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Liberdade provisória

das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo intérprete

Liberdade provisória: das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo intérprete

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Presume-se como verdadeira a alegação da falta de condições econômicas do acusado que pleiteia liberdade sem fiança, já que essa mazela econômica é a regra dos encarcerados brasileiros.

 Resumo: Diante da configuração de que a prisão em flagrante não pode mais ser mantida como forma de segregação cautelar por si mesma depois de desempenhadas as formalidades do auto de prisão, eis que assim determinou a reforma judicial operada pela Lei nº 12.403/2011, a presente monografia escolheu como objetivo a análise da concessão liberdade provisória mediante fiança policial ainda que haja a alegação da miserabilidade pelo acusado preso em flagrante. Prisão essa que vem sendo mantida em algumas decisões judiciais que alegam o dever de resguardar os objetivos daquela caução. A problemática se instaura a partir do momento em que o abastado pode imediatamente obter a sua liberdade, que é pressuposto e garantia, enquanto que aquele que tem poucas posses tem forma diferenciada no trato do seu direito de liberdade ante a medida cautelar imposta de forma automatizada, a fiança.  Suscita-se se a impossibilidade do pagamento dessa garantia, com a consequente permanência da segregação do acusado pobre preso em flagrante, reveste o lapso entre a fiança arbitrada pelo delegado de polícia e a chegada dos autos do flagrante às mãos do magistrado como espécie de prisão automática, eis que aquele que não apresenta condições econômicas de arcar com o valor afiançado tem permanecido segregado sem ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial. Este trabalho também mira as decisões judiciais que têm mantido a fiança nesses casos, mesmo diante da simples alegação de miserabilidade nos termos do art. 350 do CPP. No presente estudo aborda-se a inserção da prisão no sistema cautelar processual penal, o instituto da liberdade provisória antes e depois da Lei nº 12.403/2011, o art. 350 do CPP como espécie de liberdade provisória sem fiança, a fiança estipulada pelo delegado como resquício legislativo histórico, os princípios constitucionais e processuais penais que resguardam o direito à liberdade antes da certeza condenatória, a proibição da prisão por dívida, a necessidade de maior credibilidade às outras medidas cautelares diversas da prisão e da fiança e o real acolhimento da assistência jurídica gratuita para com esses presos em flagrante, que sofrem os efeitos deletérios do cárcere enquanto necessitam atender a intricada exigência judicial de provar sua condição econômica.   

Palavras-chave: PRISÃO EM FLAGRANTE - FIANÇA - LIBERDADE PROVISÓRIA - PROVA DA MISERABILIDADE - PRISÃO POR DÍVIDA - ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA - SISTEMA CAUTELAR.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1.A incidência da prisão e da liberdade no sistema cautelar. 1.1.Da prisão e seu desdobramento no curso histórico. 1.2.Dispersão legislativa da fiança criminal e da liberdade provisória. 1.3.Percepção sobre o fenômeno da “cautelarização” e sua composição. 1.3.1.Noções sobre a prisão temporária. 1.3.2.A função da prisão domiciliar. 1.3.3.Os pressupostos e requisitos de admissibilidade da prisão preventiva como inspiração aos alicerces de todas as medidas cautelares. 1.3.4.A estrutura da prisão em flagrante e a cessação de sua finalidade. 2.O instituto da liberdade provisória antes e depois da Lei nº 12.403/2011. 2.1.A relação da prisão em flagrante com o instituo da liberdade provisória. 2.2.O art. 350 do cpp como espécie da liberdade provisória sem fiança. 2.3.Não admissão da fiança x admissão da liberdade. 2.4.O novo procedimento em vigor da liberdade provisória mediante pagamento de fiança.. 2.5.Fiança estipulada pelo delegado de polícia. 3.Das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo INTÉRPRETE. 3.1.Princípios constitucionais penais e o valor da liberdade na constituição. 3.1.1.Princípio da dignidade da pessoa humana e do favor libertatis relacionados com a excepcionalidade da prisão cautelar. 3.1.2.Princípio da legalidade estrita da prisão cautelar e do devido processo legal. 3.1.3.Princípio da proporcionalidade na prisão cautelar. 3.1.4.Princípio da presunção de inocência e a restrição da liberdade individual. 3.1.5.Princípio da igualdade no tratamento dos sujeitos da fiança. 3.2.A proibição de prisão por dívida. 3.3.Da assistência do advogado ao preso provisório. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 


INTRODUÇÃO

Diante da reforma operada pela Lei nº 12.403/2011, a liberdade mediante fiança sofreu alterações drásticas, passando a entregar maior poder à autoridade policial para conceder fiança, aumentou os casos de crimes afiançáveis e alterou substancialmente o valor da fiança. A liberdade é direito e regra no Estado Democrático de Direito, por isso as medidas cautelares que restringem o status libertatis do acusado só se justificam diante da necessidade, adequação e excepcionalidade da medida.

No Brasil, parece ter permanecido como uma espécie de prisão automática, porque sem manifestação judicial para revesti-la, o lapso entre a fiança arbitrada pelo delegado de polícia e a chegada dos autos do flagrante às mãos do magistrado, eis que aquele que não apresenta condições econômicas de arcar com o valor afiançado tem permanecido segregado. Ainda que muitos considerem que essa segregação não seja tão extensiva ou duradoura, ela parece ser desmotivada, desarrazoada, fere o princípio da igualdade, da presunção de inocência e atenta contra o princípio maior, da dignidade da pessoa humana. 

Passa-se a analisar a aplicabilidade pelo magistrado do art. 350 do CPP, que permite ao juiz, após verificar a situação econômica do segregado provisoriamente, conceder a liberdade provisória sem fiança, sujeitando o acusado às obrigações constantes dos artigos 327 e 328 do CPP e a outras medidas cautelares, se for o caso.  A questão a ser discutida e analisada é se há uma diferença de tratamento entre o rico preso em flagrante e o pobre preso em flagrante. Uma apreciação sobre a diferença entre os dois em idênticas condições, flagrância em que caiba a concessão de fiança policial, indica, ao menos perfunctoriamente, que a questão é de sorte do primeiro e azar do segundo, eis que o primeiro obtém a finalidade da lei, a qual consiste em simplificar o processo de soltura de quem pode pagar a garantia real, ao passo que o segundo, sofre os efeitos deletérios da segregação, porque a prova da sua condição de miserável não tem presunção de veracidade aos olhos do judiciário. O presente trabalho vem questionar esse tratamento dado ao acusado, o que parece ferir os princípios norteadores do processo penal e da dignidade da pessoa humana. 

As novas medidas cautelares objetivam resolver o problema da superlotação dos presídios, especificamente dos que abrigam presos provisórios. Entretanto, a subsistência da prisão em flagrante após o arbitramento da fiança ao acusado pobre e a não concessão do benefício do art. 350 do CPP ferem o princípio da liberdade, que é regra, e cria uma prisão automatizada, desnecessária e sem a judicialização exigida como pano de fundo de toda prisão. A negativa da liberação da fiança nesse caso não estaria configurando caso de prisão civil por dívida? A essa automatização e falta concreta de fundamentação na denegação da liberdade provisória sem o pagamento da fiança nas condições do art. 350 do CPP não feriria os primados constitucionais?  Enfim, essa é a celeuma que gira em torno da vedação da concessão da liberdade provisória e da manutenção da prisão preventiva, a qual apresenta, nesse caso, não ser medida de ultima ratio. Igualmente se questiona se há, por parte do magistrado, falta de credibilidade na concessão das medidas cautelares diversas da prisão.

O presente trabalho, com o escopo de verificar essas hipóteses, passa pelo estudo do campo da liberdade provisória mediante fiança, especificamente a fiança criminal arbitrada pelo delegado de polícia e mantida pelo magistrado ante a falta de condições econômicas do acusado preso em flagrante, a partir da atualização processual penal conferida pela Lei nº 12.403/2011.

O estágio sobre o assunto não se encontra tão estalado, eis que não houve tempo hábil para a doutrina discutir se o judiciário tem dado subsistência às novas medidas cautelares diversas da prisão. Entretanto, o trabalho objetiva que se dê a essas outras medidas cautelares aplicabilidade ante a liberdade provisória mediante fiança quando o acusado não a efetiva, por alegar a parca condição econômica. O tema se faz importante na medida em que envolve a privação de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.  A fim de esclarecer tais questionamentos, utilizou-se ampla pesquisa bibliográfica e entendimento tecido na jurisprudência.

Inicialmente, buscou-se verificar a conjuntura no tratamento da liberdade, da fiança e da prisão cautelar no curso histórico da legislação constitucional e processual penal brasileira e sua inserção no quadro das medidas cautelares. A história pode fornecer os conceitos e termos operacionais que possibilitam a compreensão da realidade jurídica pesquisada. Em seguida, procurou-se verificar o procedimento da liberdade provisória antes e depois da última reforma processual penal. Por fim, averiguou-se se a fiança é limitadora da liberdade do acusado menos abastado e se ela se coaduna com os princípios constitucionais referentes às medidas cautelares e com a proibição da prisão por dívida, além de analisar a importância da defesa técnica ao acusado preso em flagrante diante do art. 350 do CPP.


1.  A INCIDÊNCIA DA PRISÃO E DA LIBERDADE NO SISTEMA CAUTELAR

1.1. Da prisão e seu desdobramento no curso histórico

A prisão, se em desconformidade com os princípios constitucionais dogmáticos, é uma forma de tolher o direito à liberdade, direito natural do homem previsto no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Guilherme de Souza Nucci conceitua prisão como “privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere” (NUCCI, 2011a p. 575). O autor do Livro Nova Prisão Cautelar, Renato Brasileiro de Lima, traz o seguinte conceito:

No sentido que mais interessa ao direito processual penal, prisão deve ser compreendida como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da pessoa humana ao cárcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, seja em face de transgressão militar ou por força de crime propriamente militar, definidos em lei (CF, art. 5º, LXI) (LIMA R.B., 2011 p. 57)

Os motivos que dão ensejo à prisão podem ser baseados em legislação democrática que guarde unicidade entre a estrutura do seu processo penal e a Constituição ou em legislação que afronte preceitos constitucionais. Para entender qual o quadro da legislação brasileira neste assunto se faz necessária uma incursão no seu mapa histórico. Sabe-se que as legislações que vigoravam no Brasil Colônia eram as mesmas de Portugal, que tinha seu Direito Processual Penal influenciado pelo Direito Romano. 

Constitui-se em esclarecimento importante o de que, no Brasil, o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do condenado, enquanto o Código de Processo Penal regula a prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar até quando se fizer necessária ou até a decisão absolutória ou condenatória irrecorrível.

Historicamente, a prisão não surgiu com a natureza de pena, mas de medida cautelar, no sentido de custodiar o acusado até emissão da sentença e sua execução. Aury Lopes Jr. (LOPES JR., 2011a p. 2)informa que, até o fim do século XVIII, as sanções caracterizavam-se na forma de pena morte, corporais e infamantes. Na verdade, por muito tempo, a regra era a pena de morte, mediante o uso da forca. O mencionado autor também compartilha que, na época pré-moderna, idade média, as penas tinham traços de tortura e barbaridade, não se fazendo uso da privação da liberdade como forma de pena.

Aos poucos foi se questionando a eficácia dessas medidas bárbaras e com a inspiração na prisão canônica, a qual carregava a ideia de que a pena não tem por fim a destruição do condenado, mas seu melhoramento, conjugada com o movimento que pairou sobre a Europa no Século XVII, o qual iniciou a construção de prisões voltadas para a correção dos apenados mediante o uso da disciplina e do trabalho (LOPES JR., 2011a p. 2), converteu-se a prisão-custódia em prisão-pena. O capitalismo influenciou tal conversão, uma vez que seria mais inteligível utilizar os presos como mão de obra. Realmente, o surgimento da prisão pena se deu no século XVIII e no XIX quando se consolidou como principal forma de pena.

Os traços da prisão como medida cautelar aparecem no curso histórico dos hebreus, gregos e romanos. O acusado hebreu só era preso preventivamente no caso de flagrante. A prisão preventiva era vastamente empregada na Grécia antiga.

Em Roma, após citado, se o acusado não comparecesse ante o magistrado, isso poderia levar à aplicação da prisão preventiva (LIMA M.P., 2011 p. 28). Com o advento do processo acusatório, a liberdade do acusado durante o julgamento era regra. No período Imperial Romano, as cautelares se apresentavam na forma de prisão e liberdade vigiada, sendo esta a mais utilizada. Neste período, a prisão preventiva era restrita aos casos de flagrante, confissão e crimes contra a segurança do Estado. Esse atrelamento demonstra que o objetivo da prisão preventiva era garantir a aplicação da pena definitiva.

Na idade média, perante o processo inquisitório, a prisão era sempre prévia ao processo, porquanto passou a equivaler à citação judicial, além de permitir ao inquisidor ter o acusado a sua disposição, o que facilitaria a obtenção de uma confissão por tortura. No século XIII (LIMA M.P., 2011 p. 30), sob a influência do direito canônico e o romano, fundiram-se o processo acusatório e inquisitório e surgiu lei portuguesa que restringia a prisão preventiva, trabalhando cuidadosamente essa prisão para evitar prisões ilegais. Inclusive, a lei portuguesa do ano de 1264 proibia a prisão do detido se ele apresentasse fiadores para garantir seu comparecimento em juízo, com exceções das infrações consideradas graves.

As Ordenações Afonsinas, de 1446, proibiam prisões embasadas em simples denúncias e querelas. De outro modo, as Ordenações Manoelinas previam os casos em que podia ocorrer a prisão mediante querela jurada. Já nas ordenações Filipinas, em 1603, o juiz poderia ponderar sobre a necessidade ou não da prisão.

No Brasil colônia, vigorou as Ordenações Filipinas até a promulgação, em 1832, do Código de Processo Criminal do Império. Eugenio Pacelli de Oliveira (2011 p. 572) repara que, desde o tempo da legislação imperial até as ordenações Filipinas, imperou no ordenamento processual brasileiro a regra da privação liberdade antes do trânsito em julgado, embasada no risco de não comparecimento do acusado para julgamento. Naquele tempo, a liberdade provisória era uma exceção e era concedida mediante certas garantias, sendo elas as cartas de seguro, a homenagem, os fiéis carcereiros e a fiança. Todas essas garantias eram modalidades de liberdade provisória, de natureza fidejussória, e garantiam a apresentação do preso no dia do julgamento. Observe que a liberdade não era concedida como direito, mas como mera faculdade do Poder Público.

Após a Revolução Francesa, em 1789, foi promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que determinava reprimir o abuso na prisão de pessoa considerada culpada e que fosse necessária a sua prisão. Como no Brasil era comum a prisão por ordem da Intendência Geral de Polícia, inclusive só era permitida a liberação do preso por esta instituição, mesmo que sobreviesse sentença de absolvição, D. João, em 1812, determinou que, sobre todos aqueles que adviessem a absolvição, deveria ser restituída a liberdade, independentemente da determinação da Intendência Geral de Polícia.

Em 1821, editou-se decreto determinando que nenhuma pessoa livre no Brasil pudesse ser presa sem ordem escrita e fundamentada da autoridade competente, exceto no caso de flagrante delito, e não podendo a autoridade expedir ordem de prisão sem proceder culpa formada por inquirição de três testemunhas.

A Constituição Imperial, 1824, dispunha que ninguém seria preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei, e que mesmo com culpa formada, ninguém poderia ser conduzido à prisão, ou nela conservado se prestasse fiança idônea, quando cabível. A partir daí, a fiança passou a ser a única modalidade de liberdade provisória e tinha natureza de garantia real e não mais de fidejussória. Exigia-se que a prisão só se fizesse perante ordem escrita do Juiz. Este ou quem tivesse requerido a prisão seriam punidos por eventual arbitrariedade. O inciso IX do art. 179 daquela Constituição tratava do termo “livrar-se solto”, que consistia na obtenção da liberdade sem pagamento da fiança se fosse crime punido com pena não superior a seis meses de prisão ou que não fosse “de desterro para fora da Comarca”.

 O Código de Processo Penal do Império previa a possibilidade de prisão sem culpa formada se o crime fosse do tipo sem fiança e devendo a ordem prisional ser emanada por autoridade competente. A “formação da culpa” funcionava como um filtro para admissibilidade da acusação, que admitida pelo juiz, tornava-se, automaticamente, ordem para prisão do réu. Essa era a prisão decorrente de pronúncia, art. 146 do Código Imperial de 1832. Este também previa a prisão sem culpa formada para os casos de flagrante delito e crimes que não coubessem fiança (CRUZ, 2011 p. 34).

A Lei nº 261 de 1841 implantou o “policialismo judiciário”, em que a polícia prendia, acusava e pronunciava os acusados de certos crimes de menor importância. Nessa época, as funções policiais e judiciais se confundiam, até mesmo os Delegados e os Chefes de Polícia eram escolhidos dentre os Juízes de Direito e Desembargadores, respectivamente. Os Chefes de Polícia passaram a desempenhar as funções dos Juízes de Paz, processando e julgando crimes punidos com prisão, degredo ou desterro até seis meses (CRUZ, 2011 p. 35). Esse status judicial que detinha o Delegado foi influência advinda da Europa, na qual as monarquias absolutistas tinham seus juízes e os policiais fazendo parte do mesmo braço armado, subservientes aos interesses dos reis. As ordenações de Portugal, que vigeram no Brasil por mais de três séculos, retratavam esse modismo.  Além disso, a mesma inspiração foi inserta no Brasil, através do domínio holandês no nordeste brasileiro, quando se institui em Pernambuco o cargo de “escolteto”, que era uma junção entre promotor público e policial e não existia distinção entre fase judicial e policial (LIMA F.R., 2011).

