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Constitucionalismo de princípios e juízo de ponderação

Constitucionalismo de princípios e juízo de ponderação

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Princípios constitucionais podem colidir, mas sua harmonização é essencial, usando o juízo de ponderação e a máxima de proporcionalidade.

Sumário: 1. Introdução. 2. A Importância da Teoria dos Princípios na Dogmática Constitucional. 3. Distinção entre Princípios e Regras Jurídicas. 4. Constitucionalismo de Princípios. 5. Resolução das Colisões entre Princípios Constitucionais pelo Juízo de Ponderação. 6. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O tema central desta investigação é o constitucionalismo de princípios e a resolução das antinomias entre princípios constitucionais através do juízo de ponderação. Para o seu desenvolvimento, a primeira parte focaliza a importância de uma teoria acerca dos princípios jurídicos e sua repercussão na interpretação constitucional.

Noutra parte é formulada a distinção qualitativa entre regras e princípios. Essa distinção justifica-se pela circunstância de que na moderna dogmática constitucional a Constituição deve ser compreendida como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos supra-positivos, tendo em conta a complexidade da sociedade contemporânea.

Em seguida, são examinados os princípios na Constituição, enfocando o denominado constitucionalismo de princípios, apresentando as características dos princípios constitucionais e indicando sua supremacia na ordem constitucional como fundamento de validade das demais normas que integram o ordenamento jurídico.

Em diversas partes da monografia são destacadas as funções exercidas pelos princípios constitucionais. Ao lado das funções tradicionais, é examinado aquilo que apresentam de mais expressivo, exatamente a função normativa, realçando sua natureza de norma efetiva, que tem, dentre múltiplas funções, a de servir de parâmetro para resolver problemas jurídicos.

Por fim, é abordada a temática da resolução das colisões entre princípios constitucionais, destacando sua correlação com o juízo de ponderação de bens e a interpretação especificamente constitucional. Examina-se a ponderação como técnica de resolução de conflitos entre princípios constitucionais, tendo em conta que "la necesidad de la ponderación comienza desde el momento em que se acepta que no existen jerarquías internas en la Constitución", posto que "los principios carecen de un peso autônomo y diferenciado y solo poseen vocación de máxima realización que sea compatible con la máxima realización de los demás". 1


2. A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DOS PRINCÍPIOS NA DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL

O estudo dos princípios ocupa hoje destacado espaço na Teoria do Direito, com reflexos diretos para a compreensão do Direito Constitucional. Mais que isso. A formulação de consistente teoria acerca dos princípios jurídicos vem determinando a revisão dos estudos constitucionais, impondo o reexame do conceito de norma, interpretação e eficácia do sistema constitucional.

A teoria dos princípios 2 sedimentou-se e determinou o surgimento de novo modelo jurídico, o pós-positivismo, em que os princípios são considerados "normas-chaves de todo o sistema jurídico" (Paulo Bonavides), 3, "super-fonte" (Flórez-Valdez) 4, "fundamento da ordem jurídica" (Frederico de Castro) 5, verdadeiros "mandamentos de otimização" da ordem jurídica" (Robert Alexy) 6.

A doutrina tradicional formulou múltiplas funções e abordou a problemática da caracterização e natureza dos princípios, entretanto não lhes reconhecia o que ostentam de mais importante e que está consagrado pela doutrina contemporânea, isto é, sua natureza normativa, constituindo espécie do gênero norma de Direito.

O exame das diversas formulações a respeito dos princípios permite-nos observar que sempre foram identificados pela generalidade, indeterminação, caráter programático, posição hierárquica muito elevada, função fundamentadora do sistema jurídico e também por desempenhar função interpretativa.

