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A responsabilidade penal da pessoa jurídica

A responsabilidade penal da pessoa jurídica

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INTRÓITO:

A responsabilidade penal da pessoa jurídica há muito constitui tema que leva a grande divagações doutrinárias, sendo certo que duas correntes se firmaram com o intuito de debater a possibilidade de aplicar às pessoas jurídicas sanções penais.

A destacada maioria dos países, de raízes romano-germânico, defende o princípio societas delinquere non potest. Por assim ser, é inadmissível a punibilidade penal das pessoas jurídicas, sendo-lhes aplicáveis somente sanções de caráter administrativo ou civil.

A contrário senso, nos países anglo-saxões por excelência e, naqueles que receberam suas irradiações, predomina o princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, orientação esta que vem ganhando vulto sobre países até então predominantemente filiado ao sistema romano-germânico, a exemplo da Holanda, num primeiro momento, e há pouco, na França, que introduziu alterações no ordenamento a partir da reforma do Código Penal ocorrida em 1992 e a Dinamarca, que reformou o Código Penal em 1996.

É de Cezar Roberto Bitencourt a bem lançada observação de que "Embora o princípio societas delinquere non potest seja, historicamente, adotado na maioria dos países da Europa Continental e da América Latina, a outra corrente começa a ganhar grandes espaços nos debates dogmáticos de vários países, ante a dificuldade de punir eficazmente a chamada criminalidade moderna, onde as pessoas jurídicas começam a exercer importante papel." (in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. Luiz Flávio Gomes (Coordenador). São Paulo: RT, 1999 - pág. 51/71).


RETROSPECTIVA HISTÓRICA:

Necessária se mostra uma breve exposição histórica sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica envolvendo as variadas concepções que o tema desencadeou ao longo da história da civilização humana para que se possa ter uma melhor compreensão da ebulição que o assunto provoca.

É da evolução social e filosófica que se extraem os alicerces dos conceitos dogmáticos do Direito Penal que levou ao reconhecimento exclusivo da responsabilidade individual.

Deflui-se do estudo do Direito Romano que, em princípio, não se conheceu a figura da pessoa jurídica, embora distinguisse os direitos e as obrigações da corporação - universitas - e os dos seus membros - singuli.

Segundo Ulpiano, naquela época, podia ser exercida a acusação contra o município, que tinha o status de corporação mais importante. A título de exemplo tem-se o fato de que quando o "coletor de impostos" fizesse cobranças indevidas, enganando contribuintes e com isso locupletando-se, possível era a actio de dolus malus contra o município. Uma vez comprovada a responsabilidade do agente público, então denominados "coletores de impostos" os moradores lesados da cidade seriam indenizados. A partir desse entendimento, ganhou corpo no Direito Romano a existência de capacidade delitiva das corporações.

Resta assim, a toda evidência, que as fontes do Direito Romano não só mostraram a existência da capacidade delitiva de uma corporação, como também a nascente distinção entre responsabilidade coletiva e responsabilidade individual.

Avançando-se no contexto histórico, mais propriamente no início da Idade Média, observou-se que as corporações passaram a desfrutar de maior importância no contexto social, sendo, pois, lançado o debate acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica, oportunidade em que os Estados começaram a responder por excessos cometidos contra a ordem social.

É sabido que os glosadores, ainda que não tivessem desenvolvido um conceito de pessoa jurídica, reconheciam a figura das corporações, que nada mais eram do que a soma e a unidade de membros titulares de direitos a que se imputava a possibilidade de delinqüência, sendo este assim entendido quando, por intermédio de uma ação conjunta de seus membros, tinha início uma ação penalmente relevante. Em não sendo conjunta a ação, a responsabilização recaía sobre o membro da corporação, segundo os princípios da imputação individual.

Por assim ser, conclui-se que os glosadores sustentavam a responsabilização das ações das corporações, quer no âmbito penal, quer na esfera civil, reconhecendo certos direitos à corporação ao mesmo tempo em que admitia sua capacidade delitiva.

No período canônico, fase em que os direitos não pertenciam aos seus fiéis, mas sim a Deus, foi aceita a capacidade jurídica da universitas em separado aos de seus membros.

Foi desenvolvida uma concepção centrada no fato de que os titulares dos direitos eclesiásticos não são os membros da comunidade religiosa, mas, na verdade, Deus, que se via representando por um terrestre. Apareceu, pela primeira vez, a distinção entre o conceito jurídico de pessoa e conceito real de pessoa como ser humano, rompimento com as idéias até então defendidas e que deram origem ao conceito de pessoa jurídica que, por conta de uma ficção jurídica, passa a ter capacidade jurídica.

