Artigo Destaque dos editores

A Lei Complementar nº 135/2010 no contexto nacional brasileiro

Exibindo página 1 de 3
19/04/2013 às 15:30
Leia nesta página:

Sob as lentes do neoconstitucionalismo e do neopositivismo, a moral e o Direito não podem ser dissociados, razão pela qual a LC nº 135/2010 é mais um ponto de intersecção entre eles: o que se recomenda moralmente passa a ser exigido juridicamente.

Resumo: Este artigo tem por finalidade desenvolver um estudo mais elaborado sobre os direitos políticos passivos, ou negativos, que se apresentam como cláusulas de inelegibilidade estabelecidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988, tendo sido estendidos pela reforma da Lei Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010. O trabalho destina-se, neste padrão, a esforçar-se no sentido de tornar mais claros os objetivos que levaram o legislador a ampliar as inelegibilidades, sob um fundo moral, erigido pela cobrança social. Nesse compasso, a pesquisa empreendida também objetivou apresentar como tal empreitada normativa passou pelo controle de constitucionalidade, feito em abstrato, no Supremo Tribunal Federal, por meio deanálises dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da matéria proposta e suas implicações no mundo político. Para que a pesquisa atingisse o êxito esperado, a metodologia de trabalho utilizada foi a de reunião bibliográfica, consistente na análise e exibição do pensamento de vários autores que escreveram sobre o tema escolhido. Com a análise de todo o material recolhido, foi possível aclarar a imagem que a LC nº 135/2010 trouxe à República, asseverando a moralidade no Poder Público.

Palavras-chave:Direito Constitucional, Direito Público, Direito Eleitoral, Inelegibilidade, Moralidade.


Introdução

O presente trabalho tem como objetivo geral a análise da Lei Complementar (LC) nº 135 de 04 de junho de 2010 face à Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Tal diploma infraconstitucional acresceu cláusulas de inelegibilidade ao Ordenamento Jurídico brasileiro, alterando a LC nº 64 de 18 de maio de 1990, e, tais modificações, foram objeto de intensa polêmica na doutrina e jurisprudência brasileira. Neste sentido, especificamente, esta pesquisa cuida de analisar a origem e os desideratos da referida norma; os princípios constitucionais aparentemente controvertidos na mesma; e, por fim, formula um painel reflexivo acerca do Direito, da ética, da moral e do comportamento do brasileiro face aos comandos normativos eleitorais.

A realização deste artigo vale-se da utilização do método compilativo, pinçando tanto os estudos teóricos quanto as leis e as normas em sentido amplo, bem como a fundamentação jurisprudencial que foi construída no debate problematizado por este tema.

Perquirir por que razões e com quais justificativas tanto a Suprema Corte do Brasil quanto o Tribunal Superior Eleitoral assentou à constitucionalidade as disposições da LC nº 135/2010; Investigar o surgimento deste mesmo objeto nomológico; Examinar que objetivos teria e se há real possibilidade de efetivar tais anseios do espírito da norma em tela; Discutir a cultura e a conduta valorativa do povo brasileiro em confronto com a positivação de cláusulas negativas de direitos políticos passivos; dentre outras abordagens, são imbricações que justificam e motivam a linha de trabalho deste Artigo Científico que, honesta e humildemente, espera contribuir com a academia e com a sociedade.


Origem e intenções

Em caráter vestibular, é importante que se registre que falar sobre a origem é dizer de onde vem, é buscar o surgimento, a fonte, as características embrionárias da gênese, do início, do começo de qualquer ideia.

Neste sentido, com o auxílio da etimologia, observa-se que a palavra candidatura deriva de candidato que, por sua vez, do latim,candidus, implica embranco/brancura. Deocleciano Torrieri Guimarães explica que os candidatos da Roma Antiga se apresentavam publicamente às pessoas, vestidos somente de toga branca, com o fito de não levantar a suspeita de trazer dinheiro sob ela para corromper o povo, comprando-lhe votos ou subornando apoio para a condução da República(2007, p. 144).

Não apenas no aspecto estrito da palavra candidatura, mas buscando seus liames semântico e axiológico, vale ressaltar as anotações do professor Paulo Bonavides, em sua clássica obra Ciência Política, sobre a origem da democracia na Grécia Antiga, valor fundamental e objetivo da lei em estudo:

[...] os gregos consideravam democracia aquelas formas de governo que garantissem a todos os cidadãos a isonomia, a isotimia e a isagoria, e fizessem da liberdade e da sua observância a base sobre a qual repousava toda a sociedade política. [...] a isonomia [...] proclamava o gênio político da Grécia a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de grau, classe ou riqueza. Dispensava a ordem jurídica aí o mesmo tratamento a todos os cidadãos, conferindo-lhes iguais direitos, punindo-os sem foro privilegiado. [...] a isotimia abolia a organização democrática da Grécia os títulos ou funções hereditárias, abrindo a todos os cidadãos o livre acesso ao exercício das funções públicas, sem mais distinção ou requisito que o merecimento, a honradez e a confiança depositada no administrador pelos cidadãos. [...] isagoria trata-se do direito de palavra, da igualdade reconhecida a todos de falar nas assembleias populares, de debater publicamente os negócios do governo [...]. Com a isagoria, exercício da palavra livre no largo recinto cívico que era o Ágora, a democracia regia a sociedade grega, inspirada já na soberania do governo de opinião. [...] (2010, p. 291, grifos do autor).