Longa e penosa a caminhada até o reconhecimento da normatividade dos princípios jurídicos. Bonavides aponta que a juridicidade dos princípios passou por três fases distintas, a saber, a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista. 7

A jusnaturalista vislumbra os princípios numa dimensão ético-valorativa, identificando-os com o direito ideal, com os postulados de justiça, baseados na reta razão e vistos como "um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina e humana". Nessa primeira fase é nula e duvidosa a normatividade dos princípios e a insuficiência do ordenamento jurídico deveria ser suprida pelo recurso a uma lei natural, eterna e imutável, distinta do sistema normativo institucionalizado. 8

Segundo essa concepção, os princípios são metajurídicos, situando-se acima do direito positivo, sobre o qual exercem uma função corretiva e prioritária, de modo que prevalecem sobre as leis que os contrariam, expressando valores que, pelo direito positivo, não podem ser contrariados, como manifestação, que são, do direito natural.

Na fase juspositivista, também carecem os princípios de normatividade. Conquanto ingressem nos códigos, exercem os princípios função meramente supletória, servindo à supressão de lacunas, como "válvula de segurança", a fim de garantir a plenitude do ordenamento. Avança o juspositivismo ao proclamar que os princípios são extraídos do Direito Positivo, entretanto considera-os portadores de simples conteúdos programáticos. 9

Para o juspositivismo, embora situados no ordenamento, a função dos princípios seria meramente integradora das lacunas da lei, mas, não, como no caso anterior, corretora das injustiças das leis, papel que não poderiam cumprir, porque a sua natureza não se destinguiria da mesma das leis, não tendo outra posição a não ser a de diretriz maior prescrita nas regras jurídicas, ainda que estabelecedora de idéias mais gerais, fruto de induções que partem das próprias leis, cujos espaços vazios visariam cobrir.

Na fase pós-positivista, fruto da superação dialética dos modelos jurídicos tradicionais, os princípios são proclamados normas jurídicas, podendo, assim como as regras, imporem obrigação legal. Na atual sociedade de massas, complexa, fundada no pluralismo, o Direito reflete os antagonismos e contradições, sendo impossível organizá-la exclusivamente com base em normas fechadas. Dessa sociedade já denominada pós-moderna resulta a necessidade do reconhecimento do caráter normativo, vigente e eficaz dos princípios jurídicos, que contém uma pauta axiológica, agasalhando os valores da sociedade. 10

Por obra das contribuições sobretudo de Dworkin e Alexy existe na atualidade uma teoria jurídica principialista. Essa teoria espraiou-se pelo Direito Constitucional, implicando na redefinição dos rumos do constitucionalismo contemporâneo e levando Bonavides, expoente no Brasil dessa nova dimensão principialista, a observar que "a teoria dos princípios, depois de acalmados os debates acerca da normatividade que lhes é inerente, se converteu no coração das Constituições". 11

Ao formular seu "sistema normativo aberto de regras e princípios", Canotilho destaca a importância de uma principiologia jurídica, porquanto, além de solucionar questões relacionadas à colisão de direitos fundamentais, "permite respirar, legitimar, enraizar e caminhar o próprio sistema". A respiração obtém-se através da "textura aberta" dos princípios; a legitimidade entrevê-se na idéia de os princípios consagrarem valores (liberdade, democracia, dignidade) fundamentadores da ordem jurídica e disporem de capacidade deontológica de justificação; o enraizamento prescruta-se na referência sociológica dos princípios a valores, programas, funções e pessoas; a capacidade de caminhar obtém-se através de instrumentos processuais e procedimentos adequados, possibilitadores da concretização, densificação e realização prática (política, administrativa, judicial) das mensagens normativas da constituição. Por último, pode dizer-se que a individualização de princípios-norma permite que a constituição possa ser realizada de forma gradativa, segundo circunstâncias factuais e legais." 12

Demonstrada a importância exercida pelos princípios jurídicos no sistema constitucional, faz-se necessário apresentar as formulações teóricas atuais que apartam os princípios das regras jurídicas, seguindo a caracterização dos princípios constitucionais, onde serão abordados os contornos estabelecidos pelo constitucionalismo de princípios.


3. DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS JURÍDICAS

Os princípios na fase antecedente ao pós-positismo são vistos como preceitos de ordem moral ou política, sem força vinculante, simples exortações. Sua juridicidade foi proclamada a partir do estabelecimento de sua diferenciação das regras. Antes da apresentação dos elementos que apartam os princípios das regras, impende reconhecer que constituem espécies do gênero norma jurídica e portanto essa identidade comum garante a similitude de natureza, sendo a partir daí formuladas as distinções.

Esse traço comum é identificado por Alexy ao constatar que as regras e os princípios são normas jurídicas "porque ambos dicem lo que debe ser. Ambos puedem ser formulados com la ayuda de las expressiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición. Los principios, al qual que las reglas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de um tipo muy diferente." Portanto, trata-se da distinção entre dois tipos de normas." 13

Assente esse elemento comum, observa-se uma distinção lógica entre princípios e regras. Estas, segundo Dworkin, são aplicáveis por completo, na base do tudo ou nada, bastando a configuração dos elementos fáticos estabelecidos para sua incidência. Sendo válida a regra, sua aplicação não comporta exceção, impondo-se sua incidência automática. Quer dizer, se não há circunstância fáticas que excepcionam a regra, ela seria aplicada, ao passo que, havendo exceções, ela não seria válida para aquele caso, situação em que ela é inválida e portanto não serve de fundamento para a decisão. Os princípios operam diferentemente, uma vez que não se aplicam de forma automática e necessária quando as condições tidas como suficientes se manifestam. 14

Dworkin apresenta outra distinção, agora fundada na dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se entrecruzam, a resolução do conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um. Não existe certamente uma valoração exata e desse modo o juízo a respeito do peso ou importância dos princípios é suscetível de frequente controvérsia. As regras não têm essa dimensão e por isso quando entram em conflito uma delas não pode substituir a outra em razão de seu maior peso. Significa que no conflito entre duas regras, somente uma é válida e a outra deve ser abandonada ou reformada. A resolução desse conflito deve considerar aspectos que transcendem as próprias regras, dando o sistema jurídico os parâmetros para resolução, geralmente prevalecendo a norma posta por uma autoridade de maior nível hierárquico, ou a promulgada mais recentemente, ou a mais específica, podendo ainda optar pela regra baseada nos princípios mais importantes. 15

Elemento considerado decisivo por Alexy para distinguir regras e princípios parte da constatação de que os princípios são normas que determinam que algo deve ser realizado na melhor forma possível, considerando as possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Seriam os princípios mandamentos de otimização que se caracterizam pela especificidade de poderem ser cumpridos em diferentes graus graus, dependendo sua efetivação das condições jurídicas e reais do caso concreto. Já as regras são normas que exigem cumprimento pleno, podendo apenas serem cumpridas ou descumpridas, na base do "tudo ou nada". Portanto, sendo válida, deverá ser aplicada.

Alexy considera que a distinção mostra-se mais claramente na colisão de princípios e no conflito de regras. Em ambas as situações a aplicação simultânea dos princípios ou regras conduz a resultados incompatíveis, ou seja, a juízos contraditórios. No conflito entre regras, a solução ocorre através da introdução de uma cláusula de exceção, eliminando-se o conflito ou declarando-se inválida, pelo menos, uma das regras. O problema é resolvido através de regras como lex posterior derogat legi priori e lex specialis derogat legi generali, implicando a resolução na exclusão da regra do ordenamento jurídico.

Segundo Alexy, já com os princípios, a solução da colisão não importa em declarar inválido um princípio nem desprezá-lo. Significa na realidade a precedência de um princípio em relação ao outro em face de possuírem pesos distintos ou apresentarem no caso níveis diferentes de importância. Verificada uma relação de tensão entre dois princípios, "el conflicto debería ser solucionado "a través de uma ponderación de los interesses opuestos." Em esta ponderación, de lo que se trata es de la ponderación de cuál de los interesses, abstractamente del mismo rango, possee mayor peso em el caso concreto. Conclui Alexy constatando que o conflito de regras resolve-se da dimensão da validade, enquando que a superação da colisão entre princípios dá-se na dimensão do pesou ou importância, haja vista que somente princípios válidos podem colidir. 16