Observa-se que os canonistas foram os primeiros a distinguir a corporação de seus membros e que a partir desse marco a pessoa jurídica passa a ser considerada como pessoa ficta, entendimento semelhante àquele elaborado pelos canonistas e pela teoria da ficção do século XIX, emoldurada por Savigny.

Os pós-glosadores se filiaram à definição dos canonistas segundo o qual a universitas era uma pessoa ficta. Entretanto, contrariamente aos canonistas, admitiam a possibilidade de praticar crimes.

Silvia Bacigalupo, autora da obra La responsabilidad penal de las personas jurídicas, citada por Cezar Roberto Bitencourt (obra citada), assim resume o período histórico em foco: "na Idade Média a responsabilidade penal das corporações (pessoas jurídicas) surge como uma necessidade exclusivamente prática da vida estatal e eclesiástica." . Tal orientação perdurou até o final do século XVIII, quando entraram em cena as idéias do Iluminismo e do Direito Natural, que se traduziram em recusa de qualquer responsabilidade penal coletiva, conduzindo, necessariamente, à responsabilização individual.

Cezar Roberto Bitencourt discorre sobre a época da seguinte maneira: "Os autores, dentre os quais destaca-se Malblanc, passaram a sustentar a impossibilidade de manter-se a teoria da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Malblanc negava tanto a capacidade delitiva da pessoa jurídica como sua capacidade de entender a aplicação da pena."

Prossegue o mestre: "A consagração do princípio societas delinquere non potest, ao contrário do que sustentam alguns autores de escol, não decorreu da importância da teoria ficcionista da pessoa jurídica de Savigny, que negava capacidade de vontade e, por conseqüência, a capacidade delitiva da pessoa jurídica, na medida em que essa ficção não foi obstáculo aos canonistas e pós-glosadores que admitiam a responsabilidade penal da pessoa jurídica. (...) Essa negação de responsabilidade, adotada de plano pela doutrina penal, foi igualmente recepcionada pelo próprio Feuerbach que, segundo sustentava, mesmo com a deliberação unânime da corporação, seria impossível a responsabilidade penal, posto que, nesse caso, não estaria atuando de acordo com a finalidade da associação, mas com finalidade distinta do seu desiderato."


DELIMITAÇÃO LEGAL:

O estudo da responsabilidade penal de pessoa jurídica requer uma análise introdutória da legislação em que foi introduzida explicitamente no ordenamento pátrio a matéria em comento.

Como ponto de partida tem-se o mandamento constitucional, que em dois dispositivos sublinha a responsabilidade penal da pessoa jurídica. São eles o artigo 173, parágrafo 5º e o artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988, ad literam:

"Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

..................

§ 5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

..................

§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, aplicando-se relativamente os crimes contra o meio ambiente, o disposto no art. 202, parágrafo 5o."

As novéis disposições constitucionais trouxeram uma grande efervescência na doutrina brasileira, que ficou dividida em relação ao tema de se aceitar ou não a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Insta consignar que mesmo entre aqueles que aceitavam a responsabilidade penal da pessoa jurídica, ecoava-se numa só voz que o tema demandava detalhamento e disciplina em legislação específica.

Contemplando os espíritos inquietos, disciplinou o legislador penal a responsabilidade criminal com relação aos crimes de que trata através da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, assim dispondo no que se refere à responsabilidade penal objeto do presente estudo, in verbis:

Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único - A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Art. 4º - Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Art. 5º - (VETADO)

Art. 18 - A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida.

Art. 20 - A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.

Parágrafo único - Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá efetuar-se pelo valor fixado nos termos do caput, sem prejuízo da liqüidação para apuração do dano efetivamente sofrido.

Art. 21 - As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:

I - multa;

II - restritivas de direitos;

III - prestação de serviços à comunidade.

Art. 22 - As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:

I - suspensão parcial ou total de atividades;

II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

§ 1º - A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.

§ 2º - A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

§ 3º - A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

Art. 23 - A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:

I - custeio de programas e de projetos ambientais;

II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;

III - manutenção de espaços públicos;

IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Art. 24 - A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderadamente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liqüidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

A promulgação da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 significou um grande passo dentro da órbita da legislação brasileira.

Entretanto, referida lei é duramente questionada por aqueles que não aceitam a imputação de responsabilidade penal à pessoa jurídica.

