerciante como aquele que pratica habitualmente atos de comércio. Com a edição do Código Civil de 2002, portanto, tornam-se obsoletas as noções de comerciante e de ato de comércio, que são substituídas pelos conceitos de empresário e de empresa. [16]

Dessa forma, torna-se imprescindível compreender o significado de empresário e de empresa, dentro da perspectiva jurídica do novo Código, para se ter uma exata noção do que tais mudanças significam, na prática, para as relações jurídico-mercantis, motivo pelo qual serão tratados em tópico específico que se segue.

7.1 Empresa e empresário: algumas considerações.

O Livro II do Código Civil, que trata do Direito de Empresa, divide-se em Título I – Do Empresário, Título II – Da Sociedade, Título III – Do Estabelecimento e Título IV – Dos Institutos Complementares. Para o presente trabalho, serão expostas algumas considerações apenas acerca do Título I, que compreende os artigos de 966 a 980 e trata, em seu primeiro Capítulo, da caracterização e inscrição do empresário e, no Capítulo segundo, de sua capacidade de exercício.

A figura do empresário é uma novidade trazida pelo novo Código Civil. Nos termos do seu art. 966, "empresário" é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Portanto, quem exercer dada atividade econômica de forma esporádica não será considerado empresário nos termos da lei.

Ressalte-se, por oportuno, que também fica excluído dessa definição quem exerce atividade intelectual, de natureza literária, artística ou científica, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa, nos termos do parágrafo único desse mesmo artigo.

Assim, quem é empresário deve obediência a um conjunto de direitos e obrigações (regime jurídico) diverso de quem não é empresário. Em outras palavras, o empresário tem certos direitos e certas obrigações que o não-empresário não tem e vice-versa. Em se tratando de regras jurídicas, entretanto, nos termos do art. 2.037 do novo Código Civil, o regime jurídico do antigo comerciante continua a ser aplicado ao moderno empresário, senão, vejamos:

Art. 2.037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis.

Depreende-se, então, que no novo Código a figura do comerciante foi absolvida pela do empresário, sendo que os institutos jurídicos que se aplicavam aquele, e que ainda estejam vigentes, passam a ser aplicados a este, o que está disposto expressamente.

Como se vê, nem mesmo o regime jurídico do comerciante desapareceu por completo. O que ocorreu com a adoção da teoria da empresa foi que se esqueceu o confuso conceito de ato de comércio e, a empresa, a atividade econômica em si, passa a ser o novo núcleo do Direito Comercial. O empresário, por sua vez, torna-se o principal elemento, já que ele é o responsável pela atividade empresarial.

Conceituando, tem-se que empresa corresponde à atividade econômica organizada, destinada à produção ou à circulação de bens ou de serviços [17]; e o empresário é aquele que exerce a empresa, a partir da organização dos bens que a integram. Corroborando com tal entendimento, Fábio Ulhôa Coelho assevera que empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços [18].

Observa-se que para ser considerado empresário não basta simplesmente a vontade do indivíduo em sê-lo, pois é preciso obedecer a certos dispositivos pertinentes à atividade e que são legalmente estipulados, como: o exercício precisa ser profissional, com habitualidade com o fim de produzir bens ou serviços; o empresário deve, obrigatoriamente, inscrever-se junto ao respectivo Registro Público de Empresas Mercantis antes de iniciar a atividade (art. 967).

Vale salientar que a atividade empresarial é também econômica, por visar o lucro; é organizada, uma vez que o empresário articula os meios de produção, o capital, a mão-de-obra e tudo o mais que se faça necessário para o devido andamento da empresa.

