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Da investigação e formação da prova dos atos de improbidade administrativa

instrumentos e o alcance dos poderes investigatórios (resguardo da privacidade, sigilo bancário, patrimonial e de comunicações telefônicas)

Da investigação e formação da prova dos atos de improbidade administrativa: instrumentos e o alcance dos poderes investigatórios (resguardo da privacidade, sigilo bancário, patrimonial e de comunicações telefônicas)

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Instrumento da maior importância na apuração dos atos de improbidade é o inquérito civil, em especial nas situações que envolverem os agentes ocupantes de cargos de maior superioridade hierárquica, destacadamente os chefes do Poder Executivo ou seus subordinados mais próximos.

Resumo: As demandas administrativas e judiciais desencadeadas por atos de Improbidade Administrativa caracterizam-se, na esmagadora maioria dos casos, pela complexidade jurídica, caracterizando-se pela dificuldade em sua apuração. Via de regra, originam-se de complexos mecanismos aptos a driblar os sistemas de controle e utilizam-se, impreterivelmente, de agentes públicos de todas as esferas estatais, exempli gratia, chefes do Executivo, membros do Legislativo, Judiciário, ou servidores públicos vinculados aos mais variados órgãos e entidades.

O agente administrativo controlador terá um árduo e incessante trabalho, se almejar lograr êxito na apuração dos fatos, já que terá que se impor a toda espécie de artifícios e fraudes. A tentativa de superar o insucesso na responsabilização dos corruptos que se multiplicam em nosso País terá seu momento mais crucial na construção de um suporte probatório conciso e incontestável, sem o qual, o agente julgador, adstrito ao princípio da legalidade e sob o manto da imparcialidade, fatalmente manterá a situação em seu status quo.

Esta resenha almeja, ainda que de forma breve, sistematizar e descrever os instrumentos investigativos à disposição dos legitimados ativos destas causas, a fim de que sejam minuciosamente esclarecidas quaisquer condutas eventualmente tipificadas como atos de improbidade administrativa.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Lei 8.429/92. Improbidade Administrativa.

SUMÁRIO: 1- Controle interno da improbidade administrativa: autotutela, controladorias e controle popular; 2- O inquérito civil: instauração, sigilo das investigações, encerramento; 3- Relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI); 4- Auxílio dos Tribunais de Contas; 5- Alcance dos poderes investigatórios; 5.1- Sigilo de comunicações telefônicas; 5.2- Sigilo de dados e fiscal ; 5.3- Sigilo patrimonial; Considerações Finais.


Controle interno da improbidade administrativa: autotutela, controladorias e controle popular

Nos ensinamentos de Wallace Paiva Martins Júnior[1], os atos de improbidade administrativa, por constituírem faltas disciplinares, não só podem como devem, ser investigados administrativamente pela autoridade administrativa competente, como decorrência do poder-dever disciplinar e do princípio da moralidade. A omissão de providências para repressão de tal ato importará em ato sujeito à própria Lei 8.429/92 para o agente público omisso.

As dificuldades encontradas na investigação e responsabilização internas destas práticas são freqüentes por vários motivos como: corporativismo, apadrinhamentos ou porque o fato é praticado pelo superior hierárquico. Ipso fato, justifica-se a existência de diversos órgãos independentes colimados a este fim, a exemplo das corregedorias, ouvidorias e, destacadamente, as controladorias, as quais merecem breves digressões.

As controladorias governamentais, v.g., a CGU (Controladoria Geral da União), ou, em melhor linguagem, as informações colhidas por estas entidades podem ser de grande valia na investigação dos atos de improbidade. Diversamente das auditorias de empresas particulares, as quais são realizadas de forma esporádica, as controladorias devem ter caráter permanente, objetivando oferecer alternativas de melhoria na atuação de cada setor da Administração Pública, visando a qualidade, transparência e, sobretudo, a probidade administrativa.

Nos termos do artigo 74 da Constituição Federal de 1988, cada Poder terá um Sistema de Controle Interno, e seus responsáveis possuem responsabilidade solidária, pois ao tomarem conhecimento de alguma irregularidade e deixarem de dar ciência ao Tribunal de Contas, poderão ser responsabilizados, até mesmo, criminalmente. Apesar desta previsão constar desde a redação original de nossa Carta Magna, nem a própria União possuía uma Controladoria realmente estruturada, o que foi sanado com o Decreto nº. 3.591, de 06 de setembro de 2000.

Infelizmente, a estrutura das controladorias ainda deixa muito a desejar. Essa limitação nos seus quadros faz com os procedimentos sejam realizados por amostragem, o que ainda torna precária a fiscalização dos recursos públicos por este instrumento de controle interno.

Ainda na seara do controle interno, o artigo 14 da Lei 8.429/92 trouxe relevantes aspectos no tocante ao controle popular da Administração Pública, senão vejamos.

Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.

§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.

§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.

