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Transformações no sistema de ilicitudes no Código Civil de 2002

Transformações no sistema de ilicitudes no Código Civil de 2002

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O Código Civil trouxe dispositivos que oportunizam um sistema de norma geral da responsabilidade civil objetiva, ao passo que a tradição do Direito Brasileiro era de ter a aplicação da responsabilidade objetiva somente em casos específicos definidos previamente na legislação.

Sumário: INTRODUÇÃO; I – REGIMES TRADICIONAIS DA ILICITUDE; A) A ilicitude pela violação de um direito; B) O abuso do direto ou o exercício ilegítimo das posições jurídicas; II – NOVOS REGIMES DA ILICITUDE: DA TRANSFORMAÇÃO DE UM REGIME ESPECIAL EM UM REGIME GERAL; A) A ilicitude pelo risco na atividade; B) A ilicitude pelo “risco do empreendimento”; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA

Resumo Este artigo trata do sistema das ilicitudes no Código Civil de 2002, fazendo uma análise comparativa com o sistema adotado no Código Civil de 1916. O texto aborda as espécies de ilicitude consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, na vigência do Código Civil revogado, e que agora foram positivadas no Código Civil. Também é feita uma abordagem dos casos de ilicitude inaugurados pela nova legislação e do tratamento que tem sido dado pela doutrina e jurisprudência a esses casos.

Palavras-chave: Responsabilidade objetiva, responsabilidade subjetiva, culpa, risco, abuso do direito, ato ilícito, dano, risco do empreendimento, atividade perigosa, ilicitude.


INTRODUÇÃO

O Código vigente suplantou o regime da ilicitude do Código de 1916 pela substituição de um modelo jurídico baseado em um paradigma central (culpa) com regimes excepcionais, mediante a instituição de quatro novos paradigmas, que são equivalentes, mas com âmbito de incidência distinto.

Este artigo tem por objetivo analisar o sistema das ilicitudes no Código Civil de 2002, especificamente as cláusulas gerais da ilicitude e a distinção entre o regime tradicional e o regime das ilicitudes fundadas no risco que deixaram de ser uma regra especial e ganharam o status de regime geral.

Sem ingressar na análise das excludentes da ilicitude, e nem dos demais requisitos da responsabilidade civil, que constituem tema apartado, será demonstrado o abandono pelo Código Civil de 2002 do sistema de ilicitude consagrado no Código Civil de 1916 que prestigiava a culpa como principal nexo de imputação da responsabilidade civil, o que é essencial para compreender as regras gerais que autorizam a responsabilidade objetiva imputada pelo risco da atividade ou pelo risco do empreendimento.

As dúvidas que atualmente são apresentadas na doutrina e na jurisprudência passam pela delimitação terminológica e distinção entre ilicitude e culpa, a distinção entre abuso do direito no Código Civil de 2002 e os atos de emulação consagrados no Direito Romano, bem como a autonomia do regime de responsabilidade objetiva adotado no Código Civil de 2002 em relação a outros sistemas legislativos.

Parte-se do pressuposto de que não há mais utilidade em considerar a distinção entre a responsabilidade negocial ou extranegocial como a summa divisio da responsabilidade civil, já que esta, segundo as idéias de Genevièv Vieney, está na divisão entre regimes gerais e regimes especiais de responsabilidade civil[2].

Trata-se das espécies de responsabilidade e não dos regimes de responsabilidade, pois está no centro deste estudo a ruptura do Código com o modelo de “tipos de responsabilidade” e adoção dos “regimes de responsabilidade”, mediante a instituição de um sistema de ilicitudes ancorado em cláusulas gerais, tanto da responsabilidade subjetiva quanto da responsabilidade objetiva.[3]

A técnica legislativa das cláusulas gerais permite atualização e reforma da responsabilidade civil como menciona Viney, sem que haja alteração da lei. A multiplicidade de danos decorrentes de atividades diversificadas e uma grande gama de legitimados, típicos de uma vida social e econômica complexa como a nossa, exige que as reformas se inspirem em princípios genéricos suficientemente concluídos e coerentes para permitir a construção de um direito comum suscetível de fornecer as soluções satisfatórias e harmonizadas às questões que não precisam de um estatuto particular.[4]

Essa opção adotada pelo Código Civil de 2002, de estruturar a responsabilidade civil a partir de um conjunto de cláusulas gerais, cria um novo modelo que exige do intérprete novas lentes para exame da lei, pois mesmo que alguns artigos pareçam ser repetição de dispositivos do Código Civil de 1916[5], o sistema das ilicitudes estabelecido no Código Civil de 2002 é completamente novo, precisando ser lido e interpretado com esse espírito (a redação do Código Civil de 2002 está à frente da doutrina[6]) sob pena de que se reproduza a interpretação que era usada no Código Civil de 1916 a uma legislação nova.

Para tanto, dividiu-se o tema em duas partes: a primeira trata dos regimes tradicionais da ilicitude, e a segunda, dos novos regimes da Ilicitude abordando a transformação de um regime especial em um regime geral. Os capítulos correspondentes a essas partes (dois em cada parte) são divididos segundo as espécies de ilicitudes que vigoram no sistema brasileiro hoje, compreendido pelos regimes tradicionais e novos regimes.


I – REGIMES TRADICIONAIS DA ILICITUDE

O sistema das ilicitudes dos arts. 186 e 187 do Código Civil será considerado como regime tradicional, porque o art. 186 repete boa parte do que havia na redação do art. 159 do Código Civil de 1916 e no art. 187 consolida a teoria do abuso do direito (ou como alguns preferem chamar de exercício ilegítimo de posições jurídicas subjetivas[7]).

Embora a figura do abuso do direito não foi tratada de forma expressa no Código Civil de 1916, optou-se por classificá-lo como regime tradicional, tendo em vista o que a jurisprudência e a doutrina aplicavam mesmo antes da vigência do Código Civil de 2002.

Por isso, ainda que a matéria do art. 187 possa parecer inovação, é a consolidação do que já era aplicado na vigência do Código Civil de 1916.[8]

Porém, tais dispositivos foram incluídos no Código Civil de 2002 com outra roupagem, e isso não pode ser ignorado.

Assim, é necessário entender que os artigos 186 e 187, embora tragam modalidades de ilicitudes que já existiam na vigência do Código Civil anterior, na verdade, oferecem um novo sistema de ilicitudes, e isso pode ser visto em primeiro lugar pela desvinculação entre a idéia de culpa e ilicitude.

Essa desvinculação pode ser percebida com a inclusão do abuso do direito como um caso de ilicitude, tendo em vista que o artigo 187 não exige atos de emulação ou sequer culpa, como se verá a seguir.

Em segundo lugar, é necessário perceber que a orientação de que pode ocorrer o ato ilícito narrado no art. 187 sem a necessidade de dano, deixando a responsabilidade civil de ser encarada como única conseqüência do ato ilícito[9].

Exemplo disso são as decisões proferidas em nossos Tribunais que consagraram a necessidade da prova de dano em alguns casos de cancelamento de inscrições negativas antigas ou de ações inibitórias, para que o pedido de indenização pecuniária seja procedente. Caso não se vislumbre tal prova, a reparação se dá in natura, pela ordem de cancelamento do ato abusivo ou pela emissão de ordem sob pena da incidência de astreintes, sem que haja condenação a uma indenização com caráter pecuniário[10].

Estabelecidas essas premissas iniciais, passa-se ao exame do regime tradicional da ilicitude.

Ao se tratar da ilicitude, parte da doutrina[11] descreve como requisito da responsabilidade civil a expressão antijuridicidade e não ilicitude, pois, a ilicitude pode não gerar responsabilização civil e podem ocorrer situações em que a licitude impõe o dever de indenizar.

Poucos doutrinadores fazem isso, e em decorrência da associação estabelecida entre ilicitude e culpa acabam por não entender que o problema seria melhor resolvido se fosse usada a expressão antijuridicidade.

Para Noronha, a ilicitude deve ser entendida na acepção ampla (ilicitude objetiva) e restrita (ilicitude subjetiva). A acepção subjetiva que está no art. 186 do Código Civil depende da apreciação da culpa, tomando-se como exemplo o homicídio praticado por inimputável, que é apenas objetivamente ilícito, enquanto o homicídio praticado por imputável é subjetivamente ilícito[12].

Noronha defende que a responsabilidade civil pode ser objetiva ou subjetiva. Quando exige a prática de um ato ilícito (art. 186 e 927 caput), será subjetiva; quando baste um ato antijurídico (art. 927, parágrafo único) será objetiva. Para o autor, seria contraditório falar de ato ilícito gerador de responsabilidade objetiva[13].

Por isso deve se preferir o conceito de antijuridicidade por ser mais amplo que o de ilicitude.

A antijuridicidade ocorre quando um ato ou um fato ofende direitos alheios de modo contrário ao direito, independentemente de qualquer juízo de censura que porventura também possa estar presente e ser referido a alguém[14].

Mário Julio Almeida Costa defende que a antijuridicidade existe sempre que ocorre a infração de um dever jurídico[15]. Porém, é necessário perceber que nem todos os atos ofensivos a direito alheio são antijurídicos e nem todos os atos antijurídicos são ilícitos[16].

E isso pode ser explicado pelo fato de que existem causas de exclusão da ilicitude ou causas justificativas do ato danoso.

Como exemplos podem ser citados os atos praticados em legítima defesa ou em estado de necessidade. Se tais atos somente causarem danos ao próprio agressor do criador do estado de perigo, não haverá antijuridicidade. Mas, se causarem danos a outras pessoas, esses atos serão considerados antijurídicos.

Outro aspecto a ser ponderado na fixação da definição de antijuridicidade é que o ato pode ser antijurídico, mas não chegar a ser considerado ilícito, pois para ser antijurídico não precisa receber a caracterização de ilícito. Assim, ilicitude, antijuridicidade e ofensa de direitos alheios são realidades distintas[17].

Como exemplo de ato antijurídico, mas que não chega a ser ilícito pode ser citado o ato praticado por inimputáveis ou por pessoas em situação de inimputabilidade acidental. Se tomarmos novamente o homicídio como exemplo, fato sempre ofensivo ao direito alheio, se praticado por pessoa imputável, é passível de juízo de censura, será antijurídico e ilícito. Se for por pessoa inimputável, será antijurídico, reprovado pelo direito, mas não ilícito porque falta a culpa. Se a morte resulta de guerra, de execução da pena de morte ou de legítima defesa, não há sequer antijuridicidade[18].

O ato antijurídico pode ser um ato humano, culposo ou não, mas também pode ser um fato natural, que ofenda direitos de outrem de forma reprovada pelo ordenamento jurídico, dependendo do tipo de responsabilidade que se está enfrentando.