José Carlos de Oliveira Robaldo tece duras críticas à lei do meio ambiente em artigo intitulado "O Direito Penal na Contramão da História" onde discorre da seguinte forma: "Inquestionavelmente, a Lei 9.605, de 12.02.1998, de um lado, deu um grande passo no sentido de tutelar o meio ambiente de forma mais eficaz, contudo, de outra parte, retrocedeu não só nas generalizações como também nas especificidades. No todo porque, ao prever mais de quarentas figuras delituosas, incorreu na falsa percepção de que o Direito Penal é o remédio para todos os males; no particular, e, com o mesmo propósito, responsabilizou penalmente a pessoa jurídica (...). Isso, sem dúvida, se contrapõe às novas tendências do Direito Penal moderno, em especial, no que se refere à sua intervenção mínima."

Damásio Evangelista de Jesus também externou seu descontentamento ao dizer que referida lei se traduz como "a salsa parrilha para todas as enfermidades".

Sérgio Salomão Schecaria, cuja tese de doutorado foi desenvolvido enfocando o tema, disse que "Em suma, em nosso entender, não obstante o avanço que constitui a edição da Lei 9.605/98, com a introdução da responsabilidade penal da pessoa jurídica no plano infraconstitucional, há que haver certa parcimônia na sua aplicação, pois há inúmeros dispositivos que padecem do vício da inconstitucionalidade."


PANORAMA DA LEGISLAÇÃO COMPARADA:

O advogado e professor Lúcio Ronaldo Pereira Ribeiro, em brilhante artigo publicação no periódico Revista dos Tribunais - RT (ano 87 - Dez/98 - Vol. 758) ), fez primorosa abordagem ao Direito Comparado, de tal modo por completa e abrangente, aqui se transcreve:

" a) Portugal

Ao lado de uma responsabilidade quase penal, o código penal português consagrou no seu art.11 a responsabilidade individual, no entanto, na parte final deste dispositivo, permitiu , através do emprego da expressão "salvo disposição em contrário" que a legislação infraconstitucional dispusesse acerca de outras formas de responsabilidade penal diferentes da individual, tais como, coletiva, a objetiva e o que nos interessa neste estudo, a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Nesse sentido é que se posiciona a doutrina portuguesa LOPES DA ROCHA (A responsabilidade penal das pessoas coletivas - novas perspectivas) e FIGUEIREDO DIAS (breves considerações sobre o fundamento, sentido e aplicação das penas em Direito Penal econômico) no volume coletivo: Direito Penal Econômico, Coimbra, 1985. Ps. 109 e segs. respectivamente) in Reforma ps. 68 e 69).

O Código Penal Português não continha esta ressalva.

As disposições contrárias à responsabilidade individual são as seguintes art. 7o. da Lei 433/82 , que trata das contraordenações; art. 3º da lei 28/84 que prevê delitos econômicos, denominada Lei das infrações antieconômicas. Art.3º da Lei 109/91 que cuida da criminalidade informática. É necessário que o comportamento do agente do ente coletivo atue em representação e nos limites desta representação .Assim é que o preâmbulo do r. decreto-lei, exige sempre uma conexão entre o comportamento do agente - pessoa singular e o ente coletivo, já aquele deve atuar em representação ou em nome deste e no interesse coletivo. E tal responsabilidade tem-se por excluída quando o agente tiver atuado contra ordens expressas da pessoa coletiva.

O Dec. Lei 28 /84 somente afasta a responsabilidade penal do ente coletivo se a pessoa física tiver agido exclusivamente em seu próprio interesse, sem qualquer conexão com os interesses da pessoa jurídica.

É portanto diferente da atuação além dos poderes do mandato, pois que abrange também a atuação no interesse coletivo e os parcialmente em interesse do agente.

A responsabilidade é excluída quando o agente atuar contra ordens ou instruções expressas de quem de direito (art. 3º., 2)

No Direito Penal português, as penas criminais, aplicáveis à pessoa jurídica são as seguintes: admoestação, multa e dissolução acessórias, perda de bens, caução de boa conduta, injunção judiciária; interdição temporária do exercício de certas atividades ou profissões, privação temporária do direito de particular em arrematações ou concursos públicos de fornecimentos privação do direito a subsídios ou subvenções outorgadas por entidades ou serviços públicos, privação do direito de participar em feiras ou mercados, privação do direito de abastecimento através de órgão da Administração Pública ou de entidades do setor público, encerramento definitivo do estabelecimento, encerramento definitivo do estabelecimento e publicidade da decisão condenatória (artigos 7º e 8º.)

b) Grã-Bretanha e Irlanda do Norte

Antes da metade do século passado era princípio geral do Common Law a irresponsabilidade penal das pessoas jurídicas (corporatios). A responsabilização penal das pessoas jurídicas era vedada tanto por obstáculos materiais (incapacidade de querer), como processuais (incapacidade de comparecer) pessoalmente em juízo.