Entenda-se a idéia de lucro aqui como utilidade. É lucrativa a atividade que produz uma utilidade, e não somente aquela que se traduz em dinheiro. De qualquer forma, o critério de economicidade é essencial. A atividade deve produzir o suficiente para, pelo menos, remunerar os fatores da produção e, dentre eles, o capital investido, de molde a assegurar, por si mesma, a sua sobrevivência. [19]

A empresa é atividade organizada no sentido de que nela se encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. [20]

Além de caracterizar a figura do empresário, o Título I, em seu Capítulo II, trata de sua capacidade de exercício, o que é contemplado nos artigos 972 a 980 do CC-02. De forma geral, fica estipulado que para exercer a atividade de empresário é preciso encontrar-se em pleno gozo da capacidade civil e não ser legalmente impedido – art. 972.

Sobre a capacidade civil, O Código Civil de 2002, em seu art. 3º, dispõe sobre os absolutamente incapazes de exercerem pessoalmente os atos da vida civil, apontando: os menores de 16 anos; os enfermos ou deficientes mentais, desde que tais acometimentos afetem seu discernimento; e os que não possam exprimir sua vontade, mesmo transitoriamente. Na sequencia, no art. 4º, são elencados os relativamente incapazes, que seriam: os maiores de 16 e menores de 18 anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os de discernimento reduzido por deficiência mental; os excepcionais e os pródigos. Acrescente-se que a incapacidade cessará para os menores de 16 anos que se encontrarem emancipados, casados, em exercício de emprego público efetivo, com ensino superior concluído ou tenha economia própria – nos termos do art. 5º, parágrafo único.

Então, da leitura desses dispositivos, depreende-se que fica impossibilitado de exercer a atividade de empresário as pessoas que se enquadrarem nessas situações de incapacidade civil. Em caso de ser impedido e, mesmo assim, exercer tal atividade, a pessoa, nos termos do art. 973, responderá pelas obrigações contraídas.

Os demais artigos referentes à capacidade de exercício tratam da situação dos incapazes e dos cônjuges diante do exercício da atividade empresarial. Quanto ao incapaz, desde que a incapacidade tenha sido adquirida após o início da atividade empresarial, ele poderá continuar a empresa, sendo que para isso deve estar devidamente assistido pelos pais ou pelo autor de herança; os conflitos que por ventura surjam para o devido cumprimento desse dispositivo serão decididos pelo judiciário (art. 974-975).

Em relação ao empresário casado, vale destacar que se faculta a contração de sociedade, entre os cônjuges ou com terceiros, desde que o regime de bens não seja o de comunhão universal nem o da separação parcial; bem como, que é dispensada a aprovação conjugal, independente do regime de bens, para a alienação dos imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real (art. 977-978).


8 FONTES DO DIREITO COMERCIAL

Entende-se por fonte do direito as diferentes maneiras de realização do Direito [21], isto é, a partir de onde as regras jurídicas se originam. A importância de tais fontes está na constante necessidade de quem opera o direito de interpretar as normas legais, adaptando-as ao fato concreto, o que também se observa na solução das lides mercantis.

Tais interpretações, no entanto, não ocorrem ao gosto do operador. A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 04/09/1942), que na verdade se refere a todo o ordenamento jurídico brasileiro, elenca em seu art. 4º as fontes de direito que devem ser hierarquicamente observadas, quais sejam: a lei (norma positivada, isto é, escrita, que integra o conjunto de regras que formam o ordenamento jurídico); a analogia (método de interpretação da lei pelo qual se estende um preceito legal a casos não previstos nele, tendo vista a semelhança com os casos previstos); os costumes (uso reiterado de uma conduta que a torna obrigatória); e os princípios gerais do Direito (princípios estruturantes de todo o ordenamento jurídico, envolvendo, por exemplo, a idéia de justiça).

Enquanto lei maior, a Constituição é o ponto de partida da ordem jurídica, é a fonte positiva primeira regendo todo o sistema. Seus princípios guiam os institutos do Direito e, entre eles, está o Direito Comercial.

O Código Comercial de 1850 por muito tempo foi a principal fonte do direito mercantil, entretanto, após o Código Civil de 2002 ter revogado seu Capítulo I, permanece vigente apenas sua segunda parte, que trata do comércio marítimo, tendo em vista o Capítulo III desse diploma já haver sido revogado desde o Império [22].