Sobre tal legado grego, Carlos Sanchez Viamonte cita as palavras dePéricles quando comunicou aos heróis da Guerra do Peloponeso o culto da imortalidade e o sentimento póstumo da Pátria agradecida:

Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a república outorga honrarias o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios. Nossa cidade se acha aberta a todos os homens. Nenhuma lei proíbe nela a entrada aos estrangeiros, nem os priva de nossas instituições, nem de nossos espetáculos; nada há em Atenas oculto e permite-se a todos que vejam e aprendam nela o que bem quiserem, sem esconder-lhes sequer aquelas coisas, cujo conhecimento possa ser de proveito para os nossos inimigos, porquanto confiamos para vencer, não em preparativos misteriosos, nem em ardis e estratagemas, senão em nosso valor e em nossa inteligência. (1959, p. 186).

Ora, esse grupo social que há milênios fundou talares inescusáveis da democracia ocidental, já primava por um comportamento ético distinto e lídimo de seus governantes, a fim de que esses passassem mais do que efetividade à moralidade pública: exemplo e segurança aos cidadãos - quer estrangeiros ou não, reafirmando e asseverando a transparência, a publicidade e a honestidade. Nesse sentido votou o ministro relator Luiz Fux, no julgamento das conexas AçõesDiretas de Constitucionalidade (ADC) nº 29, nº 30, e Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578: “[...] o princípio da segurança jurídica é compreendido na sua vertente subjetiva de proteção das expectativas legítimas” (2012, online, grifo nosso). Sucede que estas expectativas referem-se aquelas que a coletividade tem em relação ao Poder Público.E, não fosse o bastante, o douto magistrado citou SorenSchonberg, para definir as implicações jurídicas do que se entende por expectativas:

[...] Uma expectativa é razoável quando uma pessoa razoável, agindo com diligência, a teria em circunstâncias relevantes. Uma expectativa é legítima quando o sistema jurídico reconhece a sua razoabilidade e lhe atribui consequências jurídicas processuais, substantivas ou compensatórias. (2012, online).

São estas expectativas legítimas, ou ainda, legitimadoras de poder que reforçam o princípio democrático erigido pela célebre frase de Abraham Lincoln: “um governo do povo, pelo povo e para o povo”.Sobre esta máxima, o professor José Joaquim Gomes Canotilho aponta que “Ainda hoje se considera esta formulação como a síntese mais lapidar dos momentos fundamentais do princípio democrático [...] um modo de justificação positiva da democracia” (2002, p. 285). Portanto, percebe-se que a LC nº 135/2010 tem o seu surgimento aventado pelo que seja a própria democracia e pelo espírito republicano. Entretanto, ainda sobre tal elemento democrático, o magistério lusitano do constitucionalistaJosé Joaquim GomesCanotilho cita também a fórmula de Popper: “A democracia nunca foi a soberania do povo, não o pode ser, não o deve ser” (2002, p. 289) justamente para cunhar a justificação negativa, ou seja, os mecanismos de limitação prática do poder que objetiva, sobretudo, proteger instituições políticas das tentações da tirania, garantindo não apenas as diferenças e as divergências, como também salvaguardando as minorias.

Adiante com a mesma análise da gênese da lei em estudo, por subsistir uma situação caótica e tangente à tirania da corrupção, o querompia com as expectativassócio-constitucionais de moralidade e segurança, é quedisparou-se, no final do século XX, na Itália, um marco estatal que ficou conhecido por OperazioneManiPulite, ou melhor dizendo, Operação Mãos Limpas.

[...] A independência judiciária, interna e externa, a progressiva deslegitimação de um sistema político corrupto e a maior legitimação da magistratura em relação aos políticos profissionais foram, portanto, as condições que tornaram possível o círculo virtuoso gerado pela operação manipulite. [...] (MORO, 2012, online).

Segundo o professor Sérgio Moro, em apenas dois anos - 1992 a 1994 -,foram expedidos 2993 mandados de prisão; 6059 pessoas estiveram sob investigação, dos quais, 872 empresários, 1978 administradores locais, 438 parlamentares, incluindo quatro ex-primeiros-ministros:

[...] A ação judiciária revelou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todo contrato público, o que levou à utilização da expressão ‘Tangentopoli’ ou ‘Bribesville’ (o equivalente à ‘cidade da propina’) para designar a situação. [...] (2012,online, grifos do autor).