No ano de 1871, foi retirada a competência dos Chefes de Polícia para julgar certas infrações penais e foi mantido o poder de se arbitrar fiança. Ainda fora criado o inquérito policial nos moldes em que até hoje é seguido. Passou-se a permitir que o promotor, delegado ou queixoso solicitassem a prisão preventiva.

As normas sobre prisão e liberdade individual permaneceram inalteradas com o advento da constituição brasileira de 1891. Essa permitiu aos Estados legislar sobre direito processual. A Constituição brasileira de 1934 acrescentou aos direitos até então resguardados nas cartas constitucionais anteriores a obrigatoriedade de imediata comunicação ao juiz competente sobre a prisão de qualquer pessoa. Entrementes, a Constituição de 1937 retirou tal garantia, certamente porque isso convinha com o poder centralizador de Vargas. 

O Código de Processo Penal de 1941 nasceu na Era Vargas, inspirada em regime fascista e totalitário, e definiu a prisão preventiva obrigatória, cabível para crimes em que se cominasse pena máxima de reclusão igual ou superior a dez anos, e ainda, havia naquele código a previsão de que o réu deveria se recolher à prisão para ter o seu recurso de apelação conhecido. Após isso, o novo documento constitucional de 1946 restabeleceu tão somente a fiança e a comunicação da prisão.

A constituição de 1967 não alterou significativamente os mencionados direitos. Um progresso foi reassumido quando, ainda em 1967, pela Lei nº 5.349, o Código de Processo Penal teve seu art. 311 alterado, expurgando a prisão preventiva obrigatória. Em 1973, a Lei Fleury, Lei nº 5.941, trouxe ao Código de Processo Penal a possibilidade de se manter em liberdade o réu pronunciado ou condenado, alterando os artigos 408, 474, 594 e 596 do CPP. A Lei nº 6.416/77 veio acrescentar o parágrafo único ao art. 310 do Código de Processo Penal, alargando a liberdade provisória sem fiança. A intenção dessa lei era de amenizar o problema da superlotação carcerária, já existente à época.

Chegou-se a atual Carta Constitucional, promulgada em 1988, a qual melhor caracterizou de quem se deveria emanar a ordem prisional, não sendo simplesmente da autoridade competente, mas da autoridade judiciária competente. O termo “judiciária” não era contemplado nas outras constituições quando se falava  da decretação da prisão. O atual documento constitucional dispensa a ordem escrita e fundamentada emanada pela autoridade judiciária competente para fins de prisão nos casos de flagrante, crimes propriamente militares e transgressões militares.

O atual texto da Constituição brasileira passou a definir algumas infrações como inafiançáveis, acarretando confusões para quem tenta conjugar a interpretação daquele com as leis infraconstitucionais. Ao alterar o art. 310 do Código de Processo Penal, a Lei nº 6.416/77 abafou o instituto da fiança, pois qualquer crime passou a ser beneficiado com a liberdade provisória sem fiança, que restou somente para entregar a possibilidade de ser solto mais rapidamente a quem fosse autuado em flagrante nos crimes punidos com prisão simples ou detenção. De outro lado, a Lei nº 9.099/95 exigia tão somente a assinatura do termo de compromisso pelo autor do fato para a sua libertação imediata.

Os esforços lançados nas últimas reformas do Código de Processo Penal o modernizaram em alguns aspectos, mas em outros o deixaram com “aparência de Frankenstein, visto que seus remendos, além de retirar-lhe unidade conceitual e a necessária configuração sistêmica, criam verdadeiras antinomias internas, difíceis de contornar [...]” (CRUZ, 2011 p. 39).

Rogerio Schietti Machado Cruz (2011 p. 39) traça conclusões úteis relativas ao processo de evolução histórica do instituto da prisão cautelar no Brasil. A primeira comporta que, até o código de 1941, a circunstância de se ser preso em flagrante não impedia colocar o autor em liberdade mediante o pagamento da fiança ou nos casos de livrar-se solto. Se não fosse caso de prisão em flagrante, o preso dependia do arbítrio judicial e da classificação do crime, já que poderia recair no caso de crime inafiançável ou não havia honrado o valor da fiança, quando cabível. Na hipótese de pronúncia do acusado, esta decisão automaticamente gerava a prisão daquele, salvo se coubesse a fiança e esta fosse prestada. Somente poderia haver prisão cautelar perante ordem escrita de autoridade competente, salvo em caso de flagrante.

Após a instituição do novo Código de 1941, a decisão sobre a atribuição da prisão preventiva do indiciado passou a ter critérios mais objetivos. O mencionado código sofreu modificações mais consistentes a partir da década de 60, firmando a atual estrutura.   

1.2.  Dispersão legislativa da fiança criminal e da liberdade provisória

Embora a regra seja a da liberdade do réu, ainda mais porque está elevado a dogma constitucional o princípio da presunção de inocência, no que tange à liberdade provisória, deve-se ter em mente que a expressão “provisória” é para exprimir que o réu fica em liberdade, mas sujeito a vínculos processuais. Se esses forem descumpridos, acarretará a restrição da liberdade do réu.  Eugenio Pacelli de Oliveira (2011 p. 494) esclarece que houve equívoco do constituinte de 1988 ao utilizar o termo liberdade provisória, eis que o que é provisório é sempre a prisão, mesmo com a condenação passada em julgado, a carceragem eventualmente aplicada não será eterna, mas com prazo de duração limitado.

 A liberdade provisória é vista como uma medida intermediária entre a liberdade completa e a prisão provisória, bem como um substitutivo dessa prisão. Enquanto não é finalizado o processo, aquele que está sujeito à liberdade provisória a esse permanece vinculado. Se terminado o processo, sendo absolutória a sentença, o acusado readquire sua liberdade na totalidade (TOURINHO FILHO, 2009 p. 559). Constitucionalmente, está previsto que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Observe que a fiança não é um instituto autônomo, mas é uma espécie do gênero liberdade provisória.

Outrora, os tipos de caução, garantia, para concessão da liberdade provisória eram a real, que consistia em bens, ou a fidejussória, que seria a fiança propriamente dita consistente em compromisso pessoal. A fiança em caução, mediante o depósito de dinheiro ou bens, ou hipoteca, destinava-se a garantir o cumprimento das obrigações processuais. A concessão da liberdade por meio das cartas de seguro, da homenagem e da palavra de fiéis carcereiros existiu no Brasil. Entretanto, essas formas de liberdade provisória não vingaram no Código de Processo Criminal do Império, que apenas admitiu a fiança (ROCHA, et al., 2000 p. 22). 

A fiança e a liberdade provisória são tratadas no art. 5º, LXVI, da atual Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. A fiança sendo espécie da liberdade, que é gênero.

Dentro de uma evolução histórica da fiança, Antonio Scarance Fernandes (FERNANDES, 1991 p. 29) no artigo “A fiança criminal e a Constituição Federal” para a BDjurSJT divide os sistemas legais a respeito da fiança em três grupos, quais sejam: os que possibilitam a liberdade provisória com fiança em qualquer delito; os que submetem, em todos os casos, a concessão de fiança a um juízo discricionário; os que possibilitam a fiança em alguns casos e negam em outros. Esse último é o caso do Brasil.

Em uma linha temporal, podemos traçar como tratamento legal para a fiança a de que a fiança é prevista desde a antiguidade, sendo que, no Brasil, todos os textos constitucionais, exceto o de 1937, previam o referido instituto. As leis nº 6.416/77 e Lei nº 5.941, Lei Fleury, alteraram o atual Código de Processo penal ao possibilitarem a liberdade provisória sem fiança, apelação em liberdade para o réu primário e de bons antecedentes e a impossibilidade de se impedir a liberdade do réu quando houver recurso da acusação da sentença absolutória. Em 1986, foi editada a lei que define os crimes contra o sistema financeiro, nº 7.492, em que se proibia a prestação de fiança.

A atual constituição, em 1988, trouxe a fiança em vários incisos de seu art. 5º, tratando-a de forma expressa e outras vezes indireta quando aborda a prisão e a liberdade. Após, seguiu a Lei nº 7.780/89, que atualizou o valor da fiança. Em seguida, a Lei nº 8.035/90, que tratava da proibição de concessão da liberdade provisória sem fiança aos crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal, bem como fixou valores mais elevados para a fiança. Na sequência, a Lei nº 8.072/90 tratava da proibição de fiança para os crimes hediondos, nela previstos, tortura, tráfico de drogas e para o terrorismo. A Lei nº 9.034/95, que tratava da repressão de ações praticadas por organizações criminosas, também proibia a concessão de fiança. Foi previsto na Lei nº 9.613/98 que os crimes de lavagem de dinheiro eram insuscetíveis de fiança e liberdade provisória. A mais recente inovação sobre a fiança veio por intermédio da Lei nº 12.403/2011.

Na verdade, toda essa legislação especial, principalmente as leis nº 7.492/86, 8.038/90, 8.072/90, 9.034/95, 9.613/98 e 11.343/06, dispuseram da prisão como efeito automático da sentença condenatória recorrível, sendo o ponto nevrálgico dessa disposição a incompatibilidade com o princípio da presunção de inocência do art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988 (LIMA R.B., 2011 p. 328/329).

Um problema que sempre acompanhou a fiança até o período em que foi relegada ao desuso era a ausência de mecanismos que atualizassem seu valor para manter o padrão monetário, evitando que se tornasse irrisório. Também não era fácil determinar o valor da fiança, eis que a Lei nº 7.789/89 excluiu o chamado “salário-mínimo de referência”, SMR. Em seguida, a Lei nº75/89 descongelou o valor da fiança e os valores do SMR, que passaram a ser calculados em função do Bônus do Tesouro Nacional, BNT, que foi extinto em 1991. Com a extinção desse, a autoridade deveria considerar o valor do último BNT. Posteriormente, a Lei nº 8.177/91 determinava a utilização do valor do último BNT corrigido pela TR referente ao mês anterior, em real. A Lei nº 12.403/2011 revigorou a fiança, mediante a ampliação das hipóteses desta e com o aumento de seu valor, tornando mais fácil os cálculos e aplicação desse instituto.

1.3. Percepção sobre o fenômeno da “cautelarização” e sua composição

Em uma visão sobre a nomenclatura, divisão, natureza, espécies, fins e qualidades da prisão, esta pode ser classificada em prisão extrapenal, subdivida em prisão civil e prisão militar, prisão penal e prisão cautelar, também chamada de processual, provisória ou sem pena. A prisão pena advém de decisão condenatória transitada em julgado, nos termos do art. 5°, inciso LVII, da Constituição Federal. Antes da sentença passada em julgado, a prisão eventualmente decretada será considerada provisória, em razão do princípio da presunção de inocência.

A Carta Constitucional prevê, no inciso XLVI do art. 5º, como espécies de pena, que devem ser aplicadas depois de proferida sentença penal condenatória transitada em julgado, a prisão, a perda de bens, multa, prestação social alternativa e a suspensão ou interdição de direitos.

Deve-se observar que, com a tendência mundial no final do século XX de se adotar formas alternativas à prisão, opções punitivas por meio da restrição de direitos que não o da liberdade foram previstas em nosso texto constitucional. Tratados e regras internacionais, como a Regra das Nações Unidas Sobre Medidas Não-Privativas de Liberdade e as Regras de Tóquio de 1990, eram convictos em afirmar que penas substitutivas à prisão tinham a capacidade de tratar os delinquentes no interesse da sociedade. No que tange às prisões cautelares, havia o firmamento internacional de que tal acautelamento deveria ser o último recurso a ser adotado nos procedimentos penais, propondo medidas alternativas quando possíveis.

Esse entendimento foi sendo firmando em vários países, não podendo o Brasil ficar de fora do mesmo pensamento. A partir de então, o legislador brasileiro editou o projeto de Lei nº 4.208/2001, convertido na Lei nº 12.403/2011. Esta alterou o Código de Processo Penal brasileiro quando ampliou o rol de medidas alternativas à prisão preventiva, que recebeu um caráter subsidiário e excepcional; manteve a prisão preventiva e a temporária como sendo as únicas espécies de prisão cautelar, não sendo mais o flagrante uma espécie cautelar a ser mantida por si só; determinou como obrigatória a separação do preso provisório dos definitivamente condenados; acresceu à prisão preventiva uma nova hipótese para sua decretação, baseada no descumprimento de outras medidas cautelares impostas, bem como firmou que se o réu for primário e a pena máxima em abstrato cominada para o delito praticado for igual ou inferior a quatro anos, o juiz não terá amparo legal para decretar a prisão preventiva do acusado; revogou a prisão do réu vadio; definiu a prisão cautelar domiciliar; regulou o cabimento da liberdade provisória cumulada com outras medidas cautelares; ampliou as hipóteses de fiança e elevou o seu valor; trouxe hipóteses claras de vedação da fiança e, por fim, criou um banco de dados dos mandados de prisão a ser mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

A medida cautelar diversa da prisão tem por finalidade evitar dano a algum interesse coletivo e garantir a segurança pública por meio da restrição de direito individual que não seja o da liberdade. Antes do advento da Lei nº 12.403/2011, o sistema cautelar brasileiro era tomado por uma bipolaridade, eis que a liberdade provisória era a única medida alternativa à prisão. No caso de ser a prisão ilegal caberia o seu relaxamento, sem poder criar nenhuma obrigação processual ao acusado. Rogério Schietti Cruz (CRUZ, 2011 p. 131) explica que a liberdade provisória e a prisão preventiva eram medidas inconciliáveis entre si, eis que uma não substituía a outra, porquanto quem estivesse preso preventivamente ou por prisão temporária poderia ser posto em liberdade sem se sujeitar às obrigações previstas nos artigos 310, 327 e 328 do CPP, eis que a liberdade concedida era do tipo pura e simples prestada pelo relaxamento da prisão ou Habeas corpus, fundados em prisão ilegal, ou por revogação da prisão, quando esta não era mais necessária.

Enfim, a liberdade concedida nesses moldes não tinha o contorno da liberdade provisória, a qual vinculava o sujeito ao processo mediante imposição de obrigações, seja pelo compromisso de comparecimento aos atos processuais quando a liberdade é concedida sem fiança, ou por obrigação de não mudar de residência nem se ausentar por mais de oito dias sem comunicar ao juiz, quando então era prestada liberdade com fiança.

Ao se falar sobre cautelares no processo penal, não há como deixar de mencionar que existe uma celeuma doutrinária sobre a existência ou não de um processo cautelar autônomo, paralelo ao de conhecimento e do executivo.  Sistematicamente, o CPP não prevê uma ação cautelar, mas trata este assunto como medida incidental em que não há o exercício da ação. Independente da teoria a ser adotada, sabe-se que hoje existe uma série de medidas cautelares, de serventia para a ação de conhecimento e consequentemente para a de execução. As medidas cautelares visam assegurar “o normal desenvolvimento do processo e, como consequência, a eficaz aplicação do poder de punir. São medidas destinadas à tutela do processo.” (LOPES JR., 2011b, p. 57, grifo do autor).

O Código de Processo Penal brasileiro não é tão técnico no assunto medidas cautelares como se é no Código de Processo Civil. No decorrer daquele Código as medidas cautelares estão difundidas, sendo elas do tipo reais, probatórias e pessoais. As cautelares reais asseguram bens para a reparação do dano e para a satisfação das obrigações do condenado, como arrestos e sequestros. As cautelares probatórias objetivam obter prova no processo penal. Cautelares pessoais estão relacionadas com o réu e com os efeitos de seu comportamento para a ordem processual.  A Lei nº 12.403/2011 somente tratou dessa última modalidade. São medidas cautelares pessoais as prisões processuais provisórias, as novas medidas cautelares alternativas ou substitutivas da prisão processual estancadas nos artigos 319 e 320 do CPP, e a chamada contracautela, consistentes na liberdade provisória com ou sem fiança (LIMA M.P., 2011 p. 15).

As medidas cautelares pessoais diversas da prisão constam no art. 319 do CPP e são auto-explicativas conforme se vê: 

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão: 

 I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; 

 II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; 

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; 

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; 

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; 

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; 

IX - monitoração eletrônica.

Esse leque de opções proporciona ao juiz a escolha de providencias próprias para o caso concreto, sendo suficiente para tutelar a eficácia do processo. As medidas arroladas podem ser utilizadas de forma autônoma ou como vinculação da liberdade provisória, quando funciona como contracautela à prisão em flagrante, art. 321 do CPP.

O regramento geral de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão está contemplado no art. 282 do CPP, que requer que, quando da aplicação delas, se observe a sua necessidade para o emprego da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, bem como a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Tal artigo engloba os atributos da necessidade, proporcionalidade e adequação que devem revestir as medidas cautelares.