Na segunda metade do século passado, o crescimento industrial foi acentuado, proliferando as corporations. Com o aumento do poder das corporations, os tribunais passaram a admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica nas infrações decorrentes de negligência ou omissão.

O precedente jurisprudencial que neste sentido só a sentença exarada em 1840, pelo Queens`s Bench no caso Reg versus The Birmigham e Gloucester por desobediência a ordem judicial de desobediência a ordem judicial de demolição de uma ponte construída sobre a rua e que se considerava causadora de danos.

Observa LEIGH(p. 377, The criminal liability of corporations in English law, Londres, 1969) na exposição ao Congresso de Messina, que na hipótese, formalmente, a responsabilidade era pena, mas essencialmente civil.

Atualmente na Grã-Bretanha, a pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente, não evidentemente pelos crimes que por sua natureza não possam cometer (v.g. estupro, adultério, bigamia). Na prática, entretanto, a punibilidade se restringe às violações à economia, ao meio ambiente, à saúde pública e à segurança e higiene no trabalho. ( ARAÚJO JR. p.69)

c) Canadá

No Canadá e em alguns Códigos Penais da Austrália, a regra geral é a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Essa responsabilidade se estabelece de duas formas:

a)por fato de outrem;

b)por ela mesma neste caso exigindo que :

1)as pessoas cometam crime com vontade criminosa;

2)no espectro de suas funções como agente da pessoa moral;

3)Com a suficiente posição hierárquica na pessoa jurídica, para que entre em vigor o princípio do alter ego.

d) Holanda

O art.51 do Código Penal da Holanda, alterado em 1976, admite a responsabilidade penal do ente jurídico. Reza o r. dispositivo: tanto as pessoas físicas, como as jurídicas, podem cometer fatos puníveis ( apud ). Já em 1950, na lei contra a delinqüência econômica, admitia-se a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas. Para este entendimento contribuiu a jurisprudência com a teoria denominada autoria funcional.

Como menciona Klaus Tiedmann, a Corte Suprema da Holanda vem reconhecendo em suas decisões que determinadas condutas são ações ou omissões da própria empresa. E somente como conseqüência são imputadas a determinadas pessoas naturais vinculadas às pessoas jurídicas. (Araújo Jr. 1995, p.72)

e) Itália

Na Itália vigora o princípio da responsabilidade pessoal, admitindo-se no casos de pecuniária a responsabilidade subsidiária das pessoas jurídicas. Todavia, esta responsabilidade é de caráter civil.

A doutrina italiana critica este sistema, mormente em face das frações que constituem a chamada política de empresa.

f) Alemanha

Na Alemanha vigora o princípio societas delinquere non potest desde a derrogação da legislação econômica estabelecida pelas potências de ocupação após a II Guerra Mundial, que permitia a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Adota-se no entanto um pujante direito administrativo penal da pessoa jurídica (ou contravenção à ordem).

A punição é feita através de multas administrativas. Basta o comportamento antijurídico, não se exigindo a culpa. No processo a acusação é realizada pela Administração (não o MP) e vigora o princípio da oportunidade(não o da legalidade).

A autoridade administrativa, diante do fato antijurídico contravenção a ordem, conforme o caso, pode impor uma multa e sanções acessórias (confisco) repetição de indébito, nos casos de infrações sobre preços. Desta decisão pode se recorrer através do tribunal administrativo regional.

O art. 30 prescreve como corolário acessório da conduta de uma pessoa física, a aplicação de uma multa contra pessoa jurídica ou associação de pessoas, se seus órgãos tiverem cometido delitos ou contravenções à ordem e lesado assim a legislação referente à empresa ou tenham atuado com o fim de favorecer a esta. A multa é proporcional ao benefício.

Os arts. 8 e 10 sobre delinqüência econômica contempla o confisco a pessoa jurídica ou as sociedades sem responsabilidade jurídica de direito mercantil, do superávit, ou seja, a diferença entre o benefício permitido e o obtido. O superávit observa BARBERO SANTOS (p. 69) deve ser conseqüência da violação dos preceitos da citada lei sobre a delinqüência econômica - , relativa à regulação de preços, percepção de honorários como agentes de locação , etc.