A Operação Mãos Limpas veio à tona com a queda do muro de Berlim e o inevitável fechamento e enfraquecimento do que o historiador Eric Hobsbawm chamou de A Era dos Extremos - porque foi o tempo em que se levava as ideologias até as últimas consequências e, ao final do século XX, a humanidade já havia visto e experimentado quase tudo, estafada, cansada, sugada pelos extremismos e sectarismos não tão distantes: “[...] sem dúvida, houve momentos em que talvez fosse de esperar-se que o deus ou os deuses que os humanos pios acreditavam ter criado o mundo e tudo o que nele existe estivessem arrependidos de havê-lo feito.” (HOBSBAWM, 2012, online). Também adveio, tal emblemática operação, com a abertura do mercado nacional italiano à nova ordem mundial que se perfazia pelo bloco econômico da União Europeia, o que descentralizava o poder do governo local, maximizando a força da iniciativa privada e intensificando o fenômeno do globalismo e do neoliberalismo, com a flexibilização das fronteiras econômicas:

[...] a integração européia, que abriu os mercados italianos a empresas de outros países europeus, elevando os receios de que os italianos não poderiam, com os custos da corrupção, competir em igualdade de condições com seus novos concorrentes; [...] (MORO, 2012, online).

Tendo sido inspiradora para um país em situação congênere a que passou a Itália, a Operação Mãos Limpas batizou a LC nº 135/2010, por sua vez, popularmente conhecida como “Lei Ficha Limpa”. O promotor de justiça de Minas Gerais Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira delimita que a referida lei teve enorme repercussão social, além de “[...] conteúdo moralizador e profilático. [...]” (2013, online). Para Josevando Souza Andrade, magistrado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que publicou nos Estudos Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral, a lei em comento fortaleceu o Estado Democrático de Direito, na medida em que trouxe “reflexões no âmbito social,político e técnico” (2012, online). E, nesta linha, segundo o magistério do professor Noberto Bobbio, “a democracia é o regime que, dialética e respeitosamente, admite o seu contrário” (1987, p. 135). Isto porque se, como visto, a democracia é a base, o pano de fundo da LC nº 135/2010, ao mesmo tempo, há autores que entendem ser a mesma norma altamente antidemocrática e, portanto, tirana, ditatorial. Estes enunciados trazidos pela leidesembocam incontáveis choques, sobretudo quando tocam na delicadeza da moralidade jurídica, que para ChaimPerelman pode consistir em fundamentar o juízo moral nos princípios morais ou, noutro giro, fundamentar os princípios no juízo moral (1996, p. 288). E a problemática se dá pelo fato de que tal perspectiva fundadora, não pode significar algo subjetivo, vinculado às predileções de qualquer intérprete. Deve depender de uma base axiológica sob a qual assenta-se o Estado e suas opções engendradas na respectiva Constituição.

Impulsionado por esse fundo moralizante e revolucionário, no tocante à preponderância da vida pregressa de candidatos, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) recolheu mais de quatro(4) milhões de assinaturas em todo o Brasil, para abrir o Processo Legislativo por iniciativa popular –que, para tanto, bastariam um milhão e trezentas mil assinaturas –, logicamente, na Câmara dos Deputados. O Parlamento brasileiro, por sua vez, preocupado com a pressão social e as eleições à época tão próximas de serem realizadas, aprovou por unanimidade o referido projeto de Lei Complementar(2013, online), por razões óbvias: o teor apelativo, exortador, simbólico, promocional e moralizante da lei em estudo.

Logo, como observado, as origens da LC nº 135/2010 se resumem às mesmas contidas no mote da democracia e da república, intencionando moralizar, transparecer e cuidando de limpar, lavar, refazer o repertório do Poder Público exercido pela classe política eleita diretamente pelo voto do povo.


Identificação dos princípios constitucionais aparentemente controvertidos no objeto