A necessidade da restrição do direito é verificada sob o ponto de vista da garantia da aplicação da lei penal e da eficácia da investigação e da instrução penal. A adequação da providencia observa a gravidade e circunstancias do fato conjugadas com as condições pessoais do indiciado. Observe esses pilares da necessidade, proporcionalidade e adequação estão insertos também para a hipótese mais específica da prisão preventiva, mesmo não mencionados diretamente podem ser subtraídos do art. 312 do CPP em uma leitura mais atenta.

Ao se falar sobre medida cautelar, inevitavelmente aparecem as expressões “aparência do bom direito” e “perigo da demora”, mas em matéria processual penal, especificamente no caso das prisão cautelar e das medidas diversas dessa, deve-se pensar no acautelamento pelos pressupostos do  “fumus comissi delicti” e “periculum libertatis”, ou seja, pela exterioridade do fato delituoso, existência de elementos informativos que indiquem a ocorrência do crime e indícios suficientes da autoria do sujeito passivo da medida e necessidade concreta da medida cautelar, revestida nos fins legítimos da restrição de direito antes do tempo.  Os dois pressupostos ora mencionados devem ser exigidos inclusive nas medidas cautelares diversas da prisão para evitar possível abuso na sua aplicação (LIMA R.B., 2011 p. 39).

As medidas cautelares que levam ao cárcere provisório não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.  Tal proibição visa evitar que sejam aplicadas medidas superiores ao resultado final do processo. Da mesma forma, é considerada inadequada a aplicação de tipos de medida cautelar que restringem a liberdade às infrações de menor potencial ofensivo e também para os casos de aceitação da suspensão condicional do processo, isso porque nesses casos já há medidas acautelatórias. Aliás, as novas medidas acautelatórias da Lei nº 12.403/2011 já são conhecidas nesses institutos, suspensão condicional do processo e transação penal nos crimes de menor potencial ofensivo, inclusive, utilizadas como requisitos para gozo da pena no regime aberto. A diferença está no uso das novas medidas cautelares como forma de obstar o uso excessivo da prisão preventiva (NUCCI, 2011a p. 620).

Marcellus Polastri Lima (2011 p. 7/9) resume as características fundamentais das cautelares penais em oito, além de poderem ser agregadas a outras mais específicas, como se observará nas espécies de prisões cautelares, inclusive no caso da prisão preventiva, que sustenta requisitos complementares. Na enumeração elencada pelo mencionado autor, a primeira é a característica da acessoralidade, que equivale ao atrelamento da medida cautelar ao processo principal, esse eventualmente pode não existir, se após a medida verificar que incide caso de arquivamento. A segunda equivale à preventividade, segundo a qual a medida só deve ocorrer para evitar futuros danos. Em terceiro, segue a instrumentalidade hipotética, para qual o resultado que a medida cautelar pretende garantir é incerto. Em sequência, a provisoriedade revela que a medida cautelar se justifica por situação de emergência, quando cessada essa, a medida torna-se desnecessária. A revogabilidade da medida é característica que decorre da propriedade da provisoriedade. A decisão nas medidas cautelares não faz coisa julgada material, somente formal, por isso reveste a medida cautelar do predicado da não definitividade. A referibilidade exige que a medida cautelar seja concedida mediante situação de perigo conjugado com a necessidade de proteção jurídica cautelar. O poder cautelar é concedido exclusivamente ao juiz, isso emana do atributo da jurisdicionalidade.

Da mesma forma que ocorre com a prisão preventiva, as medidas cautelares diversas da prisão podem ser impostas de forma autônoma ou substitutiva à prisão em flagrante ou, até mesmo, no lugar da prisão preventiva. Toda prisão cautelar ou outras medidas acautelatórias devem partir de ordem judicial escrita e fundamentada, com base na indispensabilidade da providência.

Retornando ao art.282 do CPP, já nos seus parágrafos está descrito o procedimento para a aplicação das medidas cautelares de natureza pessoal diversas da prisão, para as quais a decretação será de ofício pelo juiz, a requerimento das partes, por representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público. Está previsto o contraditório prévio à decretação da medida cautelar, ressalvado nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. Diante da situação fática, o Juiz poderá revogar as medidas cautelares, quando desaparecer o seu suporte legitimador, substituí-las, cumulá-las ou, em último caso, impor prisão preventiva.

A urgência para as medidas cautelares deve ser inconteste quando da sua decretação, mas não pode ser justificativa única na fundamentação de eventual prisão decretada, devendo sempre respeitar os requisitos legais que cada tipo de segregação preventiva requer. Renato Brasileiro acrescenta que: “A urgência da medida cautelar pleiteada, bem como a sumariedade ou superficialidade da cognição, não podem, entretanto, servir como justificativas para o arbítrio ou qualquer forma de automatismo no tocante a decisões que decretem a segregação cautelar.” (LIMA R.B., 2011 p. 284).

 Para Guilherme de Souza Nucci (2011a p. 577) as espécies de prisão cautelar são: prisão temporária; prisão em flagrante; prisão preventiva; prisão decorrente de pronúncia; prisão consequente de sentença condenatória recorrível e a prisão na forma de condução coercitiva de réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia. Quanto a essa última, o autor a enquadra como prisão porquanto quem é conduzido coercitivamente pode ser algemado e colocado em cela até que seja ouvido pela autoridade competente, somente podendo ser realizada tal condução quando deferida pelo magistrado.

Em relação à doutrina majoritária, as modalidades de prisão cautelar são somente as três mais conhecidas, prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária. Há controvérsias acerca da natureza jurídica da prisão em flagrante. Sobre as prisões decorrentes da decisão de pronúncia e de sentença condenatória recorrível, estas foram revogadas, desde a reforma processual de 2008. A Lei 12.403/2011 se quer menciona essas prisões, o que denota a abolição delas como modalidades autônomas de prisão cautelar. A mudança legislativa de 2008 foi no sentido de que a decisão de pronúncia e a sentença condenatória recorrível exigem uma análise à luz dos pressupostos indicados no art. 312 do CPP sobre a liberdade do réu, quer para mantê-la ou suprimi-la, quer para restaurá-la.

Sobre as prisões cautelares deve-se entender que todas dependem de ordem judicial fundamentada, podem ser decretadas até a sentença condenatória e devem ser fundadas nas razões da prisão preventiva.

1.3.1. Noções sobre a prisão temporária

Da prisão temporária tem-se como importante para os fins que este trabalho propõe entender seu conceito, requisitos, procedimento e prazo. A Lei nº 7.960/89 instituiu a prisão temporária, a qual compõe espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente durante a etapa preliminar de investigações. Essas apurações durante a fase de inquérito policial configuram o objeto tutelado pela prisão temporária. Mesmo tendo sua regulamentação de forma autônoma, a temporária é considerada medida cautelar.

 Os requisitos da prisão temporária estão previstos no art. 1º da referida lei, que maneja o cabimento da temporária quando ela for imprescindível para as investigações do inquérito policial; quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade e ainda, quando houver fundadas razões de autoria ou participação nos crimes elencados no inciso III do art. 1º daquele diploma legal e no art. 2º, §4 da Lei nº 8.072/90.

Existem cinco correntes sobre a exigência desses requisitos, sendo que prevalece na doutrina e jurisprudência aquela que menciona ser possível a medida constritiva quando presente o requisito da “existência de fundadas razões de autoria ou participação nos crimes elencados naquela lei e no art. 2º, §4 da Lei nº 8.072/90” e conjugado com pelo menos um dos outro dois requisitos aludidos acima, ou seja, “quando imprescindível para as investigações do inquérito policial” ou “quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”. A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de cinco dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. A decisão que decretá-la deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade, bem como deverá ser prolatada no prazo de vinte e quatro horas contadas a partir do recebimento da representação ou requerimento. No caso dos crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo o prazo da temporária será de no máximo trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema necessidade, conforme art. 2º, §4 da Lei nº 8.072/90.

1.3.2. A função da prisão domiciliar

O capítulo IV do Título IX do Livro I do CPP, com a reforma introduzida pela Lei nº12. 403/2011, passou a dispor sobre a prisão domiciliar e a colocou como substitutiva da prisão preventiva em certas situações que demandem prova das condições previstas no art. 318 do CPP. Os casos permissivos dessa substituição ocorrem quando: o agente tenha idade superior a oitenta anos, ou o agente se encontre em estado de debilidade extrema; for o agente imprescindível para cuidar de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência, ou ainda, quando o agente for gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo gravidez de alto risco. Essa permuta visa tornar a segregação cautelar menos desumana, obrigando o agente a permanecer em sua residência, somente podendo dela se ausentar com a permissão judicial.

1.3.3.      Os pressupostos e requisitos de admissibilidade da prisão preventiva como inspiração aos alicerces de todas as medidas cautelares

A modalidade de prisão cautelar que tem seus requisitos como norte na fundamentação de todas as medidas cautelares pessoais é a prisão preventiva. Essa afirmação é certa e bem defendida por Eugenio Pacelli porque há grande identidade entre as razões para a imposição da prisão preventiva, pelo art. 312 do CPP, e de qualquer outra medida cautelar, art.282 do CPP, sendo essa uma preferência legislativa (OLIVEIRA, 2011 p. 502). Tanto no texto do art. 312 quanto no art. 282, ambos do CPP, a restrição a direito individual exige ordem escrita e fundamentada do magistrado e leva em conta a necessidade e adequação da medida, aferidas a partir da garantia da aplicação da lei penal e da conveniência da investigação ou da instrução criminal. De todo modo, com as novas regras cautelares, somente se permitirá a prisão antes do trânsito em julgado quando puder comprovar quaisquer das razões que autorizem a prisão preventiva, independente da instância em que se encontre o processo.

A preventiva é decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal, sempre que estiverem presentes os requisitos elencados no art. 313 do CPP e ocorrerem os motivos autorizadores do art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diferentes da prisão. Veja que a preventiva pode ser imposta autonomamente, quando conjugados os motivos e razões dos art. 312 e 313 do CPP,e, subsidiariamente, quando descumprida uma cautelar, conforme §4º do art. 282 do CPP.

A preventiva pode ser decretada tanto na fase processual quanto na fase pré-processual, investigatória. Durante a instrução processual, é cabível a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado. Não há para a decretação dela um rol taxativo de delitos, bastando o cumprimento dos pressupostos exigidos pelo art. 313 do CPP. A antiga redação do art. 311 do CPP impunha que a preventiva somente poderia ser decretada até o final da instrução criminal, eis que na época da elaboração do CPP, o efeito automático da sentença condenatória e da decisão de pronúncia já revestia o réu da obrigatoriedade de se recolher à prisão. Na atual redação do referido artigo, a preventiva poderá ser decretada em qualquer das fases do curso do processo criminal. 

Atualmente, a iniciativa para a decretação da prisão preventiva pode ser dada ao juiz, de ofício, somente no curso da ação penal. Pela antiga redação do art. 311 do CPP, a decretação de ofício podia ocorrer também no curso da fase investigatória, o que afrontava o sistema acusatório.

Como já mencionado acerca dos caracteres gerais das medidas cautelares, os primados do “fumus comissi delicti” e o “periculum libertatis” exprimem os pressupostos de todas as medidas cautelares. Nesse cotejo, eles também embasam a própria prisão preventiva como medida acautelatória que é, art. 312 do CPP. O primeiro pressuposto, “fumus comissi delicti”, se consubstancia pela prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou participação. O segundo, “periculum libertatis”, configura-se na: garantia da ordem pública; da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal ou na impossibilidade de aplicação de qualquer outra medida cautelar.

Basta que um desses intentos formadores do “periculum libertatis” exista para que seja decretada a preventiva, a qual também exigirá uma das hipóteses de admissibilidades previstas no art. 313 do CPP. As hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva estão elencadas no art. 313 do CPP:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: 

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; 

 II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; 

IV - (revogado). 

 Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

A decretação da preventiva continua sendo cabível apenas em relação aos crimes dolosos. Caso a situação fática não preencha os mencionados requisitos, mas seja hipótese de infração penal em que se comine pena privativa de liberdade, poderá o magistrado lançar mão das medidas cautelares diversas da prisão.

Maiores explicações este estudo exige sobre o conteúdo do inciso I do art. 313 do CPP, que denota o abandono da antiga observância acerca da natureza da pena da infração: reclusão ou detenção. Agora, foi entregue notoriedade à pena máxima cominada ao delito. Logo, será cabível a preventiva independente da natureza da pena se for crime doloso em que se comine pena máxima superior a quatro anos. Isso veio ao encontro com o montante de pena fixado como limite para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito e para o início do cumprimento da pena em regime aberto, ou seja, os mesmos quatro anos dos artigos 44, inc. I, e 33, §2º, alínea c, ambos do CP. Assim, deverá o juiz analisar de início se será caso de substituição da pena nos termos do art. 44 do CP, para que evite decretar a preventiva como medida cautelar, eis que será via mais gravosa do que o resultado do processo. Nessa situação, incide a observância da proporcionalidade ou homogeneidade entre a prisão preventiva e eventual condenação a ser proferida (LIMA R.B., 2011 p. 254).

Ainda sobre o quantum da pena máxima da infração como base mínima da decretação da preventiva, deve-se atentar para os casos de concurso de crimes, qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena, agravantes e atenuantes. Para os primeiros, a soma das penas nas hipóteses de concurso formal impróprio, concurso formal próprio, concurso material e crime continuado deve ser considerada para fins de decretação ou não da preventiva. As qualificadoras também serão observadas para esse mesmo fim. Se for analisar causa de aumento ou diminuição de pena, o cabimento da prisão preventiva será visto com base na causa que mais aumente ou menos diminua a pena, conforme o caso. As agravantes e atenuantes não deverão ser levadas em consideração no cálculo para auferir o máximo da pena quando da decretação da preventiva.

O autor Rogerio Schietti Cruz (2011 p. 199) ressalta que o crime mais atingido pela nova legislação foi o de furto, que pelo critério quantidade da pena não permite mais a decretação da preventiva, salvo se cometido em sua forma qualificada, em que a pena máxima passa de quatro para oito anos, ou então se for praticado em situação de concurso de crimes, material, formal ou continuado, casos em que a pena será acrescida ou somada de modo a ultrapassar o limite máximo de quatro anos.

A relação da prisão preventiva e as excludentes de ilicitude foi prevista no art. 314 do CPP. Nas excludentes de ilicitude, o juiz estará diante de provável absolvição do agente com base no art. 386, inc. VI, do CPP, não podendo então decretar a prisão preventiva se o agente praticou fato acobertado por tais excludentes. Em relação às excludentes de culpabilidade, salvo no caso específico da inimputabilidade, Renato Brasileiro de Lima (2011 p. 264) entende ser aplicável a elas a impossibilidade de se decretar preventiva, porque se o próprio CPP permite a absolvição sumária nas excludentes de culpabilidade, seria desproporcional permitir a decretação dessa prisão.

A prisão preventiva enfrenta a funesta indeterminação acerca do seu prazo de duração. Isso pode levar à antecipação da pena e ir de encontro ao requisito da provisoriedade das medidas cautelares.  A prisão cautelar que exceda prazo razoável torna-se ilegal em decorrência da violação ao princípio constitucional da razoável duração do processo. Com o advento das Leis nº 11.689/2008 e 11.719/2008, a contagem do prazo para o encerramento do processo criminal quando o acusado estiver preso foi sensivelmente alterada, mas não há como determinar um prazo único e invariável para o encerramento do processo. O prazo vai variar de acordo com a singularidade do caso. A quinta turma do STJ no HC nº 91982 CE 2007/0235934-8, decisão publicada no DJ de 04/10/2007, relatora Min. Jane Silva, desembargadora convocada do TJ/MG, consolida que:

Aplica-se o princípio da razoabilidade, para justificar o excesso de prazo, caso haja regular tramitação do feito, com eventual retardamento no julgamento do paciente causado pela complexidade do processo, decorrente da pluralidade de acusados (onze), do desmembramento do feito em relação aos pacientes, bem como pela necessidade de expedição de diversas cartas precatórias para o interrogatório dos réus. Justifica-se eventual dilação de prazo para a conclusão da instrução processual, quando a demora não é provocada pelo Juízo ou pelo Ministério Público, mas sim decorrente de incidentes do feito e devido à observância de trâmites processuais sabidamente complexos. É correto o decreto de prisão preventiva fundamentado em dados concretos do processo, evidenciando assim a periculosidade do paciente e da quadrilha que ele integra. O modus operandi do delito, que traduz a elevada periculosidade do agente e a necessidade de sua custódia, pode ser utilizado para reforçar a motivação da prisão preventiva, com base na garantia da ordem pública. Ordem denegada. (STJ,2007, p. 285)

As hipóteses que autorizam o reconhecimento do excesso de prazo na prisão cautelar estão elencadas na obra do autor Renato Brasileiro de Lima (2011 p. 276/277) e evidenciam-se pela mora processual decorrente de diligencias suscitadas exclusivamente pela atuação da acusação, ou protelação decorrente da inércia do Poder Judiciário em afronta ao direito da razoável duração do processo, ou ainda, quando a mora processual for incompatível com o princípio da razoabilidade. Configurado o excesso de prazo por essas razões caberá o relaxamento da prisão, diante de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção.