Critério também adotado para distinguir princípios e regras relaciona-se com o grau de determinabilidade. Ao contrário das regras, que apresentam menor grau de abstração, mais alta densidade normativa e com conteúdo mais preciso, os princípios têm conteúdos vagos, abertos, com elevadíssimo grau de abstração e baixa densidade normativa. Isso não indica que seu conteúdo não possa ser determinado nem que não se preste à solução de casos concretos. Por sua maior abrangência, os princípios permitem superiores possibilidades de aplicação, dependendo sua densificação e concretização de outros princípios e regras mais determinados e específicos, respeitados os limites e os conteúdos fixados pelos próprios princípios.

A distinção entre princípios e regras mostra-se mais importante no plano constitucional. É que as constituições contemporâneas, conhecidas como constituições-compromissórias, traduzindo os antagonismos ideológicos, políticos e econômicos da sociedade, consagram normas abertas, vagas, muitas vezes veiculando valores conflitantes e até contraditórios. A superação de tais antinomias impõe a atuação do intérprete no sentido de conciliar, na medida do possível, as tensões existentes. A solução desses conflitos não se faz pelos critérios comuns de hermenêutica (cronológico, da especialidade e hierárquico), exigindo a resolução através do critério de ponderação de bens.

Na formulação dessa distinção e recorrendo-se às idéias já plasmadas, conclui-se que os princípios possuem aspecto ideológico mais acentuado, sujeitam-se a um processo de concretização e densificação sucessiva até adquirirem a concretização das regras, não permitem sua subsunção ao caso, não se submetem ao critério do "tudo ou nada" e o conflito entre princípios é resolvido através do peso relativo de que é dotado dentro do sistema jurídico. As regras descrevem um fato, acrescentam sua qualificação jurídica e estabelecem sanção ou considera tratar-se de fato permitido. As regras são aplicadas na base do "tudo ou nada", o conflito é solucionado mediante a perda de validade de uma delas através da opção por uma outra e possuem menor grau de generalização e abstração. 17


4. CONSTITUCIONALISMO DE PRINCÍPIOS

Da distinção estabelecida entre princípios e regras e da compreensão dos princípios na perspectiva constitucional, já podemos indicar algumas características dos princípios. Indispensável, antes, observar que o ordenamento jurídico está estruturado de forma escalonada, adquirindo as normas inferiores fundamento de validade nas normas superiores. No ápice da pirâmide jurídica, como decorrência da superioridade hierárquica da Constituição, encontram-se as normas constitucionais.

Dessa supremacia da Constituição, resulta que os princípios constitucionais constituem normas superiores que adquirem neles próprios seu fundamento de validade. Ainda, sendo normas de normas (norma normarum), afirmam-se como fontes de produção de outras normas jurídicas. Por fim, sua superioridade normativa implica a necessidade de que todos os atos estejam em conformidade com a Constituição.

Caracterizando os princípios, observa-se que eles têm normatividade, porquanto são normas, têm preceptividade, portanto, ordenam, proíbem, permitem, enfim, servem à regulação de condutas. Possuem maior amplitude, seja em face de seu maior grau de generalidade, seja em função de sua maior indeterminação, possuindo também maior grau de abstratividade.

Por essa largueza, os princípios terminam irradiando-se ou projetando-se sobre outras normas. Têm textura aberta e por isso não regulam de forma conclusiva ou plena todas as situações, permitindo, também, sua expansão para casos novos, que o sistema fechado de regras não poderia abranger. Possuem ainda versatilidade, sendo os seus conteúdos modificáveis dependendo das exigências políticas, sociais e jurídicas. Noutro aspecto, "la singularidad de los principios emerge em los supuestos de colisión entre las normas, algo sin uda muy frecuente em el plano constitucional si tenemos em cuenta que las Constituciones reconocen numerosos princípios de aplicación generalísima y tendencialmente contradictorios" 18

Além dessas, outras características podem ser alinhadas. Cabe referenciar que o fato de ostentarem uma formulação mais aberta, com maior generalidade e mais amplo nível de indeterminação, não significa que seja o seu sentido impreciso e que não possa o princípio ter aplicabilidade. O traço mais característico reside em que, por esses aspectos, possuem níveis distintos de realização, concretização e densidade, sujeitos às circunstâncias de fato e de Direito.