Antes de adentrar perfunctoriamente nos princípios invocados na tentativa de obstar a presunção de constitucionalidade da LC nº 135/2010, é preciso relembrar as elucubrações de Ferdinand Lassalle de 1863, quando apresentou o trabalho “O Que É Uma Constituição?”.O referido autordefendeu que a Constituição apresenta um caráter eminentemente sociológico que encontra suporte no que denominou de “fatores reais de poder” (2012, online). “[...] Para Lassalle, eles designariam a força ativa de todas as leis da sociedade. Logo, uma constituição que não correspondesse a tais fatores reais não passaria de simples folha de papel [...]” (BULOS, 2011, p. 103, grifos do autor). Nesta guisa, Ferdinand Lassalle assevera que a Constituição está afinada às raízes fincadas nos fatores de poder predominantes no país.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No caso dos confrontos quanto à constitucionalidade da LC nº 135/2010, perceber-se-á, então, quais os fatores de poder predominam no Brasil. Com toda a licença, isso provoca, sobremaneira, os mais distintos discursos ideológicos estratégicos muito bem dirigidos que, agarrados a um positivismo exacerbado, se interessam pelas ruínas dos direitos políticos negativos calhados em 2010, e pelo reinado das possibilidades de legitimação espalhafatosas para com os axiomas do Estado Constitucional Democrático de Direito. Neste sentido, Konrad Hesse percebeu que as constituições, dentro de uma dinâmica de um determinado momento histórico e um estrito contexto político social datados de suas promulgações ou, simplesmente, criações, estariam limitadas, presas, relacionadas a este período. E, comentando a obra de Konrad Hesse, o professor UadiLammêgoBulos destaca:

[...] Daí o conteúdo vago e indeterminado de seus preceitos. Mas isso não significa que elas se esfalecem perante a dinâmica da vida, já que equivalem a uma ordem material e aberta.

Essas idéias, hauridas do espírito arguto de Konrad Hesse, granjearam notório respeito entre os nomes mais expressivos da juspublicística mundial.

E faz sentido, pois é indubitável que a função de um texto constitucional escrito é racionalizar, estabilizar e garantir o exercício das liberdades, ao mesmo tempo queerige critérios para limitar as mazelas do processo político.

Disso exsurge a força normativa da constituição que, ao atuar diretamente na realidade histórica, pretende atribuir ao texto supremo efetividade ou eficácia social. (2011, p. 109, grifo nosso).

Bem por isso, a lei vem fechar o conceito na hipótese e no consequente, dando sentido ao texto, conforme os fatores reais de poder e engendrando critérios para limitar as mazelas do processo político.

O conceito de princípios é muito bem descrito por Celso Antônio Bandeira de Melo:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. [...] (2012, p. 545-546).

Por óbvio, os princípios constitucionais aparentemente controvertidos no objeto nomológico em comento tem mera aparência de contradição, pois devem ser interpretados conforme o princípio da unidade da Constituição, de modo a resguardar a Carta Maior e seus valores, a partir de técnicas de interpretação que sopesem e dirimam os conflitos levantados. E é claro que a Teoria Geral do Direito tem passado por intensas modificações nos últimos 50 anos, e uma destas é a ampliação da natureza jurídica dos princípios. Daniel Sarmento fala em reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito (2013, online). De modo que, se antes os princípios importavam apenas como complemento à lacuna sistêmica jurídica, hoje, na verdade, compõe verdadeira norma propriamente dita.

Neste coro, para o professor LênioStreck, é bem verdade que os princípios, depois de Jürgen Habermas eÉmile Durkheim, tornaram-se normas. Mas, isso não implica dizer que perderam seu caráter deontológico (ciência do dever ser). O referido doutrinador aponta uma crise hermenêutica no Sistema brasileiro, vez que os hermeneutasatuais do Brasilvem fazendo verdadeiros “[...] standards jurídicos, construídos de forma voluntarista por juristas descomprometidos, em sua maioria, com a deontologia do direito (lembremos: princípios são deontológicos e não teleológicos!). [...]” (2012, online, grifo do autor). É bem por isso que este trabalho se ocupará de analisar tão somente os princípios apreciados pela Suprema Corte quando da discussão da (in)constitucionalidade da LC nº 135/2010, não se estendendoàs tantas criações inesgotáveis da doutrina e da jurisprudência afetas à nova produção da principiologia jurídica brasileira.

NasADCs nº 29 e nº 30, ADI nº 4578, bem como nos Recursos Extraordinários (RE) com matéria similar, por exemplo os mais repercutidos: RE 630.146/DF, caso Joaquim Roriz; e, RE nº 631.102/PA, caso Jader Barbalho, os postulantes arguiram pela inconstitucionalidade da LC nº 135/2010, elencando uma possível ofensa aos princípios: (i)do devido processo legislativo (inconstitucionalidade formal por ofensa à bicameralidade legislativa); (ii) da irretroatividade das leis; (iii) da intangibilidade do ato jurídico perfeito; (iv) da imutabilidade da coisa julgada; (v) da proporcionalidade; (vi) da razoabilidade; (vii) da soberania popular; (viii) da segurança jurídica; (ix) da anualidade eleitoral; (x) do devido processo legal; (xi) da presunção de inocência (MORO, 2011, online).