O de suma importância nesse instituo da prisão preventiva é entender que, afora a liberdade provisória, ele era a única medida cautelar que o CPP dispunha antes das alterações legislativas trazidas pela Lei nº 12.403/2011. Os seus contornos de necessidade da cautelar e adequação da providência, vistos no âmbito da proporcionalidade da providência a ser tomada, foram utilizados pelas novas medidas cautelares insertas no art. 319 do CPP.  Ambos os tipos de cautelares, preventivas e as novas medidas cautelares diversas, são abatidos pela proibição do excesso, o dever de vislumbrar a máxima efetividade dos direitos fundamentais e o uso da ponderação na escolha entre a medida mais efetiva e menos gravosa.

1.3.4.      A estrutura da prisão em flagrante e a cessação de sua finalidade

A prisão em flagrante é conceituada como modalidade de prisão cautelar de natureza administrativa porque pode ser efetuada pela polícia judiciária e sem a necessidade de ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial, em razão da situação de flagrância, que entrega maior probabilidade na colheita das provas da materialidade e da autoria do crime.  Está prevista constitucionalmente no art.5º, LXI da Constituição Federal e tem natureza cautelar de segregação provisória do suposto autor do crime.

Nessa modalidade de prisão cautelar, o “fumus comissi delicti” está na aparência da tipicidade. O “periculum libertatis” está na situação de flagrância da infração em desenvolvimento. O art. 310 do CPP determina que ao receber o auto de prisão em flagrante o magistrado deverá relaxar a prisão se ela for ilegal, ou converter a prisão em flagrante em preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP e se forem inadequadas as medidas cautelares previstas no art. 319, ou conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança.

A prisão em flagrante não pode mais ser mantida como forma de segregação cautelar por si mesma depois de desempenhadas as formalidades do auto de prisão. O art. 304 do CPP trata das formalidades para lavratura do auto de prisão em flagrante, para o qual deverá o preso ser apresentado à autoridade competente que ouvirá o condutor e as testemunhas, bem como o indiciado, necessariamente nessa ordem, recolhendo-se a assinatura de todos. Ao condutor será oferecido o recibo de entrega do preso.

A pessoa detida receberá, nas vinte quatro horas seguintes à prisão, a nota de culpa, com o nome da autoridade que lavrou o auto, o nome do condutor e o das testemunhas, além dos motivos da prisão, a qual deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público, à família do preso ou pessoa por ele indicada e ao juiz competente, sendo que para este deve o auto ser encaminhado nas vinte quatro horas seguintes à prisão. Se o autuado não indicar advogado, também será enviada cópia do auto de prisão à Defensoria Pública. A medida justifica-se plenamente, para que a defesa possa ser exercida desde logo.

A necessidade imediata do envio do auto de flagrante à autoridade judiciária decorre da necessidade de se averiguar a legalidade da prisão e criar uma análise sobre a necessidade da segregação do autor pela prisão preventiva, pois, na época em que o CPP foi elaborado, a prisão em flagrante por si só era fundamento para que o autor da infração permanecesse preso durante todo o processo, salvo nos casos de crimes afiançáveis ou hipóteses em que o réu se livrava solto. Houve mudança desse quadro quando, em 1977, foi acrescentado o parágrafo único ao art.310 do CPP, em que não mais se justificaria a permanência da prisão de alguém se não estivessem presentes os requisitos da preventiva. Hoje, a redação desse artigo foi alterada novamente, não se permitindo que a prisão em flagrante per si justifique a manutenção do indivíduo no cárcere.

Quanto à classificação do flagrante, primeiramente, pode-se referir ao do tipo facultativo e obrigatório.  O art. 301 do CPP prevê o primeiro, segundo o qual qualquer pessoa do povo poderá prender aquele que se encontra em flagrante delito. De outra forma é o flagrante obrigatório, incumbindo às autoridades policiais o dever de prender quem estiver na situação de flagrante delito. Existem exceções à prisão em flagrante de determinadas pessoas que em razão do cargo ou função que exercem somente podem ser presas em casos mais específicos.

O Flagrante próprio ou perfeito encontra-se na descrição do art. 302 do CPP. Este, nos incisos I e II daquele artigo, considera em flagrante delito quem está cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la. Flagrante impróprio ou imperfeito é aquele em que o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração, inc. III do art. 302 do CPP. No inciso IV do mesmo artigo está o flagrante presumido, para o qual o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Na via do crime impossível esta o flagrante classificado como preparado ou provocado, porquanto o agente provocador induz alguém à prática de um crime para poder prendê-lo. Flagrante forjado é um tipo considerado ilegal já que se imputa conduta criminosa a um inocente. Para o flagrante esperado, a polícia ou terceiro, que não interferem nos fatos, no momento mais propício, efetiva a prisão em flagrante, normalmente próprio. A autoridade policial não provoca e nem contribui para o desdobramento dos fatos, apenas acompanha os acontecimentos.

Flagrante diferido ou retardado é a possibilidade que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores informações a respeito de uma organização criminosa. A Lei nº 9.034/95 é a lei de repressão à organização criminosa e ela, em seu art. 2º, quebra a obrigatoriedade da prisão, com a finalidade de se desfazer de uma organização criminosa, quadrilha.

Essa categorização da prisão em flagrante decorre da sua finalidade, ou seja, a função primordial do flagrante é evitar que a ação delituosa possa gerar todos os seus efeitos, especificamente, evita-se a consumação do delito quando no tipo próprio do inciso I do art. 302 do CPP, ou o exaurimento do crime no caso dos demais tipos de flagrante.  Cumprida essa finalidade da prisão em flagrante, que também inclui a facilidade na coleta imediata da prova, impõe-se a necessidade de fundamentação na manutenção da segregação.

Mesmo antes do advento da lei 12.403/2011, já havia controvérsia quanto à natureza jurídica da prisão em flagrante (prisão administrativa, medida de natureza pré-cautelar ou prisão cautelar). Com a entrada em vigor da referida lei, a prisão em flagrante, por si só, não mais autoriza que o cidadão continue preso durante a persecução penal, já que de acordo com a nova redação do art. 310 do CPP, diante de uma prisão em flagrante legal, ou o juiz concede ao acusado liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada ou não com medida cautelar diversa da prisão, ou converte o flagrante em prisão preventiva, desde que presentes os seus pressupostos, ou pode ainda o magistrado impor somente outra medida preventiva, diversa da prisão. Portanto, segundo Renato Brasileiro (2011 p. 182), a prisão em flagrante passa a ter natureza jurídica de medida pré-cautelar.

Diante de qualquer modalidade de prisão, deve-se sempre ter cuidado para que ela não seja um recolhimento automático, eis que a nova ordem processual veio garantir a primazia da eficácia cautelar utilizando as outras medidas cautelares diversas da prisão.


2. O INSTITUTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA ANTES E DEPOIS DA LEI Nº 12.403/2011

2.1.  A relação da prisão em flagrante com o instituo da liberdade provisória

Antes da Lei 12.403/2011, a liberdade provisória funcionava como sucedâneo somente da prisão em flagrante e era incompatível com a prisão preventiva e temporária. A antiga posição dos tribunais era de que o juiz não era obrigado a se manifestar de ofício quanto ao cabimento da liberdade provisória depois do flagrante. Após a reforma imposta por aquela lei, o novo art. 310 do CPP determina uma análise judicial obrigatória acerca do cabimento da liberdade provisória, com ou sem fiança, assim que o juiz receber o auto de prisão em flagrante.

Atualmente, a liberdade provisória ainda se presta como medida cautelar diversa da prisão, porém não é vista mais apenas com essa função, mas como explicitação das hipóteses de medidas cautelares, art. 319 CPP, por ocasião da restituição da liberdade sempre a partir da prisão em flagrante (OLIVEIRA, 2011 p. 502), podendo ser utilizada de forma autônoma ou em substituição à prisão cautelar do preso em flagrante ou do preso preventivamente (OLIVEIRA, 2011 p. 571). O fundamento constitucional da liberdade provisória está no art. 5º, LXVI, da CF, segundo o qual ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Na época em que foi elaborado, o CPP trazia a ideia de que haveria presunção de culpa inequívoca daquele que fosse preso em flagrante delito. Com isso, a liberdade provisória, com fiança ou sem ela, somente tinha validade a partir da prisão em flagrante e por causa daquela presunção o termo “liberdade” estava acompanhado do termo “provisória”, eis que a certeza da culpa era patente. Entretanto, visto que o regramento atual presa pela liberdade como regra e pela presunção de não culpabilidade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o termo “provisória” não tem mais sentido em acompanhar o instituto da liberdade.

Pela nova redação do art. 319 do CPP, especialmente com a inclusão da fiança como forma de medida cautelar, evidencia-se que a liberdade provisória pode ser adota como providencia cautelar autônoma. Sabendo que as medidas alistadas no mencionado art. 319 podem ser aplicadas independente de o indivíduo ser preso em flagrante ou não, então da mesma forma, poderá ser imposta a liberdade provisória, inclusive, podendo ser convertida em prisão preventiva, em caso de descumprimento de medida cautelar. 

A nova mudança introduzida no CPP deu ao magistrado o poder de tratar a liberdade provisória como forma de manter a liberdade do acusado condicionando-a a uma das medidas cautelares do art. 319 do CPP, bem como manteve a possibilidade de o magistrado usar a liberdade provisória como forma substitutiva da situação de carceragem em flagrante e estendeu essa possibilidade aos casos de prisão preventiva e temporária. A própria fiança não é mais exclusivamente uma medida de contracautela substitutiva da prisão em flagrante, pois poderá ser concedida de forma autônoma independente de prévia prisão em flagrante.

Eugenio Pacelli traça o seguinte quadro atual das liberdades provisórias:

a) liberdade provisória em que é vedada a fiança: cabível sempre após a prisão em flagrante, com a obrigatória imposição de qualquer das cautelares do art. 319 e do art. 320, CPP, com exceção da fiança, quando não for necessária a prisão preventiva e quando for expressamente proibida a imposição daquela (fiança-art. 323 e art. 324);

b) liberdade provisória com fiança: cabível sempre após a prisão em flagrante e quando não necessária a preventiva. Será imposta, obrigatoriamente, a fiança, além de outra cautelar, se entender necessário o juiz;

c) liberdade provisória sem fiança: cabível após a prisão em flagrante, quando inadequada ou incabível a preventiva, com a imposição de qualquer outra medida cautelar, por julgar o juiz desnecessária a fiança;

d) liberdade provisória vinculada, ao comparecimento obrigatório a todos os atos do processo, sob pena de revogação (art. 310, parágrafo único) (OLIVEIRA, 2011 p. 574, grifo nosso).

Renato Brasileiro trouxe em sua obra a classificação das espécies de liberdade provisória em:

a)quanto à fiança:

a.1)liberdade provisória sem fiança(CPP, arts. 310, parágrafo único, e 350);

 a.2)liberdade provisória com fiança (CPP, arts. 322 a 349).

b) quanto à possibilidade de concessão:

b.1)liberdade provisória obrigatória;

b.2) liberdade provisória proibida. 

c) quanto à sujeição ao cumprimento de obrigações:

c.1) liberdade provisória com vinculação;

c.2) liberdade provisória sem vinculação. (LIMA R.B., 2011 p. 390)

No caso do ato relaxamento de prisão, este não pode ser entendido como espécie de liberdade provisória eis que pende para o lado de uma espécie de anulação de ato praticado com violação à lei (OLIVEIRA, 2011 p. 577) e não imporá qualquer outra medida restritiva de direito ao acusado no momento da soltura, ou seja, não seria caso de liberdade vinculada, mas pelo poder geral de cautela, o magistrado pode impor determinada medida cautelar, art. 798 do CPC. 

2.2. O art. 350 do CPP como espécie da liberdade provisória sem fiança

Em uma breve listagem sobre os casos de liberdade provisória sem fiança, cabe dizer que a primeira hipótese de liberdade provisória inafiançável encontra-se no parágrafo único do art. 310 do CPP, para o qual, se o juiz verificar que o agente praticou o crime acobertado por uma das excludentes de ilicitude, deverá conceder a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. No entanto, essa revogação parece sem efeito, eis que a liberdade provisória concedida nesse caso não se reveste de cautelaridade diante da inaplicabilidade de coerção posterior mediante decretação da preventiva, a qual está impossibilita de ser imposta, pelo art. 314 do CPP, ao agente que praticou o fato ao abrigo de uma excludente de ilicitude.

 A Lei nº 12.403/2011 extinguiu a antiga hipótese da concessão de liberdade provisória sem fiança prevista no art. 321 do CPP, na qual o conduzido se livrava solto, após a lavratura do auto de prisão em flagrante.  Para aquele artigo, o indivíduo livrava-se solto quando a infração cometida não era penalizada com pena privativa de liberdade, ou assim sendo, ela não excedesse a três meses, salvo se o réu fosse condenado por outro crime doloso ou houvesse prova de ser réu vadio.

Foi revogada também a liberdade provisória sem fiança pela inexistência de hipótese que autorizasse a prisão preventiva, antiga redação do parágrafo único do art. 310 do CPP. Por esse, o juiz podia conceder liberdade provisória sem fiança, mediante termo de comparecimento aos atos processuais, sob pena de revogação, quando verificasse, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizassem a preventiva. Esse benefício era cabível tanto para crimes afiançáveis quanto para inafiançáveis. Assim, a circunstância de ser o crime afiançável, crime menos grave, não era capaz de obrigar o arbitramento da fiança, porque seria desproporcional já que os crimes inafiançáveis, crimes mais graves, comportavam a liberdade provisória sem o pagamento da fiança e vinculava o autor apenas a uma única obrigação, a de comparecer a todos os atos do processo.

A Lei nº 12.403/2011 tentou mudar essa configuração quando fez a liberdade provisória sem fiança voltar ao regime anterior à vigência da Lei nº 6.416/77, que havia abrandado a fiança, ou seja, a liberdade provisória sem fiança somente voltou a ser possível quando diante de caso amparado por excludente de ilicitude. Para os casos restantes, o juiz tem a opção de associar a liberdade provisória às medidas do art. 319 do CPP, que inclui a fiança.

O art. 325 do CPP tinha em seu § 2º a redação entregue pela Lei nº 8.035/90 e determinava que nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal não se aplicava a liberdade provisória sem fiança quando verificada a inocorrência das hipóteses que autorizassem a prisão preventiva. Na verdade, aplicava-se a liberdade provisória com fiança a ser fixada pelo juiz que poderia reduzir o valor ou aumentá-lo, conforme a situação econômica do réu. As novas mudanças do CPP acabaram revogando também esse §2º do art. 325.

 Agora, aos crimes contra a economia popular ou de sonegação fiscal aplica-se a liberdade provisória com fiança, fixada nos limites do novo art. 325 do CPP e podendo ser dispensada se houver enquadramento no art. 350 do mesmo diploma legal: “Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso”. Antes da atual mudança, a utilidade do art.350 do CPP estava restrita aos crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal, eis que o parágrafo único do art. 310 do CPP havia extirpado a importância da liberdade provisória com fiança.

O conceito de miserabilidade é extraído do §1º do art. 32 do CPP, para o qual se considerará pobre a pessoa que não puder prover às despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família. Tem-se o entendimento de que o ônus da prova quanto à situação de pobreza é do requerente.

Somente ao juiz é permitido conceder a liberdade provisória sem fiança do art. 350 do CPP. Mesmo assim, o magistrado manterá as mesmas obrigações exigidas para a fiança, quais sejam: comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução e para o julgamento; o acusado afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia autorização da autoridade processante; o acusado afiançado não poderá ausentar-se por mais de oito dias da sua residência, sem comunicar ao magistrado o lugar onde possa ser encontrado.

O parágrafo único do art. 350 do CPP possibilita ao magistrado substituir a medida cautelar imposta, impor outra cumulativamente ou decretar a prisão preventiva do beneficiado quando esse, sem justo motivo, descumpra qualquer das obrigações ou medidas impostas na concessão do benéfico liberatório da fiança.

2.3. Não admissão da fiança x admissão da liberdade

Em termos de progresso, o atual ordenamento jurídico diminuiu o rol de crimes inafiançáveis para fazer da liberdade provisória do tipo com fiança a regra, art. 323 do CPP. São seis os casos de infrações inafiançáveis que passaram a admitir fiança:

1) Os crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada fosse superior a dois anos;

2) As contravenções tipificadas no art. 59 e no revogado art. 60 da Lei de Contravenções penais;

3)  Crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade, se o réu já tivesse sido condenado por outro crime doloso em sentença transitada em julgado;

4) Em qualquer caso em que se houvesse no processo prova de ser o réu vadio;

5) Crimes punidos com reclusão, que provocassem clamor público ou que tivessem sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça;

6) Preso em gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional.

O autor Renato Brasileiro (2011 p. 411/414) explica que a nova redação do art. 323 permite a fiança ainda que o crime tenha pena mínima superior a dois anos. Do mesmo modo, permite o cabimento da fiança, cumulada ou não com outras medidas cautelares, ao reincidente específico em crime doloso punido com pena privativa de liberdade. Além disso, agora não se segrega cautelarmente a liberdade de alguém apenas na repercussão ou clamor causado pelo crime. Ao que parece, em tese, também é cabível a liberdade provisória com fiança àquele que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional.