Vaticina o dispositivo que a investigação destinada a apurar atos de improbidade administrativa, além da possibilidade de ser instaurada de ofício, ou por requisição do Parquet, pode ser iniciada por qualquer pessoa do povo. Para tanto, é necessária a representação com exposição do fato e indicação de provas de que tenha conhecimento.

O artigo 15 da Lei 8.429/92 determina que a existência de procedimento administrativo destinado a apurar ato de improbidade deve ser comunicada ao Tribunal de Contas e ao Ministério Publico, o qual pode dar início a inquérito civil. A rejeição da representação por parte da autoridade responsável deve ser fundamentada sob pena de nulidade (art. 14, § 2º da Lei 8429/92).

Além da instauração de oficio e mediante petição de qualquer do povo (esta admitida até de forma anônima desde que bem fundamentada), a instauração de procedimento administrativo pode se dar mediante requisição do Ministério Público, nos termos do artigo 22 da Lei de Improbidade Administrativa. Assim, posta em prática tal requisição por membro do MP, sua instauração é obrigatória e vinculada, e a autoridade responsável tem o ônus de bem desempenhar tal encargo.

Se o Parquet concluir pela inexistência de atos de improbidade, podem ser requisitadas novas diligências ou opinar pelo arquivamento, o qual será submetido a reexame necessário pelo Conselho Superior do Ministério Público.


2- O inquérito civil: instauração, sigilo das investigações, encerramento

Na grande maioria dos casos, em especial naqueles que envolverem os agentes ocupantes de cargos de maior superioridade hierárquica, destacadamente os chefes do Poder Executivo ou seus subordinados mais próximos, o instrumento mais adequado à investigação dos ilícitos será o inquérito civil. 

Nas lições de Marino Pazzaglini Filho[2], o inquérito civil tem sua origem em nosso ordenamento jurídico com o advento da Lei 7.347/85, a qual, ao instituir a ação civil pública, proveu o Parquet deste instrumento investigatório afeito à apuração de danos aos interesses difusos e coletivos, tais como o meio ambiente, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, além de direitos dos consumidores.

Diante de sua importância, o inquérito civil alçou status constitucional na Carta Política de 1988, em seu artigo 129, III, onde foram acrescidos em seu campo de investigação danos ao patrimônio público e quaisquer interesses difusos e coletivos. Posteriormente, o instituto foi novamente inscrito em diploma legal, agora, na Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Federal 8.625/93), em seus artigos 25, IV e 26, I a III, como instrumento afeito à proteção do patrimônio público e da moralidade administrativa.

Marino Pazzaglini Filho[3], há pouco citado, define o mencionado instituto:

O inquérito civil, pois, é instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público, que tramita em sua via administrativa, instaurado e presidido por membro dessa Instituição, para a apuração de fatos ou atos eventualmente atentatórios ao interesse público, difuso ou coletivo, inclusive, portanto, transgressores da probidade administrativa, e tem por objetivo coletar elementos probatórios para formação do convencimento do órgão ministerial sobre o ajuizamento da ação civil (pública ou de improbidade administrativa) (sic) ou sobre seu arquivamento por não configuração, na essência, ou, por falta de provas, do fato violador investigado ou de sua autoria.

Portanto, a finalidade mediata do inquérito civil é a coleta de dados que habilitem o representante do Ministério Público ao ajuizamento fundado da ação civil, isto é, com respaldo de elementos de convicção e não em meras suposições ou fatos genéricos ou imprecisos.        

Assim, o inquérito civil é instrumento de uso exclusivo do Parquet utilizado, em um primeiro momento, com o fim de coletar elementos demonstradores da ocorrência do ilícito e de sua autoria. Em um segundo momento, tem o escopo de aferir a necessidade de propositura de ação judicial e sua instrumentação. A despeito de não haver qualquer liame de exclusividade entre o inquérito civil e a ação civil publica, servirá como suporte probatório mínimo desta, v.g., coletando documentos indispensáveis à demonstração do fato investigado.

A instauração do inquérito civil é facultativa, pois além de não se revestir de pressuposto legal ao aforamento da ação civil pública, pode ser prescindível como instrumento investigativo, em virtude do Parquet já estar  municiado  de  todos os  elementos  necessários  à petição inicial, obtidos por Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), peças de informações remetidas por autoridades judiciárias, administrativas e legislativas oriundas de processos administrativos, civis e criminais, ou de relatórios dos Tribunais de Contas.

Em razão de o inquérito civil caracterizar-se como procedimento administrativo inquisitório, a maioria dos autores, v.g., Wallace Paiva Martins e Hugo Nigro Mazzili, afirmam não ser exigido o contraditório e a ampla defesa. Este aspecto não excluiria a possibilidade do Parquet requisitar a participação do investigado, o que, frise-se, não constitui direito deste.

