Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/24227
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A Lei Complementar nº 135/2010 no contexto nacional brasileiro

A Lei Complementar nº 135/2010 no contexto nacional brasileiro

Publicado em . Elaborado em .

Sob as lentes do neoconstitucionalismo e do neopositivismo, a moral e o Direito não podem ser dissociados, razão pela qual a LC nº 135/2010 é mais um ponto de intersecção entre eles: o que se recomenda moralmente passa a ser exigido juridicamente.

Resumo: Este artigo tem por finalidade desenvolver um estudo mais elaborado sobre os direitos políticos passivos, ou negativos, que se apresentam como cláusulas de inelegibilidade estabelecidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, tendo sido estendidos pela reforma da Lei Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010. O trabalho destina-se, neste padrão, a esforçar-se no sentido de tornar mais claros os objetivos que levaram o legislador a ampliar as inelegibilidades, sob um fundo moral, erigido pela cobrança social. Nesse compasso, a pesquisa empreendida também objetivou apresentar como tal empreitada normativa passou pelo controle de constitucionalidade, feito em abstrato, no Supremo Tribunal Federal, por meio deanálises dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da matéria proposta e suas implicações no mundo político. Para que a pesquisa atingisse o êxito esperado, a metodologia de trabalho utilizada foi a de reunião bibliográfica, consistente na análise e exibição do pensamento de vários autores que escreveram sobre o tema escolhido. Com a análise de todo o material recolhido, foi possível aclarar a imagem que a LC nº 135/2010 trouxe à República, asseverando a moralidade no Poder Público.

Palavras-chave:Direito Constitucional, Direito Público, Direito Eleitoral, Inelegibilidade, Moralidade.


Introdução

O presente trabalho tem como objetivo geral a análise da Lei Complementar (LC) nº 135 de 04 de junho de 2010 face à Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Tal diploma infraconstitucional acresceu cláusulas de inelegibilidade ao Ordenamento Jurídico brasileiro, alterando a LC nº 64 de 18 de maio de 1990, e, tais modificações, foram objeto de intensa polêmica na doutrina e jurisprudência brasileira. Neste sentido, especificamente, esta pesquisa cuida de analisar a origem e os desideratos da referida norma; os princípios constitucionais aparentemente controvertidos na mesma; e, por fim, formula um painel reflexivo acerca do Direito, da ética, da moral e do comportamento do brasileiro face aos comandos normativos eleitorais.

A realização deste artigo vale-se da utilização do método compilativo, pinçando tanto os estudos teóricos quanto as leis e as normas em sentido amplo, bem como a fundamentação jurisprudencial que foi construída no debate problematizado por este tema.

Perquirir por que razões e com quais justificativas tanto a Suprema Corte do Brasil quanto o Tribunal Superior Eleitoral assentou à constitucionalidade as disposições da LC nº 135/2010; Investigar o surgimento deste mesmo objeto nomológico; Examinar que objetivos teria e se há real possibilidade de efetivar tais anseios do espírito da norma em tela; Discutir a cultura e a conduta valorativa do povo brasileiro em confronto com a positivação de cláusulas negativas de direitos políticos passivos; dentre outras abordagens, são imbricações que justificam e motivam a linha de trabalho deste Artigo Científico que, honesta e humildemente, espera contribuir com a academia e com a sociedade.


Origem e intenções

Em caráter vestibular, é importante que se registre que falar sobre a origem é dizer de onde vem, é buscar o surgimento, a fonte, as características embrionárias da gênese, do início, do começo de qualquer ideia.

Neste sentido, com o auxílio da etimologia, observa-se que a palavra candidatura deriva de candidato que, por sua vez, do latim,candidus, implica embranco/brancura. Deocleciano Torrieri Guimarães explica que os candidatos da Roma Antiga se apresentavam publicamente às pessoas, vestidos somente de toga branca, com o fito de não levantar a suspeita de trazer dinheiro sob ela para corromper o povo, comprando-lhe votos ou subornando apoio para a condução da República(2007, p. 144).

Não apenas no aspecto estrito da palavra candidatura, mas buscando seus liames semântico e axiológico, vale ressaltar as anotações do professor Paulo Bonavides, em sua clássica obra Ciência Política, sobre a origem da democracia na Grécia Antiga, valor fundamental e objetivo da lei em estudo:

[...] os gregos consideravam democracia aquelas formas de governo que garantissem a todos os cidadãos a isonomia, a isotimia e a isagoria, e fizessem da liberdade e da sua observância a base sobre a qual repousava toda a sociedade política. [...] a isonomia [...] proclamava o gênio político da Grécia a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de grau, classe ou riqueza. Dispensava a ordem jurídica aí o mesmo tratamento a todos os cidadãos, conferindo-lhes iguais direitos, punindo-os sem foro privilegiado. [...] a isotimia abolia a organização democrática da Grécia os títulos ou funções hereditárias, abrindo a todos os cidadãos o livre acesso ao exercício das funções públicas, sem mais distinção ou requisito que o merecimento, a honradez e a confiança depositada no administrador pelos cidadãos. [...] isagoria trata-se do direito de palavra, da igualdade reconhecida a todos de falar nas assembleias populares, de debater publicamente os negócios do governo [...]. Com a isagoria, exercício da palavra livre no largo recinto cívico que era o Ágora, a democracia regia a sociedade grega, inspirada já na soberania do governo de opinião. [...] (2010, p. 291, grifos do autor).

Sobre tal legado grego, Carlos Sanchez Viamonte cita as palavras dePéricles quando comunicou aos heróis da Guerra do Peloponeso o culto da imortalidade e o sentimento póstumo da Pátria agradecida:

Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a república outorga honrarias o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios. Nossa cidade se acha aberta a todos os homens. Nenhuma lei proíbe nela a entrada aos estrangeiros, nem os priva de nossas instituições, nem de nossos espetáculos; nada há em Atenas oculto e permite-se a todos que vejam e aprendam nela o que bem quiserem, sem esconder-lhes sequer aquelas coisas, cujo conhecimento possa ser de proveito para os nossos inimigos, porquanto confiamos para vencer, não em preparativos misteriosos, nem em ardis e estratagemas, senão em nosso valor e em nossa inteligência. (1959, p. 186).

Ora, esse grupo social que há milênios fundou talares inescusáveis da democracia ocidental, já primava por um comportamento ético distinto e lídimo de seus governantes, a fim de que esses passassem mais do que efetividade à moralidade pública: exemplo e segurança aos cidadãos - quer estrangeiros ou não, reafirmando e asseverando a transparência, a publicidade e a honestidade. Nesse sentido votou o ministro relator Luiz Fux, no julgamento das conexas AçõesDiretas de Constitucionalidade (ADC) nº 29, nº 30, e Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578: “[...] o princípio da segurança jurídica é compreendido na sua vertente subjetiva de proteção das expectativas legítimas” (2012, online, grifo nosso). Sucede que estas expectativas referem-se aquelas que a coletividade tem em relação ao Poder Público.E, não fosse o bastante, o douto magistrado citou SorenSchonberg, para definir as implicações jurídicas do que se entende por expectativas:

[...] Uma expectativa é razoável quando uma pessoa razoável, agindo com diligência, a teria em circunstâncias relevantes. Uma expectativa é legítima quando o sistema jurídico reconhece a sua razoabilidade e lhe atribui consequências jurídicas processuais, substantivas ou compensatórias. (2012, online).