Entrementes, a liberdade provisória com fiança ainda é proibida para os crimes contra o sistema financeiro nacional, prática de racismo, crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, hediondos, tortura, crimes contra a segurança e a ordem política e social, participação em organização criminosa, lavagem de capitais, porte, disparo e posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. Nucci (2011b p. 19) chama a proibição constitucional de liberdade provisória mediante fiança, a inafiançabilidade, de demagogia, eis que ela tenta criar um quadro terrível para o acusado de certos crimes, formando-se a ideia de um processo mais rigoroso no desenho de segregação cautelar do acusado antes da sentença penal condenatória transitar em julgado. Sobre a relação da liberdade e da fiança o Ministro Cezar Peluzo, em decisão monocrática proferida no HC 99.043-MC, julgamento em 28-5-2009, DJE de 4-6-2009, aclarou:

os institutos da fiança – que é vedada na hipótese de crimes hediondos - e da liberdade provisória não se confundem. A liberdade provisória, como gênero, pode apresentar-se sob a modalidade vinculada à fiança (liberdade provisória com fiança) ou de forma independente (liberdade provisória sem fiança). (...) As duas espécies de liberdade provisória têm previsão no art. 5º, LXVI, da Constituição da República. É o que parece suficiente para demonstrar que o instituto da fiança não se confunde com o da liberdade provisória, senão que é apenas requisito para a concessão de uma das espécies desta. (...) Tem-se, de um lado, a proibição constitucional da fiança e, de outro, a garantia da concessão de liberdade provisória. A questão é, portanto, de precisar o alcance de cada uma das determinações. (...) Diante disso, tenho que o inciso LXVI garante a liberdade, sem necessidade de prestação de fiança, quando ausentes requisitos legais autorizadores da prisão cautelar; e a proibição do inciso XLIII não abrange a liberdade provisória sem fiança. Ora, a edição da Lei nº 11.464/2007 eliminou a proibição de liberdade provisória, objeto da antiga redação da Lei dos Crimes Hediondos. Logo, já não está presente a razão por que me inclinei, anteriormente, à manutenção da prisão preventiva em caso similar (...). Diante da inexistência de proibição legal, deve-se observar agora o disposto no parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal, que permite ao juiz conceder liberdade provisória a réu preso em flagrante delito, quando verifique a não ocorrência de nenhuma das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (STF, 2009, P.103).

Quanto à liberdade provisória em que se é vedada a fiança, a Constituição primeiramente previu uma inafiançabilidade para delitos considerados mais graves, de forma a proibir qualquer forma de restituição de liberdade nesses casos. Entretanto, atualmente, a própria Constituição e o art. 283 do CPP prevêem a necessidade de ordem escrita e fundamentada para imposição de qualquer prisão. Por essa exigência, que segundo Pacelli (2011 p. 575) inaugurou uma nova ordem no sistema prisional, instaurou-se uma nova interpretação na sistemática do direito processual penal, para recusar qualquer norma que vede a restituição da liberdade ao preso em flagrante sem ordem judicial escrita e fundamentada, baseada nos fundamentos das cautelares.

Assim sendo, a necessidade da prisão para esses crimes mais graves deverá ser analisada, e em não sendo necessária, a autoridade judiciária deverá conceder a liberdade, contudo sem fiança, eis que a lei inocuamente exigiu que não se concedesse a fiança. De maneira conclusiva, para crimes menores, a liberdade e a possibilidade de imposição de todas as cautelares serão possíveis. De outro modo, para os crimes mais graves, arrolados no art. 323 do CPP, somente caberá a liberdade e algumas das cautelares.

Diante da exigência de ordem escrita e fundamentada para manutenção da prisão, há evidente inconstitucionalidade para os crimes de racismo, de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos e cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, conforme previstos no art. 323 do CPP e art. 5º incisos XLII, XLIII, XLIV, da CF, quando é veda a concessão da liberdade provisória mediante fiança. Vedação, e inconstitucionalidade, também imposta para alguns crimes definidos em legislação especial, como na lei que cuida dos crimes hediondos, Lei nº 8.072/90; das organizações criminosas, Lei nº 9.034/95; dos crimes de lavagem de dinheiro, Lei nº 9.613/98, e na lei do Estatuto do Desarmamento, nº 10.826/2003, além da Lei nº 11.343/2006, intitulada de Lei de Tóxicos. 

Todas essas vedações legais da liberdade provisória constituem hipóteses de prisão cautelar obrigatória, afrontando os princípios da presunção de inocência e da análise judicial na necessidade da manutenção da prisão cautelar do agente por ordem escrita e fundamentada. Esta análise da prisão cautelar é função e atuação obrigatória dada ao judiciário pelos artigos 5º, LXI, e 93, inc. IX, da CF e art. 310, inc. II, do CPP, devendo ela ser fundada nos motivos da preventiva, art. 312 do CPP.

Renato Brasileiro (2011 p. 433/434) explica que de modo algum está se dizendo que todo e qualquer agente preso em flagrante por um desses delitos será necessária e automaticamente posto em liberdade. Mas, será cabível a concessão da liberdade provisória sem fiança, ficando a manutenção da prisão do agente condicionada à existência de decisão judicial devidamente fundamentada, que aponte a necessidade de sua segregação cautelar (LIMA R.B., 2011 p. 433/434). Da mesma forma, poderia o magistrado agir quando o acusado alegar sua condição do art. 350 do CPP, bastando mantê-lo em liberdade e invocar as outras medidas cautelares diversas da prisão e da fiança.

A natureza cautelar da prisão deve ser fundada em uma necessidade vista de perto em cada caso e não abstratamente na exigência da lei. Nesse sentido, vem entendendo o STF, que já se manifestou que, quanto aos crimes hediondos, eles por si só não impedem a concessão da liberdade provisória, eis que toda prisão imposta antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, por ser cautelar, deverá ser determinada excepcionalmente e quando demonstrada sua necessidade a partir da concretude exprimida nos autos.

2.4.  O novo procedimento em vigor da Liberdade provisória mediante pagamento de fiança.

Antes da Lei nº 12.403/2011, a liberdade provisória era vista como medida contracautelar que substituía a prisão em flagrante. Agora, ela passa a funcionar também como medida cautelar autônoma, inciso III do art. 310 do CPP. A liberdade provisória com fiança consiste em direito subjetivo constitucional do acusado e sendo ela negada diante dos casos em que a lei a admite estará caracterizado o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, além de abuso de autoridade, conforme art. 4º, alínea “e”, da Lei nº 4.898/65.

A liberdade provisória em sentido amplo consiste na fiança e na liberdade provisória em sentido estrito, essa é o mesmo que liberdade sem fiança. De forma mais ampla, existem as formas de liberdade provisória vinculada e não vinculada. Na primeira espécie, vinculada, o acusado é posto em liberdade, porém fica vinculado a certos deveres processuais, podendo ser concedida com ou sem fiança. As hipóteses de liberdade provisória com vinculação estão previstas no art.350, caput, do CPP, que trata do acusado pobre; art. 322 a 349 do CPP, em que o acusado se vincula às obrigações dos artigos 327 e 328 do CPP; liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP, nos casos de cometimento do crime com excludentes de ilicitude; liberdade provisória cumulada com uma ou mais das medidas cautelares diversas da prisão, quando o direito liberatório é concedido como medida cautelar autônoma.

Na espécie de liberdade provisória sem vinculação, o acusado é posto em liberdade sem qualquer dever processual. Assim era no caso em que o réu livrava-se solto, antiga redação do art. 321 do CPP, mas nesse caso a liberdade não era do tipo provisória, porque não existia vínculos a serem descumpridos que possibilitassem a substituição da medida, imposição de outra em cumulação ou decretação da preventiva em último caso. 

 O momento para concessão da fiança pelo art. 334 do CPP é até o trânsito em julgado da sentença condenatória. O art. 330 do CPP explica que a fiança poderá ser prestada por qualquer pessoa e consiste em depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos. Se a fiança for declarada sem efeito ou for o acusado absolvido ou extinta sua punibilidade, o valor da fiança será integralmente restituído, com a devida atualização monetária, art. 337 do CPP. Entretanto, entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta, art. 345 do CPP. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.

 O procedimento em vigor da fiança permite ao Delegado de Polícia arbitrar a fiança imediatamente nos casos de infração penal não superior a quatro anos, art. 322 do CPP. No caso de recusa ou retardo na restituição da liberdade mediante fiança, basta dirigir uma petição ao juiz que deverá decidi-la no prazo de quarenta e oito horas, art.335 do CPP. O intento da lei foi dar praticidade e imediatidade à restituição da liberdade, para que o autor não aguarde ainda o prazo de vinte quatro horas para que o auto de prisão em flagrante chegue às mãos no magistrado, quando então se pronunciaria sobre a prisão e a liberdade.

Mesmo não sendo o caso de instituição da fiança pelo Delegado, o prazo para decisão sobre o requerimento de liberação da fiança será de quarenta e oito horas, parágrafo único do art. 322 do CPP. Na mesma oportunidade em que o magistrado for decidir sobre a fiança, ele poderá impor outra medida cautelar. A fiança pode ser imposta de ofício, quando da chega do auto de prisão em flagrante nas mãos do juiz, que deverá proferir decisão sobre a prisão, a liberdade e eventual fiança dentro do prazo de vinte e quatro horas, ou a requerimento do autor, quando então, o prazo será de quarenta e oito horas para se conceder ou negar a fiança. 

O caráter da fiança não é de benefício, mas de restrição de direito em situação cautelar. A Lei 12.403/2011 manteve indevidamente, em vários dispositivos, as expressões “concessão” e “benefício”, sendo que a fiança agora é tratada como imposição. Os critérios para sua imposição abarcam a natureza da infração, as condições pessoais do preso e o custo geral das despesas processuais, art. 326 do CPP. O parâmetro monetário da fiança é o salário mínimo.

Antes das mudanças sobre as novas medidas cautelares, os valores previstos para a fiança no art. 325 do CPP eram de R$61,89 a R$309,45 para infrações punidas com até dois anos de prisão, e de R$309,45 a R$1.237,80 para infrações punidas com até quatro anos de prisão, e de R$1.237,80 a R$6.189,00 para infrações punidas com grau máximo superior a quatro anos de prisão. A nova redação do art. 325 do CPP elevou por demais os valores para fiança, que será fixado pela autoridade que a conceder nos limites de um a cem salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a quatro anos; de dez a duzentos salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos. Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser dispensada, na forma do art. 350 do CPP, reduzida até o máximo de dois terços ou aumentada em até mil vezes.

A imposição da fiança figura como uma forma de exigência do afiançado em comparecer ao processo sempre que intimado. Mesmo assim, a natureza da fiança permanece como de cautelar, devendo ser exigida somente para garantir aplicação da lei penal, resguardar a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. Além do mais, deverá estar adequada à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Os artigos 327 e 328 do CPP determinam obrigações ao autor quando for prestada a fiança, que o coagirá a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.  O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de oito dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado. Todas essas obrigações também podem ser impostas ao réu que por condições econômicas não puder prestar a fiança, mas que tem direito à liberdade.

Se houver descumprimento dessas obrigações fixadas pelo art. 327 e 328 do CPP, será considerada quebrada a fiança, bem como quando o acusado praticar ato de obstrução ao andamento do processo, descumprir outra medida cautelar imposta, resistir injustificadamente a ordem judicial ou praticar outra infração penal dolosa. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado. A fiança quebrada gera a perda da metade do seu valor, a impossibilidade de, naquele mesmo processo, prestar nova fiança e poderá o juiz impor outras medidas cautelares mais gravosas, incluindo a prisão preventiva, art. 343 do CPP.

Dizer que a fiança será cassada é o mesmo que afirmar que ela foi julgada inidônea ou sem efeito. O valor deverá ser devolvido a quem a prestou e o juiz verificará a necessidade de se decretar outras medidas cautelares diversas da prisão ou impor a própria preventiva. A fiança será cassada em qualquer fase do processo se for concedida por equívoco, art. 338 do CPP; quando ocorrer uma inovação na tipificação do delito, reconhecendo-se a existência de infração inafiançável, art. 339 do CPP; se houver o aditamento da denúncia, acarretando a inviabilidade de concessão da fiança.

Foi modificado pela Lei nº 12.403/2011 o art. 340 do CPP, que trata do reforço da fiança e o exige quando for inovada a classificação do delito; quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente; quando houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas. Se o réu não reforçar o valor da fiança poderá ser recolhido à prisão, desde que presentes os requisitos da preventiva. Se o réu for pobre, poderá ser dispensado do reforço, permanecendo em liberdade e sendo garantido o efeito da fiança.

Há também a dispensa da fiança quando, se estiver diante do art. 350 do CPP, o juiz conceder a liberdade provisória do acusado. Nesse caso a dispensa é uma obrigatoriedade do magistrado, porque se trata de direito do beneficiário. A fiança será considerada sem efeito quando ela for cassada; quando não houver o seu reforço e quando, recolhido o seu valor, advier sentença absolutória do acusada ou declarando a extinção da ação penal. Nesses casos o valor da fiança deverá ser restituído sem desconto.

Ao se falar do destino da fiança, deve-se analisar a situação do réu. Se o réu se apresentou para cumprir a pena imposta, lhe será restituído o valor dado em garantia, atualizado, abatendo o valor das custas, indenização do dano, prestação pecuniária e multa. Se o réu for absolvido ou extinta a sua punibilidade, o valor será restituído sem desconto, atualizado. Se for declarada extinta a punibilidade em razão da prescrição da pretensão executória, não se fala em restituição, já que o parágrafo único do art. 336 do CPP demanda que o dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado. No caso de fiança quebrada ou perdida, a destinação do valor será para o fundo penitenciário nacional.

Fiança prestada por meio de pedras ou objetos preciosos será executada mediante ordem judicial para que o leiloeiro promova a venda desses bens. Sabendo que existe a possibilidade de se prestar fiança por meio de hipoteca, a execução da fiança desse tipo será promovida no juízo cível por meio do Ministério Público. 

2.5.    Fiança estipulada pelo Delegado de Polícia

Como explicado no capítulo primeiro deste trabalho, na época em que o povo brasileiro convivia com o poder moderador, designado pela concentração de poder nas mãos do imperador, este nomeava os magistrados, aos quais cabia exercer também a chefia da polícia, nos termos do Código de Processo Penal de 1832. Naquela época, quem detinha realmente poderes para processar e julgar as contravenções e crimes punidos com prisão, degredo ou desterro até seis meses eram os próprios juízes de paz. Em razão disso, estes detinham mais poderes do que os próprios juízes de direito.

Posteriormente, as funções dos juízes de paz foram entregues aos chefes de polícia, que passaram a exercer assim poderes judiciais, formando um sistema denominado de “policialismo judiciário”, em que a justiça criminal era baseada em uma polícia que prendia, investigava, acusava e pronunciava os acusados de certos crimes. O art. 54 da Lei nº 261, de 1841 abordava esse status judicial do investigador ao dizer que “as sentenças de pronúncia nos crimes individuais proferidas pelos Chefes de Polícia, Juízes Municipais, e as dos Delegados e Subdelegados, que forem confirmadas pelos Juízes Municipais, sujeitam os réus à acusação, e a serem julgados pelo Jury”. Já que detinha poderes para condenar, a polícia poderia conceder liberdade mediante fiança, sendo que o Promotor Público deveria ser ouvido antes de a polícia conceder a fiança. 

Com o advento do CPP de 1941, apesar de já se estar em uma República, mantiveram-se os princípios do império e das monarquias absolutistas do passado. Naquele Código, a regra era a prisão e somente a polícia podia conceder a fiança no caso do preso em flagrante e era a própria polícia que poderia cassar essa fiança, prendendo novamente e não havia necessidade de oitiva do MP quando o delegado fosse decidir sobre a fiança. O juiz somente poderia soltar mediante fiança após o término das investigações. Caso o delegado se negasse a arbitrar a fiança, o juiz somente poderia se manifestar sobre a recusa se o delegado fosse ouvido antes da decisão, porém este não precisava consultar os órgãos da Justiça quando decidia sobre a fiança (LIMA F.R., 2011).

Com o tempo a fiança perdeu sua importância e anteriormente à vigência da Lei nº 12.403/2011, a autoridade policial somente poderia conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples e desde que não se tratasse de crime contra a economia popular ou crime de sonegação fiscal. Nos demais casos, somente a autoridade judiciária poderia arbitrar.

Agora em que vigoram as mudanças da lei das novas medidas cautelares, a autoridade policial somente pode conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos. Constitui abuso de autoridade levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar a fiança permitida em lei.  Assim, o delegado não poderá negar a fiança quando esta for cabível. Caso a autoridade policial retarde ou não conceda fiança, caberá ao preso prestá-la mediante petição dirigida ao juiz competente que terá o prazo de quarenta e oito horas para proferir decisão, art. 335 do CPP. Não a proferindo, caberá habeas corpus diante do constrangimento ilegal.