A conseqüência desta característica acha-se no valor relativo dos elementos probatórios ali colhidos, os quais, como assinala Hugo Nigro Mazzili[4], podem ser contestados em juízo, sob as garantias da ampla defesa e do contraditório. Entretanto, pondera o autor, o elevado valor do inquérito civil como prova em juízo se dá em virtude de tratar-se de investigação pública e de caráter oficial. Quando regularmente realizado, o que nele se apurar tem eficácia e validade em juízo, como perícias e inquirições.

Wallace Paiva Martins[5] destaca que se a improbidade foi detectada em informações e documentos públicos constantes do inquérito civil, só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzidas sob a vigilância do contraditório.   

Rogério Pacheco Alves[6], ao abordar o tema do valor probatório do inquérito civil, acrescenta:

Quanto aos documentos e pericias, geralmente produzidos no inquérito civil, há uma peculiaridade. Com efeito, por se tratarem, em regra, de provas irrepetíveis (o documento, sempre, a pericia, eventualmente), cuja reprodução no processo, por motivos óbvios, se torna impossível, tais elementos deverão e poderão ser levados em conta pelo juiz para a formação de seu convencimento, pouco importando, que seu nascimento, como soi acontecer,tenha se dado ao largo do contraditório no inquérito. Incidirão, quanto a tais provas, o que alguns convencionaram chamar de contraditório diferido. Bem vistas as coisas, em verdade, não há aqui, propriamente, uma exceção ao princípio do contraditório, o que seria inadmissível diante das imperativas regras constitucionais, mas, apenas, um adiamento de seu exercício.

Encerradas as investigações do inquérito civil, o membro do Ministério Público decidirá acerca do ajuizamento da ação civil pública ou do arquivamento do procedimento.

Acerca do arquivamento do inquérito civil, vejamos as lições de Marino Pazzaglini Filho[7]:

O presidente do inquérito civil, esgotadas as diligências sobre o fato investigado, convencendo-se que dele não decorreu ato de improbidade administrativa ou mesmo que os dados apurados não ensejam juízo de valor não temerário de sua real verificação, deve proceder a seu motivado arquivamento e remetê-lo ao Conselho Superior do Ministério Público, que tem a atribuição de rever o arquivamento do inquérito civil (art. 30 da Lei 8.625/93).

Funciona o Conselho Superior do MP como verdadeiro fiscal do princípio da obrigatoriedade em ações civis com interesses difusos ou coletivos. Desta maneira, este órgão poderá homologar o arquivamento, requerer novas diligências a seu convencimento ou reformar o arquivamento e determinar que outro membro do MP promova a ação civil pública.

A homologação do arquivamento vincula a instituição do MP e somente com novas (rectius), inovadoras provas pode se proceder ao desarquivamento, não inibindo, porém, que terceiros interessados ingressem em novo feito no mesmo caso concreto.


3- Relatórios das comissões parlamentares de inquérito (CPI)

Como explicitado nos capítulos introdutórios deste trabalho, o Poder Legislativo realiza o controle da administração pública, principalmente com relação à legalidade de seus atos, cabendo fiscalizar o aspecto financeiro-orcamentário, assim como os princípios da moralidade e da probidade, quanto à gestão do patrimônio publico, com o auxilio dos Tribunais de Contas.

Assim, podem ser muito valiosos à investigação dos atos de improbidade administrativa as provas e relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Estes devem ser encaminhados à autoridade administrativa para a responsabilização civil e criminal de seus agentes (art.58, § 3º da CF/88).

Destaque-se que as CPIs têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, além daqueles previstos nos regimentos internos de cada casa.

Importante instrumento à disposição das CPIs está previsto no art. 4º da LC 105/01, no qual se confere a estas comissões o poder de quebrar o sigilo bancário de eventuais investigados, independente de autorização judicial.

Art. 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais.

§ 1o As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.

§ 2o As solicitações de que trata este artigo deverão ser previamente aprovadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito.

Apesar dos poderes excepcionalmente conferidos às CPIs, algumas medidas permanecem, sob o controle jurisdicional, a exemplo da busca domiciliar, interceptação telefônica e decretação de prisão, esta excepcionada pela prisão em flagrante.


4- Auxílio dos Tribunais de Contas

A Carta Magna de 1988 ao abordar a fiscalização contábil, financeira e orçamentária realizada pelo Poder Legislativo, previu expressamente o controle externo realizado pelos Tribunais de Contas. Trata-se de órgão essencialmente técnico com competência para fiscalizar o cumprimento das normas legais e princípios jurídicos que disciplinam a utilização dos recursos públicos.

Com relação à origem e natureza jurídica desse tribunais, acrescenta-se:

Criados por iniciativa de Ruy Barbosa, em 1890, o Tribunal de Contas é instituição estatal independente, pois seus integrantes têm as mesmas garantias atribuídas ao Poder Judiciário (CF, art. 73, §3°). Daí ser impossível considerá-lo subordinado ou inserido na estrutura do Legislativo. Se a sua função é atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas constitucionais, é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes [8].