Na responsabilidade subjetiva é necessário um ato humano culposo; na responsabilidade objetiva pode ser um ato humano ou fato da natureza independentemente de culpa.

Assim, verifica-se que a melhor terminologia, e também a que será adotada neste plano, é a de antijuridicidade que engloba tanto o ato ilícito ou não, isso se deve ao fato de que, por vezes, parte da doutrina associa a idéia de ilicitude à culpa e tal idéia tem que ser abandonada até mesmo pela redação do Código Civil de 2002, que contempla os casos de responsabilidade e considera ato ilícito tanto o decorrente de conduta culposa ou não.

Isso fica claro nas idéias de Judith Martins-Costa, que faz a distinção entre a ilicitude e culpa. Para ela, ilicitude significa contrariedade ao Direito e não apenas à lei que seria ilegalidade. Com a finalidade de corroborar seu pensamento, a autora cita Pontes de Miranda que fazia a distinção entre ilicitude e culpa. Sendo esta última um plus em relação ao suporte fático. Assim, haveria a expressão ilicitude em sentido lato (compreendendo fatos jurídicos, atos-fatos jurídicos e atos jurídicos que atentam contra o Direito) e em sentido estrito (restrita aos delitos dotados do elemento subjetivo culpa).[19]

Raciocínio diferente é usado por Cavalieri, que para não confundir a ilicitude com culpa prefere a distinção do ato ilícito em ato ilícito em sentido estrito (ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade, ou da obrigação de indenizar, responsabilidade subjetiva art. 186 – baseada na culpa) e amplo (ato ilícito indica a ilicitude do ato, conduta humana antijurídica contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico, responsabilidade objetiva – independente de culpa)[20].

O conceito estrito de ato ilícito, tendo a culpa como um de seus elementos, tornou-se insatisfatório, mesmo nos casos de responsabilidade subjetiva, e mais ainda nas de responsabilidade objetiva.

Hoje somente tem guarida o conceito de ato ilícito em sentido amplo (contrariedade entre a conduta e a ordem jurídica) tendo em vista a ampliação do campo da responsabilidade civil para a responsabilidade objetiva.

Também contribui para a distinção entre ilicitude e culpa Paulo de Tarso Sanseverino que refere que são conceitos autônomos e distintos, e para resolver o problema refere as idéias de Antunes Varela que distingue as duas figuras dizendo que mesmo que ambas se condicionem à sanção civil, a ilicitude deve ser considerada no aspecto geral e abstrato considerado pela norma legal e a culpa no momento subjetivo em que o julgado ainda apoiado na lei aprecia a reprovabilidade da conduta do agente (ou omitente) em face das circunstâncias concretas ao caso. Enquanto a ilicitude considera objetivamente a conduta do autor do fato em confronto com os valores tutelados pela ordem jurídica, a culpa atém-se ao elemento subjetivo, verificando-se maior ou menor censurabilidade da conduta[21].

O Código Civil vigente disciplina a responsabilidade subjetiva (art. 186) e objetiva também (art. 927, parágrafo único e 931) através de cláusulas gerais. Além disso, disciplinou outra modalidade de ato ilícito, o abuso de direito, que está no art. 187, que não tem a culpa como seu elemento integrante, mas os limites impostos pela boa-fé e finalidade econômica e social, valores ético-sociais consagrados pela norma em defesa da ordem pública e que não estão relacionados com culpa, mas com a funcionalização dos modelos jurídicos em relação aos fins determinados pelos valores que estruturam o sistema do Código.

Estabelecida esta distinção entre ilicitude e culpa, é necessário fazer-se a análise do ato ilícito subjetivo, ou culposo previsto no art. 186 do Código Civil de 2002.


A) A ilicitude pela violação de um direito

Embora o legislador de 2002 tenha repetido boa parte do art. 159 do Código Civil de 1916 no art. 186 do novo diploma, estabeleceu algumas distinções sutis que uma leitura mais atenta dos dispositivos conduz à percepção de que se está diante de outro modelo de ilicitude se comparado com o Código Civil revogado.

A primeira distinção diz respeito ao fato de que o Código Civil de 1916 dizia que seria obrigado a reparar o dano causado àquele que por ação ou omissão dolosa ou culposa violar direito OU causar prejuízo a outrem, o Código Civil de 2002 fala naquele que violar direito E causar dano a outrem.

Assim, no Código Civil vigente, para que haja ação humana ilícita, é necessário que haja violação de um direito. Assim, o ilícito passou a comportar dois elementos, a violação de um direito em contradição com o ordenamento (antijuridicidade) e a sua imputação ao agente a título de dolo ou culpa (culpabilidade)[22].

Eugênio Facchini Neto defende que o art. 186 do Código Civil além de ter repetido o art. 159 do Código Civil deixou claro através da substituição da conjunção ou por e, que a responsabilidade subjetiva é fundada na culpa, mas somente será incidente se causar dano a outrem. E isso deixa claro que a função da responsabilidade civil é de natureza reparatória, compensatória, não tendo efeito primordial a punição[23].

A redação dada pelo Código Civil brasileiro é parecida com o Código Civil italiano que prevê a cláusula geral da responsabilidade civil subjetiva como uma regra geral que está disciplinada no art. 2043 que dispõe que é fato ilícito todo fato doloso ou culposo que ocasiona a outro um dano injusto[24].

Mesmo que o Código Civil de 2002 tenha apresentado uma nova redação ao art. 186 ainda assim prestigiou a culpa como uma das suas cláusulas gerais e isso no sentido de que existe um vasto campo de aplicabilidade da responsabilidade subjetiva fundada na culpa.

Porém, não se pode esquecer que a tendência é de que ao lado dela se passe a acolher a responsabilidade independentemente de culpa, que se denomina objetiva sob a forma de responsabilidade pelo risco, como refere Mário Júlio Almeida Costa[25].

Em certa medida, isso é o que ocorre no sistema brasileiro que contém cláusulas gerais de responsabilidade objetiva também. Aliás, é o que se vê também na Itália com a redação do art. 2050, uma cláusula geral da responsabilidade objetiva.

Galgano adverte que, embora a responsabilidade tenha por princípio geral a ilicitude situada em um elemento subjetivo, esse princípio geral admite exceções, e as exceções são tantas que na prática a relação entre regra e exceções aparece de salto: é muito maior a área dos casos de responsabilidade objetiva que a da responsabilidade subjetiva. O princípio geral termina assim como um princípio residual destinado a regular somente as situações nas quais não vige uma das tantas regras de responsabilidade objetiva[26].

É interessante referir que na Itália existe norma parecida com a do art. 927, parágrafo único, que é o art. 2050 com será visto na segunda parte deste trabalho[27].

Embora muitos doutrinadores sejam defensores das cláusulas gerais, isso não é uma unanimidade, e a esse respeito Dieter Medicus apontou inconvenientes da cláusula geral que oferecer uma mera regulação para cada classe de danos causados ilícita e culposamente, que são: 1) com a cláusula geral a característica da antijuridicidade requer uma precisão. Não se pode partir da suposição de que todo dano seja antijurídico. 2) A cláusula geral delitiva leva também a dificuldades na determinação dos titulares da ação[28].

Os inconvenientes da cláusula geral são percebidos principalmente quando ela é mal aplicada, como se pode perceber através de uma pesquisa jurisprudencial a respeito das decisões proferidas depois da entrada em vigor do Código Civil de 2002.

Percebe-se que o artigo 931 ainda é pouco utilizado, e que em muitos casos nos quais caberia a aplicação do artigo insiste-se em aplicar o Código de Defesa do Consumidor, mesmo para relações civis e não de consumo.[29]

Outro equívoco comum é a aplicação do art. 927 em vez do art. 931 e também a utilização equivocada do art. 187 quando a disposição legal incidente é o art. 186 do Código Civil.


B) O abuso do direto ou o exercício ilegítimo das posições jurídicas

O artigo 187 do Código Civil regulamenta o ato ilícito com base na figura do abuso do direito. Existe divergência na doutrina a respeito da abrangência e aplicação do instituto sobre o qual trata o dispositivo: é caso de ato ilícito? A responsabilidade civil decorrente desse ato ilícito é objetiva ou subjetiva? O artigo trata de abuso de direito ou exercício ilegítimo de posições jurídicas?

Para responder a essas questões é necessário estudar a origem do instituto, sua aplicação no direito comparado e também qual foi o interesse do legislador de inserir no Código Civil o dispositivo correspondente ao abuso do direito.

A fonte mediata do art. 187 do Código Civil está nos anteprojetos do Código de Obrigações de 1941 (Hahnemann Guimarães) e de 1965 (Caio Mário). Esses anteprojetos possuíam dispositivos que tratavam da obrigação de reparar o dano proveniente de ato que excedesse, no exercício do direito, os limites do interesse protegido ou os decorrentes da boa-fé independentemente de qualquer intenção emulativa[30] - (talvez esses dispositivos inspiraram não só o legislador do Código Civil de 2002 mas também a jurisprudência na vigência do Código Civil revogado, que mesmo vacilante, considerava a existência de uso abusivo do direito, e em algumas decisões dispensava a caracterização de um requisito subjetivo, como se verá a seguir).

A fonte imediata do dispositivo está no art. 334 do Código Civil português[31].

A parte geral do Código Civil de 2002 foi escrita por José Carlos Moreira Alves que ao redigir o texto do projeto recebeu a influência do Código Civil português (isso se verifica não só pelo conteúdo de alguns dispositivos, mas também pela distribuição da matéria[32]) e dos anteprojetos anteriores principalmente o de Orlando Gomes no que diz respeito ao uso de cláusulas gerais e dispositivos que atendem à função social[33].

Embora o art. 334 do Código Civil português tenha inspirado a redação do Código Civil de 2002, Moreira Alves sempre preferiu tratar o abuso do direito como um ato ilícito, posição essa que não foi questionada por Clóvis do Couto e Silva que foi o revisor do projeto na parte geral[34].

No direito português existe um dispositivo que trata da matéria de forma muito parecida com o Código Civil brasileiro[35]. A redação do artigo é parecida, mas enquanto no Direito pátrio é tratado como um ato ilícito no Código Civil português aparece como exercício ilegítimo das posições jurídicas.

Para Mário Júlio de Almeida Costa, ocorre o abuso do direito quando um determinado direito, em si válido, for exercido ofendendo o sentimento de justiça dominante na comunidade social. Quando isso ocorre, impõem-se as sanções: tratar o titular do direito cujo exercício se mostra abusivo como se esse direito não existisse, ou condená-lo à indenização dos danos sofridos pelo prejudicado, mas mantendo-se o ato abusivo que os produziu. Esta última solução é mais coerente, porque na primeira os efeitos do abuso do direito equiparam-se aos de pura falta do direito[36].