Não somente nas leis especiais dispõem sobre medidas acerca das pessoas jurídicas, mas no Código Penal, no art. 73, prescreve o confisco de bens nos casos de atuação por outro , se o outro (pessoa jurídica) foi beneficiada.

O art. 14 do CP regula o atuar por outro(em vigor desde 1º de outubro de 1968).

g) França

O anterior Código Penal francês não continha nenhuma disposição vedando ou permitindo a responsabilização penal da pessoa jurídica.

Assim, a legislação poderia dispor sobre casos de responsabilidade penal da pessoa jurídica. É o que acabou ocorrendo em relação aos delitos econômicos.

A reforma francesa recolhe plenamente a responsabilidade das pessoas jurídicas.

O Código Penal francês em vigor desde 1º.3. 1994, adota a responsabilidade penal da pessoas jurídicas por seus atos ou de seus representantes."

Desta forma, conclui-se, em linhas finais versando sobre a responsabilidade da pessoa jurídica no mundo que é ela adotada de forma tradicional na Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos, Austrália, Malta e em Luxemburgo.

Nestes países as corporações são responsabilizadas de forma tradicional, sendo certo que na Inglaterra e nos Estados Unidos a pessoa jurídica é sujeito ativo de crimes desde o século passado.

Na Inglaterra, a responsabilidade penal em comento está generalizada por todos os Estados, exceção que se registra apenas em relação aos delitos que lhe são totalmente impossíveis de ser praticado por conduta que não seja humana, a exemplo de crimes como adultério, bigamia, estupro, englobando a possibilidade delitiva, no mais das vezes, aos delitos que viole a economia, meio ambiente, saúde pública, segurança, higiene e trabalho.

Enfocando a América Latina, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é adotada pelo México e por Cuba, e, agora, pelo Brasil, que elevou o princípio societas delinquere potest a âmbito constitucional.


ENFOQUE DOUTRINÁRIO CONSTITUCIONAL

A preocupação com o meio ambiente remonta à antigüidade em vários ordenamentos jurídicos.

É sabido que já nas Ordenações Filipinas era previsto no Livro Quinto, Título LXXV, pena altamente severa àquele que cortasse árvore ou fruto, penas estas que vulnera o infrator ao açoite e ao degredo para a África pelo lapso de quatro anos, em caso de dano mínimo, ou, em sendo considerado de maior gravidade, persistiria o degredo para todo o sempre.

No Brasil, até a promulgação da Constituição de 1988, o tema da proteção do meio ambiente nunca havia sido motivo de tutela constitucional, tendo a atual Carta Maior constituído um marco histórico, na medida em que dedicou um capítulo para disciplinar o assunto.

Tal elevação ao status constitucional veio de encontro a uma tendência contemporânea com os interesses difusos, e, em especial com o meio ambiente, que deve ser saudável, equilibrado e íntegro.

José Afonso da Silva ao discorrer sobre a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica diz que "Cabe invocar, aqui, a tal propósito, o disposto no art. 173, § 5º, que prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídica, independente da responsabilização de seus dirigentes, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente."

Os professores Celso Bastos e Ives Gandra Martins dizem que "a atual Constituição rompeu com um dos princípios "que vigorava plenamente no nosso sistema jurídico, o de que a pessoa jurídica, a sociedade, enfim, não é possível de responsabilização plena."

Preciso é sublinhar que a Constituição Federal também possibilita a responsabilização penal da pessoa jurídica em infrações cometidas contra o meio ambiente; contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Sem previsão específica no Código Penal Brasileiro, a sujeição criminal está na legislação extravagante, instando aqui também ser consignada a Lei de Engenharia Genética (Lei 8.974/95).


SINOPSE ALICERÇANTE DO PRINCÍPIO "SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST"

-No sistema jurídico positivo brasileiro a responsabilidade penal é atribuída, exclusivamente às pessoas físicas, posto que a imputabilidade jurídico-penal é uma qualidade inerente aos seres humanos, cedendo, pois, espaço para o problema da incapacidade de ação da pessoa jurídica;

-O art. 26 do Código Penal trata de considerações da pessoa, que possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento;

-Admitir a responsabilização penal da pessoa jurídica arranha o princípio da personalidade da pena;

-É impossível admitir-se, ainda que com grande dose de benevolência, que a pessoa jurídica seja dotada de vontade e de consciência "pessoais";