Vejamos os dispositivos constitucionais da Carta de Outubro:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio  do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]           

O art. 70 da CF/88 prevê a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Por fiscalização contábil, entende-se aquela relativa aos registros de receita e despesa; financeira é o controle sobre depósitos bancários, pagamento e recebimento de valores, empenhos, etc. A orçamentária visa o acompanhamento do orçamento, quanto aos limites traçados pela Lei.

Já o controle operacional incide sobre a execução de atividades administrativas em geral, sobre o funcionamento da máquina administrativa, bem como o atendimento aos princípios da eficiência e da celeridade. O controle patrimonial recai sobre os bens públicos; seria, por exemplo, uma fiscalização em imóveis, automóveis, etc..

Esta fiscalização será feita quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas.

O controle da legitimidade observa se a substância do ato se ajusta à lei e aos princípios da boa administração. Exemplo: inexigibilidade de licitação - será verificado não só o aspecto formal do ato, mas se este realmente se enquadra entre os casos permitidos em lei [9].

O controle da economicidade enseja a verificação de como o órgão procedeu na aplicação da despesa pública, com eficiência e buscando a alternativa menos dispendiosa ao erário, numa adequada relação de custo-benefício. No controle da aplicação de subvenções verifica-se se as verbas tiveram o destino determinado pela lei, bem como se foi utilizada de forma econômica e criteriosa. Como exemplo, temos as irregularidades em função da não aplicação do mínimo previsto para a saúde e educação[10].

Por fim, quanto à renúncia de receitas, o que se pode dizer é que esta deve ser excepcional, pois o administrador não pode deixar de receber recursos que serão revertidos para toda a coletividade, salvo se isto traduzir em interesse público específico devidamente motivado.

O art. 71 da CF/88 traz as competências do TCU que, pelo princípio da simetria, são as mesmas das Cortes estaduais. A doutrina, de forma geral, recomenda o seu agrupamento nas seguintes atividades: fiscalizadora, judicante, sancionadora, consultiva, informativa, corretiva, normativa e ouvidoria, sobre as quais realizaremos breve resenha, diante da pertinência com o tema deste trabalho.

A função fiscalizadora consiste na realização de inspetorias e auditorias em órgãos e entes da administração direta e indireta. Essa função não se limita a meros aspectos de legalidade (fiscalização formal) dos atos do administrador, mas também, a valoração da legitimidade e economicidade das despesas públicas (fiscalização material).

     Exemplificando, temos a avaliação acerca da legalidade dos atos de admissão e de aposentadoria, a aplicação das transferências de recursos federais aos municípios, o cumprimento da LRF (principalmente com relação à despesa com pessoal), o endividamento público, o controle prévio sobre o procedimento licitatório, sendo permitido examinar editais, atos de dispensa e inexigibilidade de licitação e sustar os certames que estejam à margem da lei (art. 71, X e § 1º da CF/88).

     A função judicante não se confunde com o exercício da função jurisdicional e viabiliza a imposição de sanções aos autores de irregularidades, como por exemplo, nos casos de infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Está previsto no art. 71, II da CF/88: compete ao TCU “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos...”, onde deve se entender que os Tribunais de Contas devem apreciar, examinar, analisar estas contas, dos administradores públicos, que não os chefes do executivo.

       Esta apreciação pelo Tribunal de Contas está sujeita à revisão e controle do Poder Judiciário em casos de vício de legalidade (jamais quanto ao mérito) e não possui o caráter definitivo que qualifica os atos jurisdicionais.

     A função sancionadora possibilita ao Tribunal inibir irregularidades e garantir o ressarcimento aos cofres públicos, sem olvidar da aplicação de penalidades em outras instâncias como a cível, criminal e eleitoral. Está prevista no art. 71, VIII da CF/88, onde é vaticinado competir ao Tribunal de Contas aplicar aos agentes que tiveram suas contas rejeitadas multa proporcional ao dano causado ao erário, bem como a obrigação de repará-lo.

     Como exemplos emblemáticos das penalidades normalmente aplicadas, citamos a aplicação de multa proporcional ao débito imputado, multa por infração à LRF, afastamento do cargo de dirigente que obstrui a auditoria, decretação de indisponibilidade de bens por até um ano, declaração de inidoneidade para contratar com a administração pública por até cinco anos, declaração de inabilitação para o exercício de função de confiança, dentre outras.

     O art. 71, §3° da CF/88 vaticina que as decisões do Tribunal de Contas que importarem em imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo extrajudicial.

     A função consultiva consiste na elaboração de pareceres prévios sobre as contas do chefe do Executivo, dos demais Poderes e do Ministério Público, a fim de subsidiar seu julgamento pelo Poder Legislativo (art. 71, I e 31, § 1º e 2º da CF/88). Também se relacionam a essa função as respostas às consultas feitas por determinadas autoridades sobre assuntos relativos às competências do Tribunal de Contas.  