Atualmente, as mais importantes fontes do Direito Comercial são as regras empresariais, que englobam todas aquelas normas positivadas que se destinam a regular a atividade econômica, não só as inseridas no código Civil, as quais devem sempre estar alinhadas aos princípios da Carta-Magna.

A essas normas, acrescentem-se os usos e costumes que, conforme RAMOS (2009, p. 54), são merecedores de destaque principalmente porque estão diretamente ligados ao surgimento do direito empresarial, o qual foi baseado nas práticas mercantis dos mercadores medievais. Sobre essa fonte do Direito Comercial, o autor complementa: Os usos e costumes surgem quando se verificam alguns requisitos básicos: exige-se que a prática seja (i) uniforme, (ii) constante, (iii) observada por certo período de tempo, (iv) exercida de boa fé e (v) não contrária à lei. [23]

Vale salientar que em nosso ordenamento jurídico a lei positivada deve ser sempre a primeira fonte a ser utilizada. Apenas quando ela não for suficiente para a resolução da lide é que as demais fontes do direito deverão ser usadas, de acordo com o que dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º, já exposto anteriormente.


9 DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL

Inicialmente, o Direito Comercial foi criado para regular a atividade do comércio. Aparece na Idade Média com um caráter eminentemente subjetivista, já que fora elaborado pelos comerciantes, reunidos nas corporações de ofício, para disciplinar suas atividades profissionais. Porém, com o passar do tempo, as atividades comerciais evoluíram e passaram a abranger a indústria e outras atividades que não eram primordialmente mercantis. Assim sendo, a disciplina jurídica que as regula também acompanha tal evolução, senão, vejamos:

[...] o Direito Comercial não cuida apenas do comércio, mas de toda e qualquer atividade econômica exercida com profissionalismo, intuito lucrativo e finalidade de produzir ou fazer circular bens ou serviços. Dito de outra forma: o Direito Comercial, hoje, cuida das relações empresariais, e por isso alguns têm sustentado que, diante dessa nova realidade, melhor seria usar a expressão direito empresarial. [24]

Dessa forma, observa-se que a evolução ocorreu na medida em que o centro do Direito Comercial não é mais o comerciante, subjetivamente falando, nem o ato de comércio, sob a ótica objetiva, mas a empresa. Isso fez com que o Direito Comercial evoluísse de regulador de comerciantes para diretriz do exercício empresarial.

Devido a tal mudança, se observa com bastante freqüência divergência quanto à nomenclatura que se usa nos livros, manuais, cursos e disciplinas de entidades de nível superior: algumas vezes Direito Comercial; outras vezes Direito Empresarial. Muitos doutrinadores também apresentaram outras opções para nomear a disciplina jurídico-mercantil, como Direito dos Negócios, Direito das Empresas, Direito Econômico. No entanto, apesar de não haver uma uniformização em seu uso, por tradição, se mantém Direito Comercial.

Fica claro, porém, que diante da vastidão de institutos e matérias que o Direito Comercial abarca, como, por exemplo, os títulos de crédito, as marcas e patentes, a falência e concordata, o direito societário, o direito marítimo, o direito aeronáutico e, até, o direito do mercado de capitais e o bancário, independente do nome que a ele seja atribuído não há como encará-lo de forma reducionista como outrora. Isso porque o termo "comércio" há muito não é entendido, simplesmente, como a ato de comprar e vender – a empresarialidade é um fato.

Por fim, desde que não seja motivo de confusão para o entendimento das pessoas, pouco importa a nomenclatura adotada. O que importa saber é que existe um ramo jurídico específico para regular as relações econômicas. Se esse ramo continuará sendo chamado de "Direito Comercial", embora não mais exista a figura do "comerciante" ou dos "atos de comércio", ou se será adotado um novo nome, in casu, "direito empresarial", tendo em vista a aceitabilidade do termo, só o tempo se encarregará de responder.