A autoridade policial passa a ter o dever de arbitrar a fiança nos casos permissivos da legislação. Em outro giro, a fiança é direito do acusado diante da manifestação do artigo 5º, LXVI, CF, eis que o status libertatis deve ser conservado. Porém, a fiança arbitrada por aquela autoridade pode ter o condão de ferir esse direito à liberdade, tanto porque o acusado não tem condições de arcar, necessitando da redução do valor, ou porque não tem condição alguma de arcar com qualquer valor. A lei, art. 325, § 1º, incs. II e III, do CPP, entrega um poder discricionário muito grande à autoridade a autoridade policial ao permiti-la reduzir o valor da fiança até o máximo de 2/3, assim como aumentá-la até mil vezes. Diante disso, se faz necessário o crivo judicial sobre essa delimitação de direitos, não configurando uma intromissão judicial, mas uma luz à guarda da liberdade daquele acusado, ressaltando que somente à autoridade judiciária é dado o poder de dispensar a caução fiança.

Resquício histórico que agora foi revigorado, a manutenção legislativa dessa atribuição do delegado em arbitrar fiança quando da concessão da liberdade após as formalidades do auto de flagrante reveste aquele de poder judicial, que não lhe é próprio, ferindo o campo de atribuição judicial e permitindo abusos ao direito da liberdade do acusado. A fiança policial não permite a análise do art. 350 do CPP pelo delegado e impossibilita a imediata soltura do suspeito acuado pelo valor instituído como fiança. Ademais, somente a jurisdição penal, realizada pelo magistrado a partir de dados concretos da situação fática, tem o condão de impor uma medida cautelar.


3. DAS DISTORÇÕES NO CAMPO DA FIANÇA CRIMINAL A SEREM CORRIGIDAS PELO INTÉRPRETE

Guilherme de Sousa Nucci (2011b p. 9) entende que a Lei nº 12.403/2011 trouxe mais vantagens do que pontos negativos, eis que ela sistematizou que a prisão é uma contingência excepcional que deve ser regrada e substancialmente motivada. Realmente, a lei objetivou tal juízo, porém parece ter permanecido como uma espécie de prisão ex-lege ou automática o lapso entre a fiança arbitrada pelo Delegado de Polícia e a chegada dos autos do flagrante às mãos do magistrado, eis que aquele que não tiver condições econômicas de arcar com o valor afiançado permanecerá segregado. Ainda que muitos considerem que essa segregação não seja tão extensiva ou duradoura, ela é desmotivada, desarrazoada, fere o princípio da igualdade, da presunção de inocência e atenta contra o princípio maior, da dignidade da pessoa humana. 

Nesse ponto, parece que a assistência ao autor desabonado economicamente e preso em flagrante é estéril, eis que de fato a atuação de uma defesa pública imediata não está sendo tão contígua assim. É notório como quão sobrecarregada e abarrotada está essa assistência pública gratuita e que ela não tem o necessário contato direto com todos os autores de crimes em flagrante, para receber deles dados mais concretos sobre os fatos, vida e situação econômica do preso, de modo a levar a documentação o mais rápido possível à autoridade competente, a fim de que aquela o libere com base no art. 350 do CPP.

Parece mais desarrazoada ainda a possibilidade de o indivíduo ter sua liberdade provisória sem fiança pelo artigo 350 do CPP negada quando os autos do flagrante chegam ao judiciário e, mesmo diante da lógica de o acusado não ter procedido ao imediato pagamento da fiança policial por escassez econômica, se mantém a segregação sem se usar de outras medidas cautelares catalogadas no art. 319 do CPP. Conforme se verifica nos seguintes julgados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

CONCESSÃO DE LIBERDADE MEDIANTE FIANÇA - MISERABILIDADE. 1ª Turma Criminal - No julgamento de habeas corpus impetrado por acusado pelo crime de furto tentado com o objetivo de obter liberdade provisória sem o pagamento de fiança, a Turma denegou a ordem. Segundo a Relatoria, o réu foi preso em flagrante ao tentar subtrair veículo com o auxílio de chave de fenda. Foi relatada, ainda, a alegação da defesa de que o paciente não teria condições de arcar com a fiança arbitrada por ser carroceiro e dormir na rua. Nesse contexto, o Desembargador esclareceu que, na última reforma processual penal, a fiança foi revitalizada como forma de garantir a contribuição do acusado com a instrução do processo, simbolizando verdadeiro compromisso com o Estado-Juiz. Com efeito, afirmou que a exclusão do pagamento em razão da simples alegação de pobreza esvaziaria o instituto, tornando-o letra morta. Na hipótese, o Magistrado afirmou que, como o paciente possuía condenação definitiva por outro delito de furto, seria temerário colocá-lo em liberdade sem qualquer prova de sua intenção em cooperar com a justiça, pois a contumácia delitiva demonstra seu total menosprezo quanto à possibilidade da repreensão estatal. Da mesma forma, os Julgadores reconheceram que, além da inexistência de prova sobre a miserabilidade do acusado, o valor da fiança não extrapolou os limites da razoabilidade e proporcionalidade. Desse modo, com o intuito de preservar a instrução criminal, o Colegiado manteve o arbitramento da fiança.( TJDFT, 20110020150753HBC, Rel. Des. George Lopes Leite. Data do Julgamento 25/08/2011, 2011,p.93)

 LIBERDADE PROVISÓRIA - PAGAMENTO DE FIANÇA. 2ª Turma Criminal - A Turma concedeu em parte habeas corpus em favor de réu preso em flagrante pela prática dos crimes de falsificação de documento público, falsa identidade, resistência e desacato. Segundo a Relatoria, o indiciado alegou a ocorrência de constrangimento ilegal, haja vista ter o magistrado de primeiro grau condicionado a liberdade provisória ao pagamento de fiança, impedindo, assim, a efetivação da sua liberdade por não ter condições de arcar com o valor fixado. Com efeito, o Desembargador lembrou que, com a inovação trazida pela Lei 12.403/2011, o juiz pode, ao receber o auto de prisão em flagrante, fundamentadamente, converter a prisão em flagrante em preventiva ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança (art. 310 do CPP). Nesse contexto, o Julgador explicou que não restou demonstrada nos autos a insuficiência econômica do paciente, o que inviabilizaria a dispensa da fiança, no entanto, verificou-se que o valor fixado - quinze salários mínimos - exacerbou o mínimo previsto no art. 325 do CPP. Desse modo, o Colegiado concedeu parcialmente a ordem para reduzir em 2/3 o valor da fiança arbitrada. (TJDFT, 20110020160323HBC, Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati. Data do Julgamento 01/09/2011 , p. 132) (INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA 221 TJDFT, 2011)

Foi visto que a última reforma no CPP trouxe novas faixas de fixação da fiança, utilizando como base o salário mínimo, bem como permitiu que o juiz diminuísse ou aumentasse os valores, conforme a situação econômica do réu.  A argumentação de que a fiança tem por fim garantir a colaboração do indivíduo com a justiça não tem cabimento por si só, pois bastaria arbitrar a fiança e aquele que tem boas condições financeiras poderia pagá-la e sumir dos olhos da justiça, eis que para ele dinheiro não é problema.

A pobreza alegada na maioria dos casos é regra e é verdadeira, pois sabemos que a maior parte da população carcerária tem um histórico de más condições econômicas. Ademais, não é razoável se fazer uma presunção que não beneficia ao réu, já que sabemos o porquê de tanta criminalidade, extremamente influenciada pela miserabilidade dos brasileiros. Logo, a presunção de que o réu “não é de todo desprovido economicamente” deveria ser alterada para o contrário, inclusive porque se está diante de privação da liberdade antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Alegar a pobreza e não pagar a fiança não equivale ao arbitramento de alto valor de fiança a um rico e este pagá-la. Observe que o art. 319 do CPP elencou outras medidas cautelares diversas da prisão, e que não se constituem somente na retenção de valores como garantia pessoal do acusado para estreitar os laços na colaboração do processo. A injustiça se instaura a partir do momento em que o abastado pode imediatamente obter a liberdade, que é pressuposto e garantia, enquanto que aquele que tem poucas posses tem forma diferenciada no trato do seu direito de liberdade diante de medida cautelar imposta de forma automatizada. 

  A dificuldade do pobre em pagar a fiança é tão grande quanto à de também se fazer prova de sua miserabilidade, pois um defensor público não tem o contato direto com seus clientes, como se costuma ter o advogado particular com seu representado. Isso não é culpa do defensor, mas sim do alto número de pessoas que demanda a Defensoria, para as quais faltam condições de se prezar pelo advogado privado. Assim, o sistema de defesa pública se torna mais lento, com menos ligação ao seu representado, não obtendo maiores informações deste e consequentemente o deixando por mais tempo na prisão antes de uma condenação em definitivo.

A questão a ser discutida e analisada é se há uma diferença de tratamento entre o rico preso em flagrante e o pobre preso em flagrante. Uma apreciação sobre a diferença entre os dois em idênticas condições, flagrância em que caiba a concessão de fiança policial, indica, ao menos perfunctoriamente, que a questão é de sorte do primeiro e azar do segundo. As medidas cautelares devem ser aplicadas pelo judiciário de forma individualizada. Após a realização de todos os procedimentos do flagrante, a segregação pela fiança policial daquele indivíduo pobre não se faz mais constitucional, eis que não detém análise e fundamentação pela autoridade judiciária competente, a qual também somente poderia fixar a prisão cautelar como última medida. 

3.1. Princípios constitucionais penais e o valor da liberdade na Constituição

O conjunto de princípios constitucionais penais e processuais penais deve seguir a luz do princípio maior, qual seja o da dignidade humana (NUCCI, 2011b p. 13). O próprio artigo de direitos fundamentais na Constituição Federal decreta ser inviolável o direito à liberdade, que por sua vez é flexibilizado quando diante da necessidade e legalidade na aplicação de uma prisão cautelar. A liberdade individual é a regra, e a prisão cautelar medida de exceção de última razão.

O poder judiciário é importante instrumento para controlar a legalidade da prisão provisória, por isso mesmo o art. 5º da CF determina: “que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” e ainda, “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicadas imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. A própria prisão em flagrante, especialmente com o advento da Lei nº 12.403/2011, sofre controle de legalidade pelo judiciário para que, se ilegal, seja imediatamente relaxada, art. 5º, LXV, da CF, ou, se realmente necessária a “cautelarização” do acusado, que se aplique primeiro a medida cautelar mais adequada, art. 319 do CPP.

As novas medidas cautelares objetivam resolver o problema da superlotação dos presídios, especificamente dos que abrigam presos provisórios. Aury Lopez Jr. colabora ao dizer que “o sistema carcerário está em colapso, quase 220 mil são presos cautelares. Esse é o estado de emergência que pressionou mais essa reforma processual” (LOPES JR., 2011b p. 54, grifo nosso). Mas para tanto, o aplicador da lei deve dar oportunidade para essas medidas arroladas no art. 319 do CPP, testando a eficácia dessas e romper com a cultura inquisitorial-encarcerizadora (LOPES JR., 2011b p. 55) dominante. Quanto à fiança na forma de medida cautelar, ela parece mais adequada para crimes econômicos financeiros e tributários, nos quais, conforme opina Nucci (2011b p. 86), o acusado tem, em regra, maior poder aquisitivo e a fiança funcionaria como melhor medida alternativa à prisão preventiva, para garantia da ordem econômica.

Para que todo o processo penal siga os estreitos caminhos da legislação, deve-se analisar em nível constitucional o cenário em que o processo penal se insere, ou seja, os princípios normatizadores da justiça criminal. Nesse mesmo panorama, a prisão cautelar também está cravada. Marca as medidas cautelares a proeminência dos princípios da dignidade da pessoa humana, devido processo legal, da legalidade, da proporcionalidade e da presunção de inocência

3.1.1.      Princípio da Dignidade da pessoa humana e do favor libertatis relacionados com a excepcionalidade da prisão cautelar

O princípio da dignidade da pessoa humana constitui essencialidade do Estado Democrático de Direito e tem por missão a preservação do ser humano, conferindo a este autoestima e garantia do mínimo existencial. A doutrina trata esse princípio como princípio de natureza supraconstitucional e regente, ou seja, o primeiro e mais importante para o Direito. O prisma objetivo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana envolve o atendimento das necessidades vitais básicas para vivência. No prisma subjetivo, encontram-se os cuidados com o sentimento de respeitabilidade e autoestima inerentes ao ser humano a serem considerados pelo Estado, por meio do respeito aos direitos e garantias individuais. Eis a razão da necessária observância desse princípio pelos cenários do Direito Penal e Processual Penal (NUCCI, 2010 p. 40).

O autor Rogerio Schietti traça uma perspectiva do uso da razão e sensibilidade a ser observada sobre o acusado dentro da relação processual, a fim de que se compreenda a dimensão do humano. Segundo ele:

O processo deveria ser, também, um instrumento para que se conhecesse não o homem abstrato, identificado com um nome qualquer, mas o homem real, de carne e osso (RIVERO SANHCEZ,p .75). Essa postura trataria inevitável humanização do processo, colocando o réu como o “o centro do sistema punitivo” a merecer toda a atenção do acusador e do julgador em qualquer decisão a ser tomada no curso da relação processual(SILVA FRANCO, p.4) (CRUZ, 2011 p. 61).

O referido autor não está a dizer que se deva desprezar o sentimento da vítima e de seus familiares, mas agir conforme a razão da justiça pública, de que o juízo penal deve ter informações sobre o fato criminoso e o acusado, mediante a reconstrução da história desse, conforme preceitua Carnelluti (1995 apud CRUZ, 2011, p.60). O importante é tentar criar um equilíbrio entre os interesses da vítima e do autor do fato, para que se evite uma vitimização secundária do ofendido.

A excepcionalidade da prisão cautelar é inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana. Assim se encontra na jurisprudência: “A prisão cautelar dos réus só se justifica em hipóteses excepcionais, sob pena de restarem vilipendiados os princípios constitucionais da presunção da inocência e da dignidade da pessoa humana. (HC 2008.059.03963-RJ,2ª C.C, rel. José Muinos Pineiro Filho, 01.07.2008, v.u.)” (NUCCI, 2010 p. 58).

A existência no Código de Processo Penal de 1941 da prisão obrigatória foi fruto de um regime estatal voltado para a defesa social em detrimento das liberdades públicas, o que minimizava a proteção do indivíduo em nome da maior eficácia do sistema punitivo. Pensava-se que havia incompatibilidade no trato simultâneo da defesa social e da proteção do indivíduo. Passou-se então a ser necessária a discussão acerca da proteção penal eficiente, eis que ao mesmo tempo em que o Estado tem o dever de, em relação à vítima e à coletividade, protegê-las garantindo a segurança, deverá também preservar, mediante a apreciação do caso concreto, o alcance dos direitos fundamentais do acusado, analisando o núcleo essencial desses, principalmente o da liberdade, quando se tratar de prisão cautelar.

O princípio do favor rei, também chamado de favor libertatis ou favor innocentiae, no sistema penal brasileiro, é utilizado como norte de interpretação na aplicação da norma ante a incerteza quanto à vontade da lei, aplicando solução mais favorável ao réu. Essa aplicação também pode ocorrer no Direito Processual Penal (CRUZ, 2011 p. 58), e por isso tem-se a seguinte orientação:

Seguindo essa linha doutrinária, DELMANTO JÚNIOR(1998, p.263) considera, em atenção ao disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal, que, em nome do favor libertatis, o uso da interpretação extensiva, da analogia e do recurso aos princípios gerais do direito deve ser limitado, “na medida em que não autorizam o aplicador da lei a manter alguém cautelarmente preso sem que esteja estritamente caracterizada a incidência legal da prisão provisória e, uma vez verificados os seus pressupostos e requisitos, que ela seja imposta por mais tempo do que o expressamente previsto, diante do princípio do favor libertatis,que está acima de qualquer outro.” (CRUZ, 2011 p. 59).

Cabe ao Judiciário evitar, pelos meios possíveis e razoáveis, o aglomerado insalubre dentro dos cárceres como forma de concretude ao princípio da humanidade. Potencial solução é evitar retardar a liberdade provisória quando o acusado não prestou o pronto pagamento da fiança, fazendo em seu favor presunção de sua falta de condições econômicas.

3.1.2.  Princípio da legalidade estrita da prisão cautelar e do devido processo legal

Os incisos LIV e LXI do art. 5º da CF abordam a legalidade e jurisdicionalidade da prisão. Segundo eles somente pode haver privação da liberdade humana se houver previsão legal expressa, devendo obediência ao devido processo legal, bem como somente por meio da autoridade judiciária competente se pode decretar a prisão cautelar, salvo nos casos de prisão em flagrante, na qual qualquer pessoa do povo e as autoridades policiais terão o condão de privar alguém de sua liberdade. Revestirá de jurisdicionalidade essa situação de flagrante quando o juiz receber o auto de prisão e analisar sua legalidade.

Por se tratar de medida efêmera, exige-se do flagrante a observância de todas as formalidades na lavratura do auto para criar maior proteção jurídica àquela circunstância emergencial de segurança pública conduzida por quem não tem poder jurisdicional. Além da carta constitucional brasileira, o Pacto de São Jose da Costa Rica prevê o dever de condução da pessoa presa, sem demora, à presença de um juiz, a fim de revestir de jurisdicionalidade aquela prisão excepcional. Apesar de existir a situação de flagrância como prisão provisória sem determinação judicial, a regra é a de que essa é sempre exigida somada ao cumprimento dos requisitos legais.