     A função informativa é realizada mediante três atividades: envio ao poder legislativo de informações sobre as fiscalizações realizadas, expedição dos alertas previstos pela lei de responsabilidade fiscal e manutenção de página na internet contendo dados importantes sobre a atuação do tribunal, as contas públicas, etc.

     A função corretiva, prevista no artigo art. 71, IX e X da CF/88 consiste em assinar prazo para a adoção de providências que visem o cumprimento da lei e a sustação do ato impugnado quando não forem adotadas as providências determinadas. em se tratando de contratos, a matéria deverá ser submetida ao poder legislativo. se este não se manifestar em 90 dias, o tribunal de contas poderá decidir a questão.

     A função normativa decorre do poder regulamentar conferido pela lei orgânica, que faculta a expedição de instruções, deliberações e outros atos normativos relativos à competência do tribunal e a organização dos processos que lhe são submetidos.

     A função de ouvidoria consiste no recebimento de denúncias apresentadas pelo controle interno, por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato.

     Maria Sylvia Zanella Di Pietro[11] destaca que, no desempenho de suas atribuições, o Tribunal de Contas adota quatro procedimentos básicos: tomada de contas, tomada de contas especial, fiscalizações e monitoramentos.

     A tomada de contas é uma ação desempenhada para apurar a responsabilidade de pessoa física, órgão ou entidade que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte ou possa resultar dano ao erário, sempre que o responsável não prestar as contas como deveria ou, ainda, quando não obrigado a prestar contas.

     A tomada de contas especial é ação determinada pelo Tribunal ou por autoridade responsável pelo controle interno com a finalidade de adotar providências, em caráter de urgência, nos casos previstos pela legislação em vigor, para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação pecuniária do dano. As fiscalizações são as inspeções e auditorias.

     O monitoramento se trata do acompanhamento do cumprimento de suas deliberações, bem como dos resultados obtidos. Juntamente com as sanções aplicadas, é uma forma de assegurar a efetividade de suas decisões.

     Pacheco Alves[12] acrescenta:

Identificados vícios que não sejam adstritos a mera irregularidade formal, além das sanções que estão legitimados a aplicar, é de bom alvitre que os Tribunais de Contas Omitida a comunicação, poderão os legitimados, ou mesmo qualquer pessoa – pois o art. 14 da Lei 8.429/92 assegura o direito de representação aqueles – solicitar as informações necessárias e ulteriormente adotar as medidas que se afigurem mais adequadas a hipóteses .

Junto ao Tribunal de Contas também atua o Ministério Público Especial que, além de fiscal da lei, defende os interesses do erário, se manifestando na maioria dos processos a serem apreciados pela Corte. Há apenas uma discreta menção na Constituição Federal a respeito destes representantes ministeriais, no art. 130.

Portanto, em síntese conclusiva, o auxílio dos tribunais de contas pode ser de grande utilidade na apuração dos atos de improbidade administrativa, destacando-se como importantes colaboradores os membros do Ministério Público junto a estes Tribunais.


5- O ALCANCE DOS PODERES INVESTIGATÓRIOS (RESGUARDO CONSTITUCIONAL DA PRIVACIDADE, SIGILO BANCÁRIO, PATRIMONIAL E DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS)

Durante o procedimento de apuração de eventuais atos de improbidade administrativa a autoridade administrativa deve se utilizar de todos os meios permitidos pelo ordenamento jurídico a fim de apurar a situação fática sob suspeita.

Passemos a discutir aspectos de fundamental importância em nosso tema relacionados a informações alcançadas pelo sigilo legal e o alcance dos poderes investigatórios.

5.1- Sigilo de comunicações telefônicas

Consagrada na Carta Magna de 1988, a garantia a inviolabilidade das comunicações telefônicas só é excepcionada, no próprio texto constitucional, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal e mediante ordem judicial (art. 5º, XII CF/88). A nível infraconstitucional, a matéria do sigilo das comunicações e seus dados é regulada na Lei 9.296/96 e o sigilo de dados cadastrais pela Lei 9.472/97, destacadamente em seu artigo 3º.

Portanto, configura-se prova ilícita a interceptação telefônica (captação e gravação por terceiro de conversa telefônica, sem conhecimento de qualquer dos interlocutores) em investigações relativas a ações de improbidade administrativa.

 A doutrina, representada por autores da estirpe de e Rogério Pacheco Alves[13] e Marino Pazzaglini Filho[14], ressalta que esta garantia constitucional limita-se à comunicação telefônica, sem abranger os dados ou registros armazenados nas companhias telefônicas, como os relacionados nas respectivas contas, a exemplo do número e propriedade do telefone chamado, data, horário. Concluem desta maneira, pela constitucionalidade e legalidade da quebra de sigilo de dados telefônicos pela autoridade administrativa ou pelo Parquet, independente de qualquer autorização judicial, nos termos da Lei 8.625/93 (art. 26, II, IV, V e § 2º, e Lei Complementar 75/93).

