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Desconsideração da personalidade jurídica na sociedade empresária limitada

Desconsideração da personalidade jurídica na sociedade empresária limitada

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Apesar de a legislação não inserir a fraude dentre as hipóteses para a desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência a tem considerado, ao lado do abuso de direito, este caracterizado pela confusão patrimonial ou pelo desvio de finalidade.

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de discutir os pressupostos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, bem como realizar uma análise crítica da normatização desta teoria no direito brasileiro, sopesando o entendimento doutrinário e, principalmente, jurisprudencial acerca do tema.

Palavras-chave: desconsideração da personalidade jurídica; teoria maior; teoria menor.


1.  INTRODUÇÃO

O efeito da autonomia patrimonial atribui à sociedade a titularidade de um patrimônio próprio inconfundível e incomunicável com o patrimônio dos sócios. 

Especialmente nas sociedades limitadas, as dívidas da sociedade não se transmitem aos sócios, tão pouco as dívidas destes são repassadas àquela, haja vista que tanto a sociedade quanto seus sócios são considerados como pessoas distintas e independentes umas em relação às outras.

Acontece que, sob o escudo da separação patrimonial, por vezes sócios e administradores utilizam a sociedade de forma abusiva ou fraudulenta, lesando credores ou terceiros, através, por exemplo, da constituição de sociedades fictícias, de operações societárias com fins dissimulados, da celebração de negócios jurídicos espúrios, da promiscuidade entre os patrimônios da sociedade e dos sócios, etc., acarretando uma crise de função do instituto da personalização.

Como reação aos abusos e fraudes que se ocultavam sob o manto da separação patrimonial, no final do Século XIX nasceu a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica que pregava a relativização do princípio da autonomia patrimonial franqueando a possibilidade de o juiz penetrar o véu da personalidade jurídica para atingir o patrimônio dos sócios no caso de abuso ou fraude em sua utilização.

No Brasil, com certo atraso, a desconsideração da personalidade jurídica foi inicialmente normatizada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), posteriormente pela hoje revogada Lei Antitruste (Lei nº 8.884/94), pela Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) e, por último, pelo Código Civil (Lei nº 10.406/02).

A interpretação dos pressupostos para a superação da autonomia patrimonial previstos nestes diplomas legais tem sido objeto de várias controvérsias na comunidade jurídica, principalmente em face da antinomia existente entre as referidas normas e da desnaturação da base axiológica da disregard of legal entity.

Neste contexto, o presente artigo se propõe a analisar criticamente a normatização da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro bem como a sua interpretação jurisprudencial.


2.  A PERSONIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS LIMITADAS

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA

Na disciplina societária, o Código Civil concebeu dois tipos de sociedade personalizada, a “sociedade empresária” e a “sociedade simples” (artigo 982 do Código Civil). A distinção entre a sociedade empresária e a simples “decorre do conceito de empresário” (BERTOLDI e RIBEIRO, 2009, p. 146).

Nos termos do caput do artigo 966 do Código Civil, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Entende-se por atividade econômica organizada (atividade empresarial) àquela em que o empresário articula a combinação dos fatores de produção ou de circulação de bens ou serviços, quais sejam, “capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia” (COELHO, 2007, p. 3).

Com efeito, se a sociedade tem por objeto o exercício profissional de atividade econômica organizada, ela classifica-se como sociedade empresária, não tendo este objeto, classifica-se como sociedade simples.

Nos mesmos termos, COELHO leciona que o objeto social explorado “sem profissionalmente organizar os fatores de produção confere à sociedade o caráter de simples, enquanto a exploração empresarial do objeto social caracterizará a sociedade como empresária” (2007, p. 111)

Cumpre observar que no parágrafo único daquele dispositivo legal há a previsão expressa de não se considerar como atividade empresarial o exercício de “profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.

Denota-se que a lei exclui a empresarialidade da atividade econômica quando o propulsor da sociedade é a atuação intelectual e pessoal dos profissionais que a integram. Vale dizer, a articulação dos fatores de produção não é o que alimenta a atividade econômica daquela sociedade, mas sim a pessoalidade do trabalho intelectual desenvolvido (científico, literário ou artístico) que é a pedra de torque da organização.

Ressalve-se que, por disposição da lei - parágrafo único do artigo 982 do Código Civil - a sociedade anônima, independentemente de ter, ou não, atividade empresarial, sempre será considerada uma sociedade empresária.  

Sobre a caracterização da sociedade empresária leciona COELHO (2007, p. 110 e 111):

A distinção entre sociedade simples e empresária não reside, como se poderia pensar, no intuito lucrativo. (...). Isto porque também há sociedades não empresárias com escopo lucrativo, tais as sociedades de advogados, as rurais sem registro na Junta etc. O que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito privado não-estatal como sociedade simples ou empresária será o modo de explorar seu objeto.. (...) 

Por critério de identificação da sociedade empresária elegeu, pois, o direito o modo de exploração do objeto social.

(...) o enquadramento de uma sociedade no regime jurídico empresarial dependerá, exclusivamente, da forma com que explora seu objeto. Uma sociedade limitada, em decorrência, poderá ser empresária ou simples: se for exercente de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, será empresária; caso contrário ou se dedicando a atividade econômica civil (sociedade de profissionais intelectuais ou dedicada à atividade rural sem registro na Junta Comercial), será simples. Assentadas estas premissas, a sociedade empresária pode ser conceituada como a pessoa jurídica de direito privado não-estatal, que explora empresarialmente seu objeto social ou a forma de sociedade por ações. (grifos nossos)

Conclui-se que a “sociedade empresária” - cerne do presente estudo - distingue-se das demais modalidades de pessoa jurídica de direito privado em virtude do exercício de atividade empresarial tendo por escopo o fim econômico e a partilha de resultados entre os sócios desta sociedade.

Neste contexto, a sociedade empresária, como uma pessoa jurídica, é o sujeito de direito personalizado, com patrimônio próprio distinto do patrimônio de seus sócios, e com o poder de autonomamente praticar negócios jurídicos compatíveis com o seu objeto social, desde que não vedados por lei.

2.2.  EFEITOS DA PERSONALIZAÇÃO

Da atribuição de personalidade jurídica à sociedade empresária emanam três principais efeitos, a saber: a titularidade negocial; a titularidade processual; e a responsabilidade patrimonial.

A titularidade negocial ou obrigacional da sociedade empresária lhe confere a capacidade jurídica de ser titular de direitos e deveres, podendo, em seu próprio nome, celebrar os mais variados negócios jurídicos, não obstante o faça através de seu administrador (sócio ou não sócio).

A titularidade processual da sociedade empresária consiste na capacidade de ser parte em processo judicial, assim, ela pode demandar e ser demandada em juízo. Decorre naturalmente da capacidade de direito acima referida.

E por fim, a responsabilidade patrimonial ou autonomia patrimonial, que atribui à sociedade a titularidade de um patrimônio próprio inconfundível e incomunicável com o patrimônio de cada um dos sócios.

A responsabilidade patrimonial é o efeito mais relevante da personalização da sociedade empresária, pois acarreta o rompimento da ligação entre o patrimônio dos sócios e o patrimônio destinado à sociedade, remanescendo aos primeiros apenas o direito patrimonial de participar nos lucros e no acervo social líquido, este último quando e se a sociedade se extinguir.

Aliás, este rompimento é justamente uma das justificativas para a institucionalização da pessoa jurídica, neste sentido, explanam BERTOLDI e RIBEIRO (2009, p. 150):

Em verdade, com a personificação da sociedade, o resultado prático que se busca é justamente a separação do patrimônio dos sócios em relação ao patrimônio da sociedade, pois os sócios contribuem para os fundos sociais com parcela de seus patrimônios. Transferem-na para a sociedade, que passa a ser dela titular, restando aos sócios o direito à participação nos lucros sociais, se houver, e também sobre o acervo social líquido quando da extinção da sociedade. Veja-se, então, que as dívidas e os créditos dos sócios não se transformam em dívidas e créditos da sociedade, assim como as dívidas e os créditos da sociedade não se transmitem aos sócios. São pessoas – sociedade e sócios – distintas e independentes umas em relação às outras. (grifo nossos)

Não obstante a sociedade assumir a responsabilidade patrimonial pelas obrigações por ela contraídas, estas poderão, ou não, afetar o patrimônio dos sócios de acordo com o tipo societário que tenha sido constituído, conforme adiante abordado.

2.3. CLASSIFICAÇÃO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA QUANTO À RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS

É certo que a toda sociedade empresarial, por ter responsabilidade patrimonial, responde ilimitadamente por suas dívidas. Entretanto, a responsabilidade dos seus sócios pelas dívidas sociais pode variar de acordo com o modelo legal de responsabilidade escolhido pelos sócios.

Com ensejo, um dos critérios pelos quais se classificam as sociedades refere-se justamente quanto ao grau de responsabilidade dos sócios pelas obrigações contraídas pela sociedade.

Mas antes de analisar os modelos legais de limitação da responsabilidade, cumpre observar que a atribuição de personalidade jurídica autônoma às sociedades, de per si, sempre atrai a aplicação do princípio da autonomia patrimonial, o qual determina que as obrigações da sociedade são de sua responsabilidade e não dos sócios.

Assim, possuindo a sociedade empresarial patrimônio suficiente para o integral cumprimento de todas as suas obrigações, o patrimônio particular de cada sócio é, absolutamente, inatingível por dívida social.

Vale dizer, seja qual for o modelo de sociedade personificada, a regra geral é a de que a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais é subsidiária, nos termos do artigo 1.024[1] do Código Civil e do artigo 596[2] do Código de Processo Civil, que asseguram aos sócios o direito de exigir o prévio exaurimento do patrimônio social.

Neste sentido ensina COELHO (2009b, p. 28 e 29):

Em razão da personalização das sociedades empresárias, os sócios têm, pelas obrigações sociais, responsabilidade subsidiária. Isto é, enquanto não exaurido o patrimônio social, não se pode cogitar de comprometimento do patrimônio do sócio para a satisfação de dívida da sociedade. A regra da subsidiariedade encontrava-se já no Código Comercial de 1850 e é reproduzida na legislação processual (CPC, art. 596) e civil (CC/2002, art. 1.024). Não existe no direito brasileiro nenhuma regra geral de solidariedade entre sócios e sociedade (simples ou empresária), podendo aqueles sempre se valer do benefício de ordem, pela indicação de bens sociais livres e desembaraçados, sobre os quais pode recair a execução da obrigação da obrigação societária. (...). A solidariedade no direito societário brasileiro, quando existe, verifica-se entre os sócios, pela formação do capital social, e nunca entre sócio e sociedade. A única exceção à regra geral da subsidiariedade está na responsabilização do sócio que atua como representante legal da sociedade irregular, não registrada na Junta Comercial; (...)

A responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, além de subsidiária, pode ser limitada ou ilimitada. (grifo nosso)

Portanto, denota-se que a responsabilidade dos sócios de uma sociedade personificada é sempre subsidiária por força artigo 1.024 do Código Civil e do artigo 596 do Código de Processo Civil, mas esta subsidiariedade pode ser limitada ou ilimitada. 

O critério da limitação da responsabilidade diz respeito “à possibilidade ou não de os sócios virem a responder com seus próprios bens pelas dívidas da sociedade” (BERTOLDI; RIBEIRO, 2009, p.177). Segundo o referido critério, os tipos societários classificam-se em: sociedade ilimitada, sociedade mista e sociedade limitada.

Na sociedade ilimitada todos os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais se o patrimônio social não for suficiente para o integral pagamento dos credores da sociedade. Todo o saldo do passivo da sociedade poderá ser cobrado do patrimônio particular sócios. O modelo legal desta categoria é a sociedade em nome coletivo (caput do art. 1039 do Código Civil).

Na sociedade mista parte dos sócios tem responsabilidade ilimitada e outra parte do quadro social tem responsabilidade limitada. São modelos legais desta categoria as sociedades em comandita simples (caput art. 1045 do Código Civil) e a em comandita por ações, (arts. 1090 e 1091 do Código Civil).