A duração razoável da prisão cautelar foi elevada pelas posições doutrinárias e jurisprudenciais a princípio constitucional implícito. Os princípios constitucionais expressos da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana e da estrita legalidade da prisão cautelar são incompatíveis com a restrição da liberdade sem culpa formada por prazo desarrazoado. Aliás, qualquer segregação cautelar pelo prazo mínimo que seja pode trazer os efeitos deletérios do cárcere ao acusado.

A conjugação dos incisos II e XXXIX do art. 5º da CF, que determinam “que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e “não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal”, implicam, no âmbito penal, que a punição de alguém está vinculada à prática de infração penal, previamente detalhada em lei. Da mesma forma, exige-se essa legalidade para a prisão cautelar, eis que também se está cerceando a liberdade.

Foi elencados por Nucci (2011a p. 101) como requisitos formais estritos da prisão cautelar o que está disposto nos artigos 5º, LXI, LXII, LXIII e LXIV, da Constituição federal. Nesses dispositivos, determina-se que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada e que o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Nesses ditames constitucionais, a prisão cautelar deve obedecer a um austero procedimento, por isso está dentro da ordem de legalidade no processo penal.

3.1.3. Princípio da proporcionalidade na prisão cautelar

O princípio da proporcionalidade na prisão cautelar faz da liberdade a regra. Assim vislumbram os tribunais:

TRF-3ªR.: “À luz do princípio da proporcionalidade, uma vez que a liberdade é a regra e a prisão cautelar a exceção, sendo afiançável o delito imputado ao paciente e incorrendo hipóteses de cabimento da prisão preventiva, é de se reconhecer que ele faz jus a liberdade mediante fiança.” (HC 35.293-SP, 2.ª T.,rel. Cecília Mello, 07.04.2009, v.u.) (NUCCI, 2010 p. 219).

Entender o princípio da proporcionalidade permite convivência harmônica da prisão cautelar com o princípio da presunção de inocência. A lei pode restringir direitos, liberdades e garantias, desde que seja de forma adequada, necessária e adote cargas coativas proporcionais em relação ao fim que obstina. Disso decorre que, diante da custódia provisória do acusado, a proporcionalidade constitui-se na adequação, necessidade e na proporcionalidade estrita (CRUZ, 2011 p. 91), as quais juntas são máximas do referido princípio.

Na adequação encontra-se a eficácia da medida cautelar em proteger o direito ameaçado na situação concreta. Adequação é a idoneidade da medida judicial, a aptidão e conformidade com os fins pretendidos. Diante de medidas igualmente idôneas, deve-se primar por aquela que seja menos lesiva ao direito sacrificado. A necessidade ou subsidiariedade está relacionada com a intervenção mínima e proibição de excesso em onerar o direito do acusado. Somente se faz cabível a prisão cautelar quando outros meios menos gravosos não prometerem o mesmo êxito que a segregação. A eficácia da medida não é usar o meio mais eficaz, mas o suficientemente eficaz.

Rogério Schietti explica que a necessidade:

Trata-se de uma escolha comparativa, entre duas ou mais disponíveis, igualmente idôneas para atingir o objetivo a que se propõe com a providência cautelar, cumprindo ao magistrado, portanto, identificar e escolher qual delas representa a menor lesão ao direito à liberdade do investigado ou acusado, sem prejuízo do resultado concreto e da efetividade da iniciativa (CRUZ, 2011 p. 95).

Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, pode-se dizer que a medida cautelar é proporcional em relação à gravidade do crime e às respectivas sanções e os benefícios obtidos coma a medida. Alberto Bovino citado por Rogério Schietti (2011 p. 96) diz que a proporcionalidade estrita trata de impedir que a situação do indivíduo ainda inocente seja pior do que a da pessoa já condenada, proibindo-se coerção meramente processual mais grave do que a própria pena e que a privação antecipada da liberdade não pode durar mais do que a pena eventualmente aplicada. Isso é a duração razoável da medida cautelar.

3.1.4.      Princípio da presunção de inocência e a restrição da liberdade individual

Em função do primado dignidade da pessoa humana, toda pessoa nasce inocente e permanece nesse estado por toda a vida, salvo se cometer um fato típico, antijurídico e culpável e, mediante o devido processo penal, o Estado o condene com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (NUCCI, 2010 p. 239). Somente com esta instala-se a certeza da culpa sobre caso concreto e delimitado. Os demais casos em investigação não terão a culpa presumida em decorrência de condenação passada em julgada sobre fato diverso. Está previsto constitucionalmente, art. 5º, LVII, como princípio o estado de inocência e este intenta entregar à acusação o ônus da prova do que afete essa circunstância. Em outras palavras, o encargo de provar a culpa, alterando o status constitucional de inocência do acusado, é da parte que acusa, sob pena de ter rechaçado seu argumento.

A inocência é regra e presunção de ordem moral e legal, por isso a culpa deve ser provada e qualquer medida de restrição ao direito de pessoa inocente deve ser exceção. As medidas estatais restritivas voltadas à garantia da ordem pública podem afetar a estado de inocência, mediante a restrição de liberdades individuais, somente em casos indispensáveis e desde que outra medida não seja possível. Pelo exposto, o estado de inocência não veda a prisão cautelar. Entretanto, o novo estigma legal apresentado pela recente reforma processual penal requer que a prisão cautelar seja medida de última razão. Para cada medida cautelar apresentada no art. 319 do CPP tem-se um grau de necessidade e adequabilidade a ser verificado no caso concreto.

Do princípio da presunção de inocência, que integra o princípio in dunio pro réu, decorre o impedimento da obrigatoriedade à autoacusação, garantido o direito ao silêncio, e o princípio penal da intervenção mínima do Estado na vida do cidadão, de forma que a reprovação penal somente alcance quem for efetivamente culpado.

A principal consequência da presunção de inocência é que, havendo dúvida razoável entre a inocência do réu e a sua liberdade, deve o magistrado decidir em favor dessa última. Também, na própria interpretação da lei, deve-se optar pela versão de alcance mais favorável ao acusado. O direito do acusado de manter-se livre decorre desse meio esteio, ou seja, resulta da conjugação da previsão constitucional da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e de que o ônus da acusação cabe ao Estado.

Como visto, a presunção de não-culpabilidade do acusado ora é vista como regra de tratamento do acusado, ora como regra probatória. Ao funcionar como essa última regra, preserva-se a liberdade do acusado e sua inocência contra juízos de mera probabilidade, o que determina que somente a certeza possa gerar condenação. Quanto à regra de tratamento, essa exige que o acusado seja tratado com respeito à sua dignidade, somente podendo ser preso diante de imperiosa necessidade, lastreada por critérios legais objetivos. Diante dessa forma de tratamento, ao réu desprovido economicamente somente se pode aplicar a liberdade menos gravosa, ou seja, a liberdade provisória sem fiança, mais benigna ditada pelo art. 5º, inc. LXVI, CF: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

3.1.5.      Princípio da igualdade no tratamento dos sujeitos da fiança

Diante dos já mencionados princípios regentes do Estado Democrático, os sistemas processuais e constitucionais não podem entrar em contradição, perante a possibilidade de liberdade imediata através da fiança daquele acusado opulento e da impossibilidade imediata da liberdade com fiança do acusado miserável. Aury Lopes Jr. vislumbra, desde já, o risco da degeneração e banalização das medidas cautelares diversas da prisão, se não houver uma mudança na mentalidade dos atores judiciários (LOPES JR., 2011b p. 55). Uma reavaliação judicial é necessária, eis que todos são iguais perante a lei.

Por muito tempo a regra foi a da liberdade provisória sem fiança, pois esta estava desfalecida. A fiança foi uma simplificação no processo de soltura de quem pode pagar a garantia real (NUCCI, 2011b p. 20), mas questiona-se como fica essa simplificação para quem não pode pagá-la.

Utilizando o raciocínio em que Nucci questiona a linha de inteligência da proibição da liberdade provisória sem fiança na Lei de Drogas (NUCCI, 2011b p. 20), pode-se verificar que a regra é a da “desprisionalização”. Logo esta deveria ser atendida quando diante da possibilidade de liberdade imediata do indivíduo, independente da comprovação contígua da sua miserabilidade para fins de ser dispensado da fiança:

é fundamental considerar que a ideia geral, hoje, especialmente em Direito Penal, é a desprisionalização, ou seja, retirar forças das penas privativas de liberdade, substituindo-as por penas alternativas, aliás, já previstas na Constituição Federal(art. 5º, XLVI, a e e). Se a quase unanimidade dos juristas apoia a nova meta do direito material, qual é o sentido de se defender o encarceramento precoce, justamente de quem ainda é acusado, logo, inocente até sentença condenatória definitiva? (NUCCI, 2011b p. 20).

Se não for dada maior credibilidade às outras medidas cautelares diversas da prisão e até mesmo diversas da fiança, o intento da última reforma processual foi em vão, eis que aquelas objetivam, tanto quanto a fiança, fixar o acusado no distrito da culpa.

Alexandre de Moraes (2009 p. 37) ensina que a Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, em que todos os cidadãos devem ser tratados de forma idêntica pela lei, sendo vedação constitucional as diferenciações arbitrárias. O conceito de justiça requer tratamento desigual nos casos desiguais na medida de suas desigualdades, protegendo certas finalidades. Nesse caso, o elemento discriminador deve estar a serviço de finalidade acolhida pelo Direito. O mesmo autor explica que haverá a desigualdade na legislação quando a norma distinguir de maneira não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas.

Somente a justificativa objetiva e razoável fundada em critérios genericamente aceitos será apta a dar vazão às diferenciações não discriminatórias. Nesses casos, exige-se proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, primando-se pelas garantias constitucionais. Moraes (2009 p. 37) também ressalta que a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade é a limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. Quanto à autoridade pública, a ela é vedado aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias.

3.2.  A proibição de prisão por dívida

A fiança criminal tem como fim uma espécie de “contrato” de liberdade provisória, no qual o devedor assume as obrigações criminais previstas no Art. 319, VIII, do CPP, dando segurança de seu comparecimento aos atos do processo, evitando a obstrução do processo ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial. O próprio acusado pode ser o fiador, prestando-a por depósito, de dinheiro ou bens móveis, ou hipoteca.

Tem-se por certo que a fiança criminal não é compra da liberdade, mas garantia de cumprimento de obrigações sob pena de perda patrimonial. As referidas obrigações assumidas pelo suposto autor do fato asseguram a sua presença a todos os atos do processo ao passo que se evita os efeitos deletérios do cárcere preliminar. A exigência da fiança criminal não pode obstruir o mínimo de subsistência do acusado, tornando-a impossível de ser prestada:

os bens e valores que são excluídos de outras constrições, como por exemplo a casa de moradia, as ferramentas de trabalho e as verbas alimentares, não podem ser trazidas à conta da capacidade para prestar fiança, devendo o afiançante ser liberado da acessoriedade mediante outras medidas elencadas na lei, vez que isto atenderia ao princípio reitor do Direito Penal: não se tira de alguém aquilo que ele não tem (liberdade ou riqueza) (NEVES, et al., 2011 p. 2).

Já que o acusado assume uma obrigação, a fiança pode ser considerada:

[...] um contrato acessório ao contrato principal que garante ao credor o cumprimento da obrigação contratada [...].Pelo “contrato” de fiança o fiador – o próprio obrigado ou terceiro – coloca seus valores e bens – na proporção exigida pelo credor – em garantia de que o obrigado no “contrato” principal (a ação penal) cumprirá as obrigações deste. (NEVES, et al., 2011 p. 1/2).

O art. 5º, inc. LXVII, da Constituição Federal preceitua que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. A prisão não pode ser utilizada como técnica coercitiva genérica, obrigando o acusado a prestar garantia da suas obrigações processuais. Essa exigência passa por discussões éticas e de valores fundamentais.

Por outro lado, passa como afronta ao comando constitucional do inciso LXVII do art.5º da CF a manutenção pelo delegado de polícia do infrator preso que não tem condições de prestar a fiança. Sabendo que o art. 350 do CPP permite que somente o magistrado conceda a liberdade provisória sem fiança por motivo de pobreza, maior aflição ocorre quando, já em apreciação judicial, o magistrado mantém aquela prisão em razão da não comprovação do acusado de seu estado de miserabilidade. Não obstante a abolição da prisão por dívida civil, a falta de liberação do acusado em delitos afiançáveis ante a ausência da satisfação do valor da fiança, ainda que reduzida, ofende e viola a dignidade da pessoa humana e o princípio da inocência, além do texto da Constituição Federal e dos pactos internacionais.

Em noticiários, a discussão da fiança como óbice à liberdade do acusado já vem sendo debatida. Na revista ISTOÉ, por exemplo, consta reportagem sobre as fianças milionárias e os casos de impossibilidade do pagamento de qualquer quantia pelos menos abastados:

A discussão em torno dos valores da fiança tem gerado atritos entre a magistratura e a advocacia. Para advogados e defensores públicos, ao servir de substituta para a prisão preventiva, a fiança transforma-se, injustamente, em uma espécie de pena antecipada, a qual atinge diretamente os acusados de menos recursos financeiros, uma vez que não podem arcar com valores expressivos. “Tornar a fiança impagável é desvirtuamento do que preconiza a lei”, analisa o criminalista Maurício Zanoide de Moraes, professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo (USP). (COSTA, revista eletrônica ISTOÉ,2011).

O STJ já firmou que o não pagamento da fiança por si só não justifica a manutenção da prisão cautelar, bastando não estarem presentes os requisitos da prisão preventiva para se ceder ao direito à liberdade, conforme se vê:

HABEAS CORPUS Nº 231.587 - SP (2012/0013712-2) IMPETRANTE : JOSÉ CARLOS ABISSAMRA FILHO E OUTRO ADVOGADO : JOSE CARLOS ABISSAMRA FILHO E OUTRO(S) IMPETRADO  : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE   : REINALDO ANDRADE DE OLIVEIRA (PRESO) DECISÃO

1. Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado por José Carlos Abissamra Filho e outro em favor de Reinaldo Andrade de Oliveira apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.Segundo a petição inicial "O paciente foi preso em flagrante delito no dia 6 de janeiro do corrente ano pela suposta prática do crime de tentativa de furto simples de dois carrinhos de pedreiro avaliados em R$ 70,00 cada. (...) A magistrada então entendeu estarem 'ausentes os requisitos da prisão preventiva' e concedeu 'a liberdade provisória com fiança - ao indiciado Reinaldo Andrade de Oliveira, fixando valor de R$ 622, 00 (seiscentos e vinte e dois reais), equivalente a um salário mínimo vigente'" (fl. 2). Os impetrantes alegam "que o paciente é pobre e não tem condições de arcar com este valor da fiança e, por isso permanece preso desde então" (fls. 02/03). Requerem, liminarmente, "a concessão da ordem para que, em razão da pobreza, seja o paciente isentado da fiança nos termos estabelecidos no CPP, sendo-lhe concedida a liberdade a que tem direito" (fl. 6).

2. Salvo melhor juízo, se ausentes os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não é razoável manter a prisão cautelar de um paciente em razão apenas do não pagamento de fiança. Nesse sentido, o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. FURTO. LIBERDADE PROVISÓRIA DEFERIDA. FIANÇA NÃO PAGA. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, toda custódia imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal. 2. Se o próprio magistrado de primeiro grau reconheceu não estarem presentes os requisitos que autorizam a segregação cautelar, o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia. Trata-se de réu juridicamente pobre e de delito de furto simples, cuja pena mínima cominada é de 1 (um) ano de reclusão.

3. Ordem concedida para, confirmando a liminar, garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança. (HC nº 113.275, PI, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe21/2/2011) Nessas condições, defiro a medida liminar para relaxar a prisão do paciente, se por outro motivo não estiver preso. Comunique-se, com urgência. Após, solicitem-se as informações, e vista ao Ministério Público Federal. Intimem-se. Brasília, 27 de janeiro de 2012. Ministro ARI PARGENDLER Presidente (STJ, HC231587, Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER. DJE 02/02/2012, grifo nosso).

E ainda, o próprio STJ entendeu que a simples atuação da Defensoria Pública comprova a situação de pobreza:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO E DIRIGIR SEM HABILITAÇÃO. ARTIGOS 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL E 309 DA LEI 9.503/97. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE ARBITRAMENTO DE FIANÇA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DA PARTE ACUSADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

1. A comprovação da situação econômica da parte acusada é ônus probatório da defesa.Assim, ante a ausência de prova da condição financeira do paciente, correta a decisão monocrática de estipular fiança para fins de concessão de liberdade provisória. 2. Ordem de habeas corpus denegada" (fl. 15). O impetrante alega que "O paciente encontra-se encarcerado a mais de 67 dias (sessenta e sete), uma vez que embora lhe tenha sidoarbitrada a fiança, este não tem condições de arcar com esta" (fl.03).

2. Salvo melhor juízo, se ausentes os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não é razoável manter a prisão cautelar de um paciente em razão apenas do não pagamento de fiança.(...) Uma vez assistido pela Defensoria Pública, a hipossuficiência do paciente é presumida.Nessas condições, defiro a medida liminar para relaxar a prisão do paciente, se por outro motivo não estiver preso.Comunique-se, com urgência. Após, solicitem-se as informações, e vista ao Ministério Público Federal. Intimem-se.Brasília, 27 de janeiro de 2012. MINISTRO ARI PARGENDLER Presidente. (STJ, HC231731, Relator(a)Ministro ARI PARGENDLER. DJE 02/02/2012, grifo nosso).