De fato, algumas dessas informações, como proprietário da linha telefônica, endereço do proprietário, já se encontram publicadas em listas telefônicas e outros manuais, como no caso de alguns profissionais, isso sem qualquer necessidade de ordem judicial, coadunando com a impossibilidade de se exigir seu sigilo, ainda mais em situações que envolvam o interesse publico.

Wallace Paiva Martins citando Alexandre de Moraes[15] tem opinião destoante da jurisprudência e da maioria da doutrina, concluindo pela possibilidade de utilização de gravações telefônicas dos envolvidos em atos de improbidade administrativa:

Por conjugação dos princípios da moralidade e da publicidade, o agente público está impedido de utilizar a inviolabilidade da intimidade e da privacidade para a prática de atos ilícitos, sendo permitida a utilização de gravações clandestinas, realizadas sem o conhecimento do agente, que comprovem sua participação, no exercício da função, em atos de improbidade administrativa, pois não há sigilo na condução dos negócios públicos, mas transparência.

Ressalte-se que as suso mencionadas informações relativas à data da chamada telefônica, horário, número do telefone chamado, duração do uso podem ser de grande valia na comprovação de fatos alegados em ações de improbidade, como: envolvimento entre investigados, grau de intimidade entre estes, relação entre datas das chamadas e eventos relacionados aos atos ilícitos, etc.

5.2- Sigilo de dados e fiscal

Para Marino Pazzaglini Filho[16], a inviolabilidade do sigilo de dados (art.5º, XII da CF/88) complementa a proteção da intimidade e da privacidade (art.5º, X da CF/88), sendo uma de suas manifestações e abrangendo as informações fiscais e bancárias, as quais, só em situações excepcionais podem ter seu sigilo quebrado, em razão de interesse da Justiça e das Fazendas Públicas.

Nessa toada, o sigilo bancário tem a finalidade precípua de preservação da intimidade e caracteriza-se como uma garantia constitucional da inviolabilidade dos dados e informações inerentes ao cidadão, advindas das relações do particular com o do sistema bancário ou qualquer instituição do Sistema Financeiro Nacional.

Assim como todas as garantias constitucionais, o sigilo bancário não detém caráter absoluto, a exemplo do sigilo fiscal. Nas hipóteses expressamente previstas no ordenamento jurídico, regulada,s em especial, na Lei Complementar 105/2001, pode ser quebrado este sigilo.

Este dispositivo legal, apesar de reafirmar o sigilo bancário, enumerou hipóteses legais e judiciais de seu afastamento. Observa-se que alguns de seus dispositivos dispensam a decretação judicial para o acesso as informações sigilosas, das quais podemos citar as solicitações das CPIs às instituições financeiras, ao Banco Central ou à Comissão de Valores Mobiliários (art. 4º, LC 105/2001) e da Advocacia-Geral da União, em caso de necessidade de defesa da União nas ações que seja parte (art. 3º, §4º, LC 105/2001).

Acrescente-se que a mesma lei vaticinou, em seu artigo 1º, não constituir violação do dever de sigilo a troca de informações sobre serviços e operações entre instituições financeiras e a prestação de informações destas à Administração Tributária Federal, desde que estas informações sejam mantidas sob sigilo nestes órgãos.

É pacifico na jurisprudência dos Tribunais Superiores o entendimento que a quebra de sigilo bancário para fins de investigação, como nos casos do inquérito civil, não poderá ser requisitado diretamente pela via administrativa por parte da autoridade responsável pelo procedimento investigatório, e, sim, fundamentadamente, requerida ao Poder Judiciário, a quem cabe decidir sobre a devida pertinência.   

A natureza desse requerimento ao Judiciário, geralmente destituído de contraditório ou com contraditório diferido, é objeto de discussões na doutrina. Fabio Medina Osório[17], afirma tratar-se de medida investigativa semelhante a um mandado de busca e apreensão ou uma prisão preventiva, não havendo demanda, citação ou ação processual.

Já Rogério Pacheco Alves[18] considera que a sua requisição durante a fase administrativa do inquérito (pré-processual) a qualificaria como produção antecipada de provas (art. 846 CPC), medida que, apesar de localizada nos procedimentos cautelares, tem índole administrativa. A ausência de natureza cautelar traz como conseqüências: não se prevenir a competência para a ação principal (enunciado no 263 TRF) e a não-incidencia das regras dos arts. 806 e 808 do CPC e do artigo 17 da Lei 8429/92 (prazo de 30 dias para interposição da ação principal após a efetivação a medida cautelar).