Conceiturando os princípios constitucionais, Cármen Lúcia Antunes Rocha considera que "são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no Estado." 19

Os princípios constitucionais apresentam características próprias que os distinguem das demais normas constitucionais. Discorrendo com maestria acerta das características que individualizam e definem a natureza dos princípios constitucionais, Cármen Lúcia Antunes Rocha aponta algumas características que dotam os princípios de complexa e efetiva juridicidade. As características que apresenta são as que seguem: generalidade; primariedade; dimensão axiológica; objetividade; transcendência; atualidade; poliformia; vinculabilidade; aderência; informatividade; complementaridade e normatividade. 20

Ainda, no constitucionalismo de princípios, também denominado neo-constitucionalismo, os princípios constitucionais exercem o papel de reaproximação entre Direito e moral, constituindo a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Os princípios constitucionais espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Eles dão unidade e harmonia ao sistema constitucional, integrando suas diferentes partes e atenuando as tensões normativas. Sua influência sobre a interpretação é decisiva, na medida em que o intérprete deve identificar os princípios incidentes sobre o caso concreto. A relevância dos princípios constitucionais está em que condensam valores, dão unidade ao sistema e condicionam a atividade do intérprete. Enfim, "las Constituciones principialistas de nuestros dias asumen la función de modelar en conjunto de la vida social". 21


5. RESOLUÇÃO DAS COLISÕES ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PELO JUÍZO DE PONDERAÇÃO

A Constituição é um texto normativo que contém normas que possuem densidade e abertura variadas pela natureza dos conteúdos que veiculam. A necessária abertura da Constituição resulta do regime plural e das múltiplas aspirações sociais, simbolizando interesses os mais díspares, antagônicos e até contraditórios. Além de refletirem essas expectativas, as normas devem permanecer abertas a fim de que possam adequar-se aos acontecimentos e às novas exigências sociais.

Além disso, os princípios contêm, geralmente, maior carga valorativa, com fundamento ético, uma decisão política importante, indicando determinado direcionamento a ser seguido. Numa sociedade plural e democrática, a constituição contém outros princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, às vezes contraditórios. Desse modo, adotando o sistema pauta de valores diversa e até contraditória, resulta inevitável a colisão entre princípios constitucionais.

Para que as normas constitucionais, sobretudo aquelas que consagram direitos fundamentais, veiculadas sob a forma de princípios, possam cumprir suas variadas funções, elas são formuladas de maneira indeterminada, vaga, com alto grau de abstratividade e de generalidade, que somente adquirem força imediata para a resolução de problemas jurídicos depois de submetidas ao processo de densificação, concretização e realização. Necessário, destarte, fazer uso da argumentação jurídica para resolver as questões constitucionais.

A argumentação jurídica racional interessa a todos os operados jurídicos e também ao cidadão porque somente assim o Direito obtém cientificidade e as decisões adquirem legitimidade. A dificuldade de fundamentar apenas na norma constitucional a solução do caso deve-se à vaguidade da linguagem jurídica, à possibilidade de conflito entre normas, a possibilidade de uma decidir contra o teor literal de uma norma e a possibilidade de ausência de norma para regular uma situação.

Os critérios tradicionais de hierarquia, cronológico e especialização de resolução de conflitos normativos freqüentemente são insuficientes para resolver as antinomias entre princípios constitucionais. Nessas situações, é necessário recorrer à ponderação de valores ou ponderação de interesses, que é uma técnica de decisão própria para decidir, especialmente nos casos difíceis (hard cases), onde o raciocínio subsuntivo é inadequado. Na interpretação que envolva princípios constitucionais, não é possível simplesmente escolher uma norma em detrimento das demais, haja vista que as normas constitucionais possuem a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica.