Com relação ao princípio do devido processo legislativo, tem-se que o mesmo certifica que as regras de elaboração da lei devem ser sempre observadas, sob pena de ilegalidade ou inconstitucionalidade formal. No ponto, o devido processo legislativo desenvolve a bicameralidade no Processo Legislativo do Congresso Nacional, explicada nas palavras do professor Alexandre de Morais:

[...] O poder Legislativo Federal é bicameral e exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos deputados e do Senado Federal, diferentemente dos estaduais, distritais e municipais, onde é consagrado o unicameralismo (CF, arts. 27, 29 e 32).

O bicameralismo do Legislativo Federal está intimamente ligado à escolha pelo legislador constituinte da forma federativa de Estado, pois no Senado Federal encontram-se, de forma paritária, representantes de todos os Estados-membros e do Distrito Federal, consagrando o equilíbrio entre as partes contratantes da Federação. [...] (2011, p. 430-431).

Dessa forma, os projetos de Lei Complementar que iniciados na Câmara dos Deputados, necessariamente, porque tem iniciativa exógena ao Congresso Nacional, são revisados pelo Senado Federal. Tal estrutura revisional também é aplicada às emendas parlamentares a qualquer projeto de lei, exceto aquelas cujo teor seja meramente redacional. Estas disposições coadunam-se à dicção dos artigos 134 e 135 do Regimento Comum do Congresso Nacional, Resolução nº 1 de 11 de agosto de 1970, abaixo transcritos:

Art. 134. O projeto de lei, aprovado em uma das Casas do CongressoNacional, será enviado à outra Casa, em autógrafos assinados pelo respectivoPresidente.

Parágrafo único. O projeto terá uma ementa e será acompanhado de cópia ou publicação de todos os documentos, votos e discursos que o instruíram em sua tramitação.

Art. 135. A retificação de incorreções de linguagem, feita pela Câmararevisora, desde que não altere o sentido da proposição, não constituiemenda que exija sua volta à Câmara iniciadora.

Sobre tal princípio do bicameralismo, no caso da Lei Complementar nº 135/2010, obviamente, antes de sancionada, houve uma considerável polêmica quando no projeto, pela Casa Revisora, o Senador Francisco Dornelles (PP-RJ) apresentou emenda alterando os tempos verbais da propositura legal em cinco distintas situações. Em todas elas, alterou-se as expressões “tenham sido condenados” pela frase “que forem condenados”, nasalíneas “e”, “h”, “j”, “l” e “n” do art. 1º da LC nº 64/1990. Em verdade, seriam Emendas meramente redacionais, entretanto, as alegações de inconstitucionalidade aduziram que houve ofensa ao sentido da proposição, alterando os efeitos da Lei, que, pelas novas conjugações verbais, deveriam ser considerados retroativos. Conseguintemente, se houve alteração no sentido do texto-lei, o mesmo deveria ser submetido, mais uma vez, à Câmara dos Deputados, casa originária, sob pena de violação ao devido processo legislativo, o que acarretaria a inconstitucionalidade formal à LC nº 135/2010. No ponto, sobre este imbróglio, prevaleceu o cauteloso e pormenorizado voto do ministro Ricardo Lewandovski que, no RE nº 630.147 esclareceu:

Para descobrir o sentido e o alcance dessaemenda de redação, é preciso fazer uma reflexão a respeitoda técnica hermenêutica, pois não existe norma em si mesmaconsiderada, senão aquela que é interpretada pelo aplicadordo Direito.

O primeiro método de interpretação para compreender-se o significado de uma norma jurídica é ogramatical ou filológico. Nessa perspectiva, ao examinar aquestão sob exame, Carlos Vogt, eminente Professor Titularde Linguística, área de semântica, da Universidade Estadualde Campinas – UNICAMP, concluiu o seguinte: “[...] ‘os que forem condenados’ éum enunciado de compreensão e não de extensão.Define, pelo predicado que enuncia, o universocompreensivo dos que nele se incluem pela qualidade de ‘ser condenado’, demaneira conceitual e, nesse sentido,intemporal.Não é um enunciado descritivo, isto é, não inclui por enumeração, no conjunto dos‘condenados’, os indivíduos que a ele pertencem, mas sim o faz por atribuição daqualidade enunciada no predicado ‘sercondenado’.Daí a forma condicional de suaenunciação: em sendo condenado, a qualquer tempo, seja ontem, hoje, ou amanhã, oindivíduo pertence, por compreensão atributiva ao conjunto dos que são definidos peloenunciado ‘os que forem condenados’ e,portanto, compreendidos pela abrangência da lei”. [...]Assim, por tratar-se de mera emenda de redação,forçoso é concluir que o texto não sofreu nenhumamodificação em seu sentido original, pois se tal fosse ocaso, o projeto teria sido devolvido à Câmara dosDeputados. (2013, online).