São estas expectativas legítimas, ou ainda, legitimadoras de poder que reforçam o princípio democrático erigido pela célebre frase de Abraham Lincoln: “um governo do povo, pelo povo e para o povo”.Sobre esta máxima, o professor José Joaquim Gomes Canotilho aponta que “Ainda hoje se considera esta formulação como a síntese mais lapidar dos momentos fundamentais do princípio democrático [...] um modo de justificação positiva da democracia” (2002, p. 285). Portanto, percebe-se que a LC nº 135/2010 tem o seu surgimento aventado pelo que seja a própria democracia e pelo espírito republicano. Entretanto, ainda sobre tal elemento democrático, o magistério lusitano do constitucionalistaJosé Joaquim GomesCanotilho cita também a fórmula de Popper: “A democracia nunca foi a soberania do povo, não o pode ser, não o deve ser” (2002, p. 289) justamente para cunhar a justificação negativa, ou seja, os mecanismos de limitação prática do poder que objetiva, sobretudo, proteger instituições políticas das tentações da tirania, garantindo não apenas as diferenças e as divergências, como também salvaguardando as minorias.

Adiante com a mesma análise da gênese da lei em estudo, por subsistir uma situação caótica e tangente à tirania da corrupção, o querompia com as expectativassócio-constitucionais de moralidade e segurança, é quedisparou-se, no final do século XX, na Itália, um marco estatal que ficou conhecido por OperazioneManiPulite, ou melhor dizendo, Operação Mãos Limpas.

[...] A independência judiciária, interna e externa, a progressiva deslegitimação de um sistema político corrupto e a maior legitimação da magistratura em relação aos políticos profissionais foram, portanto, as condições que tornaram possível o círculo virtuoso gerado pela operação manipulite. [...] (MORO, 2012, online).

Segundo o professor Sérgio Moro, em apenas dois anos - 1992 a 1994 -,foram expedidos 2993 mandados de prisão; 6059 pessoas estiveram sob investigação, dos quais, 872 empresários, 1978 administradores locais, 438 parlamentares, incluindo quatro ex-primeiros-ministros:

[...] A ação judiciária revelou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todo contrato público, o que levou à utilização da expressão ‘Tangentopoli’ ou ‘Bribesville’ (o equivalente à ‘cidade da propina’) para designar a situação. [...] (2012,online, grifos do autor).

A Operação Mãos Limpas veio à tona com a queda do muro de Berlim e o inevitável fechamento e enfraquecimento do que o historiador Eric Hobsbawm chamou de A Era dos Extremos - porque foi o tempo em que se levava as ideologias até as últimas consequências e, ao final do século XX, a humanidade já havia visto e experimentado quase tudo, estafada, cansada, sugada pelos extremismos e sectarismos não tão distantes: “[...] sem dúvida, houve momentos em que talvez fosse de esperar-se que o deus ou os deuses que os humanos pios acreditavam ter criado o mundo e tudo o que nele existe estivessem arrependidos de havê-lo feito.” (HOBSBAWM, 2012, online). Também adveio, tal emblemática operação, com a abertura do mercado nacional italiano à nova ordem mundial que se perfazia pelo bloco econômico da União Europeia, o que descentralizava o poder do governo local, maximizando a força da iniciativa privada e intensificando o fenômeno do globalismo e do neoliberalismo, com a flexibilização das fronteiras econômicas:

[...] a integração européia, que abriu os mercados italianos a empresas de outros países europeus, elevando os receios de que os italianos não poderiam, com os custos da corrupção, competir em igualdade de condições com seus novos concorrentes; [...] (MORO, 2012, online).

Tendo sido inspiradora para um país em situação congênere a que passou a Itália, a Operação Mãos Limpas batizou a LC nº 135/2010, por sua vez, popularmente conhecida como “Lei Ficha Limpa”. O promotor de justiça de Minas Gerais Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira delimita que a referida lei teve enorme repercussão social, além de “[...] conteúdo moralizador e profilático. [...]” (2013, online). Para Josevando Souza Andrade, magistrado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que publicou nos Estudos Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral, a lei em comento fortaleceu o Estado Democrático de Direito, na medida em que trouxe “reflexões no âmbito social,político e técnico” (2012, online). E, nesta linha, segundo o magistério do professor Noberto Bobbio, “a democracia é o regime que, dialética e respeitosamente, admite o seu contrário” (1987, p. 135). Isto porque se, como visto, a democracia é a base, o pano de fundo da LC nº 135/2010, ao mesmo tempo, há autores que entendem ser a mesma norma altamente antidemocrática e, portanto, tirana, ditatorial. Estes enunciados trazidos pela leidesembocam incontáveis choques, sobretudo quando tocam na delicadeza da moralidade jurídica, que para ChaimPerelman pode consistir em fundamentar o juízo moral nos princípios morais ou, noutro giro, fundamentar os princípios no juízo moral (1996, p. 288). E a problemática se dá pelo fato de que tal perspectiva fundadora, não pode significar algo subjetivo, vinculado às predileções de qualquer intérprete. Deve depender de uma base axiológica sob a qual assenta-se o Estado e suas opções engendradas na respectiva Constituição.

Impulsionado por esse fundo moralizante e revolucionário, no tocante à preponderância da vida pregressa de candidatos, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) recolheu mais de quatro(4) milhões de assinaturas em todo o Brasil, para abrir o Processo Legislativo por iniciativa popular –que, para tanto, bastariam um milhão e trezentas mil assinaturas –, logicamente, na Câmara dos Deputados. O Parlamento brasileiro, por sua vez, preocupado com a pressão social e as eleições à época tão próximas de serem realizadas, aprovou por unanimidade o referido projeto de Lei Complementar(2013, online), por razões óbvias: o teor apelativo, exortador, simbólico, promocional e moralizante da lei em estudo.

Logo, como observado, as origens da LC nº 135/2010 se resumem às mesmas contidas no mote da democracia e da república, intencionando moralizar, transparecer e cuidando de limpar, lavar, refazer o repertório do Poder Público exercido pela classe política eleita diretamente pelo voto do povo.


Identificação dos princípios constitucionais aparentemente controvertidos no objeto

Antes de adentrar perfunctoriamente nos princípios invocados na tentativa de obstar a presunção de constitucionalidade da LC nº 135/2010, é preciso relembrar as elucubrações de Ferdinand Lassalle de 1863, quando apresentou o trabalho “O Que É Uma Constituição?”.O referido autordefendeu que a Constituição apresenta um caráter eminentemente sociológico que encontra suporte no que denominou de “fatores reais de poder” (2012, online). “[...] Para Lassalle, eles designariam a força ativa de todas as leis da sociedade. Logo, uma constituição que não correspondesse a tais fatores reais não passaria de simples folha de papel [...]” (BULOS, 2011, p. 103, grifos do autor). Nesta guisa, Ferdinand Lassalle assevera que a Constituição está afinada às raízes fincadas nos fatores de poder predominantes no país.

No caso dos confrontos quanto à constitucionalidade da LC nº 135/2010, perceber-se-á, então, quais os fatores de poder predominam no Brasil. Com toda a licença, isso provoca, sobremaneira, os mais distintos discursos ideológicos estratégicos muito bem dirigidos que, agarrados a um positivismo exacerbado, se interessam pelas ruínas dos direitos políticos negativos calhados em 2010, e pelo reinado das possibilidades de legitimação espalhafatosas para com os axiomas do Estado Constitucional Democrático de Direito. Neste sentido, Konrad Hesse percebeu que as constituições, dentro de uma dinâmica de um determinado momento histórico e um estrito contexto político social datados de suas promulgações ou, simplesmente, criações, estariam limitadas, presas, relacionadas a este período. E, comentando a obra de Konrad Hesse, o professor UadiLammêgoBulos destaca:

[...] Daí o conteúdo vago e indeterminado de seus preceitos. Mas isso não significa que elas se esfalecem perante a dinâmica da vida, já que equivalem a uma ordem material e aberta.