10 AUTONOMIA DO DIREITO COMERCIAL

Como visto anteriormente, está na Idade Média a origem do Direito Comercial, como ramo autônomo do direito, isto é, independente do Direito Civil, tendo sido decorrente das relações jurídicas desenvolvidas com o comércio. Essa independência em relação ao Direito Civil propiciou que o Direito Comercial alcançasse autonomia jurídica, com objeto, princípios e métodos próprios que o consolidaram como disciplina jurídica autônoma.

Direito Comercial é tradicionalmente outro grande ramo do direito privado. Aquilo que dantes tratava do comerciante e de suas atividades, hoje é um "direito das empresas mercantis". Aos poucos, a figura do comerciante é substituída pela noção de empresa.

[...]

O Direito Civil trata do conjunto de normas reguladoras das relações jurídicas dos particulares. O interesse de suas regras é eminentemente individual. Nele estão os princípios de personalidade, o conjunto de atributos que situam o homem na sociedade. É matéria fundamental, sem a qual todas as outras disciplinas não podem ser convenientemente compreendidas. [25]

[...] o Direito Comercial não se confunde com o civil, não obstante os inúmeros pontos de contato existentes entre ambos. [...] Afigura-se, assim, o Direito Comercial como um direito de tendências profissionais, enquanto que o civil é de tendência individualista, procurando reger as relações jurídicas das pessoas como tais e não como profissionais. [26]

Depreende-se dos ensinamentos dos ilustres doutrinadores que, enquanto o Direito Civil se presta a disciplinar, de forma geral, os direitos e obrigações na esfera privada no que se refere às pessoas, aos bens e às suas relações; o Direito Comercial, por seu turno, é um regime jurídico especial que comporta todo um conjunto normativo para ser aplicado, especificamente, aos agentes econômicos, isto é, aos empresários. É essa especificidade que lhe garante a autonomia, pois o fenômeno econômico, objeto da disciplina do Direito Comercial e de suas normas, tem exigências técnicas e econômicas particulares que pressupõem uma organização própria e normas específicas de atuação [27].

Ademais, a própria Constituição Federal, em seu art. 22, I, ao tratar da competência legislativa que são privativas da União, cita separadamente Direito Civil e Comercial. Assim, apesar da unificação formal do direito privado brasileiro com o Código Civil de 2002 esses dois ramos jurídicos permanecem distintos. O novo Código representa o início de uma nova fase da disciplina comercial no país, pela caracterização do empresário e pela delimitação da matéria comercial segundo a teoria da empresa.

Como ensina Fábio Ulhôa Coelho [28], a autonomia do Direito Comercial se justifica por ser ele uma área jurídica especializada, dotada de conhecimentos extrajurídicos, como economia, administração de empresas, finanças e contabilidade, além de dar conta das necessidades peculiares ao empresário. Dessa forma, em nada compromete essa autonomia o fato de estar junto com o Direito Civil num único Código, já que suas características didáticas e profissionais permanecessem independentes.

A demonstração irrespondível, porém, de que a autonomia do Direito Comercial não é comprometida nem pela unificação legislativa do direito privado, nem pela teoria da empresa, encontra-se nos currículos dos cursos jurídicos das faculdades italianas. Já se passaram 60 anos da unificação legislativa e da adoção da teoria da empresa na Itália, e o Direito Comercial continua sendo tratado lá como disciplina autônoma, com professores e literatura especializados. [29]

Situação similar à italiana ocorre no Brasil, visto que o Direito Comercial é lecionado de forma independente, em disciplina própria, nos cursos de Direito do país. Isso leva ao entendimento de que, didaticamente, o Direito Comercial é plenamente emancipado.

É preciso que não se confunda autonomia formal com autonomia cientifica. A autonomia formal decorre da existência de um corpo legislativo diferenciado; enquanto que a autonomia científica tem a ver com outros aspectos: ter objeto único ou objetos relacionados de regulação; existir princípios e institutos próprios; e método interpretativo diferenciado.