O princípio da irretroatividade das leis é outro aspecto levantado, por sua vez, no mérito das Ações e recursos submetidos à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF), gerando divergências quanto à constitucionalidade da LC nº 135/2010, e a aplicação de seus efeitos. O conceito legal da irretroatividade pode ser extraído do Decreto Lei nº 4657, de 04 de setembro de 1942, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, quando em seu art. 6º pontua que “[...] a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”. Ora, consiste em não atribuir os efeitos de uma nova legislação aos atos jurídicos realizados no passado, quando não contrariam tais novas consequências calhadas pela normarecém criada. O rol dos direitos e garantias fundamentais também insculpiu o princípio da irretroatividade no art. 5º, inciso XXXVI da Carta Maior: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Porém, apesar de estar contido no texto constitucional e também em uma lei que disciplina, genericamente, as normas do Direito Brasileiro, tal princípio pode ser mitigado em matérias específicas. É o caso de um outro comando constitucional do mesmo art. 5º, mas no inciso XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Eis ai o que a sábia doutrina de Fernando Capezchamou de princípio da retroatividade benigna (2008, p. 157).

De fato, a irretroatividade das leis, bem como a intangibilidade do ato jurídico perfeito e a imutabilidade da coisa julgada, são objetos deexaustivos debate quando das análises da LC nº 135/2010, sobretudo, quanto à alínea “k” que considera inelegível os mandatários que:

Art. 1º [...].

I - [...];

k - [...] renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; [...]

Note-se que a renúncia de mandato em decorrência de representação ou petição capaz de ocasionar uma cassação, antes de 2010 não surtia os efeitos da inelegibilidade. Tão logo, a partir de 2010, renúncias desta estirpe, realizadas em período anterior à vigência e eficácia da LC nº 135, teriam essa força de inelegibilidade? O ministro Luiz Fux entendeu que sim, amparado por Joaquim José Gomes Canotilho, observando que, na Teoria Geral da Norma, há dois tipos retroatividade: a própria ou autêntica; e a imprópria ou inautêntica. Na primeira espécie de retroatividade, a norma possui eficácia retroativa, gerando efeito sobre situações passadas, atingindo relações jurídicas estabelecidas no passado. Na segunda espécie de retroatividade, a inautêntica, também chamada de retrospectividade, a norma jurídica editada atribui efeitos futuros a situações ou relações já existentes. O primeiro caso de retroatividade (própria ou autêntica) é vedado no Brasil. O segundo caso, o da retrospectividade, é permitido e acolhido pelo tribunal, com vistas à fundamentação de sua Excelência, o ministro relator Luiz Fux:

[...] A aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao iushonorum (o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo. Esta, portanto, a primeira consideração importante: ainda que se considere haver atribuição deefeitos, por lei, a fatos pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida na jurisprudência desta Corte. (2012, online).

No ponto, o eminente ministro Luiz Fux ainda avalia que não há que se falar em direito adquirido à candidatura, tendo em vista que o processo eleitoral se dá justamente pela adequação daquele que se propõe a ser candidato no regime de regras e condições para o exercício do direito político passivo (2011, online).

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade também são aventados quando se discute a constitucionalidade da LC nº 135/2010. Necessariamente porque muito embora não encontrem expressa citação no texto constitucional brasileiro, são limites à interpretação da norma, como entende o prof. Fredie Didier Jr. (2008, p. 36), sem prejuízo, portanto, de trazer à tona o § 2º do art. 5º, CF.: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais [...]” (grifo nosso). O professor Juarez Freitas diria que o princípio da proporcionalidade implicaria no fato de que o Estado não deve agir com demasia, com excesso, nem tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos (1997, p. 56).Aprofundando, Humberto Bergmann Ávila ressalta que

[...] pode-se definir o dever de proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados. [...] (2012, p. 175).

Com os olhos voltados à análise da LC nº 135/2010 e uma suposta violação à proporcionalidade, o eminente ministro Dias Toffoli durante a exposição do voto do ministro Gilmar Ferreira Mendes, aproveitou o ensejo para relembrar que a edição da LC nº 5 de 29 de abril de 1970,era extremamenterestritiva ao espaço democrático da cidadania diante das razões históricas e, obviamente, antidemocráticas,do momento em que foi editada (2012, online). Pra causar o espanto peculiar do contexto da ditadura militar no Brasil, no referido diploma legal:

[...] existia previsão que tornava inelegíveis candidatos que tivessem denúncia recebida por crime contra a lei de segurança nacional, contra a administração pública etc. (Art. 1º, I – São inelegíveis, para qualquer cargo eletivo: n) os que tenham sido condenados ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público recebida pela autoridade judiciária competente, por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e aadministração pública, o patrimônio ou pelo direito previsto no art. 22 desta lei complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente reabilitados). Na época da ditadura, surgiram inúmeros processos cíveis e criminais visando exclusivamente tornar inelegíveis alguns candidatos. Nesta época, em 23 de setembro de 1976, o TSE, por voto de desempate (4 votos a 3), declarou a inconstitucionalidade da alínea n desta lei complementar, por ferir o princípio da inocência. O STF, contudo, por escassa maioria, derrubou o entendimento do TSE, alegando, em suma, que o princípio da inocência é aplicado apenas na esfera penal. [...] (CERQUEIRA, 2013, online).