Essas idéias, hauridas do espírito arguto de Konrad Hesse, granjearam notório respeito entre os nomes mais expressivos da juspublicística mundial.

E faz sentido, pois é indubitável que a função de um texto constitucional escrito é racionalizar, estabilizar e garantir o exercício das liberdades, ao mesmo tempo queerige critérios para limitar as mazelas do processo político.

Disso exsurge a força normativa da constituição que, ao atuar diretamente na realidade histórica, pretende atribuir ao texto supremo efetividade ou eficácia social. (2011, p. 109, grifo nosso).

Bem por isso, a lei vem fechar o conceito na hipótese e no consequente, dando sentido ao texto, conforme os fatores reais de poder e engendrando critérios para limitar as mazelas do processo político.

O conceito de princípios é muito bem descrito por Celso Antônio Bandeira de Melo:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. [...] (2012, p. 545-546).

Por óbvio, os princípios constitucionais aparentemente controvertidos no objeto nomológico em comento tem mera aparência de contradição, pois devem ser interpretados conforme o princípio da unidade da Constituição, de modo a resguardar a Carta Maior e seus valores, a partir de técnicas de interpretação que sopesem e dirimam os conflitos levantados. E é claro que a Teoria Geral do Direito tem passado por intensas modificações nos últimos 50 anos, e uma destas é a ampliação da natureza jurídica dos princípios. Daniel Sarmento fala em reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito (2013, online). De modo que, se antes os princípios importavam apenas como complemento à lacuna sistêmica jurídica, hoje, na verdade, compõe verdadeira norma propriamente dita.

Neste coro, para o professor LênioStreck, é bem verdade que os princípios, depois de Jürgen Habermas eÉmile Durkheim, tornaram-se normas. Mas, isso não implica dizer que perderam seu caráter deontológico (ciência do dever ser). O referido doutrinador aponta uma crise hermenêutica no Sistema brasileiro, vez que os hermeneutasatuais do Brasilvem fazendo verdadeiros “[...] standards jurídicos, construídos de forma voluntarista por juristas descomprometidos, em sua maioria, com a deontologia do direito (lembremos: princípios são deontológicos e não teleológicos!). [...]” (2012, online, grifo do autor). É bem por isso que este trabalho se ocupará de analisar tão somente os princípios apreciados pela Suprema Corte quando da discussão da (in)constitucionalidade da LC nº 135/2010, não se estendendoàs tantas criações inesgotáveis da doutrina e da jurisprudência afetas à nova produção da principiologia jurídica brasileira.

NasADCs nº 29 e nº 30, ADI nº 4578, bem como nos Recursos Extraordinários (RE) com matéria similar, por exemplo os mais repercutidos: RE 630.146/DF, caso Joaquim Roriz; e, RE nº 631.102/PA, caso Jader Barbalho, os postulantes arguiram pela inconstitucionalidade da LC nº 135/2010, elencando uma possível ofensa aos princípios: (i)do devido processo legislativo (inconstitucionalidade formal por ofensa à bicameralidade legislativa); (ii) da irretroatividade das leis; (iii) da intangibilidade do ato jurídico perfeito; (iv) da imutabilidade da coisa julgada; (v) da proporcionalidade; (vi) da razoabilidade; (vii) da soberania popular; (viii) da segurança jurídica; (ix) da anualidade eleitoral; (x) do devido processo legal; (xi) da presunção de inocência (MORO, 2011, online).

Com relação ao princípio do devido processo legislativo, tem-se que o mesmo certifica que as regras de elaboração da lei devem ser sempre observadas, sob pena de ilegalidade ou inconstitucionalidade formal. No ponto, o devido processo legislativo desenvolve a bicameralidade no Processo Legislativo do Congresso Nacional, explicada nas palavras do professor Alexandre de Morais:

[...] O poder Legislativo Federal é bicameral e exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos deputados e do Senado Federal, diferentemente dos estaduais, distritais e municipais, onde é consagrado o unicameralismo (CF, arts. 27, 29 e 32).

O bicameralismo do Legislativo Federal está intimamente ligado à escolha pelo legislador constituinte da forma federativa de Estado, pois no Senado Federal encontram-se, de forma paritária, representantes de todos os Estados-membros e do Distrito Federal, consagrando o equilíbrio entre as partes contratantes da Federação. [...] (2011, p. 430-431).

Dessa forma, os projetos de Lei Complementar que iniciados na Câmara dos Deputados, necessariamente, porque tem iniciativa exógena ao Congresso Nacional, são revisados pelo Senado Federal. Tal estrutura revisional também é aplicada às emendas parlamentares a qualquer projeto de lei, exceto aquelas cujo teor seja meramente redacional. Estas disposições coadunam-se à dicção dos artigos 134 e 135 do Regimento Comum do Congresso Nacional, Resolução nº 1 de 11 de agosto de 1970, abaixo transcritos:

Art. 134. O projeto de lei, aprovado em uma das Casas do CongressoNacional, será enviado à outra Casa, em autógrafos assinados pelo respectivoPresidente.

Parágrafo único. O projeto terá uma ementa e será acompanhado de cópia ou publicação de todos os documentos, votos e discursos que o instruíram em sua tramitação.

Art. 135. A retificação de incorreções de linguagem, feita pela Câmararevisora, desde que não altere o sentido da proposição, não constituiemenda que exija sua volta à Câmara iniciadora.

Sobre tal princípio do bicameralismo, no caso da Lei Complementar nº 135/2010, obviamente, antes de sancionada, houve uma considerável polêmica quando no projeto, pela Casa Revisora, o Senador Francisco Dornelles (PP-RJ) apresentou emenda alterando os tempos verbais da propositura legal em cinco distintas situações. Em todas elas, alterou-se as expressões “tenham sido condenados” pela frase “que forem condenados”, nasalíneas “e”, “h”, “j”, “l” e “n” do art. 1º da LC nº 64/1990. Em verdade, seriam Emendas meramente redacionais, entretanto, as alegações de inconstitucionalidade aduziram que houve ofensa ao sentido da proposição, alterando os efeitos da Lei, que, pelas novas conjugações verbais, deveriam ser considerados retroativos. Conseguintemente, se houve alteração no sentido do texto-lei, o mesmo deveria ser submetido, mais uma vez, à Câmara dos Deputados, casa originária, sob pena de violação ao devido processo legislativo, o que acarretaria a inconstitucionalidade formal à LC nº 135/2010. No ponto, sobre este imbróglio, prevaleceu o cauteloso e pormenorizado voto do ministro Ricardo Lewandovski que, no RE nº 630.147 esclareceu:

Para descobrir o sentido e o alcance dessaemenda de redação, é preciso fazer uma reflexão a respeitoda técnica hermenêutica, pois não existe norma em si mesmaconsiderada, senão aquela que é interpretada pelo aplicadordo Direito.

O primeiro método de interpretação para compreender-se o significado de uma norma jurídica é ogramatical ou filológico. Nessa perspectiva, ao examinar aquestão sob exame, Carlos Vogt, eminente Professor Titularde Linguística, área de semântica, da Universidade Estadualde Campinas – UNICAMP, concluiu o seguinte: “[...] ‘os que forem condenados’ éum enunciado de compreensão e não de extensão.Define, pelo predicado que enuncia, o universocompreensivo dos que nele se incluem pela qualidade de ‘ser condenado’, demaneira conceitual e, nesse sentido,intemporal.Não é um enunciado descritivo, isto é, não inclui por enumeração, no conjunto dos‘condenados’, os indivíduos que a ele pertencem, mas sim o faz por atribuição daqualidade enunciada no predicado ‘sercondenado’.Daí a forma condicional de suaenunciação: em sendo condenado, a qualquer tempo, seja ontem, hoje, ou amanhã, oindivíduo pertence, por compreensão atributiva ao conjunto dos que são definidos peloenunciado ‘os que forem condenados’ e,portanto, compreendidos pela abrangência da lei”. [...]Assim, por tratar-se de mera emenda de redação,forçoso é concluir que o texto não sofreu nenhumamodificação em seu sentido original, pois se tal fosse ocaso, o projeto teria sido devolvido à Câmara dosDeputados. (2013, online).