Contrapondo-se a quem defende que a simples atuação da Defensoria Pública comprova a situação de pobreza, há também decisões do STJ que entendem que esse fato por si só não traz elementos que comprovem a condição econômica do acusado a ponto de enquadrá-lo no art. 350 do CPP. A motivação nesse caso estaria no fato de ser ônus daquele acusado comprovar expressamente tal condição, não se podendo presumi-la, sob pena de se transformar uma prova acessível ao acusado e a sua defesa em prova tipicamente diabólica para a sociedade, numa inadmissível inversão do ônus probatório.

Ainda nessa tese contrária a atuação da Defensoria como prova de miserabilidade do acusado, também se argúi que a simples afirmação de estar desempregado ou de não ter condições econômicas não poderia ser aceita como presunção, sob pena de desvirtuar o comando legal, haja vista que cabe à parte ré o ônus probatório de trazer à lume sua condição financeira, de modo a dar o devido substrato fático ao juízo para fins de avaliar ou não a conveniência de se fixar a fiança ou até mesmo de dispensá-la ou reduzi-la. Alegam também que, diante da falta de comprovação do quadro econômico do acusado, não haveria constrangimento ilegal na decisão que nega a concessão da liberdade provisória sem fiança nos termos do art.350, CPP, pois tal decisão teria a possibilidade de ser revisada no momento em que o acusado apresentasse os documentos probatórios acerca de sua condição financeira, pois o magistrado não estaria vedando a liberdade provisória.

Diante dessas duas visões antagônicas, devem incidir os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e do favor libertatis e verificar qual é a regra no quadro econômico dos encarcerados no país. Essa militaria a favor da presunção de ser o réu economicamente desprovido e que com certeza o acusado que não honrou o valor da fiança não o fez porque não teria condições de arcar com uma defesa privada mais ágil e mais disponível do que a pública, a qual já concentra todas suas forças em uma demanda carcerária estrondosa.

3.3.  Da assistência do Advogado ao preso provisório

Ao adentrar neste tópico, não há como deixar de falar sobre o princípio da ampla defesa. Essa constitui essência da pessoa humana e representa proteção diante do cenário penal. Para Nucci (2010 p. 264) “a ampla possibilidade de se defender representa a mais copiosa, extensa e rica chance de preservar o estado de inocência”. A ampla defesa tem como subdivisões a autodefesa e a defesa técnica. A primeira é realizada pelo próprio acusado com seus próprios argumentos. A segunda requer a atuação do advogado. Do devido processo legal se sobressai a necessidade de ampla defesa, para que não se afronte a presunção de inocência mediante atuação exclusiva do órgão acusador, sem em contrapartida haver o instrumento da defesa.

 Na fase de investigação policial não se demanda da ampla defesa, eis que é fase sem contraditório. Entretanto, faz-se necessária a atuação da defesa ante a privação da liberdade do acusado cautelar que não foi liberto por não ter condições econômicas, porquanto a Constituição Federal assegura ao preso a assistência da família e de advogado, art. 5º, LXIII, e eis que está presente o constrangimento de se ficar detido por ser detentor de pacos recursos econômicos, além de somente em juízo se poder pleitear a aplicação do art. 350 do CPP. Este dispositivo muitas vezes nem é aplicado por entender o magistrado ser incompatível com a maior eficácia do sistema punitivo, porquanto que o réu não deu garantia real. A assistência técnica se faz importante mesmo na fase pré-processual, porque há necessidade de prestação de informação, consultoria, prevenção e concreta atuação defensiva em nome da preservação do status libertatis e dos demais direitos e garantias fundamentais do acusado.

O antigo cenário forense era o da não concessão da assistência jurídica ao preso em flagrante. Restava ao preso aguardar o término do inquérito, para que a atuação do defensor fosse possível.  A Lei nº 11.449/2007 inseriu, no art. 306, §1º, do CPP, a obrigatoriedade do delegado comunicar a prisão em flagrante ao defensor público em vinte e quatro horas, corrigindo a falta de assistência jurídica à clientela criminal presa em flagrante. Renato Brasileiro sustenta que:

Deveras, não há como fechar os olhos para o tratamento desigual e odioso que sempre imperou (e continua imperando) na Justiça Criminal entre o acusado preso, que detém condições econômicas para constituir advogado, e o acusado preso menos afortunado, que vez por outra acabava ficando preso de maneira indevida simplesmente por não ter assistência de profissional da advocacia para solicitar o relaxamento de sua prisão e/ou a concessão de liberdade provisória. Esse tratamento diferenciado entre pobres e ricos perante o Poder Judiciário faz ressurgir o que asseverou, há muito tempo, Ovídio, segundo o qual cura puperibus clausa est( o Tribunal está fechado para os pobres) (LIMA R.B., 2011 p. 160).

Atualmente, o §1º do art. 306 do CPP mantém a determinação de comunicação da prisão em flagrante ao defensor no prazo de vinte e quatro horas. A falta dessa informação constitui ferimento ao procedimento da prisão em flagrante, revestindo-a de ilegalidade, e levando à necessidade de relaxamento da prisão ilegal.

Por ser direito a todos assegurados, o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos mediante a atuação da Defensoria Pública, a quem incumbe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, artigos 5º, LXXIV, e 134 da CF. Segundo determina o artigo 4º, caput e § 1º, da Lei n. 1.060/50, in verbis:

Artigo 4º - A parte gozará os benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

§ 1º - Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição dos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.

Verifica-se que a simples afirmação de que o acusado não pode arcar com as despesas do processo faz com que lhe seja deferida a assistência judiciária. Trata-se de presunção legal, que somente pode ser afastada se efetivamente demonstrado fato contrário à situação de pobreza afirmada pela parte.

Ora se a própria lei presume que a simples afirmação do beneficiário da assistência jurídica gratuita tem o condão de creditar que o réu é reconhecidamente pobre, questiona-se o porquê de em alguns casos o judiciário exigir prova do estado de miserabilidade, protelando em restituir ao acusado sua liberdade e, conforme for o caso, aplicar outra medida cautelar que não a fiança. A alegação dada pelo acusado é banhada de presunção iuris tantum de veracidade, suficiente à concessão do benefício do art. 350 do CPP.

 Inclusive, o fato de ser assistido pela Defensoria Pública já trabalha pela presunção de ser o réu presumidamente pobre. Logo, o acusado também é presumidamente pobre para que se conceda a liberdade provisória, sem a prestação da fiança, assim é o entendimento do STJ no aresto colacionado anteriormente.

A falta de uma Defensoria Pública instalada em alguns lugares desse país fere de morte os acusados presos em flagrante. No mesmo sentido, há lesão no fato de a assistência não poder ser efetiva ao ponto de buscar maior contato direto com o acusado, reunindo dados sobre esse e levar ao conhecimento da autoridade judicial todos os pedidos e documentos para rápida tomada de decisão sobre o estado de miserabilidade do indivíduo. Do mesmo modo compartilha o defensor público Maicom Vedruscolo:

Inobstante o comprometimento de alguns advogados que atuam na seara criminal como dativo, a maioria presta defesa técnica virtual sem o mínimo comprometimento com o bem jurídico que está em jogo, a liberdade do réu. Ainda, a ausência de Defensoria Pública viola os direitos fundamentais dos segregados já na fase extraprocessual, que engloba o acompanhamento do flagrante e prestação de assistência jurídica ao preso e a família, já que a nomeação de advogado pelo magistrado somente se dará por ocasião da audiência de instrução e julgamento (VEDRUSCOLO, 2011).

Em breves palavras, a falta da defesa efetiva e o entendimento de alguns magistrados convergem para manter o acusado segregado quando não há o pagamento da fiança. A própria legislação, Lei nº 1.060/50, gera a presunção de miserabilidade para fins de concessão da assistência jurídica gratuita, ao passo que alguns magistrados deixam de reconhecer essa presunção para exigir provas da situação econômica do acusado, enquanto se protela sua liberdade.


CONCLUSÃO

Tem-se, ao menos em tese, inserto na atuação dos atores processuais penais o uso de uma prisão automática, que ocorre entre o lapso da fiança não paga arbitrada pelo delegado de polícia e a chegada dos autos do flagrante às mãos do magistrado, porque sem manifestação judicial para revestir essa segregação. Mesmo que mínimo seja esse período de encarceramento, ele está descoberto pela motivação judicial, fere o princípio da igualdade, da presunção de inocência e atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana. Do mesmo modo se reveste a prisão mantida pelo magistrado que se nega a diminuir ou trocar o valor da fiança por outras medidas cautelares diversas da prisão a fim de resguardar a pronta entrega da liberdade ao acusado.

A análise da prisão cautelar é função e atuação obrigatória dada ao judiciário pelos artigos 5º, LXI, e 93, IX, ambos da CF, e art. 310, II, do CPP, devendo ela ser fundada nos motivos da preventiva, art. 312 do CPP. De modo algum está se dizendo que todo e qualquer agente preso em flagrante por qualquer delito será necessária e automaticamente posto em liberdade, mas será cabível a concessão da liberdade provisória sem fiança, ficando a manutenção da prisão do agente condicionada à existência de decisão judicial devidamente fundamentada, que aponte a necessidade de sua segregação cautelar. A liberdade provisória consiste em direito subjetivo constitucional do acusado e, sendo ela negada diante dos casos em que a lei a admite, estará caracterizado o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, além de abuso de autoridade. O intento da nova ordem processual é dar praticidade e imediatidade à restituição da liberdade.

Verifica-se a caracterização de uma nova espécie de prisão por dívida, não obstante a abolição dessa, a falta de liberação do acusado em delitos afiançáveis ante a ausência da satisfação do valor da fiança, ainda que reduzida, sob o enfoque dos motivos do art. 350 do CPP. A normatização internacional que afinca essa proibição, bem como a Carta Constitucional restam feridas diante das decisões do intérprete que, temendo pela dúvida em favor da sociedade, denega a liberdade provisória do acusado de crime afiançável de impossível pagamento por esse. Os princípios constitucionais penais da dignidade humana, favor libertatis, proporcionalidade e igualdade não militam a favor desse tipo de interpretação judicial. Inclusive, os fins da nova normatização processual também restam desatendidos quando o intérprete deixa de dar vazão as novas medidas cautelares e de abafar o efeito da prisão automática.  

O tratamento íntegro dispensado a qualquer acusado exige respeito à sua dignidade, somente podendo ser preso diante de imperiosa necessidade, lastreada por critérios legais objetivos. Diante dessa forma de tratamento, ao acusado pouco abastado somente se pode aplicar a liberdade menos gravosa, ou seja, a liberdade provisória sem fiança, mais benigna ditada pelo art. 5º, inc. LXVI, CF: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Instrumentaliza o magistrado o fato de as obrigações dos artigos 327 e 328 do CPP, que coagem o acusado fiador a comparecer perante a autoridade todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento, poderem ser impostas ao réu que por condições econômicas não for capaz de prestar a fiança, mas que tem direito à liberdade.

As modificações recentemente inseridas na ordem processual penal criaram uma série de alternativas ao cárcere e instrumentalizaram o juiz com medidas cautelares diversas da prisão. O modelo atualmente imposto ao CPP está fundado na necessidade e adequação da medida cautelar aplicada, bem como na observância ao postulado da proporcionalidade, de modo a evitar que toda e qualquer restrição a direitos individuais não seja alicerçada fora dessa necessidade e adequação do instrumento cautelar. Tanto na manutenção da prisão cautelar quanto na aplicação das medidas cautelares diversas da prisão estão presentes aqueles baldrames a serem auferidos a partir da garantia da aplicação da lei penal e na conveniência da investigação ou instrução criminal.

A fiança policial constituiu-se em resquício histórico que agora foi revigorado, ao passo que a manutenção legislativa dessa atribuição do delegado em arbitrar fiança, quando da concessão da liberdade, após as formalidades do auto de flagrante, reveste aquele de poder judicial que não lhe é próprio, ferindo o campo de atribuição judicial e permitindo abusos ao direito de liberdade do acusado. A fiança policial não permite a análise do art. 350 do CPP pelo delegado e impossibilita a imediata soltura do suspeito acuado pelo valor instituído como fiança. Ademais, somente a jurisdição penal, realizada pelo magistrado a partir de dados concretos da situação fática, tem o condão de impor uma medida cautelar.

A não concessão da liberdade sem fiança de forma imediata àquele que se apresenta como desprovido de recursos econômicos e a não substituição da fiança por outra obrigação ferem o direito à liberdade e afrontam a proibição do excesso e da máxima efetividade dos direitos humanos. O intérprete deve se recusar a aplicar normas que contenham sanções ou proibições excessivas, como a exigência de prova complexa da condição de miserabilidade do indivíduo encarcerado provisoriamente cuja liberdade está condicionada à fiança. Deve-se ponderar na escolha da norma, optando pela utilização das outras medidas cautelares diversas da prisão e da fiança, nesse caso em que há tensão entre a exigência de garantia real e a concessão da garantia constitucional da liberdade independentemente de fiança.

A fiança parece mais íntima dos crimes contra a ordem tributária, contra a relação de consumo ou ordem econômica, porque opera nesses casos, uma real presunção de enriquecimento ilícito do acusado, detendo ele condições de prestar a fiança, com o fim de custear o ressarcimento aos lesados, por meio dos valores advindos da vantagem indevida angariada. Não apresenta como obrigatória a fiança nesses casos, mas apenas como uma medida mais aconselhável para eles e inadequada para os brasileiros que fazem simples alegação da miserabilidade. Não se está dizendo que o revigoramento da fiança foi lastimável, mas na verdade, se propõe aqui é que os novos valores sejam aplicados de fato ao brasileiro médio, para o qual a medida cautelar é condizente.

Atualmente, se prevê a necessidade de ordem escrita e fundamentada para imposição de qualquer prisão, o que instaurou uma nova interpretação na sistemática do Direito Processual Penal para recusar qualquer norma que vede a restituição da liberdade ao preso em flagrante sem ordem judicial escrita e fundamentada, abalizada nos alicerces das cautelares. O CPP, ao manter o termo liberdade provisória, não conseguiu quebrar com a antiga presunção de culpa que se fazia a quem fosse preso em flagrante delito, mesmo assim o intérprete deve guardar a obrigatoriedade de análise judicial na necessidade da prisão e não mantê-la de forma automatizada, como se tem feito com aqueles que não apresentam  naipe em quitar a fiança. Nesse novo sistema cautelar, o aplicador da lei deve dar oportunidade para as outras medidas diversas da prisão, arroladas no art. 319 do CPP, testando a eficácia dessas e rompendo com a cultura inquisitorial-encarcerizadora que predomina. Não pode uma medida cautelar ser derivada de juízo abstrato de periculosidade, mas sim ser derivada de uma análise judicial fundamentada.  

As medidas estatais restritivas voltadas à garantia da ordem pública podem afetar o estado de inocência, mediante a restrição de liberdades individuais, somente em casos indispensáveis e desde que outra medida não seja possível, porquanto a proteção penal eficiente rege a atual ordem processual, de forma que o Estado deve proteger a sociedade, garantindo a segurança, e, ao mesmo tempo, preservando o alcance dos direitos fundamentais do acusado, evitando medidas que obstem a imediata colocação desse acusado em liberdade. Cabe ao Judiciário impedir, pelos meios possíveis e razoáveis, o aglomerado insalubre dentro dos cárceres como forma de concretude ao princípio da humanidade. A lei pode restringir direitos, liberdades e garantias, desde que seja de forma adequada, necessária e adote cargas coativas proporcionais em relação ao fim que se obstina. Diante de medidas igualmente idôneas, deve-se primar por aquela que seja menos lesiva ao direito sacrificado. Esse seria o caso da substituição da fiança por outra medida cautelar quando o acusado alega a simples falta de recurso econômico, porque se sabe que a eficácia da medida não é usar o meio mais eficaz, mas o suficientemente eficaz.

Na própria interpretação da lei, deve-se optar pela versão de alcance mais favorável ao acusado, sendo que se deve presumir como verdadeira a alegação da falta de condições econômicas do acusado que pleiteia liberdade sem fiança, já que essa mazela econômica é a regra dos encarcerados brasileiros. E ainda, porque se a própria lei de assistência judiciária gratuita já assume essa verdade quando o assistido declara por simples petição ser pobre, porque não se haveria de aplicar essa mesma presunção que decorre da lei àquele que pleiteia o benefício do art. 350 do CPP? Não pode o magistrado temer em aplicar as outras medidas cautelares diversas da prisão e da fiança nesses casos, sob o risco da degeneração e banalização daquelas medidas do art. 319 do CPP. Exige-se uma mudança na mentalidade dos atores judiciários. Cada caso concreto deve ser analisado, mas sem delongas, sem rodeios, e deve-se evitar desigualdade no tratamento dos acusados de diferentes níveis econômicos ao utilizar-se da mesma medida cautelar, porque cada medida do art. 319 do CPP se distingue como norma razoável para tratamento específico a pessoas diversas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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GONÇALVES, Suellen da Costa. Liberdade provisória: das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo intérprete. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3843, 8 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26327. Acesso em: 1 maio 2024.