Nesta linha, na LC nº 5 de 29 de abril de 1970, e no entendimento que sob ela assentou-se o STF, após o advento da Constituição Federal de 1988, havia flagrante inobservância ao princípio da proporcionalidade. De modo que, por se tratar de matéria congênere, pesquisadores e juristas apontam que a LC nº 135/2010, na alínea m, não seria destoante aos austeros objetivos legais e antidemocráticos de 1970. O professor Ruy Samuel Espíndola rechaça dizendo que pode haver muitas decisões administrativas que não observam as garantias constitucionais, e, portanto, seria altamente antiquado atribuir a processos disciplinares o que chamou de força derrogadora de direitos (2013, online).

Contudo, o ministro Carlos Ayres Britto, defensor da constitucionalidade da LC nº 135/2010 em sua totalidade, ressalvou que a própria lei permite que o Judiciário, através de qualquer juiz monocrático, possa suspender o ato administrativo ou classista que acarrete a inelegibilidade a terceiro, principalmente se naquele houver sobressaltada discrepância às garantias constitucionais que, por terem eficácia irradiante, devem ser observadas em toda e qualquer situação jurídica, estendendo-se a todos os ramos do Direito (2012, online). Neste ínterim, a proporcionalidade não estaria atacada, com destaques para alínea “k”, que prevê a inelegibilidade ao ato de renúncia para afugentar de representação ou petição que possa acarretar cassação e, de consequência, a negativação do direito político passivo.

Suscitado nos debates sobre a (in)constitucionalidade da lei em questão, oprincípio da segurança jurídica versa sobre uma higidez, uma firmeza, uma estabilidade do Ordenamento Jurídico, que passa ao Estado e aos seus cidadãos não apenas a sensação, mas a certeza de um sistema que não se coaduna a riscos, perigos ou dubiedades. Para o doutrinador UadiLammêgoBulos, tal princípio materializa-se “[...] mantendo estruturas e competências, com vistas à defesa da ordem jurídica [...]” (2011, p. 125). No entanto, com a alteração do rol de direitos políticos negativos, percebe-se uma modificação nas estruturas, admissível, desde que respeite os preceitos que disciplinam tais alterações, contidos na própria ordem jurídica.

Por sua vez, princípio da anualidade eleitoral foi extremamente preponderante no tocante a aplicabilidade da LC nº 135/2010 para as eleições daquele mesmo ano. O art. 16 da Carta da República de 1988 preconiza que: “[...]A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” (grifo nosso). O problema instalou-se porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido naquele ano pelo ministro Ricardo Lewandowiski entendeu que a referida lei deveria produzir seus efeitos para a eleição do mesmo ano em que foi publicada, qual seja, 2010. Necessariamente justificando que o princípio da anualidade pretende apenas uma antecedência para evitar surpresas nas regras da disputa eleitoral. Para os eminentes ministros Ricardo Lewandowiski e Ayres Britto, tal antecedência teria sido observada, pois a publicação daLei Complementar data de 04 de junho do mesmo ano, anterior, inclusive, às convenções partidárias (2012, online). Na Suprema Corte, tal tese não prosperou, pelo voto de desempate proferido pelo ministro Luiz Fux:

‘[...]É aplicar, como naquela ocasião, a literalidade do art. 16 da Constituição Federal, de modo a que as inelegibilidades por instituídas pela nova lei sejam aplicáveis apenas às eleições que ocorram mais de um ano após a sua edição, isto é, a partir das eleições de 2012. [...]’ (2012, online, grifo do autor).

Na ADI nº 4578, a autora, a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), arguiu como objeto de inconstitucionalidade, a alínea “m” da LC nº 135/2010, sob o argumento de que esta ofenderia expressamente o parâmetro constitucional do devido processo legal, insculpido no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, transcrevendo-se: “[...] Art. 5º [...];LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]”. Erigido pelo episódio histórico da Carta Magna de 1215, no qual o rei João Sem Terra pactuou com senhores feudais ingleses o jargão no taxationwithoutrepresentation, ou seja, não haveria recolhimento tributário sem prévia comunicação e discussão com os sujeitos passivos, os contribuintes, no caso, os senhores feudais, o princípio do devido processo legal instaura, naquele momento, uma exigência documental, submetida ao prestígio de donatários de terra representativos, que mais tarde fundariam a concepção básica parlamentar, rebuscando os modelos clássicos de governo da antiguidade grecorromana (LENZA, 2009, p. 5). Tal princípio evocado estaria sendo pisado pela LC nº 135/2010, sob a escusa de que haveria um direito adquirido à elegibilidade, e que esse direito não poderia ser obstado sem a observância a um devido processo legal, no qual prevalecesse a ampla defesa e o contraditório. Pois bem, tal tese não prosperou no julgamento em tela, porque entendeu-se que a elegibilidade não é direito subjetivo do indivíduo e, de consequência, não estaria a mercê de toda a processualística e suas dissidências. Do contrário, é direito que, para o seu exercício, exige manifesto preenchimento a requisitos éticos e elementares.