Em arremate ao exposto, ressalta-se que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que o procedimento judicial destinado a quebra do sigilo bancário, além de não exigir contraditório, é sigiloso, com objetivo de resguardar a eficácia das investigações. Limitar-se-á o magistrado a autorizar a instituição bancária ou financeira a fornecer as informações requeridas ao MP, desde que preenchidos os pressupostos legais e sem a necessidade de preexistência de processo judicial (nem mesmo cautelar) em curso (artigos 1º a 4º da LC 105/2001), bastando simples autorização do magistrado.

5.3-  Sigilo patrimonial

Assim como o sigilo bancário, o sigilo patrimonial exsurge como um desdobramento da garantia à privacidade.

Como qualquer garantia constitucional, o sigilo patrimonial sofre restrições legais, uma das quais, relacionada visceralmente a nosso tema, encontra-se vaticinada na Lei 8.730/93 e no artigo 13 da Lei de Improbidade Administrativa, relacionadas à declaração de bens de agentes públicos. O último dispositivo mencionado faz jus à transcrição, em face o seu caráter auto-explicativo:

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.

§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.

§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.

§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.

§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.

Como se depreende da leitura do dispositivo legal, ao ver sua evolução patrimonial pessoal e familiar monitorada, o sigilo patrimonial do agente público é mitigado, com o fito de prevenir e facilitar a elucidação de atos de improbidade em razão de seu cargo, além de facilitar a indisponibilidade de bens visando um eventual ressarcimento aos cofres públicos.

A requisição desta declaração efetuada pelo agente público ao órgão encarregado de seu arquivamento é plenamente possível, e carece de mandado judicial, frente ao disposto na Lei 8429/92.

Nos termos já expostos, a lei 8.730/93 também regula a matéria, só que de forma mais ampla. Dispositivo da maior importância, mas pouquíssimo utilizado na práxis forense, vaticina ao Tribunal de Contas publicar periodicamente dados e elementos constantes da declaração, fornecendo certidões e informações a qualquer cidadão interessado (e não só a o MP), a fim de fornecer subsídios a ajuizar Ação Popular que vise preservar o patrimônio publico e a moralidade administrativa. Realçada a sua relevância, vejamos os trechos mais relevantes dos dispositivos referidos:

Art. 1º É obrigatória a apresentação de declaração de bens, com indicação das fontes de renda, no momento da posse ou, inexistindo esta, na entrada em exercício de cargo, emprego ou função, bem como no final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou mandato e nas hipóteses de exoneração, renúncia ou afastamento definitivo, por parte das autoridades e servidores públicos adiante indicados:

I - Presidente da República;

II - Vice-Presidente da República;

III - Ministros de Estado;

IV - membros do Congresso Nacional;

V - membros da Magistratura Federal;

VI - membros do Ministério Público da União;

VII - todos quantos exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da União.

§ 1º omissis

§ 2º O declarante remeterá, incontinenti, uma cópia da declaração ao Tribunal de Contas da União, para o fim de este:

I - manter registro próprio dos bens e rendas do patrimônio privado de autoridades públicas;

II - exercer o controle da legalidade e legitimidade desses bens e rendas, com apoio nos sistemas de controle interno de cada Poder;

III - adotar as providências inerentes às suas atribuições e, se for o caso, representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados;

IV - publicar, periodicamente, no Diário Oficial da União, por extrato, dados e elementos constantes da declaração;

V - prestar a qualquer das Câmaras do Congresso Nacional ou às respectivas Comissões, informações solicitadas por escrito;

VI - fornecer certidões e informações requeridas por qualquer cidadão, para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, na forma da lei.

Art. 2º A declaração a que se refere o artigo anterior, excluídos os objetos e utensílios de uso doméstico de módico valor, constará de relação pormenorizada dos bens imóveis, móveis, semoventes, títulos ou valores mobiliários, direitos sobre veículos automóveis, embarcações ou aeronaves e dinheiros ou aplicações financeiras que, no País ou no exterior, constituam, separadamente, o patrimônio do declarante e de seus dependentes, na data respectiva.

Art. 3º A não apresentação da declaração a que se refere o art. 1º, por ocasião da posse, implicará a não realização daquele ato, ou sua nulidade, se celebrado sem esse requisito essencial.

Art. 4º Os administradores ou responsáveis por bens e valores públicos da administração direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, assim como toda a pessoa que por força da lei, estiver sujeita à prestação de contas do Tribunal de Contas da União, são obrigados a juntar, à documentação correspondente, cópia da declaração de rendimentos e de bens, relativa ao período-base da gestão, entregue à repartição competente, de conformidade com a legislação do Imposto sobre a Renda.

§ 1º omissis

§ 2º Será lícito ao Tribunal de Contas da União utilizar as declarações de rendimentos e de bens, recebidas nos termos deste artigo, para proceder ao levantamento da evolução patrimonial do seu titular e ao exame de sua compatibilização com os recursos e as disponibilidades declarados.

Ressalte-se, como um terceiro mecanismo a ser utilizado nas ações de improbidade administrativa, a previsão do artigo 198, § 1º, II do Código Tributário Nacional, o que também conferem às autoridades administrativas o acesso aos dados concernentes ao patrimônio do investigado.