-O afastamento da responsabilidade pessoal afronta o art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, bem como o da legalidade dos delitos e das penas estampados no inciso XXXIX, do mesmo artigo da CF;

-As normas ditadas pela Lei Maior sobre a responsabilidade da pessoa jurídica são de caráter administrativo e não penal, posto que não se compatibilizam com a dogmática penal, em especial quanto à culpabilidade, aos fins da pena e ao direito penal mínimo, isto é, ao direito penal da ultima ratio, em especial quanto ao seu caráter fragmentário e subsidiário;

-Os bens jurídicos que se procuram tutelar já se encontram tutelados civil e administrativamente no ordenamento jurídico, com sanções em ambas as esferas, mais eficazes e de aplicabilidade menos burocráticas;

-A co-autoria ou participação, no campo penal, entre pessoas jurídicas ou entre a pessoa jurídica e a física é outro tema de difícil elucidação no aspecto prático, em face dos requisitos do concurso de agentes;

-O legislador penal de 1998 enunciou a responsabilidade penal da pessoa jurídica de forma extremamente simplista, cominando-lhes penas, sem, contudo, instituí-las. Faltam instrumentos hábeis e indispensáveis para a efetiva aplicabilidade;

-Não se deve recorrer ao Direito Penal sancionatório se existir a possibilidade de garantir uma eficiente proteção através de outros meios, de tal sorte que responsabilidade penal da pessoa jurídica fere o Direito Penal mínimo;

-Para o Direito Penal, para qualquer uma das teorias que se adote (clássica/causalista, finalista e social), deve a conduta corresponder a um comportamento humano voluntário, o que reflete o pensamento do clássico-causalista Nelson Hungria, do finalista Damásio de Jesus ou do socialista Miguel Reale Júnior;

-O concurso de pessoas exige a consciência entre os participantes de que estão cooperando para uma e comum ação, conforme preleciona Mirabete;

-A finalidade da pena é desvirtuada quando é aplicada para a pessoa jurídica, já que é sabido que a pena visa a intimidação do infrator e das demais pessoas a inibir a prática de condutas proibidas (Hungria, Fragoso, Damásio, Mirabete, etc.).

Na literatura estrangeira são contrários à possibilidade de ter a pessoa jurídica responsabilidade penal, entre outros, pode ser citado o jurista espanhol Barbero Santos. No território nacional o tema é defendido pelos juristas Renê Ariel Dotti e Cezar Bitencourt, Oswaldo Henrique Duck Marques, Luiz Vicente Cernecchiaro entre outros.


SINOPSE ALICERÇANTE DO PRINCÍPIO "SOCIETAS DELINQUERE POTEST"

-Em todo o mundo as legislações se preocupam com o fato de serem as pessoas jurídicas uma alavanca que facilita as atividades criminosas que devem, por isso, serem responsabilizadas não só civil e administrativamente, como também na esfera penal;

A pessoa jurídica é, no mais das vezes, mais nociva do que a grande esmagadora maioria das pessoas físicas dado seu poder econômico, poder este que facilita a cobertura de prática de delitos que, em não sendo a corporação responsabilizada, vulnera os hipossuficientes dirigentes às sanções individuais;

A resistência dos partidários da tese contrária reside nos clássicos conceitos de ação, culpabilidade e capacidade de pena, que se mostra ultrapassada para os dias atuais, na medida em que está centrada na idéia retributiva da pena, assim traduzida como sofrimento e tormento;

-A doutrina inglesa, holandesa e americana já avançaram a passos largos, passando a enxergar que se a pessoa jurídica é capaz de contratar, tem também capacidade para, criminosamente, descumprir o contratado;

-No Direito Penal Econômico há muito já se prevê crimes em que somente as pessoas jurídicas são responsabilizadas, exclusivamente;

-A argumentação de que a pessoa jurídica não pode agir é espancada pelo fato de que o ordenamento penal brasileiro prevê o concurso de agentes que é regido pelo princípio da comunicabilidade das circunstâncias, em que é estabelecida a solidariedade penal entre o agente pessoa física e a empresa em proveito da qual o crime foi praticado;

-A doutrina francesa está assim consolidada: "A pessoa jurídica coletiva é perfeitamente capaz de vontade; ela postula mesmo a vontade, porquanto nasce e vive do encontro das vontades individuais dos seus membros. A vontade coletiva que a anima não é um mito, caracteriza-se em cada etapa importante de sua vida, pela reunião, pela deliberação e pelo voto da assembléia geral dos seus membros ou dos seus Conselhos de Administração, de Gerência ou de Direção. Essa vontade coletiva é capaz de cometer crimes tanto quanto a vontade individual." (Roger Merle et André Vitu, Traité de droit criminel - Problèmes généraux de la science criminelle. Droit pénal général, Cujas, Paris, 6ª ed., 1998).