Desse modo, a ponderação deve ser adotada quando se identificar confronto de razões, de interesses, de valores ou de bens albergados por princípios constitucionais. Deve-se aqui entender como ponderação "la acción de considerar imparcialmente los aspectos contrapuestos de uma cuestión o el equilíbrio entre el peso de dos cosas". 22 O objetivo basilar da ponderação é solucionar conflitos normativos de forma menos traumática para o sistema constitucional, de sorte que as normas em colisão continuem a conviver, sem que isso importe em negação de qualquer delas.

Nesse sentido, na ponderação constitucional, busca-se estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos. À falta de um critério abstrato que impunha a supremacia de um princípio sobre o outro, deve-se, a partir do caso concreto, fazer concessões recíprocas. Evita-se sacrificar inteiramente um bem ou interesse, na medida em que o intérprete escolher arbitrariamente um dos interesses em jogo e anular o outro. "La ponderación conduce a uma exigência de proporcionalidad que implica establecer um orden de preferência relativo al caso concreto". 23

Nesse juízo de ponderação, deve-se observar alguns balizamentos. Para tanto, na perspectiva pós-positivisma, que importou no reconhecimento do constitucionalismo de princípois, há necessidade de o processo de interpretação constitucional recorrer a cânones, esquemas de argumentos, formas de argumentação, sendo desenvolvido um catálogo de princípios instrumentais e específicos de hermenêutica constitucional. Há no processo interpretativo a definição racional dos cânomes a partir dos quais será feita racionalmente a interpretação, sem obediência a uma hierarquia de cânomes, que serão definidos por princípios de ponderação. 24

Impõe-se então examinar brevemente os princípios de interpretação da Constituição, que constituem importantes critérios para o exercício do juízo de ponderação. A esse respeito, Canotilho 25 enumera os seguintes princípios de interpretação: a) da unidade da Constituição: requer a contemplação da Constituição como um todo, a compreensão do texto constitucional como um sistema único, compatibilizando-se os efeitos discrepantes; b) do efeito integrador: na resolução dos problemas o intérprete da Constituição deve dar primazia aos critérios que favoreçam a unidade política, fazendo-se a integração social e política; c) da máxima efetividade: significa que o intérprete deve retirar da norma o valor que lhe confira máxima eficácia; d) da conformidade funcional: os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão assumir postura que subverta, altere ou perturbe o esquema de organização funcional estabelecido pelo legislador; e) da concordância prática: consiste em manter a ordem dos bens jurídicos, de forma a evitar o sacrifício de uns em face de outros; e f) da força normativa da Constituição: recomenda se prefira, dentre as interpretações possíveis, a que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Portanto, na solução de colisão de princípios constitucionais, necessário fazer a ponderação de bens, objetivando-se sacrificar o mínimo possível os direitos em jogo. Essa ponderação faz-se pela utilização dos canônes da unidade da Constituição, da concordância prática e da máxima de proporcionalidade. Cumpre reconhecer que nesse processo a Constituição deve ser compreendida como unidade, o que implica reconhecer que suas normas não existem isoladas uma das outras, exigindo-se que sejam vistas como integrantes de um sistema, com conexão entre todos os elementos e em situação de interdependência.

Ademais, a interpretação da Constituição deve ser feita evitando-se as contradições entre as normas. O procedimento para resolução dos conflitos não obedece a uma hierarquia normativa pré-estabelecida de valores constitucionais. Todos os valores ocupam o mesmo patamar, não sendo possível pura e simplesmente sacrificar um deles em favor do outro. Portanto, a solução de um problema constitucional deve guardar coerência com o princípio da unidade, de maneira a harmonizar a divergência entre as normas da Constituição. Considerando que todos os bens constitucionais possuem o mesmo valor, impõe-se a proteção de todos eles a fim de sejam coordenados para que conservem sua identidade. A colisão entre bens deve ser resolvida diante do caso concreto, valendo-se do princípio da proporcionalidade, através de seus três subprincípios, a saber, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.