Matéria comercial e matéria civil não se confundem, mesmo estando juntas no novo Código Civil. A divisão do direito privado não se extingue com a adoção da teoria da empresa, ocorrendo, na verdade, uma ampliação da abrangência do Direito Comercial que passa a tratar de atividades econômicas anteriormente não alcançadas pela teoria dos atos de comércio.

Pelo exposto, conclui-se que a unificação legislativa realizada trata-se de questão de organização legislativa, não afetando a autonomia de determinado ramo do direito. O Direito Comercial, mesmo não tendo suas normas inseridas em um código próprio, sempre terá autonomia jurídica, visto que possui autonomia didática, método próprio, princípios próprios e um campo de atuação delimitado.


11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste artigo foi a de realizar um levantamento histórico sobre o Direito Comercial para se entender como se deu a transição da teoria comercial para a empresarial. Isso porque, para que se entenda a situação atual dessa disciplina, é necessário estudar seu surgimento e desenvolvimento ao longo da história. Dessa forma, constata-se que foi de grande valia teórica o contato com os dados históricos sobre o início da atividade comercial, seus primeiros institutos jurídicos e, sobretudo, ter a real idéia da importância que o comércio tem, e sempre teve, na evolução da vida em sociedade e, consequentemente, no meio jurídico.

Depois de transitar pela história geral da disciplina mercantil, adentrou-se em sua trajetória no Brasil. Aqui, pela própria história colonial do país, verificou-se que as relações comerciais eram, em seu início, regidas pelas leis portuguesas; só vindo a disciplina mercantil conseguir independência legislativa em 1850, com a edição do Código Comercial Brasileiro. Esse diploma legal, que foi totalmente influenciado pela então dominante teoria francesa dos atos de comércio, há muito era considerado arcaico diante da evolução que a matéria comercial vivenciou nas últimas décadas. Tal situação foi resolvida com a adoção da teoria da empresa a partir do Código Civil de 2002, que, entre outras inovações, promoveu a unificação legislativa do direito privado brasileiro.

No decorrer do levantamento bibliográfico para o presente trabalho, algumas obras de publicação anteriores ao Código Civil de 2002 foram consultadas com o intuito de se ter uma idéia sobre o pensamento dos doutrinadores acerca do futuro do Direito Comercial caso ocorresse a unificação legislativa deste com o Direito Civil. Observou-se que muito se especulou sobre que conseqüências isso poderia acarretar, principalmente em relação a uma possível perda de autonomia da matéria mercantil, uma vez que a união formal poderia promover a absorção das normas comerciais pelo Direito Civil.

Pelo que aqui foi apresentado, entretanto, observa-se estar comprovado que tal temor não se justifica. O Direito Comercial, apesar de ter perdido a independência legislativa, permanece com autonomia didática e científica, além de gozar de características próprias, não se confundindo com a matéria civil.

Na verdade, sob a perspectiva do Direito Comercial, esse diploma legal se apresenta como marco inaugural de uma nova fase dessa disciplina jurídica no Brasil, antes tida como arcaica em referência ao Código Comercial de 1850. Assim, mesmo passível de críticas, não se pode negar que o novo Código Civil trouxe benefícios para o Direito Comercial com a adoção da teoria da empresa, consolidando e ampliando sua abrangência no país, consagrando o que já se verificava na doutrina, na legislação e na jurisprudência.

Como exposto ao longo do trabalho, o Direito Comercial transformou-se sobremaneira no passar dos séculos. Num processo que se inicia com as primeiras relações comerciais, no simples sistema de trocas para que a subsistência dos grupos fosse garantida; passa pelas relações comerciais através dos mares, até então com regras baseadas nos usos e costumes simplesmente; envereda-se pelas feiras e mercados e adentra nas fábricas como regulador do comércio; até chegar à contemporaneidade para se apresentar como o regulador das relações econômicas, como direito de empresa.

Assim, tem-se um panorama geral da regulação da atividade comercial. Observa-se a progressão das normas, no sentido de serem operáveis mediante as necessidades coletivas: a matéria comercial foi então expandida e hoje atua como reguladora e fiscalizadora da nova ordem econômica mundial.

Conclui-se, então, que, do comércio à empresa, o Direito Comercial modificou-se porque precisava acompanhar as transformações da própria estrutura mercantil que, das arcaicas corporações de ofício, passaram a multinacionais. Não seria ele um campo do direito se seus institutos não se adequassem às novas perspectivas impostas pela sociedade que se modificou, exigindo novas posturas jurídicas.

De resto, fica a expectativa pelas mudanças que estão por vir. Afinal, se a sociedade não pára, o que está ao seu redor é forçado a acompanhar seu constante movimento.


12 Referências

BARRUFINI, José Carlos Tosetti. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL, Legislação. Código Civil, Constituição Federal e Legislação Complementar. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CÁCERES, Florival. História Geral. 3.ed. São Paulo: Moderna, 1988.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. v.1. 11.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itausso A. História antiga e medieval: da comunidade primitiva ao estado moderno. São Paulo: Editora Scipione, 1993.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. 3.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial. Campinas: Bookseller, 1999.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial: o novo regime jurídico-empresarial brasileiro. 2.ed. Salvador: Editora JusPodium, 2009.

RODRIGUES, Frederico Viana. Autonomia do direito de empresa no novo código civil. In: RODRIGUES, Frederico Viana (Coord.). Direito de empresa no novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. v.1. 9.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009.

Sites Consultados

Disponível In: <http://jus.com.br/artigos/3004> Acesso em 10/11/09; às 17:20h.

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Disponível In: <http://jus.com.br/artigos/3946> Acesso em 13/11/09; às 06:32h.

Disponível In: < www.unidavi.edu.br/~jaimejp/txtI.doc> acesso em 13/11/09; às 06:35h.

Disponível In: <http://www.conjur.com.br/2009-set-23/direito-comercial-inserido-codigo-civil-nao-perdeu-autonomia> Acesso em 13/11/09; às 06:40h.


Notas

  1. Disponível In: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Comércio> Acesso em 11/11/09; as 08:50.
  2. RODRIGUES, Frederico Viana. Autonomia do direito de empresa no novo código civil. In: RODRIGUES, Frederico Viana (Coord.). Direito de empresa no novo código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.15.
  3. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial: o novo regime jurídico-empresarial brasileiro. 2.ed. Salvador: Editora JusPodium, 2009. p. 32.
  4. NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial. Campinas: Bookseller, 1999. p. 28-34.
  5. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 44.
  6. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 37.
  7. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. v. 1. 11.ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 15.
  8. GALGANO, Francesco. Citado por RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 38-39.
  9. COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit.p. 18.
  10. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 43-44.
  11. COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit.p. 21-22.
  12. Idem. p.22.
  13. Idem. p. 23-24.
  14. Idem. p. 26.
  15. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 48.
  16. Idem. p. 61.
  17. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 62.
  18. COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit.p. 63.
  19. MELLO FRANCO, Vera Helena. Citado por RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 63
  20. COELHO, Fábio Ulhôa. Citado por RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 64.
  21. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. v. 1. 9. ed.. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 9.
  22. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 53-54.
  23. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 54.
  24. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 49.
  25. VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. p. 61.
  26. MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 3.ed. Rio de Janeiro: forense, 1991. p. 32.
  27. MELLO FRANCO, Vera Helena. Citado por RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Op. Cit.p. 51.
  28. COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit.p. 27-28.
  29. Idem. p. 28.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Luciana Maria de. Evolução histórica do Direito Comercial. Da comercialidade à empresarialidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2746, 7 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18219. Acesso em: 20 abr. 2024.