-É de José Marcello de Araujo Junior que se extrai o seguinte pensamento acerca da capacidade de culpa da pessoa jurídica:

"No agir de uma empresa que polui um rio ou obtém, ilicitamente, uma subvenção, reconhece-se, sem qualquer dificuldade, a existência de uma conduta que não está privada de um caráter ético ou moral. Desse atuar resulta uma responsabilidade que não é igual à chamada responsabilidade cumulativa, que nasce da soma das responsabilidades individuais, nem está fundada numa responsabilidade por fato de outrem. Trata-se de uma responsabilidade originária da empresa, de fundamento social, pois a empresa, do pondo de vista ético ou moral, possui uma responsabilidade por autuar dentro da sociedade da qual extrai o seu ganho e a sua existência."

-A visualização da culpabilidade como um conceito normativo faz desaparecer o obstáculo que poderia impedir a responsabilização penal da pessoa jurídica;

-A tese sustentada de que a pessoa jurídica não é capaz de pena é facilmente debatida ante o fato de que não se mostra razoável, em pleno terceiro milênio, manter-se a mesma concepção teórico-penal. Não tem mais o Direito Penal a finalidade de fazer justiça, compensando-se a culpa com a pena. "O Direito Penal de uma Estado Democrático, laico, não se vincula a finalidades teológicas ou metafísicas, mas sim destina-se a fazer funcionar a sociedade." Sob este prisma, pouco importa que o violador da norma seja uma pessoa física ou jurídica;

-O sistema penal vigente, por intermédio das penas alternativas, possibilita a punição da pessoa jurídica, a exemplo das penas alternativas, como as de multa.

Na literatura estrangeira é defensor da possibilidade de ter a pessoa jurídica responsabilidade penal, entre outros, o professor alemão Klaus Tiedemann. A doutrina nacional tem como favoráveis os professores Salomão Shecaria, João Marcello de Araújo Júnior, Paulo Affonso Leme Machado; Antônio Herman V. Benjamin; Vladimir e Gilbrto Passos de Freitas e Damásio Evangelista de Jesus (que anunciou seu posicionamento no 3º Congresso Brasileiro de Direito Ambienta ocorrido em 03.06.98).


QUESTIONAMENTOS QUE O TEMA DESENCAIA

1. Por Luiz Regis Prado: O rompimento do clássico princípio do societas delinquere non potest, com a criação da responsabilidade penal da pessoa jurídica para os crimes ambientais seria a resposta correta no contexto da própria lei e do ordenamento jurídico brasileiro?

2. Por José Carlos de Oliveira Robaldo: Em sendo o infrator da lei penal pessoa jurídica de direito público, a sociedade pagaria duplamente pela infração?

3. Por José Carlos de Oliveira Robaldo: A aquisição ou transporte de madeira constitui, em tese, o delito tipificado no artigo 46 da Lei 9.605/98, cuja pena é de detenção mais multa. Questiona-se: como se aplicar a sanção? Aplicaria a detenção, e logo a substituiria pela restritiva de direitos ou multa?

4. Em se aplicando sanção às corporações, como se exigirá que um ente fictício sinta-se intimidado com o caráter sancionatório?

5. Alberto Silva Franco: A lei do meio ambiente trata-se de "verdadeiro besteiro jurídico". Mas será que a maneira diferente de definir crimes representa retrocesso que viola as garantias fundamentais do indivíduo?

6.Luis Paulo Sirvinskas: As penas contidas nos tipos penais da parte especial da Lei Ambiental são as privativas de liberdade. Não constam nos tipos penais as penas aplicáveis às pessoas jurídicas, mas só para as pessoas físicas. "Assim, como se aplicar as penas contidas na parte geral da lei às pessoas jurídicas? Como fazer a integração da parte geral à parte especial? Como fazer a dosimetria da pena?


CONCLUSÃO:

A idéia de imputar sanção não só aos autores materias da ação penalmente tutelada pelo Estado como também à pessoa jurídica significa um avanço que vai de encontro às mutações contemporâneas exigidas por uma série de fatores, que modernamente vem sendo traduzido como globalização.