Na sociedade limitada todos os sócios respondem de forma limitada pelas obrigações sociais. Quando o patrimônio social não for suficiente para o integral pagamento das obrigações sociais, os sócios responderão, solidariamente, apenas pela parcela do capital social subscrito que não tenha sido integralizado. O benefício da limitação consiste na regra de que a responsabilidade patrimonial do sócio não será superior à contribuição que ele se obrigou a investir para se tornar sócio ou acionista da sociedade.

São modelos legais desta categoria a sociedade limitada em sentido estrito (caput do art. 1052 do Código Civil) e a sociedade anônima (caput do art. 1088 do Código Civil).

No caso da sociedade limitada em sentido estrito, mesmo que um sócio tenha integralizado a quota que subscreveu, ele permanece responsável também pelo valor não integralizado pelos outros sócios.  Portanto, na hipótese do capital social não estar totalmente integralizado, todos os sócios deste tipo societário são solidariamente responsáveis pelo valor pendente de integralização se o patrimônio da sociedade não for suficiente para satisfazer o seu passivo (parte final do caput do art. 1052 do Código Civil).

Tal regra não se repete na disciplina da sociedade anônima, o que leva a concluir que, sobre este enfoque, a responsabilidade do sócio da sociedade limitada em sentido estrito é maior que a do acionista da sociedade anônima, já que este ao contrário daquele “responde tão somente pela integralização de suas próprias ações, não tendo qualquer tipo de responsabilidade solidária em relação aos demais acionistas.” (BERTOLDI e RIBEIRO, 2009, p. 191).

Note-se, contudo, que na sociedade limitada em sentido estrito, “o limite da responsabilidade subsidiária dos sócios pode ser ´zero´”, ou seja, “se todo o capital social já estiver integralizado, os credores da sociedade não poderão alcançar o patrimônio particular de nenhum dos sócios. Deverão, em decorrência, suportar o prejuízo”. (ULHOA, 2007, p. 119)

De todo exposto, infere-se que nas sociedades limitadas em sentido amplo o regime de limitação da responsabilidade subsidiária dos sócios é o mais elevado grau de autonomia patrimonial que o direito societário estabelece para as relações entre as sociedades e seus sócios.

Essa autonomia, entretanto, não é absoluta, sendo que a própria legislação assim como a jurisprudência elencam as hipóteses excepcionais nas quais não se aplica a regra da “limitação” da responsabilidade. Dentre estas hipóteses excepcionais encontra-se o instituto denominado desconsideração da personalidade jurídica que será tratado na seção 3 deste trabalho.

Também cumpre observar que a responsabilidade subsidiária dos sócios não se confunde com a responsabilidade direta pela prática de irregularidades. Conforme COELHO, “na sanção às irregularidades praticadas na sociedade limitada, a responsabilização do sócio não depende do prévio exaurimento do patrimônio social” (2009b. p. 422). Em outros termos, o sócio que praticou a irregularidade pode ser demandado diretamente.

É a lei que estabelece expressamente os casos de responsabilidade direta dos sócios e também dos administradores pelas obrigações da sociedade, como, por exemplo, nos arts. 1009, 1016, 1055, § 1º, e 1080 do Código Civil.

Noutro giro, cumpre fazer alguns apontamentos acerca do regime jurídico brasileiro no que se refere à tutela dos chamados credores não negociais - aqueles que não dispõem de meios negociais para proteger-se dos riscos da atividade empresarial.

Dentre estes credores não negociais encontram-se os empregados da sociedade e os seus consumidores (padrão[3] ou por equiparação[4]). Com o advento da terceira geração dos direitos fundamentais, também foi inserida como credora não negocial a coletividade de pessoas detentora dos direitos coletivos e individuais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (previsto no art. 225 da Constituição Federal).

É importante observar que a legislação brasileira não sistematiza o regime desses credores não negociais perante os quais os sócios da sociedade limitada teriam, excepcionalmente, responsabilidade ilimitada. Tão pouco estabelece como seria a distribuição desta responsabilidade conforme a categoria ou participação de cada sócio no quadro e na administração da sociedade.

Para proteger estes credores não negociais quando a sociedade não tenha patrimônio suficiente para solver seus créditos, o legislador simplesmente sacou da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, inserindo-a, de forma deturpada, no § 5º[5] do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 4º da Lei dos Crimes Ambientais.

Deturpada porque ignorou que a base axiológica dessa teoria é o abuso da personalidade jurídica e, mais, que sua função é de propiciar “um aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica, e não a sua negação” (COELHO, 2009b, p. 54).

Vale dizer, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não tem como base axiológica a tutela de credores não negociais. Portanto, para tratar dos credores não negociais o adequado seria alterar o próprio regime de limitação da sociedade limitada, desmascarando claramente as exceções à limitação de responsabilidade dos sócios e mais, diferenciando a responsabilidade dos sócios que interferem na gestão da empresa – que responderiam solidária e ilimitadamente – da dos sócios investidores minoritários, que apenas prestam o capital, sem poder de controle e sem participar, nem indiretamente, da administração dos negócios sociais – os quais manteriam a responsabilidade limitada. 

Neste aspecto, pede-se vênia para transcrever a análise de COELHO (2009b, p. 418 e 419):

QUINTA PARTE – SOCIEDADE LIMITADA E OUTROS TEMAS (...)

2.2. Responsabilidade Ilimitada (...)

O direito positivo brasileiro é bastante insatisfatório na disciplina da matéria. Em primeiro lugar, deveria dispensar aos sócios da limitada tratamentos diferentes, segundo o vínculo de interesse que os une à sociedade. Os empreendedores majoritários - quer dizer, os que interferem na gestão da empresa - deveriam responder ilimitadamente perante os credores não negociais da sociedade, mas não assim os investidores minoritários - isto é, aqueles que apenas prestam capital, e não participam, nem indiretamente, da administração dos negócios sociais. Essa salutar distinção, com efeito, apenas se encontra na disciplina legal dos débitos fiscais da limitada.

Por outro lado, seria conveniente descartar as inapropriadas referências à desconsideração da personalidade jurídica (teoria menor), ao proteger consumidores (CDC, art. 28), estruturas do livre mercado (Lei n. 8.884/94, art. 18) e valores ambientalistas (Lei n. 9.605/98, art. 4-). Nesses casos, e nos demais relacionados a titulares de direito à indenização, o tecnologicamente correto seria a responsabilização ilimitada dos sócios empreendedores majoritários, sem referência à desconsideração da personalidade jurídica.

Aos créditos trabalhistas, deveria a lei também dispensar-lhes atenção especial. Como os empregados não têm, realisticamente falando, condições de negociar a incorporação aos seus salários de uma taxa de risco relacionada à limitação da responsabilidade dos sócios, o direito do trabalho deveria ser alterado para que os empreendedores majoritários respondessem pelas obrigações da sociedade oriundas de vínculo empregatício. A Justiça do Trabalho, mesmo sem previsão legal que a autorize, tem executado em bens do patrimônio dos sócios, indistintamente, as condenações decretadas à sociedade limitada.

Dentre os credores não negociais, o direito positivo cuida apenas do credor tributário e da Seguridade Social. Apenas eles podem invocar, na proteção de seus créditos, tratamento que afaste a regra da limitação da responsabilidade dos sócios, ao total do capital social subscrito e não integralizado. (...)

Em face da precariedade dos nossos textos legislativos, não se pode afirmar que o direito brasileiro tutele, integral e satisfatoriamente, os credores não negociais da sociedade limitada. (...)

Na tutela dos direitos dos consumidores, na proteção da concorrência e na repressão a práticas lesivas ao meio ambiente, a imputação da responsabilidade aos sócios deve atender aos pressupostos da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Os empregados e demais credores não negociais, por fim, enquanto não editada regra que os beneficie expressamente, devem ter os seus direitos creditórios, perante a sociedade limitada, sujeitos à regra da autonomia patrimonial e da limitação da responsabilidade dos sócios. (grifos nossos)

Diante da lacuna legislativa, exsurge o uso indiscriminado da expressão “desconsideração da personalidade jurídica” para tratar de toda e qualquer situação em que o patrimônio dos sócios e/ou administradores é afetado pelas dívidas da sociedade, com os delineamentos que serão abordados no tópico 3.

2.4. FUNDAMENTOS PARA O REGIME DE LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS

Sabe-se que o risco de insucesso é inerente a qualquer atividade empresarial. Se o insucesso de certa empresa ensejasse o sacrifício da totalidade do patrimônio dos empreendedores e investidores, como consequência natural, os detentores de capital não se sentiriam incentivados a empregar suas disponibilidades financeiras na atividade empresarial, com o receio de perder muito mais que o capital investido.

O regime de limitação da responsabilidade subsidiária dos sócios foi concebido como instrumento jurídico de estímulo para a expansão da atividade empresarial.

Nesta esteira, leciona COELHO:

Justifica-se a sistemática de submeter as perdas dos sócios ao limite do investimento, transferindo o prejuízo para os credores da sociedade, na medida em que ao direito positivo cabe, por meio do controle dos riscos, motivar os empreendedores na busca de novos negócios. Se todo o patrimônio particular dos sócios pudesse ser comprometido, em razão do insucesso da sociedade empresária, naturalmente os empreendedores adotariam posturas de cautela, e o resultante poderia ser a redução de novas empresas, especialmente as mais arriscadas. (2009b, p. 29)

De fato, o cenário de maior risco para os investidores implica na migração de seus investimentos para destinos mais seguros, como, por exemplo, os das aplicações financeiras, especulação imobiliária, etc. O maior prejudicado, neste contexto, seria a sociedade como um todo, uma vez que são nas empresas que se produzem os bens e serviços de consumo, os quais, mais do que satisfazer as necessidades ou até futilidades dos consumidores, geram renda para os trabalhadores e para outras empresas, assim como arrecadação para o Estado.

Além disso, a inexistência de regras limitadoras de perdas e responsabilidades leva o investidor-empreendedor a ampliar suas margens de lucros empresariais para compensar o elevado risco de insucesso, o que acarretaria a elevação dos preços dos bens ou serviços fornecidos no mercado.

Isso sem mencionar o prejuízo à competitividade no comércio internacional com os países cuja legislação ponha limites às perdas e responsabilidades dos sócios, especialmente considerando o atual mundo globalizado no qual as novas tecnologias de produção, de informação e de comunicação vêm reduzindo as barreiras naturais de tempo e espaço de modo a promover a integração dos mercados globais.

Portanto, a ratio essendi da limitação da responsabilidade dos sócios e acionistas é a de criar estímulos para a exploração das atividades econômicas, tendo como beneficiários finais os próprios consumidores (com a expansão dos bens de consumo e a ampliação da concorrência), os trabalhadores (com a criação de mais postos de emprego), os fornecedores de insumos e o Estado (com a arrecadação de tributos).


3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

3.1. A DOUTRINA DA DISREGARD OF LEGAL ENTITY E A NORMATIZAÇÃO DA “TEORIA MAIOR” NO DIREITO BRASILEIRO

A sociedade empresária, na qualidade de sujeito titular de direitos e obrigações distintos de seus sócios, pode vir a ser utilizada de forma abusiva ou fraudulenta, lesando credores ou terceiros, através, por exemplo, da constituição de sociedades fictícias, de operações societárias com fins dissimulados, da celebração de negócios jurídicos espúrios, da promiscuidade entre o patrimônio da sociedade e o dos sócios, etc.

Nestas situações, se fosse considerada como absoluta a autonomia patrimonial da sociedade empresária limitada, inviável se tornaria a responsabilização dos sócios e administradores que, em nome dela, praticassem abusos, desviando-a da sua finalidade e prejudicando credores ou terceiros.

Para coibir a fraude e o abuso na utilização da pessoa jurídica, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, expediente que opera a superação dos efeitos da personalização, notadamente a autonomia patrimonial, para atrair a responsabilidade pessoal dos sócios e/ou administradores por obrigações contraídas pela sociedade.

No Brasil, ela é chamada de teoria “maior” da desconsideração da personalidade jurídica, como contraponto da controversa “teoria menor” –   examinada no tópico seguinte – haja vista que elas possuem fundamentos e efeitos diferentes.

O abuso da personalidade jurídica se manifesta quando a sociedade é utilizada de modo dissonante com os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, frustrando a boa-fé daqueles com quem ela se relaciona, bem como quando o próprio sócio desrespeita a regra da separação patrimonial ao utilizar o patrimônio da sociedade em benefício particular.

Já a fraude vai muito além do abuso da personalidade jurídica, uma vez que nela a pessoa jurídica é empregada na prática de algum negócio jurídico urdido para burlar a lei ou prejudicar terceiros. Neste sentido, defende DUARTE em dissertação de mestrado sobre o tema:

Muito embora a fraude e o abuso de direito constituem atos para prejudicar terceiros, os mesmos não se confundem. Isto porque a fraude é o negócio jurídico tramado para prejudicar credores, em benefício do declarante ou de terceiro. No abuso de direito não existe propriamente trama contra o direito de credor, mas sim, surge do uso inadequado de um direito. (2009)

Os primeiros registros relativos à construção da teoria da desconsideração da personalidade jurídica teriam surgido na jurisprudência inglesa do final do século XIX.

O caso mais célebre é o “Salomon vs. Salomon & Co.” (1897), envolvendo o empresário Aaron Salomon, o qual teria constituído uma sociedade comercial com sua esposa e filhos. Nesta constituição Salomon cedeu o seu fundo de comércio à companhia, dela recebendo 20.000 ações representativas de sua concessão, enquanto para cada um dos outros componentes destinou-se somente uma ação. Tendo em vista que o valor estimado do fundo de comércio que Salomon transferiu a sociedade era supostamente maior do que o preço das ações recebidas, ele tornou-se credor do saldo de 10.000 libras esterlinas.

Logo após a sua constituição, a companhia passou a atrasar pagamentos e, um ano depois, foi efetivada a sua liquidação, sendo que o seu patrimônio, apesar de suficiente para satisfazer as obrigações garantidas - incluindo-se nelas o crédito do próprio Salomon - restou insuficiente para pagar todos os credores quirografários.

O liquidante, no interesse destes últimos, postulou que a soma devida à Salomon pelo crédito privilegiado deveria ser revertida para os quirografários, haja vista que “a atividade da company era ainda a atividade de Salomon, que usou de artifício para limitar a sua responsabilidade e, em consequência, Salomon deveria ser condenado ao pagamento dos débitos da company” (REQUIÃO, 2010, p. 440).

A Corte de Apelação acolheu tal pedido decidindo que a companhia era um agente fiduciário de Salomon, o qual permanecia como o efetivo proprietário do negócio. Entretanto, a Casa dos Lordes reformou a decisão, julgando que a companhia havia sido validamente constituída, como determina a lei britânica.

A tese do liquidante, embora vencida, teve repercussão favorável nos Estados Unidos, especialmente nos estudos do jurista ISAAC MAURICE WORMSER, o qual formulou as primeiras referências à doutrina da disregard of legal entity, também conhecida por disregard doctrine e por lifting the corporate veil, que, traduzidas para o português, significam “desconsideração da personalidade jurídica”, “doutrina da desconsideração” e “levantamento do véu da personalidade jurídica”, respectivamente.

Contudo, foi jurista alemão SERICK que aprofundou e sistematizou esta doutrina denominando-a de Durchgrifshaftung (teoria da penetração) e formulando cientificamente os princípios fundamentais para sua aplicação.

Para SERICK, independentemente da espécie de pessoa jurídica de que se tratasse, o Juiz poderia desconsiderar o princípio da separação entre o patrimônio do sócio e o da pessoa jurídica desde que ficasse caracterizado o abuso de direito ou a fraude contra credores. Nesta caracterização, o referido jurista defende que a decisão que desconsidera a personalidade jurídica não podia estar calcada apenas em elementos objetivos, ou seja, deveria estar evidenciada a intenção do sócio na conduta abusiva ou fraudulenta (1958, p. 241-246).

Assim, segundo esta visão subjetiva do jurista alemão, é necessário que haja a deliberada intenção do sócio em utilizar a pessoa jurídica de maneira fraudulenta ou abusiva, posto que sem a presença do elemento subjetivo não se poderia invocar a desconsideração da pessoa jurídica.

No Brasil, a tese da desconsideração da personalidade jurídica formulada por SERICK foi desenvolvida e difundida por REQUIÃO, após conferência proferida na Universidade Federal do Estado do Paraná. Vejam-se as conclusões deste autor:

Mas todos esses conceitos e preconceitos levaram o pensamento jurídico a conceber, sobretudo em nosso país, a personalidade jurídica como um ‘véu’ impenetrável. Passou a ser vista, via de regra, como uma categoria de direito absoluto.

Ora, a doutrina da desconsideração nega precisamente o absolutismo do direito da personalidade jurídica. Desestima a doutrina esse absolutismo, perscruta através do véu que a encobre, penetra em seu âmago, para indagar de certos atos dos sócios ou do destino de certos bens. Apresenta-se, por conseguinte, a concessão da personalidade jurídica com um significado ou um efeito relativo, e não absoluto, permitindo a legítima penetração inquiridora em seu âmago.

Ora, assim há de ser. Se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei, como concessão do Estado objetivando, como diz Cunha Gonçalves, ‘a realização de um fim’, nada mais procedente do que se reconhecer ao Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a fraude, através de seu uso. (1969, p. 15) (grifo nosso)

Em obras recentes, REQUIÃO reitera que “a personalidade jurídica não constitui direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso do direito” (2010, p. 441)

Outro autor paranaense, OLIVEIRA, abrindo vistas para a função social da pessoa jurídica, pondera que o surgimento da teoria da desconsideração da personalidade consiste em uma reação doutrinária e jurisprudencial à crise de função da pessoa jurídica, pelo desvio deste instituto da função que lhe foi assinalada pelo legislador:

E da reação que os Tribunais desenvolveram através de um conjunto de julgados que tiveram por ponto comum uma espécie de suspensão de vigência ­ para o caso concreto em julgamento - do princípio da separação entre a pessoa jurídica e a pessoa- membro. Esse fenômeno é conhecido pelo pensamento moderno pelas expressões "desconsideração" da pessoa jurídica (tradução aproximada da expressão norte americana "disregard of the legal entity") ou penetração na pessoa jurídica (aproximada tradução do alemão Durchgriff"). (...)

As técnicas de disregard ou de Durchgriff são o mais agudo sintoma de crise de função. Elas denunciam a existência de um desvio do instituto ­ da função que lhe foi assinalada pelo legislador. E ao mesmo tempo, visam evitar ­ principalmente ao servirem de inspiração à interpretação de algumas normas legais específicas ­ o surgimento concreto de novos casos de desvio. Se analisarmos a grande e fundamental obra de SERICK, não podemos deixar de reconhecer qual a sua grande e meritória intuição: a da necessidade de maior atenção ao elemento ético na análise e interpretação do Direito. O nosso tempo é testemunha da crescente preocupação dos Códigos com a necessidade de reintrodução de critérios éticos como básicos para a valoração dos fatos jurídicos. É nessa linha que se inscreve a crescente importância atribuída por diplomas legislativos recentes ao princípio da boa-fé e à prevenção do abuso de direito. (...)

Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário à lei, ao contrato, ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência. Nesse sentido, tinha razão ANTUNES VARELA quando, em trecho citado no texto, afirmava visar a desconsideração o corrigir a contradição entre aparência e realidade na constituição e funcionamento da pessoa jurídica. (1979, p. 262, 608 e 613). (grifo nosso)

Noutra perspectiva, COMPARATO também trouxe importantes contribuições para o estudo da desconsideração da personalidade jurídica, ao formular a teoria objetiva, a qual invoca a confusão patrimonial como pressuposto objetivo de incidência da desconsideração da personalidade jurídica. Segundo este autor:

O verdadeiro critério no assunto é o referente aos próprios pressupostos de separação patrimonial, enquanto causa da constituição das sociedades: de tipo formal, como por exemplo, o respeito à espécie societária: ou o pressuposto substancial da permanência do objeto e do objetivo sociais, como escopo inconfundível com o interesse ou a atividade individual dos sócios. A falta de qualquer desses pressupostos torna ineficaz a separação dos patrimônios, estabelecida em regra. (1983, p. 297)

Na esteira da doutrina de COMPARATO, o novo Código Civil, quando normatiza o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, adota a confusão patrimonial como pressuposto objetivo que caracteriza o abuso da personalidade jurídica e, como efeito, autoriza a desconsideração sem maiores indagações quanto à intenção do sócio ou do administrador.

A confusão patrimonial se manifesta nos casos em que não há efetiva separação entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio de seus sócios. Isto ocorre, por exemplo, quando se verifica na escrituração contábil ou na movimentação bancária que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou vice-versa. Outro exemplo é a existência de bens usufruídos particularmente pelos sócios registrados em nome da sociedade ou vice-versa. 

Além da confusão patrimonial, o desvio de finalidade é a outra hipótese caracterizadora do abuso da personalidade jurídica, cuja aferição também é objetiva, dispensando maiores indagações quanto à intenção do sócio ou do administrador que praticou o desvio.

O desvio de finalidade, conforme assinala ANDRADE FILHO, “consiste no desvirtuamento da sua finalidade institucional” (2005, p. 113). No mesmo sentido, leciona OKSANDRO GONÇAVELS, citado por TOMAZETTE: “o desvio de finalidade a que se refere o artigo 50 do Código Civil, seria a prática de atos incompatíveis com o estatuto ou contrato social, estando ligada às idéias de abuso e excesso de poder” (2006).

Tendo em vista que tanto a confusão patrimonial quanto o desvio de finalidade são constatáveis pelos vestígios deixados no exercício da empresa, é de se concluir que o novo Código Civil, em ambos os casos, concebeu uma teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica, no que pese muitos confundirem o real significado desta expressão, considerando-a, incorretamente, como sinônimo da polêmica “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica, abordada no tópico 3 deste estudo.

No sentido de que o Novo Código Civil adotou a teoria objetiva, precisa é a doutrina de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2010, p. 278 e 279):

O Novo Código Civil, por sua vez, colocando-se ao lado das legislações modernas, consagrou, em norma expressa, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, nos seguintes termos: ‘Art. 50 (...)’

Segundo a novel regra legal, a desconsideração será possível, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir, se o abuso consistir em:

a) desvio de finalidade;

b) confusão patrimonial.

No primeiro caso desvirtuou-se o objetivo social, para se perseguirem fins não previstos contratualmente ou proibidos por lei.

No segundo, a atuação do sócio ou administrador confundiu-se com o funcionamento da própria sociedade, utilizada como verdadeiro escudo, não se podendo identificar a separação patrimonial entre ambos.

Nas duas situações, faz-se imprescindível a ocorrência de prejuízo – individual ou social -, justificador da suspensão temporária da personalidade jurídica da sociedade. (...)

Adotou-se, pois, a linha objetivista de COMPARATO, que prescinde da existência de elementos anímicos ou intencionais (propósito de fraudar a lei ou de cometer um ilícito), embora não se tenha adotado a chamada ‘Teoria Menor’ da Desconsideração da Personalidade Jurídica. (grifo nosso)

No mesmo sentido leciona GONÇALVES que “o Código Civil de 2002 tratou da desconsideração da personalidade jurídica, acolhendo igualmente a teoria objetiva” (2008, p. 89).

No mesmo sentido citam-se trechos da ementa e do voto de dois julgados da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

(....) 2. A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a "teoria maior" acerca da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração.

(...) Na verdade, embora a jurisprudência pátria dispense ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC⁄02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial (Fábio Konder Comparato, RT 1976: 292), é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a "teoria maior" da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a ocorrência objetiva de tais requisitos para sua configuração[6].(grifos nossos)

I. Nos termos do Código Civil, para haver a desconsideração da personalidade jurídica, as instâncias ordinárias devem, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se incabível.[7].(grifos nossos)

Ressalte-se que a desnecessidade de se comprovar a responsabilidade subjetiva para a caracterização do abuso da personalidade jurídica não é nenhum retrocesso. Ao revés, harmoniza-se com a moderna concepção do regime geral do “abuso do direito”, disposto no art. 187 do Código Civil. Isto porque o abuso do direito também dispensa a prova da responsabilidade subjetiva para a sua caracterização como ato ilícito.

Neste sentido, veja o que leciona CAVALIERI FILHO (2005, p. 170):

Depreende-se da redação desse artigo, em primeiro lugar, que a concepção adotada em relação ao abuso do direito é a objetiva, pois não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico do direito; basta que excedam esses limites. Filiou-se o nosso Código à doutrina de Saleilles, a quem coube definir o abuso do direito como exercício anormal do direito, contrário à destinação econômica ou social do direito subjetivo, que, reprovado pela consciência pública ou social, excede, por conseqüência, o conteúdo do direito. Neste sentido o Enunciado n. 37 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal (Brasília, setembro/2002): A responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico. (grifo nosso)

No mesmo sentido, lecionam NERY JUNIOR e NERY que “a ilicitude do ato cometido com abuso de direito é de natureza objetiva, aferível independentemente de dolo ou culpa” (2007, p. 350).

Como visto, a adoção da teoria objetiva para aferir o abuso da personalidade jurídica - centralizando a análise na presença de elemento objetivo que evidencie o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial e dispensando a aferição do elemento subjetivo – está, em verdade, harmonizada com o regime geral do abuso do direito estatuído no art. 187 do Código Civil.

Em verdade, a taxatividade das duas hipóteses legais de abuso da personalidade jurídica - desvio de finalidade e confusão patrimonial - oferece segurança jurídica na interpretação da existência ou não de abuso na conduta imputada.

Se a sociedade não for desviada das atividades previstas em seu objeto social bem como manter o seu patrimônio separado do patrimônio dos sócios e administradores, não há que se falar em abuso da personalidade.

Por outro lado, diversamente do entendimento aqui esposado - que atribui um sentido estrito e de aferição objetiva ao pressuposto do “desvio de finalidade” -, colhem-se precedentes do Superior Tribunal de Justiça manifestando o entendimento de que tal expressão deve ser compreendida “como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica”[8].

Ou seja, vários julgados do STJ vêm adotando a interpretação ampliativa do significado da expressão “desvio de finalidade” para nela abarcar a hipótese da fraude contra credores, suscitando, portanto, uma aferição subjetiva deste pressuposto.

Neste sentido, citam-se trechos das ementas de julgados da Segunda e Terceira Turmas do STJ, respectivamente:

(...) - A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.

- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.

Recurso especial provido para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.[9] (grifo nosso).

(...) 4. Em relação ao disposto no art. 50 do CC/2002, verifica-se que o pedido de redirecionamento baseia-se tão somente na responsabilidade decorrente do não pagamento do valor executado (multa administrativa), olvidando-se o exequente (ora recorrente) de apontar alguma circunstância que, nos termos da jurisprudência desta Corte, viabilize o redirecionamento da execução fiscal. Impende ressaltar que "a responsabilização dos administradores e sócios pelas obrigações imputáveis à pessoa jurídica, em regra, não encontra amparo tão-somente na mera demonstração de insolvência para o cumprimento de suas obrigações (Teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica)", fazendo-se "necessário para tanto, ainda, ou a demonstração do desvio de finalidade (este compreendido como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica), ou a demonstração da confusão patrimonial (esta subentendida como a inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de seus sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas" (REsp 1.200.850/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 22.11.2010).[10] (grifo nosso).

Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial.

Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. (...)

(...) - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações.

Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). (...)[11] (grifo nosso)

Em comentário ao último julgado supra, observa RAMOS (2010, P. 353):

Nesse acórdão, o STJ entendeu: (i) que a regra geral sobre a disregard doctrine no Brasil é o art. 50 do Código Civil; e (ii) que para a aplicação da teoria da desconsideração é preciso, "para além da prova da insolvência", a demonstração do desvio de finalidade (que a relatora associa à concepção subjetivista) ou da confusão patrimonial (que a relatora associa à concepção objetivista). (...)

A análise do acórdão também deixa claro que o STJ entendeu que, no direito do consumidor e no direito ambiental, aplica-se a disregard doctrine quando há o mero prejuízo do credor (por haver regras legais específicas nesse sentido) (...). (grifo nosso)

Todavia, como já aduzido anteriormente, fraude e abuso da personalidade não são institutos sinônimos, e o desvio de finalidade foi normatizado como evidência de abuso da personalidade jurídica. Note-se que o desvio é da “finalidade” da pessoa jurídica e não de seus bens, sendo que tal finalidade se apura mediante a análise do objeto social da pessoa jurídica, fixado em seu ato constitutivo, confrontada com as atividades que ela efetivamente desenvolve.

Vale dizer, o abuso da personalidade ocorre quando a pessoa jurídica atua além do que foi delimitado em seu objeto social ou quando há confusão patrimonial.

Isto significa que, a bem da verdade, tanto o artigo 50 do Código Civil quanto os demais diplomas legais extravagantes que tratam do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, não mencionam expressamente a “fraude” como hipótese para a desconsideração da personalidade jurídica.

Não obstante, mesmo antes da edição do novo Código Civil, quando não havia regra geral para a desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência vinha entendendo ser possível desconsiderar a pessoa jurídica usada para fraudar credores, consagrando a construção doutrinária da desconsideração da personalidade jurídica. Neste sentido, transcrevem-se trechos de ementas e votos de julgados do STJ anteriores ao novo Código Civil:

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURIDICA. PRESSUPOSTOS. EMBARGOS DE DEVEDOR. E POSSIVEL DESCONSIDERAR A PESSOA JURIDICA USADA PARA FRAUDAR CREDORES.

(...) Assim, estou me pondo de acordo com os que admitem a aplicação da doutrina da desconsideração, para julgar ineficaz a personificação societária sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar a terceiros. Ou em outras palavras: “o juiz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi utilizada como instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito” (Fabio Ulhoa Coelho, ...) .

A sua compatibilidade com o ordenamento jurídico nacional, além dos casos expressamente previstos em lei (ex. art. 2º, parágrafo 2º da CLT; art. 135 II do CTN), também decorre do princípio geral da boa fé, base da doutrina alemã construída sobre o ponto, do princípio que veda o uso abusivo do direito, e da cláusula geral sobre a ordem pública (art. 17 da LICC), que servem de fundamento para que se afete pontualmente, presente os pressupostos, a regra do art. 20 do Código Civil. (pág. 9/10)[12] (grifo nosso)

(...) III – Provada a existência de fraude, é inteiramente aplicável a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica a fim de resguardar os interesses dos credores prejudicados.

(...) a decisão de primeiro grau explicitou longamente a promiscuidade de negócios entre as empresas, as práticas maliciosas, tendentes a fraudar credores. A exposição é minuciosa, constando especialmente de fls. 98 e seguintes, e a ela me reporto. Dela se verifica que, constituindo as empresas um só grupo econômico, com a mesma direção, os negócios eram conduzidos tendo em vista os interesses desse e não os de cada uma das diversas sociedades. A separação era apenas formal. Desta forma, tendo por presente a intenção fraudulenta, em bem fundamentado voto, o eminente Sr. Min. Relator afirmando existir, com base nos elementos informativos do processo, o ânimo de burlar a lei, reconheceu aplicável, na espécie, a Desconsideração da Pessoa Jurídica [13] (grifo nosso)

Denota-se que, malgrado a ausência de previsão explícita, a desconsideração da personalidade pela fraude é largamente aplicada pelos tribunais pátrios por variados fundamentos, seja por estar abarcada pelo pressuposto do desvio de finalidade, seja por analogia, seja porque viola o princípio da boa-fé, da função social da empresa e/ou outros princípios gerais do direito.

A guisa de sintetizar o entendimento pretoriano acerca das hipóteses de aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, transcreve-se a ementa de outro julgado do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ("disregard doctrine"). HIPÓTESES.

1. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, imputando-se ao grupo controlador a responsabilidade pela dívida, pressupõe - ainda que em juízo de superficialidade - a indicação comprovada de atos fraudulentos, a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade.

2. No caso a desconsideração teve fundamento no fato de ser a controlada (devedora) simples longa manus da controladora, sem que fosse apontada uma das hipóteses previstas no art. 50 do Código Civil de 2002.

3. Recurso especial conhecido.[14] (grifo nosso).

Denota-se que, apesar da legislação não inserir a fraude dentre as hipóteses para a desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência tem considerado aquela como hipótese para a superação da autonomia patrimonial, ao lado do abuso de direito, este caracterizado pela confusão patrimonial ou pelo desvio de finalidade.

Com ensejo, é oportuno mencionar que o projeto de lei nº 1.572/2011[15]  – projeto novo Código Comercial brasileiro - no caput do artigo 128 prevê a desconsideração da personalidade jurídica “em caso de fraude perpetrada por meio da autonomia patrimonial da sociedade empresária” e no parágrafo único dispõe que “a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade importam a presunção relativa de fraude”.

Infere-se que a referida lege ferenda mais que suprir a lacuna da falta de expressa previsão da “fraude” como hipótese para a desconsideração da personalidade jurídica, em verdade a elege como o seu central fundamento. Com efeito, a confusão patrimonial e o desvio de finalidade, que no art. 50 do Código Civil são pressupostos objetivos para a constatação do abuso da personalidade, pelo novo codex passariam a figurar como presunções iuris tantum da existência da fraude que militariam contra o administrador e os sócios, aos quais restaria o ônus da prova em contrário.

Cabe destacar que o art. 652 do referido projeto de lei ressalva que as normas nele inseridas não reduzem as obrigações previstas na legislação consumerista, trabalhista, tributária, ambiental e antitruste. Por conseqüência, as normas para a desconsideração da personalidade jurídica previstas nestes microssistemas continuariam em vigor mesmo sendo aprovado o novo Código Comercial.

Analisando os dispositivos do projeto de lei que tratam da desconsideração da personalidade jurídica conclui-se que é necessária a caracterização da fraude, não sendo suficiente o abuso da personalidade jurídica para fins de sua desconsideração.

Conforme já aduzido anteriormente, fraude e abuso da personalidade jurídica não são sinônimos. A fraude envolve atos ardilosos urdidos para mascarar a verdade ou induzir alguém em erro, visando o agente, com isso, obter uma vantagem indevida. Disso se influi que não existe fraude culposa.

Já o abuso da personalidade não necessariamente está ligado a alguma fraude, uma vez que tanto a confusão patrimonial quanto o desvio de finalidade da empresa podem ter sido cometidos sem qualquer propósito de enganar terceiros.  

Em razão disto, este estudo defende que não só a fraude, mas também o abuso devem propiciar a desconsideração da personalidade jurídica, e mais, que o desvio de finalidade e/ou a confusão patrimonial devem permanecer como pressupostos objetivos do abuso da personalidade que, de per si, propiciam a desconsideração da personalidade jurídica.

Aliás, antes do novo Código Civil, o “abuso de direito” como hipótese para a desconsideração da personalidade jurídica já era previsto no caput do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990), para reparação dos danos coletivos ou individuais causados ao consumidor, e no art. 18 da Lei Antitruste (Brasil, 1994) para a reparação dos danos coletivos ou individuais causados à ordem econômica. Neste ponto específico, tais dispositivos legais também adotam a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica.

Noutro giro, convém fazer alguns apontamentos sobre a dissolução irregular da sociedade como hipótese de aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica.

Conforme leciona COELHO (2009b, p. 465), em direito societário a expressão “dissolução” é um conceito ambíguo que, em sentido amplo, refere-se ao procedimento de terminação da personalidade jurídica (dissolução-procedimento), abrangendo três fases: ocorrência de um fato ou ato, extrajudicial ou judicial, desencadeante; a liquidação (com a realização do ativo e pagamento do passivo) e; a partilha (repartição do acervo remanescente entre os sócios ou acionistas).

Conforme o § 3º do art. 55 do Código Civil, só após a liquidação é possível o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.

Em sentido estrito, a expressão dissolução refere-se ao ato ou fato em si, que inaugura aquele procedimento (dissolução-ato). Ou seja, diz respeito às causas da dissolução.

O direito brasileiro prevê dois regimes de dissolução das sociedades empresárias, o do Código Civil (art.1033 e art. 1044) e o da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76 – art. 206), conforme o tipo societário de que se trate.

A “regular” dissolução da sociedade empresária deve adotar uma das causas assinaladas nos referidos dispositivos bem como efetivar o procedimento formal de dissolução, com a execução de todas as suas três fases.

Frise-se que a ausência ou insuficiência de patrimônio social para fazer frente aos débitos da pessoa jurídica, não é empecilho para a dissolução regular, já que, neste caso, a extinção pode se dar com o pedido de falência[16] pela própria sociedade empresária (art. 97, I, da Lei nº 11.101/05). Nem a ausência de concordância entre sócios impede a dissolução regular (ainda que parcial) já que a mesma pode ser demandada em juízo (art. 1034 do Código Civil).

Assim, o encerramento das atividades da sociedade sem que seja previamente providenciado o procedimento regular de dissolução, extrajudicial ou judicial - com a liquidação do ativo e passivo, e respectiva averbação na Junta Comercial – importa na dissolução irregular da sociedade.

São indícios de dissolução irregular: a dificuldade criada pela sociedade devedora de ser encontrada para a citação ou intimação; a sua não localização em seu domicílio; a paralisação de suas atividades sem proceder à regular dissolução; etc.

Nos casos de dissolução irregular, recentes precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vêm aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica:

(...) No caso dos autos, o acórdão embargado não se manifestou sobre a suposta dissolução irregular da sociedade, antes, apenas concluiu que o mero inadimplemento da obrigação tributária por parte da empresa não possibilita o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente da mesma, o que somente ocorreria se também fosse comprovada a prática de alguma das condutas prevista no caput do art. 135 do CTN.

(...) Da análise dos autos, verifica-se que a Corte a quo concluiu que o encerramento das atividades da empresa, caracterizando dissolução irregular da mesma, possibilita a desconsideração da pessoa jurídica para imputar responsabilidade aos sócios gerentes, os quais poderão esclarecer essa situação fática e averiguar a ocorrência ou não dos requisitos autorizadores da medida através de embargos do devedor.

3. Faz-se necessária a integração do acórdão embargado para fazer constar que a jurisprudência desta Corte possui entendimento no sentido de que a dissolução irregular da empresa sem deixar bens para garantir os débitos, ao contrário do simples inadimplemento do tributo, enseja o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes, independentemente de restar caracterizada a existência de culpa ou dolo por parte desses. (...).[17] (grifo nosso)

(...) DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. OCORRÊNCIA. REVISÃO. (...)

(...) 5. A desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio dos sócios para fins de satisfação de débitos da empresa, é medida de caráter excepcional sendo apenas admitida em caso de evidente caracterização de desvio de finalidade, confusão patrimonial ou, ainda, conforme reconhecido por esta Corte Superior, nas hipóteses de dissolução irregular sem a devida baixa na junta comercial (Precedentes: REsp 1.169.175/DF, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 17/2/2011, DJe 4/4/2011; AgRg no Ag 867.798/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/10/2010, DJe 3/11/2010) 6. Evidenciada a dissolução irregular da empresa, matéria cuja revisão revela-se inviável em sede de recurso especial tendo em vista o óbice da Súmula nº 7/STJ, merece ser mantido o redirecionamento.[18] (grifo nosso)

(...) II - A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo de que se vale o ordenamento para, em situações absolutamente excepcionais, desencobrir o manto protetivo da personalidade jurídica autônoma das empresas, podendo o credor buscar a satisfação de seu crédito junto às pessoas físicas que compõem a sociedade, mais especificamente, seus sócios e/ou administradores.

III - Portanto, só é admissível em situações especiais quando verificado o abuso da personificação jurídica, consubstanciado em excesso de mandato, desvio de finalidade da empresa, confusão patrimonial entre a sociedade ou os sócios, ou, ainda, conforme amplamente reconhecido pela jurisprudência desta Corte Superior, nas hipóteses de dissolução irregular da empresa, sem a devida baixa na junta comercial. Precedentes.[19] (grifo nosso)

(...) DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONSTATAÇÃO, PELA ORIGEM, DE TER HAVIDO DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. BENS DO PATRIMÔNIO DO SÓCIO-ADMINISTRADOR. CONFORME PRECEDENTES DESTA CORTE, O SÓCIO DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA RESPONDE COM SEUS BENS POR DÉBITO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA QUANDO É CONSTATADO QUE HOUVE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. (...)

(...) Por último, tomando em consideração o apurado pela Corte local, cumpre observar que a decisão tomada pelo Tribunal de origem guarda consonância com a inteligência da recente Súmula 435 deste Sodalício, que dispõe: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente." (...).[20] [21] (grifo nosso)

Denota-se que além das três hipóteses mencionadas no tópico anterior (fraude, abuso por desvio de finalidade e abuso por confusão patrimonial), há corrente jurisprudencial consagrando a dissolução irregular da sociedade como nova hipótese de desconsideração da personalidade jurídica.

Em sentido contrário, importa citar precedentes do STJ que discordam da conclusão de que bastaria a ocorrência do encerramento da atividade sem baixa na Junta Comercial para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica:

(...). DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE ABUSO. ENCERRAMENTO DE ATIVIDADE SEM BAIXA NA JUNTA COMERCIAL. CIRCUNSTÂNCIA INSUFICIENTE À PRESUNÇÃO DE FRAUDE OU MÁ-FÉ NA CONDUÇÃO DOS NEGÓCIOS. ARTS. 592, II E 596 DO CPC. NORMAS EM BRANCO, QUE NÃO DEVEM SER APLICADAS DE FORMA SOLITÁRIA. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. AUSÊNCIA DE ADMINISTRAÇÃO IRREGULAR E DO CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO. SÓCIOS NÃO RESPONDEM PELO PREJUÍZO SOCIAL. PRECEDENTES.

(...) - A excepcional penetração no âmago da pessoa jurídica, com o levantamento do manto que protege essa independência patrimonial, exige a presença do pressuposto específico do abuso da personalidade jurídica, com a finalidade de lesão a direito de terceiro, infração da lei ou descumprimento de contrato.

- O simples fato da recorrida ter encerrado suas atividades operacionais e ainda estar inscrita na Junta Comercial não é, por si só, indicativo de que tenha havido fraude ou má-fé na condução dos seus negócios.

- Os arts. 592, II e 596 do CPC, esta Turma já decidiu que tais dispositivos contêm norma em branco, vinculada a outro texto legal, de maneira que não podem - e não devem - ser aplicados de forma solitária. Por isso é que em ambos existe a expressão “nos termos da lei”.

- Os sócios de empresa constituída sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade limitada não respondem pelos prejuízos sociais, desde que não tenha havido administração irregular e haja integralização do capital social. Recurso especial não conhecido.[22]

(...) I. Nos termos do Código Civil, para haver a desconsideração da personalidade jurídica, as instâncias ordinárias devem, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se incabível.

(...) No caso dos autos, o aresto fustigado confirmou a decisão do Juízo primevo ao singelo fundamento "de que a empresa está inativa e sem faturamento" (e-STJ fl. 315), embora tenha discorrido longamente sobre o disregard doctrine. Ressalto que a decisão confirmada pela Corte Estadual igualmente não avançou no exame dos requisitos necessários à desconsideração da personalidade jurídica da devedora, apenas consignando que houve "dissolução irregular da executada" (e-STJ fl. 281). Dessarte, à míngua dos requisitos objetivos a ensejarem a medida extrema, tenho que se deve afastá-la. Ante o exposto, conheço do presente recurso especial e dou-lhe provimento para afastar a desconsideração da personalidade jurídica de Knorr Construções LTDA. [23] (grifo nosso)

Percebe-se que ainda não está pacificada a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica tomando como fundamento a dissolução irregular da sociedade, sendo que a jurisprudência que dele discorda sustenta que tal fundamento deveria estar associado às hipóteses legais de abuso da personalidade jurídica.

Contudo, a dissolução irregular da sociedade pode se enquadrar como hipótese de desvio de finalidade. Ora, se a sociedade não está exercendo atividade, por corolário não está desempenhando suas finalidades sociais, vale dizer, está se desviando da finalidade para qual foi constituída. Isto, de per si, fundamenta a desconsideração da personalidade jurídica, não como novo fundamento, mas sim como situação que se subsume a hipótese do desvio de finalidade prevista no art. 50 do Código Civil.

Noutro prisma, a dissolução irregular da sociedade também pode se enquadrar como uma forma de fraudar a lei, pois a aparente existência da sociedade é um artifício para não haver a liquidação do passivo, portanto, para lesar credores.

Por fim, cumpre frisar que a desconsideração da personalidade jurídica não se confunde com a despersonalização ou despersonificação da pessoa jurídica. Estas últimas correspondem à extinção da pessoa jurídica, a qual deixa de existir como sujeito de direito autônomo, em razão da ausência das condições necessárias a sua constituição, da cassação da autorização para seu funcionamento ou, ainda, nas hipóteses de sua dissolução.

Também não se pode confundir a desconsideração da personalidade jurídica com as hipóteses de responsabilização direta dos sócios ou administradores por ato próprio, praticado com excesso de poder, com violação do contrato ou estatuto social ou contrário à lei.

Nestes casos não se trata de desconsiderar a pessoa jurídica justamente porque o agente que praticou o ato o fez diretamente, sem se esconder sobre o véu da pessoa jurídica, razão pela qual responde por ato ilícito próprio.

TEODORO JÚNIOR bem esclarece este aspecto (2001, p. 266):

Na verdade, não se pode falar em desconsideração da personalidade jurídica, quando pela lei já existe uma previsão expressa de responsabilidade direta do sócio. Em tal caso a obrigação é originariamente do sócio, mesmo que tenha praticado o ato na gestão social. A teoria da disregard não foi concebida visando a esse tipo de responsabilidade solidária ou direta, mas para aqueles casos em que a pessoa jurídica se apresenta como um obstáculo a ocultar os verdadeiros sujeitos do ato fraudulentamente praticado em nome da sociedade, mas em proveito pessoal do sócio. (grifo nosso)

No mesmo toar, é a doutrina de COELHO (2009b, p. 53):

A teoria da desconsideração, como visto, tem pertinência apenas quando a responsabilidade não pode ser, em princípio, diretamente imputada ao sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica. Se a imputação pode ser direta, se a existência da pessoa jurídica não é obstáculo à responsabilização de quem quer que seja, não por que cogitar do superamento da autonomia. E quando alguém, na qualidade de sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica, provoca danos a terceiros, inclusive consumidores, em virtude de comportamento ilícito, responde pela indenização correspondente. Nesse caso, no entanto, estará respondendo por obrigação pessoal, decorrente do ilícito em que incorreu. Não há nenhuma dificuldade em estabelecer essa responsabilização, e a existência da pessoa jurídica não a obsta, de maneira alguma. A circunstância do ilícito ter sido efetivado no exercício da representação legal da pessoa jurídica, ou em função da qualidade de sócio ou controlador, em nada altera a responsabilidade daquele que, ilicitamente, causa danos a terceiros. Não há, portanto, desconsideração da pessoa jurídica na definição da responsabilidade de quem age com excesso de poder, infração da lei, violação dos estatutos ou do contrato social ou por qualquer outra modalidade de ilícito. (grifo nosso)

Portanto, quando a lei estabelece expressamente os casos de responsabilidade direta dos sócios e/ou administradores pelas obrigações da sociedade[24] não há que se falar em desconsideração da pessoa jurídica, pois, independentemente de sua autonomia patrimonial, é possível imputar àqueles diretamente a responsabilidade pela satisfação da obrigação social frustrada por consequência da irregularidade perpetrada.

Na III Jornada de Direito Civil[25], foi editado enunciado doutrinário que justamente reforça a desnecessidade da desconsideração da personalidade jurídica em hipótese de responsabilidade direta do sócio:

Enunciado nº 229 – Art. 1.080: A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta.

No tocante às dívidas tributárias e previdenciárias, também não haveria de se falar em desconsideração da personalidade jurídica quando se aplica o art. 135, III, do Código Tributário Nacional, pois esta norma também estabelece um modelo de responsabilização direta dirigida ao gestor(es) da sociedade (diretor, gerente ou representante), seja sócio ou não. E mais, não basta ser o gestor, pois a configuração da responsabilidade pessoal depende da verificação da ocorrência da prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei ou ao contrato ou estatuto social.

Isto significa dizer que o sócio que não administrou a sociedade (direta ou indiretamente) não terá responsabilidade no adimplemento do crédito tributário, pois a responsabilidade direta é do gestor[26]. Salvo, é claro, se o sócio praticou ilícito próprio previsto em outro dispositivo legal, como, por exemplo, o recebimento de lucros fictícios, conforme dispõe o art. 1009 do Código Civil.

Disto se deduz que a teoria da desconsideração somente terá aplicação caso a personalidade jurídica autônoma da sociedade empresária limitada sirva de obstáculo à responsabilização do sócio. Agora “se o ilícito, desde logo, pode ser identificado como ato de sócio ou administrador, não é caso de desconsideração.” (COELHO, 2009b, p. 45)

Apesar dessa diferença dogmática, a própria legislação extravagante, ao regulamentar a desconsideração da personalidade jurídica em microssistemas legais específicos, notadamente o Direito do Consumidor e o Direito Antitruste, inserem como hipóteses para a desconsideração da personalidade jurídica situações que dizem respeito à responsabilidade direta do administrador e/ou do sócio, embaralhando institutos inconfundíveis. No Código de Defesa do Consumidor, tais situações estão previstas no caput do art. 28, que dispõe:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (grifo nosso)

Com exceção do “abuso do direito” (base axiológica da teoria maior), da “falência” e do “estado de insolvência” (que tutelam o credor não negocial - base da axiológica da chamada teoria menor), as demais hipóteses dispensariam a desconsideração da personalidade jurídica, pois correspondem a situações em que já se poderia responsabilizar diretamente o administrador ou sócio.

O “excesso de poder”, a “infração da lei”, o “fato ou ato ilícito”, a “violação dos estatutos ou contrato social”, e a “inatividade provocada por má administração”, viabilizam a responsabilização direta do sócio ou do representante legal da sociedade por ato ilícito próprio, uma vez que o fato gerador da responsabilidade pode ser imputado imediatamente a quem incorreu na irregularidade (sócio ou administrador), não representando a personalidade jurídica obste para tal essa imputação.

Neste sentido, precisa é a explanação de OLIVEIRA (2006):

Em apertada síntese, para entender a polêmica, calha relembrar que o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu o cabimento da desconsideração, grosso modo, às hipóteses de ilicitude (art. 28, caput). As hipóteses indicadas, no entanto, sempre foram causa de responsabilidade pessoal de sócios e administradores, conforme regramento antigo previsto na lei societária. (grifo nosso)

Neste diapasão, é o entendimento de BERTOLDI e RIBEIRO (2009, p. 151):

A crítica que se faz ao supracitado art. 28 do CDC diz respeito às hipóteses ensejadoras do superamento da autonomia da pessoa jurídica. Se, por um lado, correta a referência legal quanto ao abuso de direito, que se corresponde com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, as alusões feitas ao excesso de poder, à infração da lei, ao fato ou ato ilícito ou à violação dos estatutos ou do contrato social, à falência, ao estado de insolvência e à má administração, por serem causas que permitem a responsabilização direta do administrador ou do sócio sem a necessidade da desconsideração da pessoa jurídica, não deveriam constar do texto legal, não se tratando de hipóteses de desconsideração da pessoa jurídica, mas sim de responsabilização direta do causador do eventual dano [exemplos da responsabilidade direta do administrador, sem o uso da despersonificação da pessoa jurídica: arts. 117 e 158, caput, da Lei das Sociedades Anônimas] (grifos nossos)

Os referidos doutrinadores afirmam que a “falência” e a “insolvência” seriam causas que permitiriam a responsabilização direta do administrador ou do sócio. Contudo, neste ponto, ousamos discordar, pois, em se tratando de sociedades limitadas, nem sempre ambas as situações ensejam tal responsabilização, apenas se atreladas à má gestão (por dolo ou culpa), atos contrários à lei ou que violem o contrato ou estatuto social, conforme previsão dos arts. 1011, 1016, 1017 e 1052 do Código Civil e dos arts. 1º, 117, 158 e 245 da Lei nº 6.404.

Ou seja, se não for imputado ato que implique em responsabilidade direta de sócios e/ou administradores, a falência e a insolvência em si, como hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica previstas no caput do art. 28 do CPC, têm como base axiológica a tutela de credores não negociais, o que as enquadram na teoria menor da desconsideração.

De todo modo, no que se refere às relações de consumo, com o entendimento majoritário de que o § 5º do art. 28 é hipótese autônoma para a desconsideração da personalidade jurídica pela teoria menor (para a qual basta mera insatisfação do crédito), resta inócua qualquer discussão sobre as situações do caput do art. 28, a não ser em favor do direito de regresso do sócio que não praticou qualquer irregularidade.

3.2. A NORMATIZAÇÃO DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO

No direito brasileiro, a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica foi construída a partir da norma emanada do § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.

Enquanto o caput do art. 28 elenca uma série de ilícitos em razão dos quais pode ser desconsiderada a personalidade jurídica para reparar danos decorrentes da relação de consumo, o seu § 5º adiciona que “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

Muitos doutrinadores de escol defendem que a norma do § 5° deve ser aplicada conjugadamente com algum dos ilícitos elencados do caput do art. 28 do CDC, rechaçando, portanto, a interpretação de que a simples existência de prejuízo patrimonial suportado pelo consumidor e não solvido pela sociedade seria suficiente para autorizar a desconsideração da pessoa jurídica.

Neste sentido, COELHO argumenta que tal interpretação isolada e literal do § 5° “contraria os fundamentos teóricos da desconsideração”, que “a simples insatisfação do credor não autoriza, por si só, a desconsideração, conforme assenta a doutrina na formulação maior da teoria”, porque “equivaleria à eliminação do instituto da pessoa jurídica no campo do direito do consumidor”, e, ainda, que “se tivesse sido esta a intenção da lei, a norma para operacionalizá-la poderia ser direta, sem apelo à teoria da desconsideração” (2009b, p.54).

Porém, a jurisprudência majoritária tem entendido que o § 5º do art. 28, deve ser interpretado de forma dissociada do seu caput, nascendo, daí, a formulação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica.

O leading case é o Recurso Especial nº 279.273/SP[27], que trata de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de uma sociedade anônima, de seis de seus administradores e de uma sociedade limitada coligada, visando o ressarcimento dos danos morais e patrimoniais sofridos pelas vítimas de grave acidente ocorrido no Osasco Plaza Shopping, em 11/06/1996[28].

Neste recurso a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria[29] capitaneada pelo voto-vista da Ministra NANCY ANDRIGHI, reconheceu a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica nos seguintes termos:

A teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quanto aos pressupostos de sua incidência, subdivide-se em duas categorias: teoria maior e teoria menor da desconsideração.

A teoria maior não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial. (...)

A teoria maior da desconsideração, seja a subjetiva, seja a objetiva, constitui a regra geral no sistema jurídico brasileiro, positivada no art. 50 do CC⁄02.

A teoria menor da desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior: para a incidência da desconsideração com base na teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

Para esta teoria, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios  e⁄ou  administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e⁄ou administradores da pessoa jurídica.

No ordenamento jurídico brasileiro, a teoria menor da desconsideração foi adotada excepcionalmente, por exemplo, no Direito Ambiental (Lei nº. 9605⁄98, art. 4º) e no Direito do Consumidor (CDC, art. 28, § 5º).

O referido dispositivo do CDC, quanto à sua aplicação, como bem ressaltado pelo i. Min. Relator, sugere uma "circunstância objetiva". Da exegese do § 5º deflui, expressamente, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica pela mera prova da insolvência da pessoa jurídica, fato este suficiente a causar "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

É certo que a doutrina pátria se divide dentre aqueles que aplaudem a inovação e aqueloutros que entendem que as razões do veto do § 1º do art. 28 do CDC deveriam ser destinadas ao § 5º, esse sim, sob a ótica de parte representativa de vozes autorizadas, sem razão de ser porque a desconsideração da pessoa jurídica está associada ao ilícito, ao desvirtuamento e abuso da forma social.

Existem argumentos também no sentido de que a topografia do § 5º do art. 28 significaria a dependência do seu preceito ao reconhecimento de “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”, e à novel disposição de “má administração” causadora de “falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica”.

Sem embargo das argutas preleções, fato é que o § 5º do art. 28 do CDC não guarda relação de dependência com o “caput” do seu artigo, o que, por si só, não gera incompatibilidade legal, constitucional ou com os postulados da ordem jurídica.

Não são válidos os argumentos de que as razões de veto deveriam ser dirigidas ao § 5º e de que não se conceberia sua existência autônoma dissociada do preceito veiculado no “caput” do art. 28 da Lei n. 8.078⁄90.

Essa linha de raciocínio é meramente acadêmica, e a lei, uma vez sancionada, ganha vigência e eficácia a partir de sua publicação, transcorrida a “vacatio legis”. A lei, aplicada com prudência, encontrará seus próprios limites por meio da atividade interpretativa dos Tribunais, não sendo aconselhável que se ceife a iniciativa legislativa de plano, iniciativa essa que conferiu novos contornos ao instituto da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

(...) A tese, ora acolhida, de que a teoria menor da desconsideração aplica-se às relações de consumo, está calcada, como dito, na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, isto é, afasta-se, aqui, a exegese que subordina a incidência do § 5º à demonstração dos requisitos previstos no caput do art. 28 do CDC.

E isto porque o caput do art. 28 do CDC acolhe a teoria maior subjetiva da desconsideração, enquanto que o § 5º do referido dispositivo acolhe a teoria menor da desconsideração, em especial se considerado for a expressão "Também poderá ser desconsiderada", o que representa, de forma inegável, a adoção de pressupostos autônomos à incidência da desconsideração. Ao acolher a teoria menor, dúvida não há em se considerar que o § 5º do art. 28 da Lei n. 8.078⁄90 ampara um novo capítulo no instituto do levantamento do véu da pessoa jurídica, o qual se coaduna com o princípio geral da Ordem Econômica, como positivado pela CF⁄88, que prevê a defesa do consumidor (CF, art. 170, inc. V). (...)

Verificado, portanto, o estado de insolvência e a incidência do CDC, deve ser acolhida a teoria menor da desconsideração, como prevista no § 5º do art. 28, independentemente de prova quanto à existência de conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e administradores indicados. (grifos nossos)

Observe-se que, apesar do caso concreto tratar da afetação de bens dos administradores, o voto-condutor firma o entendimento de que, ao invés dos consumidores, são os administradores “e/ou” sócios que devem assumir o risco empresarial das atividades da sociedade, ainda que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa destes.

Neste mesmo julgado também foi objeto de análise a mensagem do veto ao § 1º do art. 28 do CDC, dispositivo este que tinha a seguinte redação:

§ 1º A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários e, no caso de grupo societário, as sociedades que a integram.

Note-se que o dispositivo vetado somente tratava de restringir a imputação da responsabilidade aos sócios e acionistas controladores, majoritários e/ou administradores, afastando a possibilidade de se atingir o patrimônio de sócios ou acionistas minoritários e sem poderes de gestão.

Em seara desconexa, a mensagem do veto foi a seguinte:

O caput do art. 28 já contém todos os elementos necessários à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, que constitui, conforme doutrina amplamente dominante no direito pátrio e alienígena, técnica excepcional de repressão a práticas abusivas.

É flagrante a falta de correspondência lógica entre o dispositivo vetado e a razão de seu veto, o que leva parte da doutrina ao entendimento de que o veto do § 1º estava direcionado, na verdade, ao § 5º, conforme delineia Zelmo Denari, co-autor do anteprojeto do CDC:

De sua leitura se infere que, por um equívoco remissivo, o veto recaiu sobre o § 1º quando, de modo coerente deveria versar seu § 5º, que - com excessivo rigor e desprezando os pressupostos da fraude e do abuso de direito previstos no caput do art. 28 - desconsidera a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. De fato, não há referibilidade alguma entre as razões de veto e a disposição contida no parágrafo vetado, que se limita a indicar quais administradores deverão ser pessoalmente responsabilizados na hipótese de acolhimento da desconsideração. (GRINOVER, 2007, p. 248)

Contudo, esta tese, também alegada pela defesa, foi rechaçada no julgado supra, sob o argumento de que tal raciocínio é meramente acadêmico, uma vez que o § 5º, tendo sido sancionado, ganha vigência e eficácia a partir de sua publicação.

Denota-se, assim, a consagração da teoria menor, através da qual o juiz está autorizado a retirar o véu da personalidade jurídica, afetando o patrimônio de seus sócios ou acionistas, tomando por fundamento a mera insolvência do crédito, independentemente da existência de qualquer ilícito ou abuso.

Por seu turno, é de ressaltar que não só os créditos vinculados às relações de consumo que a teoria menor tem sido aplicada, mas também quando crédito não adimplido referir-se à indenização por danos ao meio ambiente e aos créditos trabalhistas.

Com relação aos valores ambientais, foi estabelecida norma expressa no art. 4º da Lei dos Crimes Ambientais, cujo texto é praticamente idêntico ao do § 5º do art. 28 do CDC.

Por seu turno, quanto aos créditos trabalhistas, a Justiça do Trabalho, por força do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, tem aplicado analogicamente o § 5º do artigo 28 do CDC. Neste sentido:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - MASSA FALIDA - POSSIBILIDADE - Aplicando-se de forma analógica o § 5º do artigo 28 do CDC, por força da autorização contida no artigo 8º da CLT, o Juiz do Trabalho pode perfeitamente desconsiderar a pessoa jurídica sempre que a sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos trabalhadores, tal como ocorre na espécie, em que a devedora principal se trata de massa falida.A matéria encontra-se pacificada no âmbito desta Seção Especializada, a ponto de as reiteradas decisões sobre a matéria resultarem na criação de verbete sumular (OJ. EX SE 28, VII, deste E. Regional).[30]

Destarte, no Direito do Consumidor, Trabalhista e Ambiental, percebe-se que está sendo aplicada a chamada “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica, para a qual a mera insolvência do crédito pela sociedade limitada ou anônima pode servir de único pressuposto para a afetação ilimitada do patrimônio dos seus sócios ou acionistas.

3.3 EFEITOS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

3.3.1 Efeitos para a sociedade

A desconsideração da pessoa jurídica é decretada pelo juiz com relação a determinado caso concreto, para o qual se deixa de aplicar o regime de separação patrimonial sem que esta decisão valha automaticamente para outras relações jurídicas estabelecidas pela sociedade.

Isto é, “a decisão judicial que desconsidera a personalidade jurídica não desfaz o seu ato constitutivo, não o invalida, nem importa a sua dissolução. Trata, apenas e rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato” (COELHO, 2009b, p. 42)

Não implica, portanto, no desfazimento da sociedade tão pouco em sua dissolução, ao revés, a existência, validade e eficácia do ato constitutivo da sociedade que lhe deu personalidade são preservadas para as demais relações jurídicas, podendo ela continuar a exercer autonomamente suas atividades.

3.3.2 Efeitos para os sócios e administradores

Cumpre, ainda, analisar se a desconsideração aplica-se de forma solidária e ilimitada para todos os sócios, tendo em vista que os dispositivos que normatizaram as teorias maior e menor não estabeleceram de forma expressa essa consequência.

Com relação à teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica – hipóteses do art. 50 do Código Civil, do caput do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 18 da Lei Antitruste – tendo em vista que a base axiológica é a coibição do abuso ou fraude, os efeitos da obrigação da sociedade só podem ser estendidos àqueles sócios e/ou administradores que concorreram para a prática do ato irregular sob o véu da pessoa jurídica.

E, ainda, “concentrando a perseguição ao pessoalmente responsável pelo ato prejudicial, abusivo e doloso, preserva-se a limitação da responsabilidade dos administradores e sócios inocentes e a própria personalização da sociedade”, conforme doutrina REQUIÃO (2010, p. 571).

Este entendimento doutrinário foi consagrado na I Jornada de Direito Civil[31]:

Enunciado nº 7 – Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido. (grifo nosso)

Nesta esteira, citam-se precedentes do Tribunal de Justiça do Estado Paraná:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA EM FASE DE EXECUÇÃO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA PESSOA DO SÓCIO ADMINISTRADOR - EXCLUSÃO DO SÓCIO MINORITÁRIO DO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO - SÓCIO SEM PODERES DE GERÊNCIA - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO A ATOS IRREGULARES SUPOSTAMENTE PRATICADOS PELO SÓCIO MINORITÁRIO - DECISÃO CORRETA - RECURSO DESPROVIDO.[32] (grifos nossos)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS A EXECUÇÃO. DECISÃO QUE DESCONSIDEROU A PERSONALIDADE JURÍDICA. FORMAL INCONFORMISMO. IMPOSSIBILIDADE DE ALCANCE DOS BENS DO SÓCIO MINORITÁRIO. AUSÊNCIA DE PODERES DE GERENCIA QUE INVIABILIZA A SUA RESPONSABILIDADE PESSOAL. LIMINAR CONFIRMADA. AGRAVO PROVIDO.

(...) Neste contexto, o simples fato do agravante não possuir poderes para gerenciar a pessoa jurídica é suficiente para afastar sua responsabilização, bem como sua inclusão no pólo passivo da presente demanda.Ademais, não há prova, nem certeza necessária de que o sócio- executado tenha concorrido para a prática de atos que possam caracterizar a ocorrência de algum dos requisitos do disposto no art. 50 do Código Civil e a aplicação do princípio da disregard.[33] (grifos nossos)

Por outro lado, com relação à teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica – hipóteses do § 5º art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 4º da Lei nº 9.605/98 – tendo em vista que a base axiológica é a tutela de credores não negociais, associada ao fundamento de que os riscos das atividades empresarias devem ser suportados pelos sócios e/ou administradores que a implementaram, em princípio, todos eles seriam ilimitada e solidariamente responsáveis - mesmo porque nesta teoria menor sequer cabe investigar se houve conduta ilícita e/ou quem são seus responsáveis.

Entretanto, esta solução torna-se draconiana nos casos de sócios ou acionistas que apenas prestaram o seu capital na qualidade de investidores minoritários, sem qualquer ingerência ou participação na administração dos negócios sociais e sem controle das deliberações da sociedade.

É a ausência de legislação a sistematizar um regime de responsabilidade ilimitada para satisfação de credores não negociais que propicia esta distorção que não pode ser ignorada pelo juiz ao efetuar a desconsideração da personalidade jurídica em determinado caso concreto.

Assim, a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica deve se dar sob a luz do princípio da razoabilidade, conformando o fim de tutela dos credores não negociais aos meios mais adequados para satisfação do respectivo crédito.

Mais razoável seria afetar os bens do sócio majoritário da sociedade quando a dívida social não fosse solvida perante o credor não negocial. Conforme leciona ASSIS (2008, p. 207):

(...), o provimento haverá de medir e pesar o fato típico que ensejará a extensão da responsabilidade patrimonial. Não é possível, ante a grandeza do privilégio do crédito (v.g., o crédito trabalhista), estender a responsabilidade a todo e qualquer sócio minoritário, que jamais interferiu ou comandou, à distancia ou por interposta pessoa, as operações sociais. (grifo nosso)

Nesta esteira, citam-se precedentes jurisprudenciais: 

(...) Desconsideração da personalidade jurídica. Sociedade limitada por quotas, "fechada" de fato. Elementos nos autos que autorizam o decreto de desconsideração. O "fechamento de fato" da sociedade empresária, com a cessação de suas atividades sem a correspondente baixa no registro do comércio, constitui atitude que pode permitir a aplicação da teoria da desconsideração. Age de forma lícita a sociedade empresária que faz a "baixa" regular de sua inscrição na Junta, cessando formalmente suas atividades; Alternativamente, se não tiver condições de efetuar tal "baixa" (v.g., por ter dívidas em aberto), deve valer-se do art. 105 da Lei 11.101/05, a Lei de Recuperação e Falências, e requerer sua auto-falência, na qual explicitará as causas de sua derrocada, salvaguardando assim o patrimônio pessoal de seus sócios quotistas, ao comprovar a inexistência de atos ilícitos, ao demonstrar que a falência foi apenas resultado do natural risco da atividade empresarial. Sócia minoritária participante com 1% do capital social.. Exclusão da penhora sobre os bens de tal sócia, eis que se trata de pessoa idosa, sem atividade empresarial e sem qualquer prova de que tenha participado de qualquer gestão empresarial. - Encerramento irregular da empresa. Ato ilícito - Responsabilidade do sócio gerente pela totalidade do débito exequendo, independentemente da proporção da participação no capital social, a teor do art. 1080 do Código Civil.. Embargos parcialmente acolhidos. Recurso parcialmente provido, v.u.[34]

(...) DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE. SÓCIO MINORITÁRIO. AUSÊNCIA DE PODERES DE GERÊNCIA. Em caso de desconsideração da personalidade jurídica e conseqüente direcionamento de dívida, assumida por essa, para seus sócios, o sócio amplamente minoritário (no caso, detendo 1% do valor do capital sócia) e sem poderes de gerência não pode responder com seu patrimônio particular. Apelo desprovido.[35]

(...) Em caso de despersonificação da pessoa jurídica e inclusão dos sócios no pólo passivo da demanda, o sócio minoritário sem poderes de gerência não pode responder com seu patrimônio particular. Atos de insolvabilidade da sociedade comercial que não pode ser imputado ao sócio minoritário, a fim de responder com bens particulares, quando não dispunha de poderes para tanto. Precedentes jurisprudenciais. (...).[36]

(...) O sócio minoritário com participação ínfima de apenas 1% do capital social da empresa, que nunca exerceu gerência administrativa ou financeira da sociedade, não deve responder com os seus bens particulares sobre dívidas da empresa, sobretudo se não há prova da utilização abusiva ou fraudulenta da distinção patrimonial. A execução ilimitada de bens particulares do sócio minoritário que nunca exerceu gerência administrativa ou financeira representa violência ao seu patrimônio e deve ser coibida, pois a teoria da desconsideração da pessoa jurídica destina-se a alcançar apenas os bens de gestores das sociedades. Agravo de Petição provido parcialmente. (...) [37]

Entretanto, há uma grande gama de entendimentos em sentido contrário:

(...) Mesmo alegando a pessoa física que era sócia minoritária da empresa executada por título judicial e que nunca exerceu atos de mando, gerência ou administração, pode responder com seu patrimônio pessoal em face da desconsideração da personalidade jurídica da empresa da qual também participava.[38]

EXECUÇÃO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - SÓCIO MINORITÁRIO - CABIMENTO. O empregador, no âmbito justrabalhista, é a empresa, ou seja, o empreendimento econômico organizado para a produção e circulação de bens e serviços (artigo 966 do CC), segundo dispõe o artigo 2º da CLT, consagrando, assim, o caráter impessoal da figura do empregador para fins de fixação de efeitos jurídicos pelo Direito do Trabalho. Aplicando-se de forma analógica o § 5º do artigo 28 do CDC, por força da autorização contida no artigo 8º da CLT, o Juiz do Trabalho pode perfeitamente desconsiderar a pessoa jurídica com o objetivo de avançar no patrimônio dos sócios, independentemente da condição que ostentem na sociedade. Dessa forma, ainda que possuam parcela inexpressiva do capital social, devem responder integralmente pela dívida. Precedentes. Agravos de instrumentos das partes conhecidos, sendo provido o do Exequente e considerado prejudicado o do Executado.[39] (grifo nosso)

Levando ao extremo este entendimento chegar-se-ia a distorções inadmissíveis, como, por exemplo, a responsabilização patrimonial de um pequeno acionista investidor de uma sociedade por ações de capital aberto. 

À míngua de um critério legal que, na sistemática da teoria menor, estabeleça os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica - considerando a diversidade entre sócios ou acionistas, distinguindo-os conforme sua atuação e participação na sociedade-, este estudo defende que deve ser aplicado o princípio da razoabilidade para afastar da regra da afetação os bens de sócios amplamente minoritários que não tenham participação na administração dos negócios sociais nem influência isolada nas deliberações da sociedade.


5. CONCLUSÕES

A sociedade empresária, como modalidade de pessoa jurídica, é o sujeito de direito personalizado, com patrimônio próprio distinto do patrimônio de seus sócios, e com o poder de autonomamente praticar negócios jurídicos compatíveis com o seu objeto social, desde que não vedados por lei.

A responsabilidade patrimonial é o efeito mais relevante da personalização da sociedade empresária, pois acarreta o rompimento da ligação entre o patrimônio dos sócios e o patrimônio destinado à sociedade.

Seja qual for o modelo de sociedade personificada, a responsabilidade dos sócios de uma sociedade personificada é sempre subsidiária por força artigo 1.024 do Código Civil e do artigo 596 do Código de Processo Civil, mas esta subsidiariedade pode ser limitada ou ilimitada. 

O critério da limitação da responsabilidade dos sócios diz respeito à possibilidade ou não deles responderem com seus próprios bens pelas dívidas da sociedade. Segundo o referido critério, os tipos societários classificam-se em: sociedade ilimitada, sociedade mista e sociedade limitada.

A sociedade limitada, em sentido amplo, estabelece um regime de limitação da responsabilidade dos sócios no mais elevado grau de autonomia patrimonial que o direito societário estabelece para as relações entre as sociedades e seus sócios.

Por este regime, os sócios e acionistas, tendo cumprido suas obrigações quanto à integralização do capital social, não respondem pelas obrigações contraídas pela sociedade.

Contudo, esta autonomia patrimonial, não é absoluta, sendo que a própria legislação assim como a jurisprudência elencam as hipóteses excepcionais nas quais não se aplica a regra da “limitação” da responsabilidade. Dentre estas exceções encontram-se as teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica.

A doutrina clássica da desconsideração da personalidade jurídica foi concebida com objetivo de coibir a fraude e o abuso da pessoa jurídica, autorizando, nestes casos, a episódica ineficácia de sua autonomia patrimonial a fim de atingir o patrimônio particular dos sócios.

No Brasil, esta concepção foi adequadamente normatizada no art. 50 do Código Civil, sendo que a superação da autonomia patrimonial, com base neste dispositivo, é atualmente denominada, pela doutrina e jurisprudência, de teoria “maior” da desconsideração da personalidade jurídica.

O presente estudo defende que o referido dispositivo estabeleceu dois pressupostos objetivos de aferição do abuso da personalidade jurídica, a saber: a confusão patrimonial; e o desvio de finalidade.

Inadequado foi o tratamento legislativo dado à responsabilidade ilimitada perante credores não negociais. Isto porque, para protegê-los, quando a sociedade não tenha patrimônio suficiente para solver tais créditos, o legislador simplesmente sacou da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, inserindo-a, de forma deturpada, no § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 4º da Lei dos Crimes Ambientais.

A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica nunca teve como base axiológica a tutela de credores não negociais. Portanto, para tratar destes créditos o adequado seria alterar diretamente o próprio regime de limitação da sociedade limitada, desmascarando claramente quais são as exceções à limitação de responsabilidade dos sócios e mais, diferenciando a responsabilidade dos sócios que interferem na gestão da empresa – que responderiam solidária e ilimitadamente – da dos sócios investidores minoritários, que apenas prestam o capital, sem poder de controle e sem participar, nem indiretamente, da administração dos negócios sociais – os quais manteriam a responsabilidade limitada. 

Desta anomalia legislativa surgiu a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, para a qual basta a não satisfação do crédito pela sociedade limitada para que se redirecione a cobrança sobre o patrimônio dos administradores e dos sócios. Esta teoria tem sido respaldada pela jurisprudência majoritária quanto aos créditos decorrentes das normas previstas no Direito do Consumidor, Trabalhista e Ambiental.

Assim, atualmente o direito brasileiro contempla duas teorias fundamentalmente distintas para a desconsideração da personalidade jurídica. De um lado há a “teoria maior” da desconsideração da personalidade jurídica, cuja base axiológica é a coibição da utilização ilícita da personalidade, notadamente pelo abuso e pela fraude. De outro lado, há a “teoria menor”, cuja base axiológica é a tutela de credores não negociais.

Quanto aos efeitos da desconsideração para os sócios, na teoria maior – hipóteses do art. 50 do Código Civil, do caput do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 18 da Lei Antitruste – tendo em vista que a base axiológica é a coibição de ilícitos, só podem ser responsabilizados os sócios e/ou administradores que concorreram para a prática do ato irregular configurador de abuso ou fraude.

Por outro lado, com relação à teoria menor – hipóteses do § 5º art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e do art. 4º da Lei nº 9.605/98 – tendo em vista que a base axiológica é a tutela de credores não negociais, associada ao fundamento de que os riscos das atividades empresarias devem ser suportados pelos sócios e/ou administradores que a implementaram, em princípio, todos eles seriam ilimitada e solidariamente responsáveis.

Contudo, esta solução torna-se draconiana nos casos de sócios ou acionistas que apenas prestam seu capital na qualidade de investidores minoritários, sem qualquer ingerência ou participação na administração dos negócios sociais e sem controle das deliberações da sociedade.

À míngua de um critério legal que, na sistemática da teoria menor, estabeleça os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica - considerando a diversidade entre sócios ou acionistas, distinguindo-os conforme sua atuação e participação na sociedade-, este estudo defende que deve ser aplicado o princípio da razoabilidade para afastar a regra da afetação aos bens de sócios minoritários que não tenham participação na administração dos negócios sociais nem influência isolada nas deliberações da sociedade.


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Notas

[1] Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

[2] Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.

[3] Previsto no art. 2º da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC): “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”

[4] Previsto no parágrafo único do art. 2º, no art. 17 e no art. 29 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 2° (...). Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.” “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” “Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

[5] Art. 28 (...)

§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[6] REsp 693.235/MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2009, DJe 30/11/2009.

[7] REsp 1098712/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 17/06/2010, DJe 04/08/2010.

[8] REsp 1200850/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 04/11/2010, DJe 22/11/2010.

[9] REsp 970.635/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/11/2009, DJe 01/12/2009.

[10] REsp 1267232/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 01/09/2011, DJe 08/09/2011.

[11] REsp 279273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230.

[12] REsp 86.502/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado De Aguiar, Quarta Turma, julgado em 21/05/1996, DJ 26/08/1996, p. 29693

[13] REsp 211.619/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2001, DJ 23/04/2001, p. 160

[14] REsp 744.107/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 20/05/2008, DJe 12/08/2008

[15]  Apresentado pelo Deputado Federal Vicente Cândido, sendo que o anteprojeto foi elaborado pelo Professor Fábio Ulhoa Coelho.

[16] Neste sentido cita-se precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: (...) "O fato de a empresa estar falida não significa que ocorreu a sua dissolução de forma irregular, de modo a autorizar a desconsideração da personalidade jurídica. (...) (16ª C.Cível - AI 827721-4 - Rel.: Shiroshi Yendo - Unânime - J. 21.03.2012) (grifo nosso)

[17] EDcl no REsp 656.071/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2009, DJe 15/06/2009

[18] AgRg no Ag 668.190/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 13/9/2011, DJe 16/9/2011

[19] REsp 1169175/DF, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, julgado em 17/02/2011, DJe 4/4/2011

[20] AgRg no Ag 867798/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 21/10/2010, DJe 03/11/2010

[21] Observe-se que neste julgado - proferido em demanda que envolve crédito privado - aplicou a Súmula nº 435 do STJ. Com efeito, inobstante esta súmula tratar de execução fiscal, conclui-se que a presunção de dissolução irregular pelo fato da sociedade não funcionar em seu domicílio pode ser utilizada na cobrança de qualquer tipo crédito.

[22] REsp 876974/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 9/8/2007, DJ 27/8/2007.

[23]REsp 1098712/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr, 4ª Turma, julgado em 17/6/2010, DJe 04/8/2010

[24] A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios, atos de administração e deliberação dos sócios contrários ao ato constitutivo ou à lei, excesso de poderes, má gestão, etc.

[25] Realizada em Brasília pelo Conselho da Justiça Federal - CJF e pelo Centro de Estudos Jurídicos do CJF em dezembro de 2004, sob a Coordenação Geral do Ministro Ari Pargendler.

[26] Neste sentido, cita-se trecho de julgado do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF): “(...).A referência ao responsável enquanto terceiro (dritter Persone, terzo ou tercero) evidencia que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O “terceiro” só pode ser chamado responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres próprios de colaboração para com a Administração Tributária, estabelecidos, ainda que a contrario sensu, na regra matriz de responsabilidade tributária, e desde que tenha contribuído para a situação de inadimplemento pelo contribuinte. 5. O art. 135, III, do CTN responsabiliza apenas aqueles que estejam na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e tão-somente quando pratiquem atos com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos. Desse modo, apenas o sócio com poderes de gestão ou representação da sociedade é que pode ser responsabilizado, o que resguarda a pessoalidade entre o ilícito (mal gestão ou representação) e a conseqüência de ter de responder pelo tributo devido pela sociedade. (...). Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao art. 146, III, da CF. (...)” (RE 562276, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, repercussão geral - DJE-027 public 10-02-2011) grifo nosso.

No mesmo sentido é Súmula nº 430 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):  “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” (PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 13/05/2010, REPDJe 20/05/2010)

[27]  REsp 279.273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230

[28] Eplosão por acúmulo de gás em espaço livre entre o piso e o solo, acarretando a danificação de mais de 40 lojas e locais de circulação, resultando em 40 mortos e mais de 300 feridos.

[29] Restaram vencidos o Relator original, Ministro Ari Pargendler, e o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, os quais entenderam que os seis sócios administradores deveriam ser excluídos da responsabilidade porque "o art. 28, § 5 da Lei n. 8.078, de 1990, só responsabiliza os administradores de pessoas jurídicas nos exatos limites do caput" e de que ele não representaria "nova hipótese ensejadora da desconsideração".

[30] TRT-PR-16306-2005-011-09-00-5-ACO-49452-2011 - Seção Especializada Relator: LUIZ CELSO NAPP. Publicado no DEJT em 02-12-2011

[31] Realizada em Brasília pelo Conselho da Justiça Federal - CJF e pelo Centro de Estudos Jurídicos do CJF em setembro de 2002, sob a Coordenação Científica do Ministro Rui Rosado.

[32] TJPR - 12ª C.Cível - AI 0598431-4 - Rel.: Des. Clayton Camargo - Unânime - J. 18.11.2009

[33] TJPR - 13ª C.Cível - AI 797713-1 - -  Rel.: Rosana Andriguetto de Carvalho - Unânime - J. 28.09.2011

[34] TJSP. Ap 992.07.000056-4. São Paulo. 35ª CDPriv. Rel. Manoel Justino Bezerra Filho – DJe 03.11.2010.

[35] TJRS. Apelação Cível Nº 70029078078, Décima Sexta Câmara Cível, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 30/04/2009

[36] Agravo de Instrumento Nº 70024450553, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 10/09/2008

[37] TRT 15ª R. – AP 0158-2003-125-15-00-3 – (49105/06) – 5ª C. – Rel. p/o Ac. Juiz Lorival Ferreira dos Santos – DOESP 20.10.2006 – p. 60

[38] TJPR - 9ª C.Cível - AC 170938-2 - Rel.: Cunha Ribas - J. 17.04.2006

[39] TRT-PR-09059-2004-651-09-00-8-ACO-10896-2010 - SEÇÃO ESPECIALIZADA Relator: LUIZ CELSO NAPP Publicado no DJPR em 16-04-2010


Autor

  • Ana Carolina Dihl Cavalin

    Ana Carolina Dihl Cavalin

    Consultora jurídica empresarial e advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Especialista em Direito Público (IBEJ/ICS-PR) e em Direito Aplicado (EMAP-PR). Lecionou/leciona Direito Comercial, Direito do Consumidor e Direito Contratual da Universidade Positivo, Direito Empresarial na FANEESP/Inesul e Legislação Comercial e Direito do Consumidor na Associação de Ensino Jerônimo Gomes de Medeiros (OPET). Orientadora de TCC no Instituto Federal do Paraná (IFPR).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALIN, Ana Carolina Dihl. Desconsideração da personalidade jurídica na sociedade empresária limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3507, 6 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23664. Acesso em: 23 abr. 2024.