O abuso do direito pode ser encarado tendo em vista as teorias objetiva e subjetiva.

Na teoria subjetiva é decisiva a atitude psicológica do titular do direito, de ter ele agido com o único propósito de prejudicar o lesado (ato emulativo). Centra-se no problema da intenção do agente. Para a teoria objetiva o que interessa não é a intenção do agente, mas os dados de fato, o alcance objetivo do seu comportamento, de acordo com o critério da consciência pública.

É considerado como abusivo o uso antifuncional do direito. Isso se verifica quando existe um contraste nítido entre a finalidade própria do direito em causa e a sua atuação na hipótese concreta[37].

A posição objetiva é defendida por Judith Martins-Costa para quem a expressão abuso do direito representa o exercício jurídico inadmissível ou disfuncional, sendo no Direito brasileiro uma forma de ilicitude civil, objetiva[38].

Essa marca de objetividade nem sempre foi unânime no direito brasileiro. Os casos enfrentados pela jurisprudência nos quais se utilizava o abuso do direito como uma configuração de ato ilícito apareciam, em sua maioria, fundados no abuso subjetivo. Foi somente no final do século XX que o Direito brasileiro passou a consolidar uma forma de objetivação de abuso do direito e isso se deve em parte pelo sistema de “descodificação civil anterior” ao Código Civil de 2002 (criação de microssistemas como o Código de Defesa do Consumidor que repelia a abusividade contratual ou o desequilíbrio, etc.) e pela atribuição de competência jurisdicional ao Superior Tribunal de Justiça para o controle das decisões dos Tribunais da Federação e aplicação da Lei Civil. Tal mostra de objetivação pode ser percebida pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no caso de abuso da personalidade[39].

E existem ainda as fórmulas intermediárias – combinação do critério subjetivo com o objetivo (posição sustentada por Manuel de Andrade – se deve considerar abusivo o exercício de um direito sempre que a conduta do titular se revele gravemente chocante e reprovável para o sentimento ético-jurídico prevalecente na coletividade. Esta reação da consciência pública tanto pode ter na sua base fatores subjetivos como objetivos ou fatores de uma e outra ordem) [40].

Noronha sintetiza essas noções referindo que existem duas concepções a respeito do abuso do direito, a subjetiva (abuso do direito se verifica quando uma pessoa age com propósito de prejudicar outrem) e a objetiva – finalista, teleológica ou social – (basta que o ato seja considerado abusivo, que a pessoa se proponha a realizar objetivos diversos daqueles para os quais o direito subjetivo foi preordenado e por isso sem correspondência com a função ou finalidade do direito). É nessa orientação que se pode falar em abuso das posições jurídicas[41].

O legislador português aceitou a concepção objetiva do abuso do direito, assim não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu ato à boa-fé, aos bons costumes ou ao fim social ou econômico do direito exercido, basta que o ato se mostre contrário ao direito. Mas esse abuso deve ser nítido, o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício[42].

Para Mário Júlio Almeida Costa, o legislador português não indica quais são as conseqüências do abuso do direito, por isso o autor entende que cabe ao juiz não somente a tarefa de considerar o ato como abusivo, mas também a de definir quais vão ser as conseqüências do ato[43].

Vislumbra-se, assim, que, além de a norma ser genérica, o legislador português cuidou também de não estabelecer uma sanção específica para o caso de reconhecimento de abuso. Essa sanção vai depender de como o abuso se expressa, pode ser a decretação da nulidade de um ato, imputação da responsabilidade civil, ou da desconsideração de um fato[44].

Além de a matéria ser tratada no Direito Português, o abuso do direito é admitido de forma expressa no BGB, §§ 226, 242 e 826; no Código Civil Suíço art. 2º, alínea 2; no Código das Obrigações Polaco, art. 135; no projeto Franco-Italliano de Código das Obrigações e dos Contratos, art. 74, alínea 2; no anteprojeto da comissão de reforma do Código Civil francês, 1ª parte, art. 147 e no Código Civil grego art. 281[45. ]

No direito alemão o abuso do direito foi acolhido no § 226 que refere que o exercício do direito é inadmissível se tiver como único escopo provocar danos a outrem. O artigo estava associado à idéia de responsabilidade subjetiva no sentido do ânimo do dano – emulatio. Porém a jurisprudência alemã ultrapassou essa concepção recorrendo ao § 826que equipara o abuso de direito aos atos ilícitos ao determinar que quem cause a outrem dano de forma que atente contra os bons costumes fica obrigado a indenizar, e o § 242 que traz o dever de agir de acordo com a boa-fé também foi importante para a evolução da teoria do abuso do direito que foi incluído com uma concepção subjetiva, mas foi ultrapassada pela jurisprudência com o apoio da doutrina principalmente com o uso do § 242 que é o limite mais importante do exercício lícito de um direito[46].

No Direito brasileiro a figura do abuso do direito era aplicada na vigência do Código Civil de 1916 de forma indireta com apoio no art. 160, I, 2ª parte, que dizia “não constituem ato ilícito os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.

Segundo Noronha o abuso do direito é instituto que se consolidou contra um entendimento tradicional sintetizado no brocardo de quem faz uso de seu direito não lesa ninguém[47].

Porém, é necessário salientar que o art. 187 disciplinou a figura do exercício inadmissível de posições jurídicas que não é reprodução do art. 160, I, do Código Civil de 1916, pois na legislação revogada o dispositivo limitava-se a operar com a noção de direito subjetivo[48].

Ao intérprete é preciso perceber que o Código Civil vigente inova, pois rompe com o modelo vinculado de ilicitude e culpa, que vigorava no Código Civil de 1916. Além disso, estabelece uma nova estrutura ao ato ilícito demonstrando que ilicitude e obrigação de indenizar são situações autônomas, ou seja: o legislador de 2002 não confunde ou condiciona ilicitude à responsabilidade civil[49].

O art. 187 do Código Civil de 2002 está desvinculado da existência de dano. Assim, além da reparação civil, pode ser objeto de tutela pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Civil[50] podendo determinar entre outras sanções a cominação de nulidade, ineficácia ou outras sanções que se aplicam de modo concomitante à sanção civil, de caráter penal ou administrativo[51].

Além disso, ainda que o abuso do direito tratado no art. 187 prescinda de culpa, é possível considerar a sua apreciação na definição do valor da indenização no caso de responsabilidade civil[52].

A legislação atual (art. 944 e parágrafo único) considera relevante a apreciação do comportamento do ofensor no processo de fixação de indenização. A regra é a de que a indenização mede-se pela extensão do dano, mas é possível reduzir o valor da indenização nos casos em que o indivíduo agiu com culpa leve ou levíssima, e o dano é excessivo. Levando em conta que o legislador se importa com o comportamento do ofensor, a lógica conduz ao raciocínio de que, mesmo nos casos de responsabilidade objetiva, que independem de culpa, a avaliação do comportamento do ofensor deverá preceder a fixação da indenização.

Segundo Noronha, o abuso do direito está ligado ao princípio da boa-fé (dever de agir de acordo com determinados padrões mínimos, socialmente reconhecidos de lisura e lealdade), à idéia de que é uma ação que deve exceder manifestamente os poderes contidos em determinado direito. E para explicar isso o autor entende que o abuso do direito deve ser encarado de acordo com as posições objetivas, embora o ato abusivo não seja necessariamente ilícito subjetivamente, é uma atuação antijurídica; abusa de seu direito quem faz dele uso desconforme, seja com a finalidade de causar inutilmente dano a outrem, ou seja, para alcançar outros objetivos não tutelados pela norma atributiva ou reguladora do Direito. Assim não precisa o lesado provar que o lesante agiu com o propósito de prejudicá-lo, basta que faça prova do uso desconforme[53].

Essa posição também é enfatizada por Judith Martins-Costa que dentre as funções da boa-fé objetiva a que mais se encaixa no exame do abuso do direito é de que serve de “baliza para a averiguação da ilicitude no modo de exercício de direitos, vedando, por exemplo, o comportamento contraditório ou desleal”.[54]

A boa-fé passa a garantir as legítimas expectativas de uma ação orientada pela probidade e correção no tráfego jurídico. Assim, a eficácia ligada à boa-fé poderá ser indenizatória, invalidante, paralisante, ou dissuasória[55].

O critério para caracterizar o abuso do direito é o da manifesta desproporção entre o interesse a que o agente visa realizar e aquele da pessoa afetada, entre as vantagens do titular do direito e os sacrifícios suportados pela outra parte. Se todos os direitos têm finalidade social, não é possível tutelar pretensão que represente sacrifício manifestamente desproporcional dos interesses de outrem.

Esse critério da desproporção tem sido utilizado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nas decisões que reconhecem o abuso do direito como um ato ilícito[56].

Por fim, é necessário cautela com a interpretação de Humberto Theodoro Júnior a respeito da matéria para quem a responsabilidade decorrente do art. 187 é subjetiva fundada na culpa e a responsabilidade do art. 1228, § 2º, é subjetiva fundada no dolo,[57] a qual estaria adequada ao modelo de responsabilidade que era vigente no sistema do Código de 1916, mas completamente contraditório com os princípios e com as diretrizes do ordenamento vigente.


II – NOVOS REGIMES DA ILICITUDE: DA TRANSFORMAÇÃO DE UM REGIME ESPECIAL EM UM REGIME GERAL

O Código Civil de 2002 é marcado pelo uso de cláusulas gerais, técnica de uso abundante na disciplina da responsabilidade civil.

O Código Civil, cumprindo com o princípio preconizado por Reale de que o causador do dano deixa de se esconder atrás do escudo da culpa, estabeleceu regras gerais de responsabilidade civil objetiva e é o que se encontra no caso do art. 927, parágrafo único, e art. 931.

A grande inovação talvez seja esta: a de abandonar o sistema de responsabilidade civil objetiva fundada na casuística, modelo fundado na tipificação, que impedia o desenvolvimento da jurisprudência, para positivar regras gerais da responsabilidade objetiva em seus art. 927, parágrafo único, e 931[58].

O art. 927, parágrafo único, é um dos dispositivos mais importantes do Código Civil, pois está marcado pela concepção culturalista, assentada na noção de estrutura social. Quando o legislador estabelece que a aplicação dessa responsabilidade dependerá da análise da “atividade normalmente exercida pelo autor do dano que implique risco”, ele está possibilitando que o intérprete defina qual regime de responsabilidade será aplicado, tendo em vista uma visão prospectiva[59].

O direito abandona o sistema estático e passa a utilizar um sistema dinâmico.

Esse modelo de responsabilidade objetiva, como regra geral, não é criação brasileira, outros ordenamentos também se serviram dela como é o caso do direito italiano e português.

No Código Civil Italiano existe um dispositivo que é o art. 2050 que dispõe: “Aquele que emprega na atividade produtiva ou na vida privada meios que são fonte de perigo aceita com isso a eventualidade de ocasionar danos aos outros, deve por conseqüência assumir o risco de dever-lhe ressarcir também se não lhe tenha ocasionado por culpa”.[60]

O direito Italiano admite uma prova liberatória que consiste na possibilidade de se isentar da responsabilidade com a prova de ter adotado todos os meios idôneos. Assim, a atividade perigosa deve ser exercida nas condições de máxima segurança com a adoção de todas as estratégias que a técnica oferece. Se ainda assim o evento danoso se verifica, isso será um evento inevitável e por isso, não tem relação de causalidade como o desenvolvimento da atividade perigosa[61].

Embora o Código Civil português não tenha uma regra geral sobre a responsabilidade objetiva, pois o seu art. 483 dispõe que somente existe responsabilidade independentemente de culpa quando a lei o especifique, no art. 493, n. 2, aparece de forma sutil uma modalidade de objetivação da responsabilidade (se não considerada como responsabilidade objetiva de forma expressa, tal posicionamento pode derivar da inversão do ônus da prova operada em decorrência de uma presunção de culpa).

Mário Júlio refere que diante de um crescimento desordenado da responsabilidade pelo risco chegar-se-ia a criar uma cláusula geral da responsabilidade objetiva. Mas o autor afirmava que tal evolução ainda não aconteceu no Direito Português[62].

É necessário ter um pouco de cautela, pois, embora o Código Civil português não tenha nenhuma referência expressa a uma regra geral da responsabilidade civil, tal regra aparece no art. 493, n. 2, que prevê que aquele que causar danos a outrem no exercício de uma atividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de preveni-los.

Portanto é possível concluir que talvez Mário Júlio da Almeida Costa não tivesse se referido a esse artigo em especial como uma regra geral da responsabilidade objetiva, pois pode ter considerado o caso com responsabilidade subjetiva com culpa presumida.

Esse também é o posicionamento adotado por Leonardo de Faria Belardo que refere que o Código Civil italiano no art. 2050 e português art. 493 contemplam uma regra geral da responsabilidade objetiva, admitindo a possibilidade de se eximir da responsabilidade provando que empregou todas as providências exigidas com o fim de prevenir os danos, o autor entende que no caso haveria uma culpa presumida (cita o posicionamento de Massimo Bianca no mesmo sentido na p. 77)[63].

A esse respeito é interessante citar a posição encontrada no livro de José de Aguiar Dias, edição revisada, atualizada e ampliada por Rui Berford Dias. Segundo o atualizador, o parágrafo único do art. 927 Código Civil, que tem sido “aclamado como novidade”, em verdade, não representa novidade, pois foi inspirado nos arts. 2050 e 493 do Código Civil italiano e português, respectivamente e nesses dispositivos consagrava-se a presunção de culpa e não a responsabilidade objetiva[64].

Ainda que o dispositivo tenha sido inspirado na legislação italiana e portuguesa, a redação adotada no Brasil suprimiu a parte final dos dispositivos que estabelecia a presunção de culpa. Em virtude disso, o modelo de legislação brasileira passou a considerar nesse dispositivo a responsabilidade como sendo objetiva, trazendo uma norma da responsabilidade objetiva, enquanto o modelo adotado anteriormente era tipificado, dependendo de definição expressa pelo legislador[65].

O parágrafo único do art. 927 do Código tem sido interpretado com reservas, seja pelo fato de se criticar a redação extremamente genérica do dispositivo ou pelo fato de que a redação de origem foi travestida.

Talvez algumas das críticas que têm sido levantadas sejam pelo fato de que o parágrafo único esteja subordinado ao caput do art. 927 que refere que haverá o dever de indenizar quando ocorrer ato ilícito e o mesmo artigo se refere aos artigos 186 e 187.

Isso pode induzir o intérprete ao posicionamento de que o sistema da responsabilidade civil no direito brasileiro continua subordinado à idéia da regra geral da responsabilidade subjetiva, seja pelo fato de o dispositivo usar a expressão ilícito – como se viu, às vezes, se cai no engano de se fazer a associação de ilícito com culpa – ou pelo fato de que o dispositivo se refere expressamente ao art. 186 que é a regra geral da responsabilidade subjetiva.

Na Alemanha não existe uma cláusula geral para a responsabilidade para o risco. A matéria é tratada em causas limitadas de responsabilidade que estão no BGB e em leis especiais. Além de não ter uma cláusula geral sobre a responsabilidade objetiva, a jurisprudência não permite uma interpretação analógica dos dispositivos especiais tipificados. Os casos tipificados são de responsabilidade pelo detentor do animal, do veículo, do empresário de ferrovias, das instalações e conduções de energia, por aeronaves, energia nuclear, por medicamentos[66]...


A) A ilicitude pelo risco na atividade

O Código Civil de 2002 adota a teoria do “risco criado” em sua regra geral do art. 927, parágrafo único.

A responsabilidade pelo risco criado ocorre quando alguém exerce uma atividade criadora de perigos, devendo responder pelos danos que ocasione a terceiros como uma espécie de contrapartida das vantagens que aufere pelo exercício da atividade. O dever de indenizar resulta de uma conduta perigosa do responsável. Existem atividades humanas que envolvem o risco de causar prejuízos a terceiros, mas que a lei não as proíbe em virtude de serem socialmente úteis ou não reprovadas pelo consenso geral. Apenas são responsabilizadas as pessoas que as exercem perante os danos que eventualmente venham a produzir ainda sem culpa[67].

Embora nos casos de responsabilidade objetiva para que haja a imputação da responsabilidade não seja relevante questionar a culpa do agente e sua gravidade, a culpa e sua gravidade têm no Direito Português interesse no limite quantitativo (art. 508, 510 do Código Civil português), no caso de vários responsáveis (art. 500, art. 501 e 507) e também no caso de concorrência de culpa do lesado na produção ou agravamento do dano (art. 570). O art. 494 do Código Civil português possibilita a graduação equitativa da indenização em hipóteses de culpa e se aplica à responsabilidade pelo risco (art. 499 do Código Civil português)[68].

Esse também é o posicionamento de Paulo de Tarso Sanseverino[69].

Para Noronha, a responsabilidade objetiva ou pelo risco – obrigação de reparar os danos independentemente de culpa ou dolo – nasce da prática de fatos meramente antijurídicos, geralmente relacionados com determinadas atividades, e por isso denominada riscos de atividades normalmente desenvolvidas pelo autor do dano conforme determina o art. 927, parágrafo único, do Código Civil. A antijuridicidade tem natureza objetiva e existe sempre que o fato ofende direitos alheios de modo contrário ao direito, independentemente de qualquer juízo de censura que também possa estar presente e ser referido a alguém[70].

A grande dificuldade que se encontra no art. 927, parágrafo único, é a de definir o que é risco da atividade. Tentando explicar a matéria, Facchini arrola alguns casos da jurisprudência italiana consagrados como atividade perigosa: manipulação de explosivos, uso de serra elétrica, atividades envolvendo metais incandescentes, produção e distribuição de metano, serviço de abastecimento de gás para uso doméstico, circulação de veículos automotores, atividades de caça, parques de diversões[71].

A respeito do tema ainda é necessário frisar que o atual Código Civil não se filiou à teoria do risco proveito e sim à teoria do risco criado o que é necessário vislumbrar é se é desenvolvida uma atividade que cria risco para outrem, assim pouco importa que o causador do dano tire proveito ou não da atividade, não importa que o resultado seja bom ou ruim para o agente, se ocorrer dano, deverá responder[72].

É preciso também confrontar o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.

Sobre essa matéria Sanseverino ensina que o Código Civil não revoga as normas do Código de Defesa do Consumidor, como indica de forma expressa o Código Civil art. 931 do Código Civil [73].

O regime do Código de Defesa do Consumidor protege de modo mais amplo o consumidor, por isso a tendência é de que, havendo relação de consumo, irá se buscar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e não do Código Civil, conforme pode se ver das vantagens[74]:

a) atribuição do ônus da prova da inexistência do defeito ao fornecedor – se for aplicado o Código de Defesa do Consumidor, não haverá a necessidade de comprovar o defeito do produto ou do serviço;

b) a interpretação do art. 931 do Código Civil deve ser conjugada com o art. 12, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor que estabelece que o conceito de defeito do produto está relacionado à segurança legitimamente esperada pelo consumidor, pois se fosse aplicada a interpretação ampla e irrestrita do art. 931 alguns setores empresariais ficariam inviabilizados como o caso de fabricante de facas[75];

c) prazo prescricional do Código de Defesa do Consumidor é de cinco anos, e o Código Civil é de três anos;

d) no Código de Defesa do Consumidor aplica-se o princípio da reparação integral, não havendo a possibilidade de diminuir o valor da indenização tendo em vista o grau da culpa, e o parágrafo único do art. 944 traz a possibilidade de redução da indenização.

Por fim, é necessário estabelecer os requisitos para a configuração do art. 927, parágrafo único, que podem ser considerados a (1) atividade perigosa, (2) natureza da atividade, (3) risco para os direitos de outrem:

(1) Para caracterizar a atividade perigosa, o perigo deve ser excepcional. De um modo geral, toda atividade enseja algum tipo de risco, mas a culpa somente poderá ser considerada como elemento de responsabilização quando as circunstâncias evidenciarem que a conduta adotada era inadequada ao risco oferecido pela atividade. Assim, o taxista que exerce atividade normalmente de risco não pode ser condenado a reparar todo dano que causar, com fundamento na responsabilidade civil[76].

Alguns doutrinadores entendem que atividade significa prestação de serviço, de forma organizada, habitual, reiterada e profissional, e não de forma isolada por alguém. Tome-se como exemplo uma sociedade que tem como objeto a venda de flores e plantas e tem um gerador de energia movido a diesel para, no caso de falta de energia, poder manter refrigerado o seu estoque, se o gerador explode acarretando danos aos prédios vizinhos, não é possível aplicar o art. 927, parágrafo único, do Código Civil[77].

(2) A natureza da atividade normalmente desenvolvida. Toda atividade por implicar algum tipo de risco a terceiros, mas não é toda atividade que o legislador pretendeu abranger no parágrafo único do art. 927, mas apenas aquelas em que o risco é inerente. Não basta que a atividade desenvolvida pelo autor do dano crie risco a terceiros sendo imprescindível que a natureza da sua atividade exista potencialidade lesiva fora dos padrões normais. O autor cita Massimo Bianca para explicar a matéria, esclarecendo que se trata da “atividade que por sua própria natureza ou por características dos meios utilizados contém uma intensa possibilidade de provocar um dano em reação de sua acentuada potencialidade lesiva fora dos padrões normais.” O autor critica Cavalieri que nesse ponto entende que somente se restringiria a atuação do art. 927, parágrafo único, ao caso de obrigações de resultado[78].

(3) O risco para os direitos de outrem diz respeito à execução da atividade e não de qualquer ação ou omissão. Atividade é o serviço profissional desenvolvido por alguém, pode ser uma atividade empresária ou não empresária, pois pode haver atividade de risco não empresária (atividade desenvolvida com cunho científico que por manipular produtos explosivos ou radioativos gera probabilidade de dano art. 966, parágrafo único) e atividade empresária sem risco (loja especializada na venda de balas e chocolates). O autor considera que a direção de veículos por si só traz riscos para terceiros, mas não pode ser considerada como uma atividade como é o caso de transporte de pessoas ou de coisas.

É exemplo claro de atividade de risco aquela que tem correlação com produto inflamável, explosivo, tóxico, trabalho em minas ou subsolo, produtos nucleares, ou radioativos, armas de fogo, explosivos, manuseio de energia elétrica (sobretudo acima das casas das pessoas)[79].

Risco não quer dizer incerteza, mas probabilidade de dano. Atividades de risco são as que criam para terceiros um estado de perigo, a probabilidade de receber um dano, probabilidade maior do que a normal, derivadas das outras atividades[80].

A esse respeito o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou atividade perigosa o transporte de valores, impondo a responsabilidade à empresa transportadora de valores a lesão a terceiros numa troca de tiros[81]. A própria empresa transportadora de valores reconhece o perigo de sua atividade, pois os guardas estão fortemente armados e usam coletes à prova de balas.

No mesmo sentido foi a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda na vigência do Código Civil de 1916, que reconheceu a responsabilidade da empresa transportadora de valores pelo atropelamento de pedestre em momento de troca de tiros com assaltantes[82].

Por fim, podem ser referidos alguns casos apresentados pela doutrina nos quais haverá a aplicação do art. 927, parágrafo único:

1) pessoa está passando na via pública e ocorre uma explosão dentro de um posto de gasolina causando-lhe ferimentos[83];

2) responsabilidade objetiva das instituições financeiras por cheques falsos ou sem fundos pois as instituições não se preocupam em criar mecanismos para dificultar a sua falsificação e, no caso dos cheques sem fundos, as instituições deveriam ter mais cuidado ao abrirem novas contas bancárias e distribuir talões de cheques aos seus clientes[84].

3) indenizações civis decorrentes de acidentes de trabalho – a doutrina já tem aventado a possibilidade de atribuir essa aplicação tendo em vista que a posição seria mais favorável ao empregado[85].

Embora esse tenha sido um caso referido pela doutrina, é necessário se alertar que o principal obstáculo para a aplicação da responsabilidade objetiva é o art. 7º, XXVII, da CF que prevê que o empregador somente será obrigado a reparar quando proceder com dolo ou culpa. Tendo em vista que a norma constitucional traz de forma expressa a fixação da responsabilidade subjetiva, a orientação de enquadrar a situação como sendo objeto de responsabilidade objetiva seria considerada inconstitucional, tornando a tese de responsabilidade objetiva reprovável.

Cabe referir também que a esse respeito se manifestou o Superior Tribunal de Justiça[86] recentemente reconhecendo a possibilidade de aplicação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos casos de acidente de trabalho defendendo que a regra constante do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal não pode ser considerada como intransponível tendo em vista que o caput do artigo tem por objetivo conceder melhoria das condições de trabalho aos trabalhadores. Assim, defendeu a Ministra Nancy Andrighi que seria possível considerar a responsabilidade do empregador como objetiva nos casos em que a atividade desenvolvida pelo empregado fosse considerada perigosa.

Porém, ainda que a ementa consultada faça referência expressa à responsabilidade objetiva do empregador, vê-se no final da ementa que o caso na verdade foi julgado com base no reconhecimento de culpa presumida do empregador que ficaria com a incumbência de provar que “cumpriu seu dever contratual de preservação da integridade física do empregado, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho”.

Por isso, pode-se concluir que muito embora tenha sido usado o art. 927, parágrafo único, do Código Civil como fundamento da decisão, a mesma trata da responsabilidade subjetiva com culpa presumida e não da responsabilidade objetiva.

4) responsabilidade objetiva do profissional liberal nos casos em que ocorrer situação de risco, situação em que poderia se vislumbrar a aplicação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.[87] Essa é outra situação que merece atenção redobrada, pois o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor considera a responsabilidade do profissional liberal subjetiva, com fundamento na culpa, por isso essa tese também é reprovável ainda mais considerando que o Código Civil não revoga o Código de Defesa do Consumidor tendo em vista que o primeiro é lei genérica e que segundo, mesmo sendo anterior, continua em vigor por ser lei específica.

5) caso de sociedade que transporta combustível e não está na cadeia do consumo, não se podendo aplicar o art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, se ocorrer qualquer acidente com o líquido incide o art. 927, parágrafo único[88].


B) A ilicitude pelo risco do empreendimento

Além da cláusula geral da responsabilidade objetiva tratada no art. 927, parágrafo único, também há no Código um dispositivo relacionado ao fato do produto.

O dispositivo não tem sido objeto de estudo como o art. 927, parágrafo único, mas, também, tem grande relevância principalmente tendo em conta que traz uma grande inovação no que diz respeito aos legitimados para responder no caso de acidente de consumo de modo que o comerciante deixa de ser responsável subsidiário e passa a ser responsável solidário.

Além disso, é possível aplicar a responsabilidade objetiva para os casos nos quais a vítima do produto não é um consumidor, como já decidiu de forma acertada o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao julgar um caso em que a empresa fornecedora de botijões de gás, foi considerada responsável pelos danos que o revendedor teve, em virtude de oferecer no mercado botijões com peso incompatível com o anunciado[89].

Vê-se que nesse caso, muito embora não seja reconhecida a relação de consumo, a responsabilidade civil objetiva se impõe tendo em vista a responsabilidade do fornecedor do produto, que por ter fornecido produto com peso inferior ao indicado acabou acarretando danos ao revendedor que respondeu por processo crime tendo em vista a incidência do art. 7º, II e IX, do Código de Defesa do Consumidor c/c art. 29 do CP.

Outro caso que pode merece ser mencionado é o que foi objeto de análise pelo Tribunal do Rio Grande do Sul, no qual foi reconhecida a responsabilidade objetiva por dano sofrido por proprietário de estabelecimento que comercializa bebidas, que teve o olho perfurado, em virtude do estouro de uma garrafa de cerveja[90].

No caso em tela, embora o dano seja expressivo, não há como caracterizar a responsabilidade com base no Código de Defesa do Consumidor, pois a vítima era o revendedor do produto e não um consumidor. Porém, mesmo que não seja possível considerar a existência de relação de consumo, isso não prejudica o reconhecimento da responsabilidade objetiva, pois o art. 931 autoriza o reconhecimento da responsabilidade objetiva. Aliás, esse foi o dispositivo utilizado para fundamentar a decisão ora ementada.

O artigo 931 trata de uma figura denominada risco do empreendimento, segundo a qual todo e qualquer produto posto em circulação que causar dano a outrem obriga o causador do dano a reparar, independentemente de se tratar de relação de consumo ou não.

O grande questionamento que se coloca no caso em questão diz respeito aos casos nos quais se irá aplicar o instituto trazido pelo art. 931.

Sobre isso se manifesta Ruy Rosado entendendo que somente seria cabível a sua aplicação nos casos em que não haja lei específica sobre a matéria, por exemplo, não seria incidente aos casos de responsabilidade decorrente de energia nuclear, relações de consumo, atividade profissional. Assim, toda vez que não existir relação prevista em lei, e o empresário colocar um produto em circulação, responde pelo dano decorrente da circulação, que significa pôr o produto em contato com terceiros, porque exposto, entregue, transportado[91].

Alguns exemplos têm sido trazidos pela doutrina em defesa da aplicação do art. 931 do Código Civil como é o caso da explosão de depósito de fogos de artifício, que embora não tenha provocado nem morte ou ferimento de ninguém, causou prejuízo ao proprietário, tendo sido apurado pela perícia que não aconteceu nenhum defeito de estocagem, que pudesse dar causa à explosão, restou a imputação da responsabilidade do fabricante dos fogos de artifício. Antes do Código Civil de 2002 a responsabilidade seria subjetiva e agora passa a ser objetiva[92].

Outro exemplo é o caso do estouro de pneu de transportadora de carga que leva a graves prejuízos – ação de regresso do prestador de serviço, que tendo respondido objetivamente face ao consumidor pode receber do fornecedor do produto aquilo que teve de indenizar[93].

Além da utilidade da aplicação do art. 931, do Código Civil como pode ser visto dos exemplos acima citados, há outro ponto de extrema relevância que é a análise dos responsáveis.

O dispositivo legal estabelece que respondem os empresários que colocarem produtos em circulação, incluído o comerciante. Aí está a grande inovação do Código Civil de 2002 em relação ao art. 12 do Código de Defesa do Consumidor que somente responsabiliza o fabricante, produtor, construtor e incorporador pelo fato do produto.

No regime adotado pelo Código de Defesa do Consumidor existe uma subsidiariedade em relação aos legitimados, pois, em regra, o comerciante foi excluído da via principal. Já no sistema adotado pelo Código Civil aplica-se a regra da solidariedade. Assim, o comerciante será legitimado para figurar na ação indenizatória mesmo que o fabricante tenha sido identificado[94].

No art. 931 do Código Civil a ótica é distinta do Código de Defesa do Consumidor, pois a responsabilidade está fundada nos danos causados pelos produtos postos em circulação, e o comerciante é peça fundamental.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu ser legítima concessionária no caso de defeito de veículo novo[95]; e no caso de máquina agrícola[96], afirmou a responsabilidade entre o vendedor e o fabricante aplicando o art. 18[97].

Além desses aspectos, deve se atentar para o risco no desenvolvimento que é aquele que não pode ser cientificamente conhecido no momento do lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço. Defeito que é desconhecido e imprevisível na época em que o produto é posto em circulação. Como exemplo disso podem ser citados os danos provenientes de medicamentos, como foi o caso dos danos provocados pela talidomida[98] que provocaram má formação do feto e prejudicavam o crescimento dos membros superiores e inferiores nos bebês – os casos mais comuns eram os de pessoas que nasciam sem os dedos ou com dedos nos punhos[99].

O grande questionamento que se coloca neste caso é quem são os responsáveis. De um lado, se o fornecedor responder pelos riscos de desenvolvimento, vai tornar insuportável a atividade para o setor produtivo da sociedade.

Por outro lado, fazer com que o consumidor arque com as conseqüências do dano decorrente do risco do desenvolvimento vai na contramão dos princípios da responsabilidade objetiva que tem por fundamento a sociabilização dos riscos. A solução está na fixação de preços e seguros que possam responder a esse problema[100].

É possível considerar os riscos de desenvolvimento como modalidade de defeito do produto ou serviço inseridos nos arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. Sanseverino adverte que a isenção da responsabilidade civil do fornecedor pelo risco no desenvolvimento somente seria possível se o legislador o incluísse de forma expressa no rol das excludentes, como ocorreu no Direito Comunitário Europeu. Não havendo indicação expressa da forma de exclusão, caberia então a imputação da responsabilidade.[101]

Cavalhieri defende que os riscos de desenvolvimento devem ser entendidos como fortuito interno, risco da atividade do fornecedor, assim com estabelece o enunciado 43 do Superior Tribunal de Justiça “A responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no art. 931 do Código Civil, também inclui os riscos do desenvolvimento”.

A esse respeito cabe aqui incluir um ponto que ainda não apresenta solução satisfatória no Código Civil de 2002 a respeito da solidariedade da responsabilidade civil daqueles que participam da cadeia de circulação dos produtos.

O Código Civil admite que tal responsabilidade seja solidária, e o enunciado referido acima autoriza a aplicação do art. 931 nos casos de riscos do desenvolvimento. A leitura conjugada do enunciado e do artigo de lei poderiam supor a responsabilidade do comerciante pelo risco no desenvolvimento?

Esse é um questionamento que não tem sido levantado pela doutrina e por esse motivo não se tem uma resposta ao mesmo, o que não impede de lançar neste artigo o questionamento para reflexão.


CONCLUSÃO

O tema deste artigo é complexo principalmente tendo em conta que se está diante de uma matéria sobre a qual ainda não se tem um posicionamento doutrinário e jurisprudencial consolidado.

O legislador trouxe dispositivos que oportunizam um sistema de norma geral da responsabilidade civil objetiva ao passo que a tradição do Direito Brasileiro era de ter a aplicação da responsabilidade objetiva somente em casos específicos definidos previamente na legislação.

Além disso, a origem desses dispositivos remete à análise do direito comparado, no qual, predominantemente os dispositivos que foram considerados inspiradores das regras gerais da responsabilidade objetiva em verdade seriam modelos de presunção de culpa.

Todos esses elementos contribuem para demonstrar a utilidade de se discutir o tema proposto neste artigo, com o objetivo de se evitar que as regras gerais da responsabilidade civil caiam em desuso ou sejam objeto de decisionismo ou interpretações equivocadas.

Exemplo claro e evidente da preocupação exposta neste artigo é o problema decorrente da tentativa de aplicação do parágrafo único do art. 927 a toda e qualquer atividade. Isso tem gerado alguns inconvenientes como, por exemplo, a sugestão de que seria viável aplicar o dispositivo à atividade do médico, contrariando dispositivo expresso do Código de Defesa do Consumidor que contempla a responsabilidade do profissional liberal considerando-a subjetiva baseada na culpa.

Outro exemplo é o caso dos acidentes do trabalho no qual a responsabilidade civil do empregador é subjetiva, conforme disposição expressa da Constituição Federal, tem se tentado forçar o posicionamento de que a responsabilidade seria objetiva, em posicionamento inconstitucional.

Além disso, não se pode concordar com a interpretação dada ao art. 187 de que a regra institui caso de responsabilidade subjetiva. Alguns doutrinadores equivocam-se em considerar essa responsabilidade subjetiva tendo em vista a inclusão do dispositivo no capítulo que trata dos atos ilícitos. Aos que associam a idéia de ilicitude à culpa ficaria a impressão de que a responsabilidade seria subjetiva, o que não é correto ainda mais tendo em conta que o dispositivo em questão não adotou a forma de ato de emulação que era consagrado no Direito Romano.

Outro aspecto que merece destaque é o exagero no emprego do art. 187 a situações em que, na verdade, haveria lesão a direito de terceiro, vislumbrando-se no caso uma vulgarização do instituto, situação recorrente na responsabilidade civil como ocorreu com o instituto da perda de uma chance e também com as indenizações decorrentes de dano moral.

Disso tudo, pode-se concluir que a matéria é nova, possui poucos precedentes em nossa legislação, e mesmo encontrando dispositivos idênticos ou parecidos com a legislação comparada, talvez não se possa dar a interpretação que recebe nos países de origem, como se vê no caso do art. 927, parágrafo único, que tem dispositivos parecidos no Direito italiano e português, mas que ao ser transplantado ao Direito brasileiro recebeu outra feição (talvez porque o nosso ordenamento na matéria da responsabilidade civil siga muito mais o modelo francês, que mesmo sem possuir uma legislação nova, está à frente dos modelos Italiano e português).

A única certeza que se pode ter no caso do Direito brasileiro é que será necessário se servir da doutrina e da jurisprudência como suportes para a fixação da disciplina (o que é benéfico, pois possibilita a “oxigenização” do Direito). Pode-se dizer que se está ainda tateando soluções, e que talvez essas soluções não se mostrem palpáveis ao intérprete que lê a legislação com os mesmos olhos que interpretava a legislação anterior.

Como toda e qualquer legislação nova, e, sobretudo aberta, como é o caso dos dispositivos em comento, a interpretação depende de cautela e atenção, sob pena de, ao invés de representar um benefício à sociedade, ser caracterizada como um ponto de insegurança jurídica, culminando com a afronta até mesmo dos direitos fundamentais.


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VINEY, Geneviève e JOURDAIN, Patrice. Les conditions de la responsabilité. (sous la direction de GHESTIN, Jacques. Traité de Droit Civil), 3 ed, Paris: LGDJ, 2006.


Notas

    Artigo publicado originalmente na Revista da Ajuris n. 120, de Dezembro de 2010. VINEY, Geneviève. Traité de Droit Civil, sous La direction de Jacques Ghestin. Introdução à La Responsabilité , 2ª édition, 1995, 277. Sobre a importância e estrutura das Cláusulas Gerais no Código Civil brasileiro, ver, entre outros, MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos – Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro – Editora Saraiva, São Paulo, 2002 e Martins-Costa, Judith - O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro – publicado no site http://jus2.com.br/doutrina/texto.asp?id=513&p=1, acesso em 18 de junho de 2009. VINEY, p.95 E em especial deve se ter cuidado com o art. 187, que segundo Judith não é repetição do art. 160, II, do Código Civil de 1916, MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 211. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 211. A esse respeito sugere-se consultar os textos de MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007 e ASCENSÃO, José de Oliveira. Abuso do Direito – Desconstrução. In: DELGADO, Mário Luiz e FIGUEIREDO ALVES, Jones. Questões Controvertidas – Obrigações e Contratos, v. 4, São Paulo: Método, São Paulo, 2005. O Código Civil de 2002 consolidou muito daquilo que era considerado Direito pela doutrina e pela jurisprudência na vigência do Código Civil de 1916. A esse respeito consultar: MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. Editora Saraiva, São Paulo, 2002. Essa noção foi tratada originalmente por Judith Martins-Costa MARTINS-COSTA, Judith, Conceito de ilicitude no novo Código Civil. Revista literária de Direito, Agosto/setembro de 2003.
  1. Exemplo disso são os julgados que seguem: “Verifica-se que não restaram devidamente provados os supostos danos morais sofridos pela parte autora, ou seja, não foram produzidas provas no sentido de demonstrar o seu constrangimento e o abalo moral efetivamente sofrido. Dano moral indenizável é aquele decorrente de uma experimentação fática grave, insidiosa da dignidade da criatura humana, e não conseqüências outras decorrentes de uma relação meramente contratual ou de percalços do cotidiano. O pedido indenizatório está baseado na omissão dos réus em promoverem o cancelamento do protesto do título que originou a ação anteriormente proposta pelo autor. Inadmissível pretender o autor beneficiar-se com sua inércia em pleitear o cumprimento da sentença que determinou o cancelamento do protesto do título em questão. Por outro lado, o banco requerido comprovou o cumprimento da antecipação de tutela, solicitando a exclusão do autor do cadastro do SERASA. Despropositada, na espécie, a pretensão indenizatória. Sentença mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70029239159, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 23/07/2009)”

    “Do dano moral. Parte que apresenta 05 anotações restritivas em seu nome. Embora a ausência de notificação acerca de sua inclusão nos cadastros restritivos de crédito possa constituir, em certas e específicas circunstâncias, fato gerador da ilicitude do registro, o reconhecimento do dever de reparar reclama a presença de outros requisitos. É que, na hipótese dos autos, o dano não está in re ipsa, impondo-se a comprovação de eventual reflexo negativo proveniente do lançamento efetuado, o que não ocorreu. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (Agravo Nº 70026922062, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 30/10/2008)”

    “Do dano moral. Parte que apresenta 06 anotações restritivas em seu nome. Embora a ausência de notificação acerca de sua inclusão nos cadastros restritivos de crédito possa constituir, em certas e específicas circunstâncias, fato gerador da ilicitude do registro, o reconhecimento do dever de reparar reclama a presença de outros requisitos. É que, na hipótese dos autos, o dano não está in re ipsa, impondo-se a comprovação de eventual reflexo

    negativo proveniente do lançamento efetuado, o que não ocorreu. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70026859140, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 14/10/2008)”

    “No caso, ainda que se verificasse a ausência da comunicação acerca do cadastramento negativo pela ré, de igual forma não mereceria acolhida o pleito reparatório, porque se trata de consumidor que possui diversas inscrições negativas em seu nome. Na hipótese, o dano não estaria in re ipsa, impondo-se a comprovação de eventual reflexo negativo proveniente dos lançamentos efetuados. Entendimento sedimentado perante o Quinto Grupo Cível. Precedentes. NEGADO SEGUIMENTO AO APELO. PRONUNCIADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO REPARATÓRIA EM RELAÇÃO A UM DOS REGISTROS NEGATIVOS. (Apelação Cível Nº 70026490433, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 22/09/2008)”

    “Decisão que determinou a exclusão do nome da agravada do cadastro dos órgãos restritivos de crédito, impondo multa diária no caso de descumprimento. presença dos requisitos necessários à concessão da medida de urgência. Argumentos já rechaçados quando do julgamento de agravo de instrumento. Constatada a verossimilhança necessária ao cancelamento da inscrição negativa, merece ser concedida a liminar postulada. ASTREINTES. VIABILIDADE DA MEDIDA, PORQUANTO BUSCA GARANTIR O CUMPRIMENTO DA LIMINAR DEFERIDA. Cabível a fixação das astreintes como forma de reforçar a obrigatoriedade do comando judicial. Valor da multa diária mantido, pois se revela razoável e adequado. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70026907824, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 12/11/2008)”