O princípio da irretroatividade das leis é outro aspecto levantado, por sua vez, no mérito das Ações e recursos submetidos à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF), gerando divergências quanto à constitucionalidade da LC nº 135/2010, e a aplicação de seus efeitos. O conceito legal da irretroatividade pode ser extraído do Decreto Lei nº 4657, de 04 de setembro de 1942, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, quando em seu art. 6º pontua que “[...] a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”. Ora, consiste em não atribuir os efeitos de uma nova legislação aos atos jurídicos realizados no passado, quando não contrariam tais novas consequências calhadas pela normarecém criada. O rol dos direitos e garantias fundamentais também insculpiu o princípio da irretroatividade no art. 5º, inciso XXXVI da Carta Maior: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Porém, apesar de estar contido no texto constitucional e também em uma lei que disciplina, genericamente, as normas do Direito Brasileiro, tal princípio pode ser mitigado em matérias específicas. É o caso de um outro comando constitucional do mesmo art. 5º, mas no inciso XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Eis ai o que a sábia doutrina de Fernando Capezchamou de princípio da retroatividade benigna (2008, p. 157).

De fato, a irretroatividade das leis, bem como a intangibilidade do ato jurídico perfeito e a imutabilidade da coisa julgada, são objetos deexaustivos debate quando das análises da LC nº 135/2010, sobretudo, quanto à alínea “k” que considera inelegível os mandatários que:

Art. 1º [...].

I - [...];

k - [...] renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; [...]

Note-se que a renúncia de mandato em decorrência de representação ou petição capaz de ocasionar uma cassação, antes de 2010 não surtia os efeitos da inelegibilidade. Tão logo, a partir de 2010, renúncias desta estirpe, realizadas em período anterior à vigência e eficácia da LC nº 135, teriam essa força de inelegibilidade? O ministro Luiz Fux entendeu que sim, amparado por Joaquim José Gomes Canotilho, observando que, na Teoria Geral da Norma, há dois tipos retroatividade: a própria ou autêntica; e a imprópria ou inautêntica. Na primeira espécie de retroatividade, a norma possui eficácia retroativa, gerando efeito sobre situações passadas, atingindo relações jurídicas estabelecidas no passado. Na segunda espécie de retroatividade, a inautêntica, também chamada de retrospectividade, a norma jurídica editada atribui efeitos futuros a situações ou relações já existentes. O primeiro caso de retroatividade (própria ou autêntica) é vedado no Brasil. O segundo caso, o da retrospectividade, é permitido e acolhido pelo tribunal, com vistas à fundamentação de sua Excelência, o ministro relator Luiz Fux:

[...] A aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao iushonorum (o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo. Esta, portanto, a primeira consideração importante: ainda que se considere haver atribuição deefeitos, por lei, a fatos pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida na jurisprudência desta Corte. (2012, online).

No ponto, o eminente ministro Luiz Fux ainda avalia que não há que se falar em direito adquirido à candidatura, tendo em vista que o processo eleitoral se dá justamente pela adequação daquele que se propõe a ser candidato no regime de regras e condições para o exercício do direito político passivo (2011, online).

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade também são aventados quando se discute a constitucionalidade da LC nº 135/2010. Necessariamente porque muito embora não encontrem expressa citação no texto constitucional brasileiro, são limites à interpretação da norma, como entende o prof. Fredie Didier Jr. (2008, p. 36), sem prejuízo, portanto, de trazer à tona o § 2º do art. 5º, CF.: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais [...]” (grifo nosso). O professor Juarez Freitas diria que o princípio da proporcionalidade implicaria no fato de que o Estado não deve agir com demasia, com excesso, nem tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos (1997, p. 56).Aprofundando, Humberto Bergmann Ávila ressalta que

[...] pode-se definir o dever de proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados. [...] (2012, p. 175).

Com os olhos voltados à análise da LC nº 135/2010 e uma suposta violação à proporcionalidade, o eminente ministro Dias Toffoli durante a exposição do voto do ministro Gilmar Ferreira Mendes, aproveitou o ensejo para relembrar que a edição da LC nº 5 de 29 de abril de 1970,era extremamenterestritiva ao espaço democrático da cidadania diante das razões históricas e, obviamente, antidemocráticas,do momento em que foi editada (2012, online). Pra causar o espanto peculiar do contexto da ditadura militar no Brasil, no referido diploma legal:

[...] existia previsão que tornava inelegíveis candidatos que tivessem denúncia recebida por crime contra a lei de segurança nacional, contra a administração pública etc. (Art. 1º, I – São inelegíveis, para qualquer cargo eletivo: n) os que tenham sido condenados ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público recebida pela autoridade judiciária competente, por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e aadministração pública, o patrimônio ou pelo direito previsto no art. 22 desta lei complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente reabilitados). Na época da ditadura, surgiram inúmeros processos cíveis e criminais visando exclusivamente tornar inelegíveis alguns candidatos. Nesta época, em 23 de setembro de 1976, o TSE, por voto de desempate (4 votos a 3), declarou a inconstitucionalidade da alínea n desta lei complementar, por ferir o princípio da inocência. O STF, contudo, por escassa maioria, derrubou o entendimento do TSE, alegando, em suma, que o princípio da inocência é aplicado apenas na esfera penal. [...] (CERQUEIRA, 2013, online).

Nesta linha, na LC nº 5 de 29 de abril de 1970, e no entendimento que sob ela assentou-se o STF, após o advento da Constituição Federal de 1988, havia flagrante inobservância ao princípio da proporcionalidade. De modo que, por se tratar de matéria congênere, pesquisadores e juristas apontam que a LC nº 135/2010, na alínea m, não seria destoante aos austeros objetivos legais e antidemocráticos de 1970. O professor Ruy Samuel Espíndola rechaça dizendo que pode haver muitas decisões administrativas que não observam as garantias constitucionais, e, portanto, seria altamente antiquado atribuir a processos disciplinares o que chamou de força derrogadora de direitos (2013, online).

Contudo, o ministro Carlos Ayres Britto, defensor da constitucionalidade da LC nº 135/2010 em sua totalidade, ressalvou que a própria lei permite que o Judiciário, através de qualquer juiz monocrático, possa suspender o ato administrativo ou classista que acarrete a inelegibilidade a terceiro, principalmente se naquele houver sobressaltada discrepância às garantias constitucionais que, por terem eficácia irradiante, devem ser observadas em toda e qualquer situação jurídica, estendendo-se a todos os ramos do Direito (2012, online). Neste ínterim, a proporcionalidade não estaria atacada, com destaques para alínea “k”, que prevê a inelegibilidade ao ato de renúncia para afugentar de representação ou petição que possa acarretar cassação e, de consequência, a negativação do direito político passivo.

Suscitado nos debates sobre a (in)constitucionalidade da lei em questão, oprincípio da segurança jurídica versa sobre uma higidez, uma firmeza, uma estabilidade do Ordenamento Jurídico, que passa ao Estado e aos seus cidadãos não apenas a sensação, mas a certeza de um sistema que não se coaduna a riscos, perigos ou dubiedades. Para o doutrinador UadiLammêgoBulos, tal princípio materializa-se “[...] mantendo estruturas e competências, com vistas à defesa da ordem jurídica [...]” (2011, p. 125). No entanto, com a alteração do rol de direitos políticos negativos, percebe-se uma modificação nas estruturas, admissível, desde que respeite os preceitos que disciplinam tais alterações, contidos na própria ordem jurídica.

Por sua vez, princípio da anualidade eleitoral foi extremamente preponderante no tocante a aplicabilidade da LC nº 135/2010 para as eleições daquele mesmo ano. O art. 16 da Carta da República de 1988 preconiza que: “[...]A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” (grifo nosso). O problema instalou-se porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido naquele ano pelo ministro Ricardo Lewandowiski entendeu que a referida lei deveria produzir seus efeitos para a eleição do mesmo ano em que foi publicada, qual seja, 2010. Necessariamente justificando que o princípio da anualidade pretende apenas uma antecedência para evitar surpresas nas regras da disputa eleitoral. Para os eminentes ministros Ricardo Lewandowiski e Ayres Britto, tal antecedência teria sido observada, pois a publicação daLei Complementar data de 04 de junho do mesmo ano, anterior, inclusive, às convenções partidárias (2012, online). Na Suprema Corte, tal tese não prosperou, pelo voto de desempate proferido pelo ministro Luiz Fux:

‘[...]É aplicar, como naquela ocasião, a literalidade do art. 16 da Constituição Federal, de modo a que as inelegibilidades por instituídas pela nova lei sejam aplicáveis apenas às eleições que ocorram mais de um ano após a sua edição, isto é, a partir das eleições de 2012. [...]’ (2012, online, grifo do autor).

Na ADI nº 4578, a autora, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), arguiu como objeto de inconstitucionalidade, a alínea “m” da LC nº 135/2010, sob o argumento de que esta ofenderia expressamente o parâmetro constitucional do devido processo legal, insculpido no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, transcrevendo-se: “[...] Art. 5º [...];LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]”. Erigido pelo episódio histórico da Carta Magna de 1215, no qual o rei João Sem Terra pactuou com senhores feudais ingleses o jargão no taxationwithoutrepresentation, ou seja, não haveria recolhimento tributário sem prévia comunicação e discussão com os sujeitos passivos, os contribuintes, no caso, os senhores feudais, o princípio do devido processo legal instaura, naquele momento, uma exigência documental, submetida ao prestígio de donatários de terra representativos, que mais tarde fundariam a concepção básica parlamentar, rebuscando os modelos clássicos de governo da antiguidade grecorromana (LENZA, 2009, p. 5). Tal princípio evocado estaria sendo pisado pela LC nº 135/2010, sob a escusa de que haveria um direito adquirido à elegibilidade, e que esse direito não poderia ser obstado sem a observância a um devido processo legal, no qual prevalecesse a ampla defesa e o contraditório. Pois bem, tal tese não prosperou no julgamento em tela, porque entendeu-se que a elegibilidade não é direito subjetivo do indivíduo e, de consequência, não estaria a mercê de toda a processualística e suas dissidências. Do contrário, é direito que, para o seu exercício, exige manifesto preenchimento a requisitos éticos e elementares.

Por fim, o princípio da presunção de inocência (ou não culpa), levantado como aparentemente controvertido na LC nº 135/2010 é um tanto quanto curioso, pois no julgamento em questão, foi causador de uma revisão de jurisprudência da Suprema Corte. Primeiramente, é importante consignar a previsão internacional deste instituto, mormente o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos, o conhecido “Pacto de San Jose da Costa Rica”, firmado em 22 de novembro de 1969, do qual o Brasil é signatário, tendo o promulgado na forma do Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992. Transcrevendo-se o que traz a lume: “[...] 8.2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa [...]” (2013, online).

Diferentemente da Convenção Internacional, mas quase no mesmo teor, o arrimo do constituinte pátrio, no art. 5º, inciso LVII da Carta Mãe preconiza: “[...] Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado em sentença penal condenatória; [...]” (grifo nosso).O doutrinador Rogério Sanchez Cunha (2013, online) enumera que o primeiro desdobramento deste princípio é o de que qualquer restrição à liberdade do acusado somente se admite após a condenação definitiva, ao não ser que a prisão provisória seja imprescindível à instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, Decreto Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Outra consequência deste princípio alinhavada pelo mesmo autor é a de que cumpre à acusação o dever de demonstrar a responsabilidade subjetiva do réu, provando a materialidade e autoria do crime, não cabendo ao acusado provar a sua inocência. No mesmo ínterim, a condenação tem que derivar da certeza do julgador, consagrando o brocardo in dubio pro reo, ou, melhor dizendo, havendo dúvida, julgar em favor do réu.

O processualista penal Nestor Távora alerta que até o marco do trânsito em julgado, que trata-se do esgotamento de todas as vias de recurso no processo penal, o réu deve ser considerado presumivelmente inocente, ou não culpável, cabendo à acusação todo o lastro probatório que demonstre a materialidade e autoria do crime. E, não obstante, o mesmo jurisconsulto citando George Sarmento destaca que houve a necessidade de:

[...] cristalizar a presunção de inocência como um direito fundamental multifacetário, que se manifesta como regra de julgamento, regra de processo e regra de tratamento [...] criando um amplo espectro de garantias processuais que beneficiam o acusado durante as investigações e a tramitação da ação penal [...] (2010, p. 50-51, grifo nosso).

Neste diapasão, é justamente onde reside a revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no tocante à amplitude da presunção de inocência. Até então, prevalecia o entendimento do ministro Celso Antônio Bandeira de Mello, que em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 144, decidiu pela eficácia irradiante e horizontal da presunção de inocência, para além dos espaços do processo penal apenas (2013, online).

Nesta toada, o relator da ADI nº 4578, ADC nº 29 e nº 30, o ministro Luiz Fux, chamou de overruling, ou seja, o fim de uma regra, ou a virada de uma regra, a proposta de revisão de jurisprudência que utilizara para divergir da interpretação dada à presunção de inocência ou não culpabilidade na aludida ADPF do parágrafo anterior. Para o eminente ministro relator, o momento histórico da referida Arguição remetia-se a um período pós-ditatorial muito recente, consoante a imprescindibilidade de elevar ao máximo, as garantias da democracia que insurgia em face de um período arbitrário da história brasileira, 1964-1985. Contudo, ressalta LuizFux, que o momento histórico brasileiro contemporâneo ao seu voto é assaz louvavelmente outro, no qual as instituições democráticas, já consolidadas, fazem um apelo pela moralização da política e pela probidade no manusear da coisa pública. Tão logo, com vistas ao que chamou de “[...] incongruência sistêmica ou social [...]” (2012, online), caberia a relativização da presunção de inocência para fins eleitorais, antes considerada absoluta. Nestes termos, foi seguido pela maioria do colegiado da mais alta corte da República, que afastou a aplicação da presunção de inocência ou não culpa para o processo eleitoral e, sobretudo, quando acolhe os critérios de inelegibilidade constados da redação da LC nº 135/2010.


Direito, ética, moral e o comportamento brasileiro frente aos comandos normativos eleitorais

A propedêutica jurídica leciona que o direito, bem como a moral, são instrumentos de controle da sociedade, que existem, num conceito durkheimiano, para manter a ordem (NADER, 2010, p. 53). Todavia, para muitos doutrinadores, direito e moral não se confundem, estabelecendo-se entre estes, algumas diferenças a serem enfrentadas.