Por mais que hajam divergências sobre a manutenção no sistema jurídico do princípio societas delinquere non potest, é fato que praticamente todos os países do mundo, com exceção da Espanha, aceitam como necessária a criação de medidas sancionatórias para as pessoas jurídicas. Se dentro da órbita penal ou administrativa, esta é uma discussão paralela que não afasta a necessidade de punição para as corporações.

A efervescência que o tema da responsabilização penal da pessoa jurídica provoca não é de tudo infundada.

De fato, existem dificuldades de dogmática penal, prestigiadas e de vulto, é bom que se frise, que impedem os contrários à tese da adoção da responsabilidade da corporação de se filiarem ao princípio da societas delinquere potest.

Para esta corrente, os dogmas tradicionais da escola penal estão extremamente arraigados, residindo suas inquietações à ação, que está sempre ligada a um comportamento humano pela exegese de nosso vigente diploma penal.

Nesta esteira, bem reflete o pensamento de Cezar Roberto Bitencourt, que defende que não pode o Direito Penal, sob nenhum pretexto, abrir mão de conquistas históricas que se consubstanciam em garantias destacadas como fundamentais.

Entretanto, como bem destaca ninguém menos do que Sérgio Salomão Shecaria, monografista no assunto, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é fato. Está ela consubstanciada na Constituição da República, o que, por si só, impõem o tracejar de outras reflexões dogmáticas.

Não é o caso de se desprezar o já consagrado tripé penal: intervenção mínima, subsidiariedade e fragmentariedade, e sim, repensar o sistema penal tradicional diante dos novos ditames da Carta Maior.

Também não se deseja, e nem seria razoável, sufocar a dogmática penal que a reserva como ultima ratio.

O posicionamento simplesmente contrário ao princípio da societas delinquere non potest, incondicionado, não parece, data venia, apropriado para o momento em que se vive num mundo globalizado, devendo ser destacado, no entanto, s.m.j., o posicionamento daqueles que são contrários à responsabilização por conta de estar o sistema jurídico-penal reclamando profundas mudanças com o intuito de ser adaptado e instrumentalizado para a efetiva responsabilização nos moldes instituídos pela Lei Maior.

A professora Maria Celeste Cordeiro Leite Santos propõe uma sedutora substituição do substrato antropológico do direito penal em que se alterariam seus pressupostos fundantes para melhor se possibilitar a aplicação de sanção à pessoa jurídica: "implica na ampliação de atuação do Direito Penal, ou na sua bifurcação em dois braços perfeitamente diferenciados: 1) aquele relativo às pessoas individuais, cimentado sobre os dogmas conhecidos de um lado; 2) o do Direito Penal das corporações, construído sobre uma realidade distinta, regido por princípios distintos, que encerram o gérmem de uma possível solução. Seus desígnios são em parte alheios ao Direito Penal que conhecemos."

Schecaria, a contrario sensu, diz não haver necessidade de previsão no Código Penal de tipos específicos para a pessoa jurídica, eis que assim discorre: "A introdução da referida responsabilidade far-se-á em lei extravagante, apenas para os casos específicos previstos na Constituição, o que dispensa qualquer modificação de nosso Código Penal".

É a lei do meio ambiente uma realidade e não um projeto de lei em fase de discussão. O legislador ordinário nada mais fez do que concretizar o imperativo constitucional.

A título de finalização, traduz-se em grande valia para as reflexões relativas ao tema o assinalado por E. Bacigalupo Zapater, em sua obra La posición de garante en el ejercício de funciones de vigilância en el ámbito empresarial, citado em artigo de autoria de William Terra de Oliveira: "Na verdade, se lançarmos um rápido olhar sobre as linhas seguidas pelo sistema penal tradicional, percebemos que a dogmática clássica não demonstrou, até um passado relativamente recente, uma preocupação profunda sobre a problemática da responsabilidade penal individual no âmbito empresarial ou coletivo."

Conclui-se, por todo o exposto, que se tem dentro da realidade jurídico-penal que está instalada com a introdução de citados dispositivos legal, que a inércia legislativa mostra-se contrária ao molde criminal que está firmando-se neste terceiro milênio, sendo, pois, imperiosa a adequação da legislação penal com o fim de poder de dar ampla e irrestrita aplicabilidade à responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Rui Barbosa, através de seu célebre pensamento eternizou que: "Não há, numa Constituição, cláusulas a que se deve atribuir meramente o valor moral, de conselhos avisos ou lições. Todas têm força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos. Cabe, pois, ao legislador, disciplinar a matéria."


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRISPIN, Mirian Cristina Generoso Ribeiro. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2475. Acesso em: 23 abr. 2024.