  2. Entre eles Judith, mas, sobretudo NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. vol. 01, Saraiva, 2. ed., Saraiva, São Paulo, 2007, p. 360.
  3. NORONHA, p. 361.
  4. NORONHA, p. 363.
  5. NORONHA, p. 366.
  6. Mário Júlio Almeida Costa, p. 513.
  7. NORONHA, p. 366.
  8. NORONHA , p. 367.
  9. NORONHA , p. 367.
  10. MARTINS COSTA, Judith. Comentários ao Código Civil – do Inadimplemento das Obrigações – art. 389 a 420. Volume V, Tomo II, RJ: Forense, 2003, p. 125.
  11. CAVALIERI FILHO, Sérgio e MENEZES DIREITO, Carlos Alberto. Comentários ao novo Código Civil – da Responsabilidade Civil das preferências e Privilégios Creditórios – art. 927 a 965. Volume XIII, 2. ed., Revista e Atualizada, RJ: Forense, 2007, 60.
  12. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieria. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do Fornecedor. Editora Saraiva, 2. ed., São Paulo, 2007, p. 110 - 112 NORONHA, p. 364. FACCHINI NETO, Eugênio – Da responsabilidade civil no novo Código – in O novo Código Civil e a Constituição – Org. Ingo Wolfgang Sarlet, Livravia do Advogado editora, Porto Alegre, 2003, p. 164. FRANCESCO GALGANO – Diritto Privato, CEDAM, 2001, Padova, 11. ed., p. 366. Mário Júlio de Almeida Costa – Direito das Obrigações, 9. ed., Almedina, 2001. p. 484. GALGANO, p. 375. GALGANO, p. 376. MEDICUS, Dieter. Tratado das relações obrigacionais. Vol. I, Edição Espanhola de Angel Martinez Sarrion, Ed. Bosch, Barcelona, 1995, p. 725.
  13. “Suficientemente comprovado que a morte ou a moléstia dos animais deu-se por ingestão de produto originado das rés (na condição de produtora e vendedora), através da prova técnica e oral, impõe-se o dever indenizatório, que abrange os danos emergentes (perda dos animais bovinos e outras despesas), como os lucros cessantes (reflexos na produção leiteira) e o dano extrapatrimonial, dadas as peculiaridades do caso, mesmo em se tratando de incumprimento contratual. Sucumbência invertida. Apelação parcialmente provida.” (Apelação Cível Nº 70004895991, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rejane Maria Dias de Castro Bins, Julgado em 18/12/2002)

    “Responsabilidade da fornecedora pelos danos causados ao gado de propriedade do autor por ração de engorde, por ela produzida. Responsabilidade objetiva (CDC, 12) não elidida, uma vez que não comprovada a suposta culpa exclusiva do consumidor. Publicidade falha, ausente o necessário alerta para os males que o produto poderia causar. Doutrina. APELO IMPROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70018627406, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 31/05/2007)

    “Queima de motores e sistema elétrico de resfriador de leite, bem como de um big sensor utilizado no abastecimento de ração de aviários ocasionado por queda de energia elétrica. defeito na prestação do serviço. responsabilidade objetiva da empresa fornecedora de energia elétrica frente ao consumidor. É devida a reparação dos danos causados pela queda no fornecimento de energia elétrica quando o dano e o nexo causal se encontram devidamente demonstrados. Sentença de primeiro grau mantida por seus fundamentos. Recurso improvido.” (Recurso Cível Nº 71001217850, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos, Julgado em 18/04/2007)

  14. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 213.
  15. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 214.
  16. ALVES, José Carlos Moreira. A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 17.
  17. ALVES, José Carlos Moreira. A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 28.
  18. ALVES, p.82 e 150.
  19. “ Art. 334. É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito”.
  20. ALMEIDA COSTA, p. 71.
  21. ALMEIDA COSTA, p. 72.
  22. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 194.
  23. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 201-203.
  24. ALMEIDA COSTA, p. 72
  25. NORONHA, p. 371.
  26. ALMEIDA COSTA, p. 76
  27. ALMEIDA COSTA, p. 78
  28. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 212
  29. ALMEIDA COSTA, p. 75.
  30. FACCHINI NETO, Eugênio.Da responsabilidade civil no novo Código. in O novo Código Civil e a Constituição – Org. Ingo Wolfgang Sarlet, Livravia do Advogado editora, Porto Alegre, 2003, p. 169.
  31. NORONHA, P. 371
  32. MARTINS-COSTA, Judith, Conceito de ilicitude no novo Código Civil – Revista literária de Direito, Agosto/setembro de 2003, p. 25.
  33. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 211. MARTINS-COSTA, Judith. Conceito de ilicitude no novo Código Civil. Revista literária de Direito, Agosto/setembro de 2003, p. 25 MIRAGEM, Bruno. Abuso do Direito: ilicitude objetiva no Direito Privado Brasileiro. Revista dos Tribunais, v. 842, dez 2005, p.28. CACHAPUZ, Maria Cláudia. A ilicitude e as fontes obrigacionais: análise do art. 187 do novo Código Civil brasileiro. Revista da AJURIS, N. 96, dez, 2004, p. 213. NORONHA, p. 372. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 218. MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: NICOLAU JÚNIOR, Mauro (org.) e Outros. Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 219.
  34. “Determinando a concessionária de energia o corte do serviço em razão de atraso no pagamento de crédito no valor ínfimo de R$ 3,20, relativo a dívida antiga, e não lançando mão de outros meios de cobrança menos gravosos ao consumidor, claramente se está diante de manifesto abuso de direito (art. 187 do Código Civil), e não mais de seu exercício regular. Hipótese em concreto que não se conforma aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, não satisfazendo igualmente aos fins econômicos e sociais divisados pela Lei nº 8.987/95. Dessa forma, presente a obrigação de indenizar os prejuízos ocasionados ao demandante. Dano moral in re ipsa, arbitrado em conformidade com antecedentes desta Câmara. Não estando caracterizadas as hipóteses legais autorizadoras, de se levantar a pena de litigância de má-fé imposta em primeiro grau ao autor. POR MAIORIA, PROVERAM A APELAÇÃO.” (Apelação Cível Nº 70017801671, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 09/05/2007)

    “Há abuso de direito quando a notificação enviada à parte devedora contém expressões que buscam evidentemente intimidar e ameaçar. - Situação evidenciada a partir da constatação que constam no texto da notificação hipóteses de caracterização de estelionato e de prisão civil esteadas em suposto contrato de alienação fiduciária que sequer foi trazido aos autos. - Expressões utilizadas pela parte notificante que somente poderiam ser veiculadas se realmente esteadas em contrato que autorizasse a caracterização dos institutos jurídicos afirmados na notificação. Ausência do contrato que torna vazias de conteúdo as afirmações de possível caracterização de estelionato e de prisão civil mostrando a simples intenção de atemorizar e ameaçar. Abuso de direito caracterizado. Aplicação da regra contida no art. 187 do CCB. - Documento que não é daqueles caracterizado como impresso padrão, mas sim que aponta ter sido redigido especificamente para a parte autora, que evidencia antes mesmo da intenção de cobrar (o que seria direito do credor) a de intimidar.” - Valor da indenização devidamente delineado. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Recurso Cível Nº 71001527357, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em 17/07/2008)

    “A simples abordagem em porta giratória, por si só, não é situação suficiente para caracterizar dano moral. Equipamento de segurança integrante do aparato de segurança dos bancos, que têm obrigação de prestar vigilância e garantir a segurança interna de seus empregados e usuários. Lei nº 7.102/1983. No entanto, responde a instituição financeira quando exercer tal direito excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 187 do Código Civil. Situação concreta em que, à luz da prova dos autos, a situação a que restou exposto o autor superou em muito o razoavelmente aceito, tendo ocorrido abuso de direito. Dever de indenizar mantido. Valor da condenação fixado de acordo com as peculiaridades do caso em concreto, bem assim observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e a natureza jurídica da condenação. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO E AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME”. (Apelação Cível Nº 70022359756, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 18/06/2008).