6. CONCLUSÃO

Dessas considerações impende reconhecer que no constitucionalismo de princípios, estes são reconhecidos como espécie do gênero norma de Direito, ao lado das regras constitucionais, sendo comandos preceptivos que ordenam, proíbem e permitem. Integram a Constituição, possuem supremacia em relação às demais normas, servindo de fundamento de validade do sistema jurídico.

Em decorrência de sua natureza normativa, os princípios constitucionais têm forma imediata, com eficácia e aplicabilidade direta, prestando-se a funções interpretativas, supletórias e normativas próprias, daí sua utilização para resolver problemas jurídicos, inclusive como parâmetro de controle difuso e concentrado de constitucionalidade das leis de outros atos normativos ou de qualquer ato em relação ao qual seja discutida sua conformidade com a Constituição.

Pela estrutura aberta, indeterminada e vaga dos princípios constitucionais, no plano abstrato convivem em harmoniza, entretanto nos casos concretos pode haver colisão entre dois ou mais princípios. Na solução dessas colisões, não se sacrifica inteiramente um princípio em favor da prevalência de outro, sendo indispensável a sua compatilização em face dos princípios da unidade da Constituição e da concordância prática, valendo-se para tanto do juízo de ponderação, observados os cânones de interpretação constitucional, tudo operacionalizado através da máxima de proporcionalidade.

Concluindo, pode-se proclamar, com Luis Prieto Sanchís, que "el juicio de ponderación puede verse como una pieza esencial del neoconstitucionalismo, de un modelo de organización política que quiere representar un perfeccionamiento del Estado de Derecho, dado que si es un potulado de este último el sometimiento de todo el poder al Derecho". 26


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2003, p. 191.

  2. Alguns estudos destacam-se acerca da teoria dos princípios: ALEXY, Robert; Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitutionales, 1993; DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Serio. Barcelona: Ariel, 1999; GRAUS, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. Crítica sistemática à teoria dos princípios é formulada por STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas – da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 475 e ss.

  3. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997.

  4. FLÓREZ-VALDEZ, Joaquim Arce y. Los Princípios Generales del Derecho y su Formulación Constitucional. Madrid: Civitas, 1990, p. 55.

  5. In FLÓREZ-VALDEZ, ob. cit., pp. 53 e 56.

  6. ALEXY, Robert; Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitutionales, 1993.

  7. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, 9ª ed, p. 232.

  8. Ob. cit., p. 235.

  9. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, 9ª ed, p. 232.

  10. Sobre o tema da relação entre princípios e positivismo jurídico, cf: FIGUEROA, Alfonso García. Princpios y Positivismo Jurídico. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constituiconales, 1998; e SANCHÍS, Luis Prieto. Constituiconalismo y Positivismo. México, DF: Distribuciones Fontamara, 1999.

  11. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, 9ª ed, p. 253.

  12. CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1037.

  13. ALEXY, Roberto. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 83.

  14. Dworkin, Ronald. Los derechos em serio. Barcelona: Editorial Ariel, 1999, p. 72/77.

  15. Ob. cit., p. 78.

  16. ALEXY, Roberto. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 88/91.

  17. Sobre a distinção entre regras e princípios, cf. sistematização formulado por CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1035/1036.

  18. SANCHÍS, Luis Prieto. Constituiconalismo y Positivismo. México, DF: Distribuciones Fontamara, 1999, p. 20.

  19. ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Princípios Constituiconais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 25.

  20. Ob. cit, p. 29/43.

  21. SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2003, p. 122.

  22. SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2003, p. 189.

  23. Ob. Cit., p. 191.

  24. SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2003, pp. 175/203.

  25. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1096/1099.

  26. SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2003, p. 216.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAES, Arnaldo Boson. Constitucionalismo de princípios e juízo de ponderação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2837, 8 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18855. Acesso em: 19 maio 2024.