Por fim, o princípio da presunção de inocência (ou não culpa), levantado como aparentemente controvertido na LC nº 135/2010 é um tanto quanto curioso, pois no julgamento em questão, foi causador de uma revisão de jurisprudência da Suprema Corte. Primeiramente, é importante consignar a previsão internacional deste instituto, mormente o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos, o conhecido “Pacto de San Jose da Costa Rica”, firmado em 22 de novembro de 1969, do qual o Brasil é signatário, tendo o promulgado na forma do Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992. Transcrevendo-se o que traz a lume: “[...] 8.2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa [...]” (2013, online).

Diferentemente da Convenção Internacional, mas quase no mesmo teor, o arrimo do constituinte pátrio, no art. 5º, inciso LVII da Carta Mãe preconiza: “[...] Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado em sentença penal condenatória; [...]” (grifo nosso).O doutrinador Rogério Sanchez Cunha (2013, online) enumera que o primeiro desdobramento deste princípio é o de que qualquer restrição à liberdade do acusado somente se admite após a condenação definitiva, ao não ser que a prisão provisória seja imprescindível à instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, Decreto Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941. Outra consequência deste princípio alinhavada pelo mesmo autor é a de que cumpre à acusação o dever de demonstrar a responsabilidade subjetiva do réu, provando a materialidade e autoria do crime, não cabendo ao acusado provar a sua inocência. No mesmo ínterim, a condenação tem que derivar da certeza do julgador, consagrando o brocardo in dubio pro reo, ou, melhor dizendo, havendo dúvida, julgar em favor do réu.

O processualista penal Nestor Távora alerta que até o marco do trânsito em julgado, que trata-se do esgotamento de todas as vias de recurso no processo penal, o réu deve ser considerado presumivelmente inocente, ou não culpável, cabendo à acusação todo o lastro probatório que demonstre a materialidade e autoria do crime. E, não obstante, o mesmo jurisconsulto citando George Sarmento destaca que houve a necessidade de:

[...] cristalizar a presunção de inocência como um direito fundamental multifacetário, que se manifesta como regra de julgamento, regra de processo e regra de tratamento [...] criando um amplo espectro de garantias processuais que beneficiam o acusado durante as investigações e a tramitação da ação penal [...] (2010, p. 50-51, grifo nosso).

Neste diapasão, é justamente onde reside a revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no tocante à amplitude da presunção de inocência. Até então, prevalecia o entendimento do ministro Celso Antônio Bandeira de Mello, que em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 144, decidiu pela eficácia irradiante e horizontal da presunção de inocência, para além dos espaços do processo penal apenas (2013, online).

Nesta toada, o relator da ADI nº 4578, ADC nº 29 e nº 30, o ministro Luiz Fux, chamou de overruling, ou seja, o fim de uma regra, ou a virada de uma regra, a proposta de revisão de jurisprudência que utilizara para divergir da interpretação dada à presunção de inocência ou não culpabilidade na aludida ADPF do parágrafo anterior. Para o eminente ministro relator, o momento histórico da referida Arguição remetia-se a um período pós-ditatorial muito recente, consoante a imprescindibilidade de elevar ao máximo, as garantias da democracia que insurgia em face de um período arbitrário da história brasileira, 1964-1985. Contudo, ressalta LuizFux, que o momento histórico brasileiro contemporâneo ao seu voto é assaz louvavelmente outro, no qual as instituições democráticas, já consolidadas, fazem um apelo pela moralização da política e pela probidade no manusear da coisa pública. Tão logo, com vistas ao que chamou de “[...] incongruência sistêmica ou social [...]” (2012, online), caberia a relativização da presunção de inocência para fins eleitorais, antes considerada absoluta. Nestes termos, foi seguido pela maioria do colegiado da mais alta corte da República, que afastou a aplicação da presunção de inocência ou não culpa para o processo eleitoral e, sobretudo, quando acolhe os critérios de inelegibilidade constados da redação da LC nº 135/2010.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Glauco Felipe Araújo Garcia

Advogado. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Anápolis - UniEVANGÉLICA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Glauco Felipe Araújo. A Lei Complementar nº 135/2010 no contexto nacional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3579, 19 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24227. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos