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Da (im)possibilidade de renúncia da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional para obtenção de uma integral.

A "desaposentação"

Da (im)possibilidade de renúncia da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional para obtenção de uma integral. A "desaposentação"

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Ao requerer "nova" aposentadoria, não se está renunciando ao direito disponível de perceber os proventos, mas pleiteando uma revisão de seu valor, sem que haja previsão legal.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Das contribuições vertidas após a aposentadoria; 3. Da opção perpetrada pelo segurado: receber menos por mais tempo; 4. Do ato jurídico perfeito; 5. Da natureza meramente tributária das contribuições vertidas pelos aposentados que retornam à atividade; 6. Da necessidade de devolução dos valores recebidos; 7. Conclusão


1. Introdução

O presente artigo tem por objeto tratar da chamada "desaposentação". Por meio desse instituto, vários aposentados que continuaram trabalhando e contribuindo regularmente para a Previdência Social tentam utilizar essas novas contribuições como forma de obter uma nova aposentadoria, mais vantajosa.

Diz-se "desaposentação" porque o segurado afirma renunciar da aposentadoria inicialmente deferida para, em seguida, requerer uma outra, utilizando as novas contribuições que verteu ao INSS.

A partir de uma análise apressada da pretensão, poder-se-ia pensar que se trata de pleito legítimo. Afinal, em se tratando de direito patrimonial, logo disponível, nada impediria que alguém renunciasse à sua aposentadoria. Contudo, a questão merece ser melhor perscrutada.

Logo de início, cumpre destacar que quem deduz esse pedido, em regra, não pretende devolver ao erário os valores que recebeu em sua primeira aposentadoria. Noutro passo, ao requerer, em seguida, uma "nova" aposentadoria, está-se, na verdade, não renunciando ao direito, esse sim disponível, de perceber os proventos, mas pleiteando uma revisão de seu valor, sem, no entanto, haver previsão legal para tanto.

Percebe-se, portanto, que a questão, longe de ser pacífica, merece uma análise mais cuidadosa do intérprete aplicador do Direito, o que se pretende fazer, despretensiosamente, no presente trabalho.


2. Das contribuições vertidas após a aposentadoria

A Lei n.º 8.213/91, em sua redação original, já dizia:

Art. 18 (...)

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, somente tem direito à reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios, não fazendo jus a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado, observado o disposto no art. 122 desta Lei.

A lei, portanto, já era explícita, desde a sua edição, em vedar a utilização das contribuições posteriores à aposentadoria, salvo nas hipóteses por ela mesma previstas, dentre as quais não se incluem uma nova aposentadoria.

A redação dada pela Lei n.º 9.032/95 manteve essa proibição, substituindo apenas a exceção dos pecúlios pela do salário-família.

Finalmente, a redação atual, dada pela MP n.º 1.596-14, de 10/11/97, convertida na Lei n.º 9.528, de 10/12/97, diz:

Art. 18 (...)

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.

Vê-se, pois, que, em diversas oportunidades, teve o legislador ordinário a possibilidade de alterar a previsão legal. Contudo, mesmo assim, em todas elas, preferiu mantê-la. Vale dizer, é inequívoca a intenção do legislador de impedir a utilização das contribuições vertidas por aqueles que já estão em gozo de aposentadoria para obtenção de outros benefícios que não aqueles explicitados em lei. E a aposentadoria não é um deles.

E nada há de inconstitucional nessa vedação. Afinal, é princípio basilar do Direito Previdenciário o da solidariedade. Como bem salienta o Prof. Fábio Zambitte:

Sem dúvida, é o princípio securitário de maior importância, pois traduz o verdadeiro espírito da previdência social: a proteção coletiva, na qual as pequenas contribuições individuais geram recursos suficientes para a criação de um manto protetor sobre todos, viabilizando a concessão de prestações previdenciárias em decorrência de eventos preestabelecidos. (...)

A solidariedade impede a adoção de um sistema de capitalização pura em todos os seguimentos da previdência social (...). [01]

É esse princípio que justifica o fato de, por exemplo, um segurado recém ingressado no Regime Geral de Previdência Social, que pouco contribuiu para a manutenção do sistema, poder, desde o início, aposentar-se por invalidez.

É esse espírito, também, que embasou o Supremo Tribunal Federal ao considerar constitucional a contribuição vertida pelos aposentados e pensionistas do serviço público. Afinal, a contribuição por eles realizada não se destina unicamente a beneficiar o próprio aposentado, mas, sim, solidariamente, para a manutenção do sistema como um todo. Nesse sentido:

EMENTA: 1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento.

2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.

3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, § únic, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões "cinquenta por cento do" e "sessenta por cento do", constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", constantes do § único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda.

(STF, ADI 3.105/DF, Rel. para acórdão Min. Cezar Peluso, DJ 18/02/2005)

No mesmo sentido, em relação aos aposentados do Regime Geral que retornam à atividade:

Contribuição previdenciária: aposentado que retorna à atividade: CF, art. 201, §4º; L. 8.212/91, art. 12: aplicação à espécie, mutatis mutandis, da decisão plenária da ADIn 3.105, red. p/ acórdão Peluso, DJ 18/02/05. A contribuição previdenciária do aposentado que retorna à atividade está amparada no princípio da universalidade do custeio da Previdência Social (CF, art. 195); o art. 201, §4º, da Constituição Federal "remete à lei os casos em que a contribuição repercute nos benefícios". (RE 437640/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 02/03/2007).

Em perfeita sintonia com a Constituição da República, notadamente tendo em vista os princípios da solidariedade e da universalidade do custeio da Previdência Social, está, portanto, a previsão do §2º do artigo 18 da Lei n.º 8.213/91.

As contribuições vertidas pelos aposentados do RGPS que voltam a trabalhar destinam-se à manutenção da Previdência Social, em benefício de todos, não podendo, por força de lei, ser utilizadas para obtenção de uma nova aposentadoria.

Lembre-se, neste ponto, de que, assim como nem todo beneficiário é contribuinte (ex.: desempregado durante o período de graça), nem todo contribuinte é, necessariamente, beneficiário de todos os benefícios previdenciários existentes.

Nesse contexto, por força de lei, as contribuições vertidas pelo aposentado que retorna à atividade garantem apenas o direito à obtenção dos benefícios de salário-família e à reabilitação profissional, e nada mais.

Nesse sentido, vejam-se, ainda, os seguintes arestos:

PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DESCABIMENTO.

I- Pretensão deduzida que não é de renúncia a direitos, objetivando-se não a abstenção pura do recebimento do benefício mas a reaquisição de tempo de filiação em ordem a carrear ao Instituto nova obrigação consistente no deferimento de outra futura e diversa aposentadoria. Tratamento da matéria à luz do conceito de renúncia a direitos que não se depara apropriado

II- Postulação de cancelamento da aposentadoria com a recuperação do tempo de filiação que não traduz direito personalíssimo. A pretendida desaposentação não se configura como um direito inato, como um atributo da personalidade redutível à esfera de autodeterminação do segurado, que se sobrepusesse ao direito legislado e não dependesse de qualquer condicionamento legal.

III- O princípio da liberdade na acepção do livre poder de ação onde a lei não dispõe de modo contrário é válido no regime do direito privado, não, porém, na órbita da Administração, cuja atividade pressupõe a existência de prévia autorização da lei. Inexistência do direito alegado, à falta de previsão legal.

IV- Recurso do INSS e remessa oficial providos. (TRF3, AC 620.454, Rel. Peixoto Júnior, 8ª Turma, DJF3 06.05.2008)

Previdenciário. Pedido de desaposentação e nova aposentadoria. Impossibilidade. Inteligência do parágrafo 2º do artigo 18 da Lei nº 8.213/91. Contribuição que não gera benefícios exceto salário-família e reabilitação profissional. Apelo improvido. (TRF5, AMS 101.359, Rel. Lazaro Guimarães, DJ 07.07.2008, p. 847)


3. Da opção perpetrada pelo segurado: receber menos por mais tempo

A Constituição da República, em sua redação original (§1º do artigo 202), previa a possibilidade de aposentadoria daqueles que completassem 30 anos de serviço, se homem, e de 25 anos, se mulher, com valor proporcional ao tempo de serviço.

A Emenda Constitucional n.º 20, no entanto, extinguiu esse direito. Vale dizer, não mais existe em nosso ordenamento a chamada aposentadoria proporcional.

No entanto, essa mesma emenda, em seu artigo 9º, §1º, resguardou aqueles que já se encontravam filiados ao RGPS, fixando uma regra de transição. Bem sintetiza o Prof. Hermes Arrais:

Com efeito, ao segurado inscrito até 16/12/98, mas que não completou o tempo mínimo exigido para aposentadoria por tempo de contribuição, tem direito à aposentadoria proporcional desde que cumprida a carência, mantida a qualidade de segurado, e os seguintes requistos (art. 9º da Emenda Constitucional n.º 20).

Em síntese, após 16/12/1998, os segurados até então inscritos no RGPS, para usufruir aposentadoria proporcional, devem comprovar, cumulativamente:

1. Idade mínima: 53 anos para o homem e 48 anos, se mulher;

2. Tempo de contribuição: 30 anos de contribuição para o homem e 25 anos de contribuição para a mulher;

3. Tempo de contribuição adicional (pedágio): equivalente a 40% (quarenta por cento) do tempo que, em 16.12.98, faltava para atingir o limite de contribuição (30 anos, se do sexo masculino, 25, se do feminino).

Aos segurados inscritos depois de 16 de dezembro de 1998, não há direito a aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, mas tão só "integral". [02]

Como facilmente se vê do exposto, caso o segurado filiado até 16/12/98 opte por aposentar-se proporcionalmente, o valor de seu benefício variará, de forma diretamente proporcional, tendo em vista o seu tempo de contribuição.

Em outros termos, quanto menor o seu tempo de contribuição, menor será o valor da renda mensal inicial de seu benefício.

Ao assim proceder, ao invés de continuar contribuindo por mais tempo para ver seu benefício aumentado, o segurado terá feito uma opção clara: preferiu receber desde já um benefício com valor menor a esperar mais tempo para incrementá-lo.

Seria, portanto, para ele melhor receber menos por mais tempo do que mais por menos tempo. Ambas as opções seriam igualmente válidas, dependendo apenas da vontade do próprio segurado.

Trata-se, portanto, de escolha lógica e racional.

Contudo, ao tentar utilizar as contribuições vertidas após a sua aposentadoria como forma de aumentar o seu valor, está o segurado tentando burlar essa lógica, em afronta à intenção legislativa.

O oferecimento de uma renda maior àqueles que não optaram por se aposentar antecipadamente é uma necessidade atuarial do sistema. Visa a incentivar que o segurado continue vertendo contribuições à Previdência Social, adiando o pedido de aposentadoria.

Contudo:

Se possível fosse computar o tempo posterior à aposentação para recálculo do benefício, nenhum segurado aguardaria mais cinco anos para obter a aposentadoria integral, todos aposentar-se-iam proporcionalmente e, após cinco anos de trabalho, iriam requerer a conversão da proporcional em integral.

Prejuízo sofreria aquele que optou pela integral, sem ter requerido a proporcional. [03]

Tal estratégia jogaria por terra, não é demais repetir, a intenção do legislador. Aliás, ele foi peremptório ao afirmar que as contribuições vertidas por aqueles que já estejam em gozo de aposentadoria não se prestarão à concessão de nenhum outro benefício (salvo o salário-família e a reabilitação profissional).

Tal norma, cuja constitucionalidade já foi sustentada anteriormente, tem por escopo justamente manter o equilíbrio financeiro do sistema.

Vale dizer, ou o segurado, após calcular sua expectativa de vida, sua necessidade imediata do benefício e sua vontade de continuar trabalhando, decide por receber menos de imediato ou por esperar mais tempo para receber mais. O que não é possível, sob pena de burla legal, é querer o melhor de cada opção.


4. Do ato jurídico perfeito

A Constituição da República, em seu artigo 5º, XXXVI, resguarda da lei o ato jurídico perfeito, qual seja, o "já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou" (LICC, artigo 6º, §1º).

A opção perpetrada pelo segurado ao aposentar-se proporcionalmente subsome-se perfeitamente a tal conceito.

Afinal, sendo ele uma pessoa capaz, escolheu, livremente, por utilizar-se de um direito legítimo previsto em lei, fazendo-o na forma por ela exigida. Ato jurídico perfeito (do verbo perfazer, ou seja, concluído, acabado), portanto.

É claro que essa opção repercutiu na esfera jurídica (e patrimonial) do Estado. Não pode, portanto, o segurado, unilateralmente, alterar esse ato. Nesse sentido, é a jurisprudência:

DECISÃO: - Vistos. O ilustre Subprocurador-Geral da República Eitel Santiago de Brito Pereira, no parecer de fls. 83-86, assim equacionou a controvérsia: (...)

1. Em 04 de janeiro de 1993, Orlando Dias passou para a inatividade. Verificou que a renda mensal de seu benefício era inferior a que usufruiria se tivesse se aposentado com proventos proporcionais quatro anos antes.

2. Ajuizou, então, perante a 11ª Vara Federal de São Paulo, uma ação ordinária, pedindo que se condenasse o INSS a calcular o valor de seus proventos com base na legislação vigente ao tempo em que deixou de requerer seu jubilamento com proventos proporcionais.

3. A Magistrada julgou improcedente a demanda e o Tribunal Federal da 3ª Região negou provimento ao apelo do segurado, consoante se apanha da seguinte ementa:

"Previdenciário - Processual Civil - Aposentadoria - Ato jurídico perfeito.

'1 - O ato jurídico perfeito inserido em nosso ordenamento jurídico não permite alterar situação consolidada, em face de ato espontâneo do segurado.

2 - O requerimento e posterior concessão de aposentadoria integral por tempo de serviço consubstancia ato jurídico perfeito, o qual não pode ser afastado pela vontade unilateral da parte. A pretensão de revisão da renda mensal para equivaler ao valor da aposentadoria proporcional, como se tivesse sido este o benefício requerido, e não o integral, viola o instituto do ato jurídico perfeito, protegido a nível constitucional (art. 5º, XXXVI). 3 - Inexistência de ilegalidade na conduta do órgão previdenciário que concedeu exatamente o benefício requerido pelo segurado, a justificar a modificação da situação consolidada. 4 - Apelação improvida’ (fl. 45).

4. O aposentado não se resignou e acometeu o aresto por meio de recursos especial e extraordinário, que foram admitidos na origem. Os autos subiram ao STJ, que não conheceu do RESP, consoante se apanha da seguinte ementa:

‘Processual Civil. Recurso especial. Admissibilidade. Dissídio não caracterizado. Art. 255 do RISTJ. 'Em casos nos quais só a comparação das situações fáticas evidencia o dissídio pretoriano, indispensável que se faça o cotejo analítico entre a decisão reprochada e os paradigmas invocados. A simples transcrição de ementas, sem que se evidencie a similitude das situações, não se presta, in casu, como demonstração da divergência jurisprudencial.

'Recurso especial não conhecido’.

4. Após o trânsito em julgado da deliberação do Superior Tribunal de Justiça, os autos seguiram para o STF, onde foi distribuído e enviado por Vossa Excelência à Procuradoria Geral da República.

5. O recorrente pretende reformar a deliberação do TRF. Para tanto, ratifica as razões da sua petição inicial, aduzindo ainda que o aresto guerreado violou o inciso XXXVI, do artigo 5º, da CF.

6. Mas não lhe assiste razão. O recorrente requereu sua aposentadoria integral por tempo de serviço em 04 de janeiro de 1993, quando, à luz da legislação vigente, reunia todos os requisitos para passar à inatividade. Não pode, portanto, pretender a aplicar, ao seu jubilamento, as normas da legislação anterior, mesmo sendo mais benéfica. É o que se apanha do seguinte enunciado:

Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária.

7. Aliás, o acórdão da Corte Regional está correto. Deve ser mantido por seus próprios fundamentos, verbis:

‘... A matéria posta a desate versa sobre a possibilidade de substituir o valor da renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de serviço integral, concedida em 04/01/93, pelo valor que resultaria do cálculo da prestação em 04/01/89, data em que o autor teria adquirido direito a pleitear aposentadoria proporcional, com o reajuste pelos critérios legais gerais da CLPS e legislação subseqüente e pelos específicos do art. 144 da Lei 8.213/91.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 determinou que a lei ordinária traçaria as diretrizes quanto às leis da Previdência Social, o que foi concretizado com o advento das Leis 8.212/91 e 8.213/91, regulamentadas pelo Decreto-Lei 357/91 e posteriormente 601/92. Assim, observando-se critério estabelecido em lei vigente, é de se concluir ter o INSS agido corretamente.

‘Nesse passo, tenho que a concessão de aposentadoria, bem como a sua revisão, devem reger-se pela lei vigente à época do pedido. Assim, a ausência de requerimento do benefício proporcional, aliada ao posterior pedido do benefício integral torna totalmente incabível a pretensão do autor, eis que a concessão de aposentadoria integral constituiu em ato jurídico perfeito, o qual não pode ser modificado pela vontade unilateral da parte. É de se perguntar qual a ilegalidade do ato da autarquia que concedeu o benefício requerido espontaneamente pela parte. Se o Instituto agiu pautado pelas normas legais aplicáveis à espécie, não se pode modificar ato que não se demonstra ilegal ou abusivo.

A alegação de que a pretensão estaria amparada pela égide do direito adquirido não procede. O titular preferiu continuar trabalhando ao invés de requerer a aposentadoria pelo critério proporcional. Pois bem, tendo sido feita a opção pela aposentadoria em sua integralidade, o que, em tese, seria mais vantajoso, não se pode, no momento atual, pretender que o cálculo da renda mensal inicial seja efetuado como se o autor houvesse se aposentado proporcionalmente, sob a alegação de que, assim, ele receberia benefício de valor maior. Ora, a simples descrição dos fatos afasta a alegação de direito adquirido, pois a concessão da aposentadoria integral decorreu de ato espontâneo do autor, que assim requereu o benefício. Desse modo, perfez-se o ato jurídico perfeito consubstanciado na concessão da aposentadoria integral...’ (fls. 42-43).

Com tais considerações, recomenda-se que Vossa Excelência negue provimento ao apelo extraordinário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

(...)." (Fls. 83-86)

Correto o parecer, que adoto. Em conseqüência, nego seguimento ao recurso (art. 557, caput, CPC).

Publique-se.

Brasília, 25 de abril de 2005.

Ministro CARLOS VELLOSO

- Relator –"

(STF, RE 352.391-SP, DJ n. 89, de 11.05.2005)

Descabe pretender-se, unilateralmente, ao argumento da ocorrência de direito adquirido, a revisão da renda mensal inicial mediante a utilização de período básico de cálculo anterior, uma vez que a concessão da aposentadoria configura-se como ato jurídico perfeito. (TRF3, AC 2000.03.99.001335-0/SP, Juíza Eva Regina, DJU 17.03.2005, p. 420)

Incabível a conversão da aposentadoria integral em aposentadoria proporcional, pois a opção exercida pela segurada em 26.02.93 pela aposentadoria integral por tempo de serviço, sem ressalvas, consubstancia ato jurídico perfeito com a concessão de seu benefício, cuja desconstituição requer a demonstração, não evidenciada na presente hipótese, de existência de nulidade ou de estar a beneficiária legalmente amparada para exercer nova opção. (TRF4, AC 1999.01.00.012271-8/MG, Juiz Federal Miguel Angelo de Alvarenga Lopes, DJU 29.07.2004, p. 57)

Por fim, vale notar que a perenidade do ato jurídico perfeito visa à manutenção da segurança jurídica e, em última instância, do próprio direito adquirido, como bem ressalta Maria Helena Diniz:

A segurança do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido pela proteção que se concede ao seu elemento gerador, pois se a nova norma considerasse como inexistente, ou inadequado, ato já consumado sob o amparo da norma precedente, o direito adquirido dele decorrente desapareceria por falta de fundamento. [04]


5. Da natureza meramente tributária das contribuições vertidas pelos aposentados que retornam à atividade

Costuma-se afirmar que, como o recebimento de proventos de aposentadoria possui natureza patrimonial, teria o seu beneficiário a faculdade de dispor livremente de tal direito. De fato, não há nada de errado nessa assertiva.

Aliás, é esse o argumento utilizado por aqueles que sustentam a tese da viabilidade da desaposentação. Vale dizer, como é lícito ao aposentado renunciar à sua aposentadoria, poderia ele, livremente, assim agir para, em seguida, exercendo novamente um direito seu, requerer uma nova aposentadoria, agora integral.

Embora atraente a teoria, ela não resiste a uma análise mais cuidadosa.

É que, na verdade, o aposentado que volta a trabalhar verte contribuições previdenciárias não porque quer, mas, sim, por uma obrigação legal, de natureza tributária. Isso porque reassume a sua condição de segurado e, como tal, de contribuinte obrigatório.

Nesse sentido, veja-se o que diz o artigo 12 da Lei n.º 8.212/91:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (...)

§4º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social.

Igual redação possui o §3º do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91.

Noutro passo, como é a lei quem dita os direitos advindos dessa condição de segurado, ela, conforme já visto, dispõe, em seu artigo 18, §2º (Lei n.º8.213/91), que esse segurado obrigatório do RGPS (aposentado) tem direito apenas ao salário-família e à reabilitação profissional, e nada mais.

A suposta "renúncia" à aposentadoria proporcional configuraria, portanto, nessa hipótese, uma simulação. Assim se afirma porque, na verdade, com ela não se pretende renunciar aos proventos da aposentadoria, já que, em seguida, se requer novamente o benefício, mas, sim, conseguir um novo, que não está previsto em lei para o caso.

E a lei não pode tolerar tal estratégia simulada.

Se é vedado ao aposentado que continua ou volta a trabalhar requerer uma nova aposentadoria, igual proibição ocorrerá mesmo se se chamar tal situação de renúncia. Afinal, embora com um outro nome – renúncia ou desaposentação – o que se almeja é exatamente a mesma coisa – conseguir benefício não previsto no §2º do artigo 18 da Lei n.º 8.213/91.

A Constituição da República não garante, em momento algum, direito a uma nova aposentadoria. "Deferida a aposentadoria ao segurado, resta configurado ato jurídico perfeito, de modo que não se pode pretender o desfazimento unilateral para nova fruição no mesmo regime" [05].

As contribuições vertidas pelo aposentado em atividade, vale repetir, são decorrência de uma obrigação tributária, com fincas no princípio da solidariedade e da universalidade da fonte de custeio da Seguridade Social.


6. Da necessidade de devolução dos valores recebidos

Como ato jurídico perfeito que é, a renúncia à aposentadoria proporcional deferida ao segurado, acompanhada do pedido de uma nova aposentadoria, agora integral, somente seria possível, em tese, se a parte afetada – o Estado – concordasse com tal pleito.

Contudo, tendo em vista a indisponibilidade do patrimônio público, tal concordância não pode se dar em prejuízo do erário.

Nesse diapasão, só se vislumbra uma hipótese em que tal pleito poderia, em tese, ser viável: se o segurado concordasse em devolver, de forma atualizada, todos os valores que recebeu a título de aposentadoria proporcional. Nesse caso, vale destacar, não seria lícito alegar prescrição de parcela do débito, porquanto, antes do pedido, não haveria possibilidade, por razões óbvias, de o INSS requerer a devolução de tais valores. E, não havendo possibilidade de exercer a pretensão, não há que se falar em início do prazo prescricional (princípio da actio nata).

Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO. NOVA APOSENTADORIA NO MESMO REGIME PREVIDENCIÁRIO. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO DE PROVENTOS.

1. Não havendo vedação constitucional ou legal, o direito à inatividade é renunciável, podendo o segurado pleitear a sua desaposentação, especialmente por ser a aposentadoria direito disponível, de nítida natureza patrimonial.

2. É exigível a restituição de proventos no caso de desaposentação para a aquisição de nova aposentadoria no mesmo regime previdenciário, sob pena de burla ao disposto no § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/91. Admitir-se procedimento inverso seria restaurar indevidamente o extinto abono de permanência, de forma indireta e em condições muito melhores às outrora admitidas, em flagrante contrariedade ao sistema previdenciário vigente.

3. Os valores recebidos a título da aposentadoria renunciada deverão ser devidamente atualizados, com base nos mesmos índices de correção monetária utilizados no caso de pagamento de benefícios atrasados. Indevidos juros de mora, uma vez que inexistente atraso para que o capital seja remunerado com essa parcela.

4. Apelação da parte autora provida.

(TRF3, AC n. 822.192, Rel. Jediael Galvão,10ª Turma, DJU 18.04.2007)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

I - Da leitura do art. 18, §2º, da Lei n. 8.213/91, depreende-se que as contribuições vertidas pelo aposentado, em razão do exercício de atividade remunerada sujeita ao RGPS, não lhe proporcionarão nenhuma vantagem ou benefício, à exceção do salário-família e a reabilitação profissional.

II - As contribuições vertidas posteriormente à data de início do benefício de aposentadoria por tempo de serviço proporcional (16.03.1998; fl. 16), consoante atestam os documentos de fls. 25/26, não podem ser utilizadas para a majoração do coeficiente do salário-de-benefício, posto que, do contrário, configurar-se-ia reajustamento por via transversa, sem a devida autorização legal.

III - É pacífico o entendimento esposado por nossos Tribunais no sentido de que o direito ao benefício de aposentadoria possui nítida natureza patrimonial e, por conseguinte, pode ser objeto de renúncia.

IV - Na hipótese acima mencionada, as contribuições vertidas pelo autor poderiam ser aproveitadas para a concessão de novo benefício de aposentadoria por tempo de serviço com coeficiente maior, todavia sua situação deve se igualar àquele segurado que continuou exercendo atividade remunerada sem se aposentar, objetivando um valor maior para sua aposentadoria. Vale dizer, os proventos percebidos até a concessão do novo benefício devem ser devolvidos à Previdência Social devidamente atualizados, uma vez que, do contrário, criar-se-ia odiosa desigualdade com o segurado que decidiu continuar a trabalhar sem se aposentar, com vistas a obter a aposentadoria integral, em flagrante violação ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição da República).

V - Ante a sucumbência recíproca, cada uma das partes arcará com as despesas que efetuou, inclusive verba honorária de seus respectivos patronos, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil.

VI - Remessa oficial parcialmente provida. (TRF3, REOAC 1.098.018, Rel. Sérgio Nascimento, DJF3 25.06.2008)

Todavia, os segurados que pleiteiam a chamada desaposentação não têm a intenção de devolver valor algum ao erário. Isso porque, na verdade, não intentam deixar de ser aposentados, como a palavra sugere, mas apenas aumentar o valor de seus proventos. Isso, contudo, em prejuízo da Previdência Social e ao arrepio da lei.


7. Conclusão

Ante todo o exposto, resta patente a impossibilidade de renúncia da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional para obtenção de uma integral.

Aliás, na verdade, não se trata de renúncia ou de desaposentação. Por meio dessa estratégia, tem-se por escopo tão-somente revisar o valor do benefício do segurado aposentado, utilizando para tanto, de forma ilegal, as contribuições vertidas após a aposentação.

Trata-se, portanto, de mera simulação, que não pode, por isso, ser acolhida pelo Direito.


Bibliografia

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 4ª ed. rev. e atual. com obediência às leis especiais e gerais. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2009.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 10ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

FONSECA, Rodrigo Rigamonte. Aposentadoria proporcional por tempo de contribuição (serviço): apontamentos sobre a viabilidade de renúncia para obtenção de nova aposentadoria mais vantajosa. In: CASTRO, João Antônio Lima Castro; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (Coords.). Direito Processual: reflexões jurídicas. Belo Horizonte: Instituto de Educação Continuada, 2010.


Notas

  1. IBRAHIM, p.54.
  2. ALENCAR, p. 411-412.
  3. ALENCAR, p. 412.
  4. DINIZ, 2004, p. 180 apud FONSECA, p. 353.
  5. FONSECA, p. 355.

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MADEIRA, Danilo Cruz. Da (im)possibilidade de renúncia da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional para obtenção de uma integral. A "desaposentação". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2786, 16 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18498. Acesso em: 2 maio 2024.