O professor Paulo Nader leciona que existem as normas jurídicas e não jurídicas. Estas, do campo moral, e aquelas relativas ao Direito, produto de uma atividade legislativa, e positiva do Estado. Estabelecendo as diferenças entre Direito e Moral, o magistério supracitado pugna que o Direito é objetivo; a moral subjetiva; o Direito subordina-se ao comando estatal; a Moral subordina-se tão somente à coletividade e às convicções das pessoas; o Direito, se violado, contrai sanções efetivas a serem impostas pelas instituições públicas; a Moral, se atropelada, pode vir a ser submetida a uma reprimenda social, que não aquelas oriundas da atividade do Estado; o Direito é norma bilateral; a Moral é regra unilateral; O Direito é norma que sucede fenômeno exterior; a Moral não é cogente e não dispõe de punição; o Direito é sancionado ou promulgado; a Moral é elemento formado a partir de uma cultura, de uma axiologia intersubjetiva das comunidades (2010, p. 53).Por outro lado, o jurisfilósofoEduardo Carlos Bianca Bittar, professor da tradicional Faculdade do Largo do São Francisco da Universidade de São Paulo(USP), enfatiza que há, nesse paralelo entre Direito e Moral quase uma antinomia, um paradoxo, uma ampla antítese:

[...] o Direito possui como características: a heteronomia; a coercibilidade; a bilateralidade [...] Unilateralidade, incoercibilidade e autonomia seriam as notas essenciais da moral, significando exatamente o oposto do indicado anteriormente como características do Direito. [...] (2011, p. 519-520).

Destarte, o grande perigo que existe em delinear, destrinchar, esmiuçar e, por fim, diferenciar Direito e Moral insurge da hipótese dessa separação solver um Direito imoral, enquanto a moral não seria, por si só, objeto essencial, predecessor, requisito, e constitutivo do Direito.Tão logo, o Doutor Eduardo Bittar insiste na intensa intimidade do Direito com a Moral, obstando a argumentação nazista proferida em quase todos os julgamentos do Tribunal de Nuremberg que ousou alegar a licitude e, portanto, moralidade do genocídio de judeus, por haver previsão legal que todo o serviço público nacional alemão devia hierarquia e obediência, atendo-se somente à tarefa do cumprimento de ordens, não importando quais fossem elas e que objetivos tivessem, vez que decorriam da presunção de legitimidade da própria lei alemã (2011, p. 521).

No artigo O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades, de Daniel Sarmento, há a acertadíssima observância de que até mesmo os positivistas, na atual conjuntura jurídica, reconhecem a imbricação da moral e do Direito como fenômeno inarredável:

[...] Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, igualdade, Estado Democrático deDireito e solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral. É certo que aqui reside uma das maiores divergências internas nasfileiras do neoconstitucionalismo.

De um lado, figuram os positivistas, como LuigiFerrajoli, LuizPrietroSanchís, Ricardo Guastini e Suzana Pozzolo, que não aceitam a existência de uma conexão necessária entre Direito e Moral, mas reconhecem que pode haver uma ligação contingente entre estas esferas, sempre que as autoridades competentes, dentre as quais se inclui o poder constituinte originário, positivem valores morais, conferindo-lhes força jurídica. Do outro, alinham-se os não-positivistas,  como  Ronald  Dworkin, Robert Alexy, Carlos Santiago Nino e seus seguidores, que afirmam que Moral e Direito têm uma conexão necessária, e aderem à famosa tese de Gustav Radbruch, de que normas terrivelmente injustas não têm validade jurídica, independentemente do que digam asfontes autorizadas do ordenamento. Dentre estes autores, há quem insista na idéia de que o Direito possui uma ‘pretensão de correção’, pois de alguma maneira é da sua essência aspirar à realização da justiça. [...] (2013, online, grifos do autor).

Sobre esta intersecção entre Direito e Moral, Eduardo Bittar compila situações exemplificativas de estreita ligação e expressa previsão no Ordenamento Jurídico brasileiro, que dão um fundo jusnaturalista para o sistema em vigor: (i) a dívida de jogo, que por ter um objeto ilícito, não encontra na escada ponteana o plano de validade consolidado, sendo juridicamente inexigível, restando somente uma obrigação moral; (ii) o incesto não é tipificado como crime no Código Penal pátrio, mas é altamente expurgável pela moral coletiva; (iii) a boa fé objetiva, da qual é erigida uma série de presunções nas relações civis, na teoria geral dos negócios jurídicos; (iv) a perda do poder familiar dos pais, caso procedam ao arrepio da moral, mormente o exarado no art. 1.638 do Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002; (v) o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto Lei nº 4.657 de 04 de setembro de 1942, que permite à judicatura a aplicação dos princípios gerais do direito, quando a norma for omissa, tendo aqueles implicação ética: neminemlaedere, do latim, a ninguém lesar, suum cuique tribuere, melhor dizendo, dar a cada um o que é seu, honeste vivere, viver honestamente; (vi) no mesmo artigo do diploma supracitado, insta que o magistrado pode aplicar os costumes para solucionar a demanda; e, (vii) o princípio da moralidade pública, insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Para o jusfilósofosupra evocado:

[...] Aqui se comprova a relevância do princípio moral para a própria organização, manutenção e credibilidade cívica dos serviços públicos. O que é moralmente recomendável tornou-se juridicamente exigível do funcionalismo público. [...] (2011, p. 521).

Dando continuidade à análise proposta, o termo ética, por seu turno, origina do grego ethos, e implica uma tradução do sentido de pele (2013, online). Portanto, ético é aquilo que está na pele, ou que se traz nesse tecido protetor e elástico do organismo humano. Por esta ótica, o conceito de ética está ligado ao hábito, ao comportamento, à repetitiva, reiterada ação humana, a ponto de determinar o modo de agir do indivíduo, sua cor, sua textura (BITTAR, 2011, p. 542).

Pelo que se percebe, a LC nº 135/2010 é fruto de uma crise ética na coisa pública brasileira, algo sucedido das fundamentações dos votos de alguns ministros do Supremo, em especial, Luiz Fux e Ayres Britto (2012, online). Todavia, vinculado ao conceito comportamental da ética, convém anotar que apesar da existência de uma moral comum, uma reação esperável do homem médio a situações adversas do moralmente recomendável, incide um comportamento cultural do brasileiro que repisa os versos de Chico Buarque: “[...] Não existe pecado do lado debaixo do equador [...]” (2013, online).

Neste esteio, para enrobustecer o perfil pacifista, desinteressado, passivo, controvertido e estranho do brasileiro, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo(FIESP) (2013, online), em pesquisa publicada em agosto de 2011, aponta que nos últimos dez anos foram desviados cerca de 720 bilhões de reais dos cofres públicos do Brasil. Isto representa um desperdício oscilando entre 50 e 85 bilhões de reais anualmente, o que é muito maior do que as previsões orçamentárias de vários entes federativos, como, exemplificativamente, o Estado de Goiás. Os dados levantados pela FIESP não auferiram quanto custou, na última década, ao erário, a manutenção dos órgãos técnicos de fiscalização como os Tribunais de Contas, quer da União, dos Estados ou dos Municípios. Ora bem, mesmo com todo esse aparato fiscalizador, não há na coisa pública brasileira uma segurança mínima da destinação dos recursos públicos, haja vista que todo esse dinheiro resvalou-se pelo tempo, e, a própria Controladoria Geral da União publica gráficos mostruários da probabilidade de um funcionário corrupto ser condenado: de menos de 5% (HERNANDES, 2013, online). Não obstante, a possibilidade desse mesmo agente cumprir pena de prisão é quase zero. Por último, dos recursos desviados, apenas 8% deles retornam aos cofres públicos.

Por esta esteira, é assustador que, no Brasil, ainda haja tanta discussão quando há singelos apelos, acenos, gestos populares pela moralização da coisa pública. Em sua defesa no fatídico RE nº 631.102, o senador Jader Barbalho, até então banido pela LC nº 135/2010, chegou a questionar a legitimidade democrática do referido diploma (2012, online). Para o senador, a taxada lei ficha limpa precisaria de apenas um milhão e quatrocentas mil assinaturas. Numericamente, tal norma estaria aquém de si, haja vista que foi endossado por um milhão setecentos e noventa e nove mil, setecentos e sessenta e dois votos. Tal famigerada comparação seria ainda mais procedente se considerados os números do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar(DIAP), que, sobre o produto das eleições de 2010, a 52ª legislatura da Câmara dos Deputados, aponta a verdadeira dificuldade que o eleitor brasileiro tem de renovar os seus representantes.  A despeito da insatisfação geral com as políticas públicas, e com os escândalos cada vez mais latentes, 54% dos parlamentares foram reeleitos para mais um mandato na referida Casa dos representantes do povo (2013, online).

A título de reflexão, as palavras de Thomas Jefferson poderiam fazer algum sentido para o fechamento deste trabalho: “[...] Se os homens são puros, as leis são desnecessárias; se os homens são corruptos, as leis são inúteis! [...]” (2012, online). Tão logo, é impossível constatar se a LC nº 135/2010, suas implicações, seus debates, sua incidência, suas pesquisas tenham alguma serventia para o contexto histórico, político, social e cultural do Brasil, no invólucro da cultura moral tão controvertida da cosmologia axiológica nacional.

Tais conclusões são conforme o estudo do antropólogo Roberto Damatta, em “O que faz o brasilBrasil?”, pinçando abaixo, elementos da identidade cultural brasileira:

[...] Por tudo isso, somos um país onde a lei sempre significa o ‘não pode!’formal, capaz de tirar todos os prazeres e desmanchar todos os projetos e iniciativas. De fato, é alarmante constatar que a legislação diária do Brasil é uma regulamentação do ‘não pode’, a palavra ‘não’ que submete o cidadão ao Estado sendo usada de forma geral e constante. Ora, é precisamente por tudo isso que conseguimos descobrir e aperfeiçoar um modo, um jeito, um estilo de

navegação social que passa sempre nas entrelinhas desses peremptórios e autoritários ‘não pode!’. Assim, entre o ‘pode’ e o ‘não pode’, escolhemos, de modo chocantemente antilógico, mas singularmente brasileiro, a junção do ‘pode’ com o ‘não pode’. Pois bem, é essa junção que produz todos os tipos de ‘jeitinhos’ e arranjos que fazem com que possamos operar um sistema legal que quase sempre nada tem a ver com a realidade social [...].(1986, p.82, grifos do autor).

Enrobustecendo, Ironildes Bueno e Rogério Lustosa, já falando sobre o grande problema que a LC nº 135/2010 buscou combater (a corrupção), já apontam que:

“[...] Se apenas o Estado fosse corrupto, a engrenagem da corrupção não marcharia: é preciso que os políticos encontrem parceiros na sociedade civil. [...] Na verdade, como costumeiramente se diz na também corrompida vizinha Argentina, a corrupção é como o tango: é preciso mais de um para dançá-lo. [...]” (2011, p. 20).

Eis ai a suposta necessidade do resguardo, da tutela normativa estatal cuidando de proteger o povo e o Estado inclusive de si mesmos, impondo uma carga de valores muito mais complexa e historicamente conquistada, fitando preservar o decoro, a decência, o pudor, a educação, a formação, a segurança jurídica e, sobretudo, a dignidade, buscando eliminar esta fusão bagunçada do “não pode” com o “pode”, adequando à realidade social pátria o mínimo esperável e recomendável de seus representantes, uma vida pregressa compatível com probidade com a qual deveriam, em tese, exercer os cargos eletivos a que se propuserem ocupar.


Conclusão

A Lei Complementar nº 135/2010 vem ao encontro da avidez e do clamor popular pela moralização da coisa pública no Brasil, em um momento peculiar da história da democracia brasileira. Acrescendo cláusulas de inelegibilidade no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 14, § 9º da Carta da República de 1988, tal norma inovou nos requisitos do exercício dos direitos políticos passivos.

No tocante à suas fontes, ou origens, a referida norma encontra arrimo no próprio espírito democrático, que é traduzido pela participação popular nas decisões do organismo social politicamente estruturado (o Estado), também através de atos de publicidade, transparência e, sobretudo, garantindo-se a todos a presunção da honestidade dos governantes.

Muito bem intencionada, portanto, no escopo de moralizar a coisa pública e enrijecer os requisitos para a ocupação de cargos eletivos, a reforma que a lei em estudo trouxe ao Ordenamento foi altamente rebatida por divergências de todos os lados: doutrina ou jurisprudência. De modo que levantou-se uma série de aparentes contradições das normas e preceitos constitucionais parâmetros, face à LC nº 135/2010. Tendo que solver estas incompatibilidades hipotéticas, à luz da segurança jurídica e, pelo prisma teórico do princípio da unidade da Constituição e do Sistema Normativo, os intérpretes maiores do Estatuto Político Brasileiro de 1988 apreciaram a matéria tanto em sede de controle abstrato (por meio da ADI 4578 e ADCs 29 e 30), quanto também em controle difuso (ao exemplo dos REs nº 630.146/DF; e nº 631.102/PA). Na oportunidade, o Supremo assentouà constitucionalidade a LC nº 135/2010, asseverando sua presunção vertical de compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, com as ressalvas de sua aplicação somente a partir das eleições de 2012, nos termos do art. 16 da Lei Mãe.

Muito embora seja pacífico que a democracia materializa-se pelo respeito à vontade popular, é importante destacar que, por outro lado, o espírito democrático se assevera quando as leis, já positivadas, não passam pelo esvaziamento de eficácia, ainda que contrariem os interesses da maioria. Nesta toada, por mais que a vontade do povo seja pela eleição de um candidato obstado por cláusula de inelegibilidade, a pretensão popular pode abster-se, pois inexiste um direito adquirido à candidatura. Para propor-se ao exercício do comando do Estado (o governo), deve o cidadão que pretende passar pelo crivo das urnas, adequar-se ao sistema eleitoral, ajustando-se às exigências de valores e galhardos constitucionais embutidos nas cláusulas de inelegibilidade da recém reformada LC nº 64/1990.

Considerando a mutabilidade constante do direito, é através dos embates desenvolvidos pelos escritores contemplados neste trabalho que caminha-se para encontrar a forma mais justa e confiável que, por hora, consideram a LC nº 135/2010 plenamente constitucional, por decisão do Supremo Tribunal Federal, passível de revisão pela própria Corte.

Sucede que, por fim, o Direito, a ética e a moral são institutos diferentes, mas, estreitamente correlacionados. De modo que a ética pode ser determinante ao conteúdo positivado pelo Estado (o Direito), principalmente porque esta se refere ao comportamento, à conduta dos indivíduos. Assim, é de se concluir que o Direito é produto ético de conteúdo moral, não importando se esta moral está ou não coadunada a pressupostos sensíveis de humanidade. Logo, sob as lentes do neoconstitucionalismo e do neopositivismo, a moral e o Direito não podem ser dissociados, razão pela qual a LC nº 135/2010 é mais um ponto de intersecção entre eles: o que se recomenda moralmente passa a ser exigido juridicamente.

Na mesma linha, ocorre que, o comportamento do brasileiro não é tão simples e adequado à fria negativa da interpretação das leis. Por se tratar de um povo cuja cosmologia axiológica é altamente vulnerável e isto se reflete em simples hábitos/práticas do cotidiano, a aplicação da LC nº 135/2010 fica a mercê de cada caso concreto, com suas peculiaridades subjetivas que suplantam a objetividade da norma. Tanto que a própria lei faculta a um magistrado a possibilidade de flexibilização das regras de inelegibilidade, sob a conveniência e oportunidade da discricionariedade deste dispositivo que, em tese, deve ser utilizado como objeto de transformação política, social e cultural.

Espera-se que os contornos definidos por esta pesquisa possam contribuir ao desenvolvimento das relações humanas em sociedade.


Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2012.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

BOBBIO, Noberto. Estado, Governo, Sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996.

_______. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 1998.

BRASIL. Congresso Nacional. Resolução nº 1 de 11 de agosto de 1970. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/rescon/1970-1979/resolucao-1-11-agosto-1970-497934-norma-pl.html>. Acesso em 02 mar. 2013.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

_______. Decreto Lei nº 678 de 06 de novembro de 1992: Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em 02 mar. 2013.

_______. Decreto Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941: Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Decreto Lei nº 4.657 de 04 de setembro de 1942: Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Lei Complementar nº 5 de 29 de abril de 1970. Disponível em:<http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104006/lei-complementar-5-70>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Lei Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp135.htm>. Acesso em 21 mai. 2012.

_______. Novo Código Civil Brasileiro. 3.ed.rev. e apl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

_______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Constitucionalidade nº 29. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADCN&s1=29&processo=29>. Acesso em: 21 mai. 2012.

_______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Constitucionalidade nº 30. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADCN&s1=30&processo=30 >. Acesso em: 21 mai. 2012.

_______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4578&processo=4578>. Acesso em: 21 mai. 2012.

_______. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 144. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608506>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 630.146/DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=3950619>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 631.102/PA. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1954517>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Tribunal Superior Eleitoral. Estudos Eleitorais. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/hotSites/CatalogoPublicacoes/pdf/estudos_eleitorais/estudos_eleitorais_v6-n2.pdf>. Acesso em: 21 mai. 2012.

BUARQUE, Chico. Não existe pecado ao sul do Equador. Terra. Disponível em: <http://letras.mus.br/chico-buarque/86006/>. Acesso em: 02 mar. 2013.

BULOS, UadiLammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2008.

CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua; CERQUEIRA, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua. Reformas eleitorais comentadas. São Paulo: Saraiva, 2010.

_______. Ficha Limpa & Questões Constitucionais “Direito Eleitoral do Inimigo” (Retroagir?). JA Agora. Disponível em:<http://www.jaagora.com.br/noticias/lenoticia.asp?id=73>. Acesso em: 02 mar. 2013.

CUNHA, Rogério Sanches. Presunção de Inocência: uma terminologia adequada. Atualidades do Direito. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2011/09/21/presuncao-de-inocencia-uma-terminologia-adequada/>. Acesso em: 28 fev. 2013.

DAMATTA, Roberto. O que faz o brasilBrasil? Disponível em: <http://ebooksgratis.com.br/livros-ebooks-gratis/tecnicos-e-cientificos/ciencias-sociais-livro-o-que-faz-o-brasil-brasil-roberto-damatta/>. Acesso em: 21 mai. 2012.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Radiografia do Novo Congresso - Legislatura 2011-2015. Disponível em: <http://www.diap.org.br/images/stories/publicacoesDIAP/Radiografia_011/Radiografia_011_P32.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2013.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 9. ed., Salvador: JusPodivm, 2008.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. STF, insegurança jurídica e eleições em 2012. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-abr-04/quando-havera-embate-entre-moralistas-constitucionalistas>. Acesso em: 02 mar. 2013.

FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Índice de percepção da corrupção – 2010. Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/wp-content/uploads/2012/05/indice-de-percep%C3%A7%C3%A3o-da-corrup%C3%A7%C3%A3o-2011.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2013.

_______. Relatório Corrupção: custos econômicos e propostas de combate. Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/wp-content/uploads/2012/05/custo-economico-da-corrupcao-final.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2013.

FERRARI, Cibele Maria de Rezende e. Direito Eleitoral. São Paulo: Lemos e Cruz, 2004.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997.

FUX, Luiz; SOKAL Guilherme Jales (orgs.). et al.  Jurisdição Constitucional: democracia e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2007.

HERNANDES, Pedro Petronillio. Combate à Corrupção no Brasil: análise sob a ótica da economia da corrupção. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/concursos/Arquivos/6_ConcursoMonografias/1-Lugar-Universitarios.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2013.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. Tradução: Marcos Santarrita. Disponível em: <http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/hobsbawm-a-era-dos-extremos.pdf>. Acesso em: 21 mai. 2012.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito: introdução à problemática científica do direito. Tradução: João Cretella Júnior e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição? Tradução: Walter Stönner. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html>. Acesso em: 21 mai. 2012.

LENZA, Pedro. Curso de Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MORO, Sérgio Fernando. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. Jus Navegandi. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/98/por-uma-revisao-da-teoria-da-aplicabilidade-das-normas-constitucionais>. Acesso em: 21 mai. 2012.

MOVIMENTO DE COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL. Folder Ficha Limpa. MCCE. Disponível em: <http://www.mcce.org.br/site/pdf/FichaLimpa-folder.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2013.

NADER, Paulo. Filosofia do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. Tradução: Maria Ermantina Galvão. São Paulo, Martins Fontes, 1996.

PIETRAFESA, José Paulo; BORBA, Odiones de Fátima (orgs.). et al. Do contexto ao texto: os desafios da linguagem científica. 2. ed. Goiânia: Kelps, 2006.

PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal – noções gerais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

RIBEIRO, Flávia. Direito eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil. Disponível em: <http://www.danielsarmento.com.br/wpcontent/uploads/2012/09/ONeoconstitucionalismo-no-Brasil.pdf>. Acesso em 02 mar. 2013.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez e Moraes, 1976.

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

SOBREIRO, Armando Antônio Neto. Direito Eleitoral: teoria e prática. 5. ed. Curitiba, Juruá, 2010.

STRECK, Lênio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni; LIMA, MartonioMont’Alverne Barreto. Mutações na corte: a nova perspectiva do STF sobre controle difuso. Disponível em <http://www.leniostreck.com.br>. Acesso em 21 mai. 2012.

STRECK, Lênio Luiz. O pan-principiologismo jurídico e o sorriso do lagarto. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-mar-22/senso-incomum-pan-principiologismo-sorriso-lagarto>. Acesso em: 21 mai. 2012.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2010.

VIAMONTE, Carlos Sanchez. Manual de Derecho Político. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina, 1959.

VALLE, Vanice Regina Lírio do; TAVARES, Rodrigo de Souza (orgs.) et al. Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/15_639.pdf>. Acesso em 21 mai. 2012.

VICTOR, Rogério Lustosa; BUENO, Ironildes. Visões do Mundo Contemporâneo: História, Política e Relações Internacionais. Goiânia: Opirus, 2011.


 Abstract: This article aims to develop a more elaborate study about the passive or negative political rights, posing as ineligibility clauses established by the Constitution of the Federative Republic of Brazil of October 5, 1988, having been extended by the reform of the Complementary Law 135 of June 4, 2010. The work is intended, in default, to strive towards making clearer the goals that prompted the legislature to extend the ineligibility under a moral background, erected by social recovery. In this measure, the research undertaken also aimed to present how such a normative undertaking passed the control of constitutionality done in abstract, in the Supreme Court, through analysis of the doctrinal and jurisprudential understandings on the subject proposal and its implications in the political world. So the research could reach the expected success, the work methodology used was the combination of literature, consisting on the display and analysis of the thought of many authors who have written on the topic chosen. With the analysis of all material collected, it was possible to clarify the image that the LC n º 135/2010 brought to the republic, asserting morality into the government.

Key-words: Constitutional Law, Public Law, Electoral Law, Ineligibility, Morality.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Glauco Felipe Araújo. A Lei Complementar nº 135/2010 no contexto nacional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3579, 19 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24227. Acesso em: 11 maio 2024.