  35. THEODORO JÚNIOR, Humberto – Comentários ao novo Código Civil Dos Atos Jurídicos Lícitos. Dos Atos Ilícitos. Da prescrição e da Decadência. Da prova. Arts. 185 a 232, volume III, Tomo II, 3. ed., RI: Forense, 2005, p. 128.
  36. SANSEVERINO, p. 49.
  37. MARTINS-COSTA, Judith. Os diretos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, org. Ingo Wolfgang Sarlet, p. 83.
  38. GALGANO, p. 376.
  39. GALGANO, p. 377.
  40. ALMEIDA COSTA, p. 560.
  41. BELARDO, Leonardo de Faria. A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do direito comparado. Revista de Direito Renovar, 29, Maio/agosto, 2004, p. 75.
  42. DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Editora Renovar, XI Ed, Revisada, atualizada e ampliada de acordo com o Código Civil de 2002 por Rui Berford Dias, RJ, 2006, p. 636.
  43. DIAS, p. 652.
  44. MEDICUS, Dieter – Tratado das relações obrigacionais – Vol. I, Edição Espanhola de Angel Martinez Sarrion, Ed. Bosch, Barcelona, 1995, p. 775.
  45. ALMEIDA COSTA, p. 562.
  46. ALMEIDA COSTA, p. 562
  47. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do Fornecedor. Editora Saraiva, 2. ed., São Paulo, 2007, p. 287.
  48. NORONHA, p. 484
  49. FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. in O novo Código Civil e a Constituição – Org. Ingo Wolfgang Sarlet, Livraria do Advogado editora, Porto Alegre, 2003, p. 166.
  50. GOMES, Luiz Roldão de Freitas. A responsabilidade civil subjetiva e objetiva no novo Código Civil. in Aspectos Controvertidos do novo Código Civil, Coordenadores Arruda Alvim, Joaquim Portes de Cerqueira César e Roberto Rosas, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 457.
  51. SANSEVERINO, p. 56.
  52. SANSEVERINO, p. 57.
  53. SANSEVERINO, p. 58.
  54. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil no novo Código Civil: conferência. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 36, p. 86- 90, maio de 2004, p. 88.
  55. BELARDO, Leonardo de Faria. A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do direito comparado. Revista de Direito Renovar, 29, Maio/agosto 2004, p. 67.
  56. BELARDO, p. 69.
  57. BELARDO, p. 72.
  58. BELARDO, p. 70.
  59. É de conhecimento geral que o transporte de valores é alvo constante de investidas criminosas, motivo pelo qual não se pode alegar a imprevisibilidade, tampouco inevitabilidade em assalto perpetrado contra os funcionários da empresa do ramo. 2. Tiroteio entre assaltantes e funcionários da empresa transportadora de valores em praça de alimentação de movimentado shopping center. Autor alvejado no joelho por um projétil de arma de fogo. 3. Atitude negligente do estabelecimento comercial ao permitir que funcionários da transportadora circulassem com malotes de valores em local público, de grande concentração de clientes. Igualmente responsável a empresa incumbida do transporte de valores, tendo em vista que aufere lucros desta atividade, eminentemente de risco. Negaram provimento às apelações das rés, e deram provimento parcial à apelação do autor. Unânime. (Apelação Cível Nº 70011760774, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 24/08/2005)
  60. “É responsável aquele que causa dano a terceiro no exercício de atividade perigosa, sem culpa da vítima. 2. Ultimamente vem conquistando espaço o princípio que se assenta na teoria do risco, ou do exercício de atividade perigosa, daí há de se entender que aquele que desenvolve tal atividade responderá pelo dano causado. 3. A atividade de transporte de valores cria um risco para terceiros. Neste quadro", conforme o acórdão estadual, "não parece razoável mandar a família do pedestre atropelado reclamar, dos autores não identificados do latrocínio, a indenização devida, quando a vítima foi morta pelo veículo da ré, que explora atividade sabidamente perigosa, com o fim de lucro". Inexistência de caso fortuito ou força maior. REsp 185659/SP; RECURSO ESPECIAL
  61. 1998/0060138-4 Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO Relator(a) p/ Acórdão Ministro NILSON NAVES Órgão Julgador Terceira Turma Data do Julgamento 26/06/2000 Data da Publicação/Fonte DJ 18.09.2000 p. 126 RSTJ vol. 150 p. 262.
  62. BELARDO, p. 79.
  63. BELARDO, p. 79.
  64. NICOLAU, Gustavo Rene – Efetiva Aplicação da Teoria do Risco no Código Civil de 2002 – novo Código Civil Questões Controvertidas Responsabilidade Civil, v. 5, Coordenação Mario Luiz Delgado Jones Figueiredo Alves, Editora Método, São Paulo, 2006, p. 239.
  65. “O art. 7º da CF se limita a assegurar garantias mínimas ao trabalhador, o que não obsta a instituição de novos direitos – ou a melhoria daqueles já existentes – pelo legislador ordinário, com base em um juízo de oportunidade, objetivando a manutenção da eficácia social da norma através do tempo. - A remissão feita pelo art. 7º, XXVIII, da CF, à culpa ou dolo do empregador como requisito para sua responsabilização por acidentes do trabalho, não pode ser encarada como uma regra intransponível, já que o próprio caput do artigo confere elementos para criação e alteração dos direitos inseridos naquela norma, objetivando a melhoria da condição social do trabalhador. - Admitida a possibilidade de ampliação dos direitos contidos no art. 7º da CF, é possível estender o alcance do art. 927, parágrafo único, do CC/02 – que prevê a responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para terceiros – aos acidentes de trabalho. - A natureza da atividade é que irá determinar sua maior propensão à ocorrência de acidentes. O risco que dá margem à responsabilidade objetiva não é aquele habitual, inerente a qualquer atividade. Exige-se a exposição a um risco excepcional, próprio de atividades com elevado potencial ofensivo. - O contrato de trabalho é bilateral sinalagmático, impondo direitos e deveres recíprocos. Entre as obrigações do empregador está, indubitavelmente, a preservação da incolumidade física e psicológica do empregado no seu ambiente de trabalho. - Nos termos do art. 389 do CC/02 (que manteve a essência do art. 1.056 do CC/16), na responsabilidade contratual, para obter reparação por perdas e danos, o contratante não precisa demonstrar a culpa do inadimplente, bastando a prova de descumprimento do contrato. Dessa forma, nos acidentes de trabalho, cabe ao empregador provar que cumpriu seu dever contratual de preservação da integridade física do empregado, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho. Em outras palavras, fica estabelecida a presunção relativa de culpa do empregador. Recurso especial provido.” Recurso Especial 2008/0136412-7, Relator Sidnei Beneti Relator para Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgamento em 26/05/2009, publicação DJe 25/06/2009.
  66. NICOLAU, p. 240.
  67. NICOLAU, p. 240.
  68. Apelação Cível n. 70022074371 , Rel. Paulo Roberto Lessa Franz, julgado em 10/07/2008. “Responsabilidade da empresa fornecedora de botijões de gás por botijões apreendidos na revenda dos autores em desconformidade com as prescrições legais. Responsabilidade Objetiva. Incidência do disposto no art. 931 do Código Civil.”
  69. Embargos infringentes n. 70019255934, Rel. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, julgado em 16/05/2008. “Perda da visão do olho direito decorrente do estouro de garrafa de cerveja. Inaplicabilidade do CDC ao caso concreto. Incidência do artigo 931 do código civil. Responsabilidade objetiva. Cabia a ré comprovar a inocorrência do defeito no produto, ônus do qual não se desincumbiu. Ddever de indenizar configurado”.
  70. AGUIAR JÚNIR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil no novo Código Civil: conferência. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 36, maio de 2004, p. 89.
  71. MENEZES DIREITO, Carlos Alberto, CAVALIERI FILHO, Sergio. Comentários ao Novo Código Civil. p. 222.
  72. MENEZES DIREITO, Carlos Alberto, CAVALIERI FILHO, Sergio. Comentários ao Novo Código Civil. p. 222.
  73. Interessante salientar que isso tem causado uma certa inquietude nos meios acadêmicos, já que aplicando-se o Código Civil de 2002 o empresário seria responsável sobre a qualidade e segurança das mercadorias, mesmo das que recebe lacradas.
  74. Código de Defesa do Consumidor. Compra de veículo novo com defeito. Incidência do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade solidária do fabricante e do fornecedor. Indenização por danos materiais e morais. Precedentes da Corte. 1. Comprado veículo novo com defeito, aplica-se o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor e não os artigos 12 e 13 do mesmo Código, na linha de precedentes da Corte. Em tal cenário, não há falar em ilegitimidade passiva do fornecedor. 2. Afastada a ilegitimidade passiva e considerando que as instâncias ordinárias reconheceram a existência dos danos, é possível passar ao julgamento do mérito, estando a causa madura. 3. A indenização por danos materiais nos casos do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor esgota-se nas modalidades do respectivo § 1º. 4. Se a descrição dos fatos para justificar o pedido de dano morais está no âmbito de dissabores, sem abalo à honra e ausente situação que produza no consumidor humilhação ou sofrimento na esfera de sua dignidade, o dano moral não é pertinente. 5. Recurso especial conhecido e provido, em parte. REsp 554876 / RJ RECURSO ESPECIAL 2003/0101941-5 Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108) T3 - TERCEIRA TURMA T3 - TERCEIRA TURMA DJ 03/05/2004 p. 159
  75. Código de Defesa do Consumidor. Incidência. Responsabilidade do fornecedor. É de consumo a relação entre o vendedor de máquina agrícola e a compradora que a destina a sua atividade no campo. É pelo vício de qualidade do produto respondem solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18 do cdc). REsp. 142042/RS RECURSO ESPECIAL
  76. 1997/0052889-8 v Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102) T4 - QUARTA TURMA 11/11/1997 DJ 19/12/1997 p. 67510
  77. MENEZES DIREITO, Carlos Alberto, CAVALIERI FILHO, Sergio. Comentários ao Novo Código Civil, p. 217.
  78. SANSEVERINO, p. 329.
  79. Interessante ressaltar a esse respeito a decisão proferida no dia 16 de julho de 2009 pelo TRF da 3ª Região – São Paulo, que reconheceu a responsabilidade da União pelo fato de ter demorado para tirar de circulação o medicamento que continha Talidomida, conforme segue: Quanto ao mérito, cuida-se de pretensão à indenização por dano moral em favor das pessoas representadas pela autora, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PORTADORES DA SÍNDROME DA TALIDOMIDA (ABPST), vítimas de deformações físicas provocadas pelo uso materno, durante a gestação, do medicamento conhecido como Talidomida , distribuído nas décadas de 1950 e 1960 pelo laboratório alemão "Chemie Grunenthal". 13. Os interessados estão inseridos no grupo denominado "vítimas de primeira geração", nascidas no período de 1957 a 1965. 14. No que diz respeito à prescrição, precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça assentaram a imprescritibilidade dos denominados "direitos da personalidade", como no caso de danos morais por violação de direitos humanos. 15. A grave omissão do Estado em zelar pela saúde dos seus cidadãos, como no caso em julgamento, compromete seriamente o seu direito à vida plena, de forma violar o inciso III da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), segundo o qual toda pessoa tem o direito à vida. 16. As deformações e limitações produzidas pelo uso inadequado da Talidomida, sem dúvida alguma, afetam seriamente os direitos da personalidade, cuja reparação goza da imprescritibilidade. 17. Desta maneira, fica afastada a alegação de prescrição, não se aplicando as disposições do Decreto 20.910/32. 18. É irrefutável que as pessoas representadas pela parte autora são vítimas de deformações causadas pelo uso materno do medicamento Talidomida, visto que integram rol de beneficiários da pensão estatuída pela Lei 7.070/82. 19. Existem evidências de que, nas décadas de 1950 e 1960, as autoridades do Ministério da Saúde demoraram a proibir o uso deste medicamento, mesmo quando já eram amplamente conhecidos os seus efeitos teratogênicos. 20. Fica evidente que houve falha ("faute du service") das autoridades sanitárias ao não impedirem que a Talidomida fosse comercializada no Brasil até o ano de 1965, quando seus efeitos nefastos sobre os fetos já eram conhecidos da comunidade científica mundial, acarretando, em conseqüência, a responsabilidade pela indenização por dano moral às suas vítimas. 21. Por esta razão, cabe à União Federal indenizar às vítimas da Talidomida ; no caso, àquelas nascidas entre 1957 e 1965, conhecidas como "vítimas de primeira geração". 22. É inarredável que as deformações provocadas por referido medicamento limitam enormemente a vida das suas vítimas, além de expô-las a constrangimentos no seu cotidiano, suscitando o direito à indenização por danos morais, independentemente da percepção da pensão especial da Lei 7.070/82. 23. A indenização, em pagamento único, deve corresponder a 100 (cem) vezes o valor que o respectivo beneficiário recebe do INSS com base na Lei 7.070/82. APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO – 1290048 Relator JUIZ CONVOCADO EM AUXILIO RUBENS CALIXTO, 3ª Turma, julgamento em 16.07.09, publicação no DJF3 CJ1 DATA: 21/07/2009 PÁGINA: 73
  80. MENEZES DIREITO, Carlos Alberto, CAVALIERI FILHO, Sergio. Comentários ao Novo Código Civil, p. 221.
  81. SANSEVERINO, p. 335.

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WESENDONCK, Tula. Transformações no sistema de ilicitudes no Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3065, 22 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20476. Acesso em: 7 maio 2024.