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: 

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo o que foi exposto ao longo deste texto, podemos sintetizar relevantes conclusões.

A caracterização da defesa do patrimônio público como um interesse difuso, faz com que, ao lado da Lei 8.429/92, todo o sistema normativo voltado à normatização dos interesses difusos regule a improbidade, incidindo, portanto, a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85), Lei de Ação Popular (Lei 4717/65), e o CDC (Lei 8078/90), além da aplicação subsidiária do CPC e do CPP, como no caso do inquérito civil.

A investigação destinada a apurar atos de improbidade administrativa, além da possibilidade de ser instaurada de ofício, ou por requisição do Parquet, pode ser iniciada por qualquer pessoa do povo. Para tanto, é necessária a representação com exposição do fato e indicação de provas de que o cidadão tenha conhecimento. A existência de procedimento administrativo destinado a apurar ato de improbidade deve ser comunicada ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público.

Instrumento da maior importância na apuração dos atos de improbidade é o inquérito civil, em especial nas situações que envolverem os agentes ocupantes de cargos de maior superioridade hierárquica, destacadamente os chefes do Poder Executivo ou seus subordinados mais próximos.

A produção da prova em processos administrativos movidos por atos de improbidade deve estar inserida em perspectivas de respeito aos direitos constitucionalmente garantidos.

A garantia da inviolabilidade das comunicações telefônicas só é excepcionada, no próprio texto constitucional, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal e mediante ordem judicial (art. 5º, XII CF/88). Portanto, configura-se prova ilícita a interceptação telefônica (captação e gravação por terceiro de conversa telefônica, sem conhecimento de qualquer dos interlocutores) em investigações relativas a ações de improbidade administrativa. Entretanto, esta garantia constitucional limita-se à comunicação telefônica, sem abranger os dados ou registros armazenados nas companhias telefônicas, como os relacionados nas respectivas contas, a exemplo do número e propriedade do telefone chamado, data, horário, independente de qualquer autorização judicial. Tais informações relativas à data da chamada telefônica, horário, número do telefone chamado, duração do uso podem ser de grande valia na comprovação de fatos alegados em ações de improbidade, como: envolvimento entre investigados, grau de intimidade entre estes, relação entre datas das chamadas e eventos relacionados aos atos ilícitos, etc.

Em relação à quebra de sigilo bancário, tal medida não poderá ser requisitada diretamente pela via administrativa por parte da autoridade responsável pelo procedimento investigatório, e, sim, fundamentadamente requerida ao Poder Judiciário, a quem cabe decidir sobre a devida pertinência.   

Ao ver sua evolução patrimonial pessoal e familiar monitorada, o sigilo patrimonial do agente público é mitigado, com o fim de prevenir e facilitar a elucidação de atos de improbidade em razão de seu cargo, além de facilitar a indisponibilidade de bens visando um eventual ressarcimento aos cofres públicos.

Podem ser muito valiosos à investigação dos atos de improbidade administrativa as provas e relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e dos Tribunais de Contas. Estes devem ser encaminhados ao MP para a responsabilização civil e criminal de seus agentes (art.58, § 3º da CF/88).

Em síntese conclusiva, o legitimado ativo das investigações relativas a atos de improbidade administrativa deve conhecer a fundo e utilizar com eficiência toda a vasta legislação e os inúmeros instrumentos a sua disposição, a fim de ter êxito na responsabilização dos agentes que praticam tais condutas, sem, com isto, olvidar do respeito aos direitos e garantias fundamentais, o que será grande óbice à perpetuação da impunidade em ilícitos dessa natureza.


REFERÊNCIAS

[1]               MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

[2]               PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: Aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

[3]                 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: Aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006

[4]               MAZZILI, Hugo Nigro. O inquérito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

[5]               MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

[6]                 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 595

[7]                 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: Aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006, pg. 179-180

[8]              MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

[9]               DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.    

[10]             CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

[11]             DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 

[12]               GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pg. 155-156

[13]             GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

[14]             PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: Aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

[15]               MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pg. 473

[16]             PAZZAGLINI FILHO, Marino. op. cit., 2006.

[17]             OSÓRIO, F. M. Teoria da improbidade administrativa – má gestão pública, corrupção, ineficiência São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

[18]             GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.


Autor

  • Paulo Henrique Carneiro Fontenele

    Procurador Federal. Ex-Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Ex-Procurador Autárquico da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMACE). Pós-graduado em Direito do Estado. Pós-graduando em Direito Administrativo. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC)<br>

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTENELE, Paulo Henrique Carneiro Fontenele. Da investigação e formação da prova dos atos de improbidade administrativa: instrumentos e o alcance dos poderes investigatórios (resguardo da privacidade, sigilo bancário, patrimonial e de comunicações telefônicas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4085, 7 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30188. Acesso em: 3 maio 2024.